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Bruxa Errante, a Jornada de Elaina – Vol. 3 – Cap. 11 – Luto Retroativo

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Ali estava uma linda cidade chamada “Aldeia Relógio de Rostolf”, discretamente instalada em um largo cinturão de pradarias.

As casas estavam bem organizadas e no centro da cidade havia uma praça, onde ficava uma grande torre de relógio pairando sobre tudo. No exato momento em que a garota se sentou em um banco da praça, os ponteiros da torre do relógio apontavam diretamente para o céu azul, e o som de um carrilhão marcando meio-dia soou por todo o país.

Pássaros distantes se espalharam pelo ar, assustados com o carrilhão alto, mas digno, que, no entanto, fazia tudo por perto tremer.

A garota estava assistindo a situação cheia de preguiça.

Ela tinha cabelos cinzentos e olhos cor lápis-lazúli e estava no final da adolescência.

Ela era uma bruxa e uma viajante.

A garota deixou um suspiro escapar, como se a bela paisagem urbana acalmasse seu coração.

— Estou com fome…

Erro meu.

Ela só estava com fome.

— Nenhum dinheiro…

E estava quebrada.

Então é isso.

Quem diabos poderia ser essa garota, essa bruxa atormentada pela fome e pela pobreza no meio de uma bela paisagem urbana?

— …

Isso mesmo. Euzinha.

Embora eu desejasse que não fosse.

Quero chorar.

Não é fácil dizer como cheguei a esse ponto. Honestamente, eu não estava prestando atenção nas minhas finanças. Isso acontece com as melhores famílias.

Bem, continuei minhas viagens, pensando que estaria tudo bem se ganhasse dinheiro no próximo lugar que visitasse. Quando cheguei no local, por acaso assisti a uma peça chamada “Assassina do Distrito Dois”, que foi anunciada como uma atração famosa, e então quando fui comprar pão em uma padaria à beira da estrada, ainda pensando em como a peça tinha sido interessante, percebi que, na verdade, havia usado muito do meu dinheiro.

Tudo o que restou na minha carteira foram várias moedas de cobre, apenas o suficiente para me manter viva, e nada mais. Em outras palavras, o ingresso para a peça custou mais caro do que o esperado.

E foi assim que fiquei sem dinheiro.

— …

Essa história foi mais fácil de contar do que pensei que seria.

E isso acabou com uma conclusão bastante centrada.

Já que não tem jeito, agora estou andando pela cidade, com a torre do relógio olhando para mim, esperando que uma oportunidade de ganhar dinheiro caia no meu colo.

Pelo visto, esta cidade realmente gosta dessa coisa de “Assassina do Distrito Dois”, já que cartazes para a peça mencionada ficam espalhados por todos os cantos. Pensando bem, o teatro também estava cheio quando eu fui assistir.

— Ei, você viu a peça?

— Eu vi, eu vi. A cena final de execução foi especialmente marcante!

— Foi incrível como ela morreu daquele jeito brutal, não foi?

— Pois é!

Do que diabos vocês estão falando? Em primeiro lugar, vocês não estão apenas concordando um com o outro?

Tive um forte desejo de questionar os outros que estavam frequentando o teatro.

Retransmitir o conteúdo da peça não seria uma tarefa fácil. Nah, esse não é o caso. Esta era uma descrição detalhada da vida de uma assassina em série. Um conto comum e triste. Embora dramatizado para o palco, parecia ser todo baseado em uma história real.

Se eu fosse te contar a história, seria mais ou menos assim:

Dez anos atrás, havia uma jovem chamada Selena. Ela estava levando uma vida normal em uma casa comum. Um dia, um ladrão invadiu a casa de sua família, uma casa comum, e seus pais, que estavam presentes no momento, foram assassinados. Selena, que por acaso estava fora, sobreviveu, mas perdeu os pais.

A pobre criança foi acolhida por um tio.

No entanto, suas aflições não acabaram. Seu tio a tratou com muita crueldade. Selena abrigou a escuridão em seu coração e começou a odiar as pessoas. Ela passou a desprezar o mundo miserável, do qual não havia como fugir.

Eventualmente, seus impulsos tomaram forma, e ela esfaqueou o tio. Seu tio morreu. Daquele ponto em diante, ela continuou seguindo um caminho sombrio. Descobriu que gostava de matar pessoas, então começou a cometer assassinatos com mais frequência, um após o outro. Antes que percebesse, estava sendo chamada de “Assassina do Distrito Dois”.

Mas todas as pessoas más eventualmente caem.

Há três anos, Selena foi capturada por uma jovem bruxa genial, a Bruxa Lavanda, Estelle, e executada. Com isso, o país ficou um pouco mais pacífico.

E viveram felizes para sempre (?)

Era uma história infeliz, mas muito comum, do início e do fim de uma vida má.

— Hmm…

No entanto, os assassinos em série fogem da lógica da maioria dos humanos e, portanto, parecem fascinar as pessoas. Por exemplo, quando fui a uma livraria, ela estava lotada de livros detalhando os feitos de Selena, a assassina, ou lançando teorias selvagens como: “Na verdade, a Assassina do Distrito Dois não era uma boa pessoa?” Para piorar a situação, aquele tinha um letreiro de “BESTSELLER!” nele.

Nossa…

Como diabos isso foi acontecer?

Tentei pedir a opinião do lojista, que limpava a capa dos livros.

— Eu na verdade também não entendo. Acho que pessoas que mantém a calma ao fazer coisas que a maioria não consegue, sejam boas ou más, podem ser muito interessantes, suponho.

— Huh.

— Acho que é por isso que os livros vendem.

— Entendo.

Me senti em conflito. Achei que tinha entendido, mas não tinha certeza.

Depois disso, o lojista perguntou:

— Então, você vai comprar um? — e mostrei a ele o conteúdo da minha carteira. — Se só quer olhar a vitrine, então saia daqui! — gritou ele com raiva.

Eek!

Claro, o Distrito Dois da Vila Relógio de Rostolf, onde a assassina havia feito seu trabalho sangrento, estava lotado, a ponto de parecer que poderia ser chamado de solo sagrado dos fãs.

— Olhem! É aqui que a Selena matou alguém!

— Incrível! Ah, então ela matou alguém aqui, hein?

— Sinto que há uma aura perigosa pairando sobre o lugar!

— Vamos deitar aí.

— Ótima ideia! Podemos fingir que fomos nós que morremos!

Eu estava começando a ficar um pouco preocupada. Essas pessoas são todas malucas! Digo, não tem problema ficar deitando por aí? Isso continua sendo o chão.

Lancei um olhar angustiado para as pessoas ao passar por elas.

Selena é bastante popular para alguém irremediavelmente má.

Realmente não consegui entender.

— …

Bem, uma vez que o entusiasmo na cidade já era tão grande, parecia provável que a solução para meus problemas financeiros estava em seguir os rastros da Assassina do Distrito Dois.

Percebi que, em meio aos muitos pôsteres da peça que se amontoavam no beco, havia uma única cópia de um anúncio diferente.

Dizia:

CONTRATANDO MAGOS PARA TRABALHOS DE PRAZO MUITO CURTO! ESTA É A SUA OPORTUNIDADE DE GANHAR MUITO DINHEIRO!

Muito dinheiro? Bem, agora estou interessada.

— Hmm…

Além do mais, o nome no pôster chamou a minha atenção.

OS INDIVÍDUOS INTERESSADOS DEVEM ENTRAR LOGO. (CURIOSOS: DEEM O FORA, POR FAVOR.)

Era isso que estava escrito.

Embaixo havia uma assinatura rabiscada.

Era um nome que eu já tinha visto.

A Bruxa Lavanda, Estelle.

Mesmo estando mais do que um pouco cética, minha curiosidade e meu desejo por dinheiro dissiparam todas as dúvidas em minha mente e, no final, acabei batendo na porta daquela casa.

Ela apareceu na mesma hora.

— Ei, ei. Olá. Prazer em conhecer. Quem é você?

A porta foi aberta e uma garota com olhos dourados e cabelo cor lavanda à altura dos ombros, que balançava com a brisa, olhou para mim. Seu robe e chapéu pontudo também eram da mesma cor, como se para combinar com a cor de seu cabelo. Um broche em forma de estrela pendia da ponta do seu chapéu.

— Olá. Meu nome é Elaina. Vi o cartaz lá fora e vim aqui.

— Você. Você é uma bruxa, certo? Você tem a aura.

— E você é Estelle, certo? Você tem a aura.

— O nome no cartaz lá fora é o meu, não é?

— E você pode ver que sou uma bruxa só de olhar para mim, não é?

— Hmm, bem… — Ela ergueu um pouquinho as sobrancelhas e soltou uma risada. — Bem, batendo na porta da minha casa, no mínimo, posso presumir que você está interessada no trabalho, certo?

— Estou interessada em conseguir dinheiro.

— Então você está procurando trabalho.

— Se eu pudesse, gostaria de ganhar dinheiro sem trabalhar.

— Não é das mais motivadas… — Ela deixou um sorriso derrotado transparecer. — Certo. Tá bom. Mesmo uma bruxa desmotivada ainda é uma bruxa. Entre.

— Perdão pela intromissão.

Com isso, ela facilmente me atraiu para a sua casa.

Mesmo comigo ainda não sabendo nada sobre o trabalho.

Sua casa com certeza era uma vista e tanto. Para ser gentil, era boa e limpa. Para dizer a verdade, o lugar estava praticamente vazio. Além de algumas flores de lavanda colocadas ao lado da janela, a mobília era a mínima possível.

— Vá em frente, sente-se aí.

A convite de Estelle, sentei-me no sofá.

Com certo atraso, ela preparou duas xícaras de chá e sentou-se à minha frente.

— Obrigada. — Fiz uma reverência e olhei para a xícara de chá preto que havia sido posta diante de mim. — Bem, então, em relação à remuneração pelo trabalho… — Eu rapidamente cheguei ao ponto da questão.

— Então você está mais preocupada com o pagamento do que com a tarefa, hein…? — Espantada, ela revelou um sorriso cansado. — Você parece muito jovem. Quantos anos você tem?

— Dezoito este ano.

— Oh-ho! E quando você se tornou uma bruxa?

— Quando tinha quatorze.

— Ah. Um ano mais cedo do que eu.

— A propósito, quantos anos você tinha quando se tornou uma noviça…?

— Acho que tinha dez anos.

— Em outras palavras, você demorou três anos, entre se tornar uma noviça e se tornar uma bruxa de pleno direito, certo?

— É o que parece. Comecei a praticar magia quando tinha oito anos e, em dois anos, me tornei uma aprendiz. Três anos depois, me tornei uma bruxa.

— Bem, eu me tornei uma bruxa em um ano. Você fica dois anos para trás de mim.

— …

Após um breve momento de silêncio, eu disse:

— Quantos anos você tem agora?

— Tenho dezenove.

— Ah. Um ano mais velha do que eu.

— Ei… Você está tirando sarro de mim?

— Não, não. De forma alguma. — Então voltei ao assunto. — Então, que tipo de trabalho é esse? Depois de me explicar podemos entrar nos detalhes do pagamento.

— Já que você parece estar mais preocupada com o dinheiro, que tal começar por aí…?

Estelle colocou um pacote em cima da mesa e deslizou na minha direção. Assim que afastou a sua mão, o pacote macio desabou sob seu próprio peso e deixou um som metálico escapar de dentro.

Um sinal de que está cheio de dinheiro…!

O desembrulhei na mesma hora.

— …

Isso era, na verdade, uma tonelada de dinheiro. Ainda mais do que eu esperava, na verdade.

O pacote continha uma pequena fortuna em moedas de ouro. Eram muitas para contar. Era tanto dinheiro que eu não poderia segurá-lo nem com as duas mãos.

Rapidamente imaginei que poderia viver por pelo menos três anos com essa fortuna, mesmo se saísse farreando e gastando sem parar.

Fiquei chocada, sem palavras.

— Esse é o pagamento, condicionado ao sucesso. Se completar a tarefa em segurança, irei te dar tudo.

— Está falando sério?

— Muito sério.

— …

Diante de tal fortuna, até eu fiquei meio perdida.

— Um, que tipo de trabalho eu preciso fazer para ganhar isso tudo?

— Hmm? Você não está pensando em dar para trás, está? Você vai ficar bem. Só quero que me acompanhe, Elaina.

— Acompanhar, hein…? Para que tipo de lugar estamos indo?

— Para cá. — Enquanto respondia, ela apontou o dedo para baixo.

— Um, dentro da xícara de chá?

— Não aí, embaixo disso.

— Como assim?

— Vamos visitar esta cidade. Para ser mais precisa, quero visitar esta cidade como era há dez anos.

— Há dez anos…? O que você vai… espera, em primeiro lugar, como você planeja chegar lá?

— Você com certeza faz muitas perguntas. — Ela riu baixinho. — Veja, eu tenho trabalhado em um feitiço que me permitirá viajar no tempo, até dez anos atrás, desde quando comecei a trabalhar como bruxa deste país. Para voltar dez anos no passado e evitar aquele final infeliz. Diga, Elaina, você sabe o que estava neste mesmo lugar dez anos atrás?

— Esta cidade, mas dez anos atrás?

— Não só isso.

— …

— Nesta cidade, há dez anos, aquela garota estava aqui. Ela estava aqui e as coisas ainda estavam normais.

Então ela falou o nome da garota.

Outro nome de que me lembrei.

Aparentemente, Estelle e Selena eram amigas de infância.

Desde pequenas foram próximas, e todos que as conheciam diziam que pareciam até irmãs de verdade. Uma delas era uma maga gênio. A outra era só uma garota comum. Nesse ponto, não tinham a menor semelhança, mas mesmo assim, as duas eram muito, muito próximas, sem se preocupar com quem poderia ou não usar magia.

Então, onze anos atrás, um ano antes da morte dos pais de Selena, as duas amigas foram separadas.

Estelle, uma jovem maga genial transbordando magia, deixou a Aldeia Relógio de Rostolf para estudar magia em outro país, com a intenção de um dia se tornar uma grande bruxa. As duas foram separadas.

Estelle se dedicou ao treinamento por cinco longos anos e, finalmente, se formou e se tornou uma bruxa de pleno direito.

Claro, as habilidades da genial Estelle eram altamente valorizadas em todos os lugares, incluindo a Aldeia Relógio. Assim que ela voltou para sua cidade natal, foi convocada pelo rei, que a pediu para assumir a posição de bruxa residente na cidade. Isso foi uma incrível honra. Ela aceitou na mesma hora.

A primeira coisa que Estelle queria fazer era compartilhar as boas notícias com sua querida amiga Selena. No entanto, ela sabia que sua antiga amiga de infância havia mudado por completo. Cinco anos inteiros se passaram e Selena se tornou uma assassina em série, deleitando-se com seus atos malignos.

Lamentando a queda de sua amiga na escuridão, Estelle tentou recuperar Selena várias vezes, mas cada uma de suas tentativas foi em vão. Ela tentou fazer até uma intervenção, mas nada foi capaz de alcançar a sua velha amiga. Não importa o que ela tentasse, Selena ainda a via como apenas mais uma parte do mundo que ela desprezava.

E então Estelle começou a trabalhar em um novo feitiço, passando cada momento livre aperfeiçoando a magia.

Era um feitiço para reverter o tempo.

Seu plano era viajar no tempo e desfazer a causa da loucura de Selena.

— Enquanto eu estava fora, minha amiga sofreu uma terrível tragédia, então, sabe, eu quero ajudá-la.

— Quando vim para este país, a primeira coisa que fiz foi ver uma peça sobre a Selena e…

— Bem, então você já sabe. Selena morreu há três anos. Ela não está mais aqui.

— Ela foi executada, se bem me lembro.

— Isso mesmo. Fui eu quem a executou. Depois de persegui-la por três anos, finalmente a peguei. Achei que poderia haver uma chance de trazer a velha Selena de volta, mas não havia. Não tive escolha. Tanto o rei quanto o povo me obrigaram e me forçaram a fazer isso. No final, fui eu quem a matou.

— …

— Então eu quero consertar as coisas. Não suporto mais viver em um mundo sem ela — disse Estelle, mordendo o lábio, seu rosto se contorcendo de dor.

Levei meu chá agora frio aos lábios, como uma forma de desviar meus olhos de sua expressão triste, e então respondi:

— Eu entendo a situação. No entanto, ainda não entendo exatamente o que você pretende fazer. Supondo que você volte ao passado, por que precisa da minha ajuda?

Estelle de repente saltou do sofá e abriu uma porta no fundo do cômodo. Eu podia ver duas cadeiras dispostas uma ao lado da outra na câmara sombria que se revelava.

Ainda mais atrás das duas cadeiras havia uma grande fornalha.

— O feitiço que criei não é uma coisa tão simples e não pode ser feito sem sacrifícios.

— Ou seja…?

— Quando a energia mágica é insuficiente, os magos podem sacrificar algo para conseguir um pouco mais, certo?

— Sim, isso é verdade…

Por exemplo, a voz ou a própria memória.

Os magos podem conjurar grandes quantidades de energia mágica se estiverem dispostos a pagar o preço. Já que é muito perigoso – ou, honestamente, já que nunca me importei muito em fazer algo acontecer – nunca fiz isso sozinha.

— Sabe, ao longo dos últimos três anos, tenho tirado meu próprio sangue e armazenado cada gota de minha energia mágica. Levará uma quantidade impressionante de energia para viajar até dez anos no passado.

— …

— Mas meu sangue e a energia mágica acumulada não são suficientes. Ainda preciso de um pouco mais.

— Estamos falando de exatamente quanto?

— O suficiente para que, se eu derramasse cada grama de magia que me resta no feitiço, seria apenas o suficiente.

Então o que você está dizendo é que…

— Em outras palavras, você estará esgotada depois de retornar ao passado, então quer uma bruxa ao seu lado para protegê-la caso algo aconteça, certo?

— Mm. Quase, mas não é isso. — Estelle tirou dois anéis do bolso. — Elaina, se você apenas colocar este anel e viajar no tempo comigo, isso será o suficiente. Vou dar um jeito de cuidar do resto.

Enquanto falava, ela pressionou um anel na minha mão. Era bonito, um pequeno anel incrustado de joias. Parecia do tamanho certo para usar no meu dedo mindinho.

— E isto é?

— Fiz isso enquanto estava treinando, para deixar a Selena feliz. Com eles, você pode compartilhar magia entre duas pessoas. Tive certeza de que se eu e a Selena usássemos esses anéis, ela também poderia ser capaz de lançar feitiços.

— … — Coloquei o anel no meu dedo mindinho. — Então, se eu usar isso, você poderá usar minha magia depois de viajarmos para o passado, certo?

— É exatamente isso. Quero ver a Selena enquanto ela estiver sã e saudável.

— É isso…?

Ela assentiu lentamente diante das minhas palavras e perguntou:

— E então? Você fará isso?

Ergui a mão em direção ao teto. O anel brilhou no meu dedo mindinho.

— Bem, estou um pouco curiosa sobre como era este país há dez anos.

Afinal, sou uma viajante.

Fomos para o cômodo sombrio aos fundos e nos sentamos nas cadeiras ao lado da fornalha. Já tinha mais ou menos adivinhado que poderíamos voltar ao passado sentadas nestas cadeiras.

— Pronta? — Estelle olhou para mim, segurando sua varinha com as duas mãos. Balancei a cabeça. — Então tá bom, vamos lá. — Ela apontou a varinha para a fornalha atrás de nós. Suas mãos tremiam ligeiramente.

— Você está bem…? Suas mãos estão tremendo.

— Estou bem. É por causa da minha anemia.

— Você também está suando.

— Isso também é por causa da anemia…

— Você não está bem, está…?

— Mas vamos fazer isso. Se eu não fizer isso agora, vou acabar perdendo a chance.

— …

— Pronta?

Ela perguntou uma segunda vez.

Você está pronta, Estelle?

— Com certeza — respondeu ela. — Estou pronta há três anos.

Ela balançou a varinha, e uma luz branco-azulada foi disparada em direção da fornalha.

Na mesma hora, a tampa da fornalha se abriu, e o raio de luz branco-azulada saindo de sua varinha se estendeu em direção a ela, ondulando como uma cobra. O feixe de luz começou a dar voltas, formando uma meia-esfera conosco no centro e então, finalmente, nos fechou dentro dela.

Minha visão foi preenchida com a iluminação misteriosa, parecendo ao mesmo tempo fria e quente.

Assistindo distantemente em cima de sua cadeira, Estelle disse:

— Ah, desculpa. Esqueci de dizer uma coisa.

— O que seria?

Levantei a minha cabeça.

— Obrigada — disse ela, e fechou os olhos.

Revelei um sorriso para a bruxa.

— Não há de quê.

Abri meus olhos ao som de um sino.

Foi como acordar de um sono profundo. Me vi olhando para um cenário não diferente de antes. Para melhor ou pior, era apenas um cômodo simples.

Isso é mesmo dez anos no passado? Talvez tenha sido tudo só um grande show luminoso.

— Parece que tivemos sucesso, não é? — Em contraste com minhas dúvidas, Estelle parecia ter um certo grau de convicção. — Olha, Elaina. A câmara voltou a ser como era há dez anos.

— Foi mal, não consigo ver diferença.

— Está totalmente diferente. Aqui, ali e em todos os lugares.

— Não mudou nada, não é?

— Bem, para mim, parece completamente diferente.

Suponho que seja natural, já que ela vê isso todos os dias. Faz sentido que eu não seja capaz de notar as mudanças.

— Bem, para mim, pelo menos, parece igual a quando cheguei.

— Nesse caso, por que não vamos lá fora e verificamos?

Estelle sacudiu seu cabelo lavanda, levantou-se da cadeira e saiu da casa.

Eu a segui, fechando a porta da frente atrás de nós.

— Hmm… — Bem, o que temos aqui? — Acho que pode estar um pouco diferente.

Do lado de fora da casa de Estelle, no beco, as paredes deveriam estar forradas com fileiras e mais fileiras tediosas de pôsteres da peça, mas não havia um único anúncio à vista.

E essa não foi a única mudança. A própria cidade, que eu esperava que fosse mais ou menos igual, estava estranhamente diferente de minhas lembranças. Por exemplo, o nome da loja que tinha mesas aos montes no beco era diferente. A cor das flores que desabrochavam no peitoril da janela da casa também era diferente.

A paisagem urbana diante de mim estava repleta de pequenas alterações.

A torre do relógio, que podia ser vista sobre os telhados, continuava a marcar a hora, assim como quando a encarei antes. A nota final do carrilhão indicando cinco horas soou em meus ouvidos.

Estelle seguiu minha linha de visão e disse:

— Temos apenas uma hora. Quando o sino das seis terminar de tocar, seremos enviadas de volta a dez anos no futuro.

— Uma hora será suficiente?

— Infelizmente, só tenho energia mágica suficiente para nos manter no passado por uma única hora, mas isso deve ser o suficiente. — Ela então disse: — Se eu tiver tanto tempo, posso fazer com que os próximos dez anos simplesmente nunca aconteçam.

Caminhando pelo beco, Estelle abriu um caderno.

— Os ladrões devem entrar na casa de Selena daqui a vinte minutos. Vamos detê-los.

— O que há nesse caderno?

— Como trabalhava para o governo, veja, usei minha posição para desenterrar todos os tipos de informações sobre o incidente de dez anos atrás.

— Huh.

— Neste caderno, coloquei evidências e relatos de testemunhas oculares. E isso diz que, em cerca de vinte minutos, um bando de bandidos usando capuzes pretos forçará a entrada na casa de Selena. Vão matar os pais dela e levar tudo que possui valor.

— Hmm.

— Se emboscarmos os ladrões, isso deve consertar tudo.

— Você está planejando cuidar deles?

— É claro. É por isso que viemos. — Estelle balançou a cabeça vigorosamente. — Se os pais dela não morrerem, não há como a vida de Selena sair dos trilhos.

— Entendo.

E suponho que, fazendo tudo isso, também vamos trazer de volta todas as pessoas que Selena teria matado? Me pergunto o que isso fará com o futuro. Se um famoso assassino em série nunca nascer, o futuro ao qual voltaremos não será bem diferente?

Acho que, no mínimo, não fariam aquela peça.

Eu estava imersa em pensamentos quando Estelle falou comigo com naturalidade.

— Bem, eu digo isso, mas mesmo se eu mudar o passado aqui, assim que voltarmos, nosso futuro será o mesmo.

— Hein…? O que quer dizer com isso?

— Em outras palavras, mesmo se eu me intrometer no passado da Selena, o futuro onde eu a matei não vai mudar. Veja, quando estava pesquisando a magia da viagem no tempo, li todos os tipos de coisas sobre o assunto. Cada pessoa que alcançou o sucesso ao lançar um feitiço para voltar ao passado disse a mesma coisa: “Voltei ao passado, mas nada mudou.”

— …

Também fiz uma breve pesquisa sobre feitiços de reversão temporal. Isso para o feitiço que uso para curar feridas e coisas do tipo – pode-se dizer que é um tipo de feitiço de reversão temporal.

— Então o que você está dizendo? Que mesmo se tentar mudar o passado, algo fará com que os eventos ocorram da mesma maneira?

Vamos mesmo continuar com isso se, não importa o que façamos, não importa o que tentemos, vai tudo terminar do mesmo jeito?

— Não é bem assim — respondeu Estelle. Seu cabelo lavanda claro balançou. — Em primeiro lugar, não seremos capazes de confirmar se de fato mudamos o passado. Nosso passado já passou, então não pode ser mudado, não importa o que aconteça.

— Hmmm…? Como é que é, o que foi que você disse? — Rugas sugiram em minha testa.

Estelle deixou escapar um breve suspiro de exasperação.

— Deixe-me explicar de uma forma que seja fácil de entender. Vamos nos referir ao mundo em que vivemos como Mundo A, certo? Os eventos que ocorreram há dez anos no Mundo A já estão definidos e não podemos fazer nada para mudá-los. Veja, para o mundo de onde viemos existir, não podemos ter feito nada para interferir com o passado.

— Bem, então, o que diabos é o mundo em que estamos agora?

— Um passado no qual podemos interferir, suponho. Vamos chamar isso de Mundo B, certo? Estávamos originalmente no Mundo A, dez anos no futuro, certo? Desde que voltamos ao passado, este mundo e aquele mundo se separaram. Agora criamos um Mundo B. No entanto, quando voltarmos, terá que ser para o Mundo A. Só podemos retornar ao mundo de onde viemos.

— …

— Então, veja, não importa o que façamos neste mundo, não teremos como saber como vai acabar.

Eu estava finalmente começando a entender a sua explicação. Isto é, se eu pudesse tomar o que ela disse como um fato.

— Então o que você está dizendo é que não podemos mudar nosso próprio passado, não importa o quanto tentemos, certo?

Ela assentiu afirmativamente.

— Isso mesmo.

— Umm, perguntar isso pode ser meio rude da minha parte, mas, nesse caso, isso adianta de alguma coisa?

— Isso é realmente muito rude…

— Mas é a verdade, não é? E se a sua hipótese estiver correta?

O que diabos você está pensando, se intrometendo no passado em prol de um futuro imutável? Brincar com magia temporal não tornará o futuro que você não poderia salvar muito mais miserável?

Porém…

Ignorando minha inquietação, Estelle balançou a cabeça.

— Há um significado por trás disso — disse ela. — Se eu souber que existe um futuro no qual poderia salvá-la, já basta.

Depois disso, caminhamos um pouco, contemplando todas as diferenças do passado juntas.

Aquele prédio ali agora é uma padaria, mas no futuro vai fechar. Ouvi dizer que, em certa noite, a esposa do proprietário fugiu.

Está vendo aquele garoto ali balançando uma espada? Daqui a dez anos, ele será um soldado esplêndido. Pelo visto, o sonho dele era entrar para o exército.

Estelle alegremente me disse isso e aquilo enquanto caminhávamos.

— A propósito, devemos ir logo para a casa da Sele…

Estelle parou de falar no meio da frase e também parou de andar.

Quando me virei para olhar para ela, me perguntando o que diabos tinha acontecido, a vi com os olhos arregalados, a boca aberta em choque. Sua atenção estava fixada mais adiante na rua.

— O que foi…? — Virei minha cabeça para seguir seu olhar.

Uma garotinha apareceu. Ela tinha cabelo comprido e brilhante (quase da mesma cor lápis-lazúli dos meus olhos) e parecia ter cerca de dez anos. Estava carregando vários pacotes grandes com as duas mãos, talvez retornando após sair para fazer compras. Ela estava andando distraidamente.

— Selena…?

Estelle chamou a garota. Sua voz estava rouca, como se estivesse a forçando para fora do peito. Ela correu até a garota, ajoelhou-se no beco e a abraçou com alegria.

— Eh…? Hã? Um, quem é você, moça? Pare, estou com medo! — A garota arregalou os olhos devido ao pânico criado pelo desenvolvimento repentino. Ela estava obviamente muito assustada.

— Selena. Faz tanto tempo. Sinto muito. Você suportou tanta dor, e eu nunca pude te salvar. Eu sinto muito, muito mesmo.

— Um, moça, quem é você…?

— Espere aqui, viu? Eu com certeza vou te salvar.

— Você é de alguma religião nova ou coisa do tipo…?

Selena era uma criança muito sensata para a sua idade.

Soltando a garota, que era desconfiada o suficiente para falar tão diretamente, Estelle disse:

— Mm. Isso foi um pouco desagradável, não foi? Sinto muito.

— Isso não melhorou nada.

— Desculpa mesmo. Eu só queria te abraçar por um segundo, só isso.

— Você é um tipo de pervertida ou coisa assim?

— Acontece que sou alguém que veio do futuro.

— Uau… — Selena estava obviamente tentando acabar com a conversa o quanto antes. — Bem, isso é ótimo, mas na verdade estou com pressa agora, então… Sinto muito, mas não tenho tempo para ficar com você, moça.

— Mm… Me desculpa. — Estelle franziu a testa quando Selena passou por ela friamente. A bruxa parecia um pouco triste ao sair do caminho da garota.

Livre do abraço de Estelle, Selena desapareceu no beco, olhando por cima do ombro várias vezes para verificar se a estranha moça que repentinamente a abordou não estava a seguindo.

— Por favor espere, Selena… — murmurou Estelle.

Eu podia sentir uma determinação inabalável em suas palavras.

— Parece que você foi tratada com frieza.

— Ela sempre foi assim. Mesmo que possa ser fria por fora, é uma garota muito gentil por dentro. Passávamos o tempo todo juntas quando éramos pequenas, sabe, então a conheço bem.

Estelle olhou para o caminho que Selena havia tomado, seguindo seu rastro.

Seus olhos estavam transbordando de afeto.

Chegamos à casa de Selena e rapidamente colocamos nosso esquema para resgatar os pais da garota em ação. O plano era mais ou menos o seguinte:

Em primeiro lugar, Estelle bateu na porta.

— Quem é? — O pai de Selena saiu.

— Olá. Na verdade, sou a meia-irmã mais velha de Estelle.

— Eh. Você com certeza parece com ela. Exatamente qual é a relação entre vocês?

— Isso não é muito importante no momento.

— Tem certeza de que não é?

— Sim. Tenho uma mensagem de meus pais e gostaria que você a ouvisse.

— Hmm… o que é?

— Pelo visto, eles têm negócios importantes relacionados a Estelle e estão chamando vocês. Querem que passem por lá agora mesmo.

— O que é este negócio importante?

— E quem é que sabe? Eu mesma não faço ideia.

— Então, você veio até aqui para entregar uma mensagem sobre a qual não sabe muito?

— É exatamente isso que estou fazendo. De qualquer forma, parece muito urgente, então, por favor, venha comigo agora mesmo.

— Hmm… O que diabos eles poderiam estar fazendo?

Tínhamos inventado uma história para tirar os pais de Selena de sua casa.

E alcançamos o nosso objetivo.

Depois disso, o cenário seria muito simples. Estelle silenciosamente me contou enquanto os pais de Selena se preparavam para partir:

— Elaina, você ficará parada dentro da casa da Selena. Vou te dar este caderno, então leia com atenção e se prepare.

— O que você vai fazer, Estelle?

— Vou proteger os pais da Selena. Não sei o que vai acontecer, mas agora que mudamos seus destinos, tenho que mantê-los seguros.

— …

Em outras palavras, o trabalho chato ficava por minha conta.

Então fiquei esperando sozinha na casa, me preparando para a chegada dos bandidos.

Para matar o tempo, folheei o caderno que Estelle havia deixado para trás, sem pressa alguma, me distraindo e esperando o momento chegar.

— Hmm…

O caderno de Estelle detalhava os eventos de dez anos atrás – isto é, os eventos que estavam para acontecer.

Tudo aconteceria dentro de alguns minutos. Bandidos usando capuzes pretos iriam invadir pela porta da frente e matar os pais de Selena. Depois disso, roubariam todo o dinheiro e objetos de valor antes de fugir. Pelo visto, a família de Selena era bastante rica, e é por isso que sua casa foi feita de alvo.

Claro, o armário em que eu estava me escondendo estava cheio de roupas que pareciam caras. A sala de jantar que eu podia ver pela portinha entreaberta também era incrivelmente extravagante e estava decorada com ouro e outros acessórios elegantes.

Entendo, então eles parecem ser ladrões comuns, correndo atrás de dinheiro.

— …

No entanto, havia um detalhe sobre o incidente que estava me incomodando. Ambos os pais de Selena foram esfaqueados várias vezes com facas afiadas. Eles tinham sangrado até a morte graças às dezenas de facadas. Era um pouco exagerado para um bando de ladrões comuns.

Estelle também parecia sentir que havia algo de errado nisso. No final do caderno, escreveu: Possivelmente um rancor. O alvo dos ladrões não era o dinheiro, mas os pais?

Se isso fosse verdade, eu entendia por que Estelle fora proteger os dois, mas ela me deixou para trás porque ainda era possível que fossem apenas ladrões comuns.

— Hmm…

Parecia que a teoria poderia ser abandonada com segurança.

O anel no meu dedo mindinho começou a brilhar e estava emitindo fios de fumaça branco-azulada, se estendendo em direção à porta do armário.

Eu podia sentir a energia mágica sendo sugada do meu corpo.

Resumindo…

Estelle está usando magia.

Eu temia que…

Estelle está enfrentando os assassinos.

Ela tem suas peculiaridades, mas ainda é uma bruxa.

É um gênio capaz de viajar até dez anos no passado.

Será que um bando de ladrões comuns poderia realmente causar problemas a uma bruxa tão talentosa?

Acho que não. De acordo com as evidências registradas, os pais de Selena foram esfaqueados pelas mesmas pessoas. Mesmo armados com uma faca, os culpados não seriam páreos para Estelle.

Consequentemente, fiquei bastante calma.

Sem pressa, caminhei pela paisagem urbana noturna, seguindo a fumaça branco-azulada flutuando do meu anel.

Mas que saco. Seria ótimo se ela já tivesse resolvido tudo quando eu chegasse lá.

Eu estava bastante otimista.

— …

No entanto, cheguei ao local no exato momento em que o anel parou de usar minha energia mágica. Me vi olhando para um beco sujo, forrado com inúmeras latas de lixo, e percebi que tudo o que eu tinha imaginado, todas as minhas suposições sobre o caso, foram completamente equivocadas.

Estávamos erradas sobre tudo.

— …

Estelle e eu não fazíamos ideia de nada.

— Ah. Você é aquela que estava com essa mulher antes, não é? Ahh, mas que dilema.

Selena não tinha, de fato, enlouquecido com a perda de seus pais.

— O que eu faço? Devo te matar também?

Apesar de alguém ser sempre igual, se for estranho desde o início, se o rosto que mostra ao mundo for só uma máscara, ninguém notará.

— Bem, já que você me viu, acho que não posso deixar você viver.

No beco de trás, onde os raios do sol poente não batiam, a boca daquela garota se torceu em um sorrisinho torto enquanto ela olhava para mim. Seu rosto e roupas estavam molhados e manchados, e ela segurava uma adaga pingando. A garota, banhada no sangue das três pessoas deitadas a seus pés, havia sido tingida de vermelho.

— Sinto muito, mas você também terá que morrer.

Era a garota que tínhamos encontrado apenas há alguns minutos.

Era a própria Selena.

Seria fácil adivinhar o que tinha acontecido antes da minha chegada. Estelle estava em alerta para ladrões de capuzes pretos. Jamais teria suspeitado de Selena.

— Esta aqui disse algo estranho, como se ela fosse do futuro ou algo assim, mas você está na mesma? Hein, moça?

Selena talvez já tivesse adivinhado algo quando foi abraçada por Estelle.

— Se eu disser que você está certa, o que vai fazer…?

— Isso na verdade não importa. De qualquer forma, tenho que me livrar de todas as testemunhas.

— …

— Ela está usando um broche de bruxa, então eu esperava que fosse terrivelmente forte. Mas acabou não sendo de nada. Moleza. — falou a garota, virando olhos surpreendentemente frios para Estelle, que estava deitada a seus pés.

— Por que você matou os seus próprios pais…?

A expressão de Selena não vacilou, mesmo enquanto ela respondia minha pergunta.

— A verdade é que meus pais estavam abusando de mim. Então eu os matei. Isso não faz sentido?

— …

— Desde que nasci, fui intimidada por meu pai e repreendida por minha mãe. Meu pai sempre me olhava feio, e minha mãe me via como uma outra mulher e ficava com ciúmes. Claro, fora de casa, mostrávamos uma família amorosa, mas dentro, nosso relacionamento era o mais distorcido que poderia ser.

— …

— Eles me quebraram, então eu os quebrei.

Ela tinha um enorme sorriso. Não era o sorriso doce de uma garota da sua idade. Era um zombeteiro, distorcido e repulsivo.

Selena caminhou lentamente em minha direção.

— Você me surpreendeu, sabe. Vocês duas vieram e atrapalharam meu plano bem na hora.

— Seu plano de colocar um capuz preto e se vestir como um bandido?

— Isso mesmo. Como eu suspeitava, você parece saber muito sobre mim. É porque veio do futuro?

Mesmo quando chegou a hora, ninguém havia aparecido para roubar a casa de Selena. Devia ser porque a pessoa que deveria invadir a casa estava em algum outro lugar.

— …

O pacote que Selena estava segurando quando passamos por ela havia caído no chão. Aquilo acabou deixando um pedaço de pano preto aparecer.

— Ei, moça. Se você realmente veio do futuro, então me diga uma coisa, tá? Que tipo de pessoa vou me tornar?

— Sou uma viajante. Não passei muito tempo nesta cidade, então realmente não sei que tipo de pessoa você acabou sendo. — Peguei minha varinha e fiquei pronta. — Mas posso dizer que em dez anos, quando visitei esta cidade, você já tinha sido condenada à morte.

— Eh? Me mataram? Quem foi?

— A sua amiga mais próxima.

— Eu não tenho amigas.

— …

— Ah, será que está falando da Estelle? — Eu balancei a cabeça, e Selena bateu palmas, parecendo muito, muito feliz. — Ah! Entendo, entendo. Agora eu entendi. A mulher morta aqui é a Estelle de dez anos no futuro?

— …

— Eu sabia! Bem que pensei que era. — Não respondi, mas ela deve ter interpretado meu silêncio como uma confirmação. Ainda batendo palmas alegremente, a garota inclinou a cabeça e perguntou: — Mas por que fui condenada?

— Porque você se tornou uma assassina em série.

— Eu me tornei uma assassina em série?

— Sim.

A Assassina do Distrito Dois.

Esse era seu futuro apelido.

Estranhamente, não tínhamos saído do Distrito Dois. No final, Estelle e eu não conseguimos evitar o nascimento de uma psicopata. Não, não é que não tenhamos conseguido evitar; já era tarde demais.

— Entendo. Então me tornei uma assassina em série, certo? Entendo.

Havíamos viajado dez anos no passado e encontramos Selena já há muito quebrada.

Apontando a faca para mim, ela de repente se levantou e correu em minha direção.

— Afinal, quem diria que matar pessoas seria tão divertido! — gritou ela.

— …!

Então, quando eu estava apontando minha varinha para a garota se aproximando de mim, algo aconteceu. De repente, as latas de lixo jogadas pelo beco voaram contra Selena, jogando-a contra a parede. Uma após a outra, se chocaram contra ela, explodindo com lixo podre e um fedor terrível.

— Não vou te perdoar…

A voz fraca emanou do outro lado do beco fedorento.

Agarrando sua varinha com uma mão trêmula e comprimindo sua barriga ensanguentada com a outra, Estelle ficou de pé. Maltratada como estava e apesar de seus muitos ferimentos, continuava viva.

— Ah-ha! — Selena, de dentro de uma nuvem fedorenta e rançosa, olhou para Estelle. — O que é isso? Então você ainda está viva. É melhor eu te dar mais umas faca…

Estelle não esperou para ouvir o final da frase. Balançou a sua varinha de novo, e bolas de energia branco-azulada choveram sobre Selena, assim como uma saraivada de balas.

O anel que eu estava usando brilhava cada vez mais forte, até a luz ficar cegante.

— Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa! — Estelle gritou e balançou a varinha uma e outra vez.

— Ah-ha-ha-ha-ha-ha! Isso dói! Ah, isso dói! — Mesmo quando orbes de magia colidiram com ela, Selena ainda estava sorrindo.

— Você me enganou por esse tempo todo? Você me fez de idiota? Achei que éramos amigas!

— Ah-ha-ha! Estelle está tentando me matar! Ah-ha-ha-ha-ha-ha!

— Achei que éramos amigas! Achei que você voltaria a ser uma boa garota! Todo esse tempo, o tempo todo… você me enganou!

— Ah-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha! Ai! Ai, ai, ai, ai! Ha-ha-ha!

— Sua… sua monstra…!

Então Estelle parou, ainda apontando sua varinha para Selena. A energia mágica branco-azulada saiu da varinha igual um fio e envolveu seus tentáculos ao redor do pescoço de Selena, apertando com força.

— Ha-ha-ha-ha! Ha-ha, ha…

Estelle inclinou a ponta da varinha para o céu até que Selena foi içada do chão, suas pernas balançando no ar.

— Ha, ha-ha…

Sua risada repulsiva desapareceu aos poucos.

Porém…

Mesmo enquanto ela contorcia seus dedos, tentando agarrar os fios intangíveis, mesmo enquanto cuspia espuma dos cantos de sua boca, Selena ainda estava sorrindo.

Olhando baixo para Estelle, ela estava definitivamente sorrindo.

— Sua assassina… — sussurrou a garota.

— …

Isso enviou arrepios pela minha espinha.

Se a cena horrível que se desenrolava diante de meus olhos continuasse, eu não seria capaz de fazer nada a não ser esperar pela terrível conclusão.

— Estelle, espera, por favor. Espera… isso é…

Isso é exagero.

Mesmo se estiver lidando com uma assassina, quem gostaria que as coisas terminassem assim?

Eu coloquei este anel no meu dedo. Se eu tirar, ele deve parar de fornecer energia mágica para Estelle. Eu deveria pelo menos ser capaz de evitar que ela se torne uma assassina.

E então, depois disso…

Depois disso, o que devo fazer? Como devo fechar as cortinas para uma história comovente como esta?

Acho que foi um truque da minha imaginação. O anel que estava no meu dedo mindinho recusou-se a sair. Minha mão devia estar tremendo tanto que não consegui me conter.

Pelo visto, eu estava com mais medo de estar onde estava do que pensava.

Enquanto não chegava a lugar nenhum com o anel, Selena soltou um grito rouco e começou a apalpar o pescoço. Sua voz era como um lamento de morte, e o som dela me fez puxar minha mão com ainda mais impiedade.

Vários segundos dolorosamente longos se passaram antes que o anel alimentando Estelle com energia mágica por fim saísse. Traçando um arco vermelho enquanto voava pelo ar acima da cena sangrenta, o anel caiu no chão.

— Estelle! Por favor, pare! Você não deve fazer isso. Isso é…

Tentei raciocinar com ela.

Tentei fazê-la parar e pensar.

Mas a fumaça apertando a garganta de Selena não desapareceu.

— Eu não preciso das minhas memórias com você. Não preciso de nada disso. Tudo sobre você deve simplesmente desaparecer.

Mesmo com o anel tendo, com certeza, saído. Mesmo não mais alimentando Estelle com a minha energia mágica.

De onde está saindo o poder dela?

— Eu nunca deveria ter tentado ajudar alguém como você. Eu nunca deveria ter pensado duas vezes em você. Eu nunca deveria ter sentido remorso pela sua morte.

Os olhos de Estelle, cheios de dor e ressentimento, pareciam muito com os de Selena.

Sem saber o que fazer, eu simplesmente fiquei ali parada, atordoada, segurando minha varinha com a mão trêmula. A confusão e o medo prendiam minhas mãos e pés, e eu estava paralisada no lugar.

— Adeus, Selena — sussurrou Estelle. Sua expressão ficou calma, como se ela tivesse desistido de quase tudo.

E assim…

Um sino tocou.

Enquanto o som do sino ecoava pela cidade, marcando a passagem de uma hora, uma luz envolveu a mim e a Estelle. O mundo exterior tornou-se gradualmente nebuloso e desapareceu.

O limite de tempo.

O cheiro de sangue e a voz rouca da garota também desapareceram.

Então, tudo na frente dos meus olhos se derreteu em uma brancura difusa.

Foi assim que a cortina desceu sobre a nossa história. Tínhamos viajado de volta no tempo para resgatar uma garota, mas, no final, não tínhamos salvado ninguém.

O som do sino encheu o ar.

Quando abri os olhos, voltei ao mundo original – a realidade que Estelle chamara de Mundo A – em outras palavras, meu mundo.

Um cenário familiar preencheu minha visão. A câmara vazia. As cadeiras alinhadas. O buquê de lavanda no parapeito da janela.

E Estelle ao meu lado.

— …

Ela estava olhando para o teto com olhos vazios. Sua expressão estava em branco.

Não sabia o que ela poderia estar pensando ou se deveria dizer algo.

Apenas esperei o tempo passar.

— Hã…? O que eu estava fazendo? — Ela, finalmente, abriu a boca. — Por que eu estava sentada aqui…? Hã? Não consigo lembrar.

— Estelle…

— Ah, você é… Elaina, certo? O que eu estava fazendo agora?

— …

Eu não respondi.

— Eu sinto que estou esquecendo algo… ou alguém… importante… mas o que poderia ser? Não consigo lembrar. O que era?

— Você não se lembra da Selena…? — perguntei.

— …? Quem é essa?

No momento em que ela voltou para o futuro, Estelle tinha esquecido Selena e nossa jornada dez anos no passado.

Enquanto conversávamos, percebi o que havia acontecido. Quando retirei o anel no beco, Estelle já estava produzindo sua própria energia mágica usando um método extremo.

Ela havia transformado todas as memórias de sua querida amiga em magia. Deve ter sacrificado uma boa parte de suas memórias mais preciosas.

Agora que havíamos retornado ao futuro, estava vagamente atordoada.

— Não consigo lembrar… Está tudo muito nublado. Selena, hein…? Quem era essa? — Ela parecia honestamente confusa. — Elaina, eu simplesmente não consigo me lembrar. Quem essa pessoa era para mim?

Ela olhou para o meu rosto com uma expressão intrigada.

Levantei-me para evitar seu olhar e respondi com poucas palavras:

— Ninguém importante. Não mais.

O lugar era uma linda cidade chamada Aldeia Relógio de Rostolf, discretamente localizada em uma vasta pradaria. Altas casas brancas ficavam em fileiras bem organizadas e no centro da cidade havia uma praça, onde uma alta torre de relógio se erguia acima de tudo.

Bem quando eu estava passando pela praça, o sino indicando três horas soou. Surpresos com o som alto, pássaros distantes se espalharam pelo ar.

Me virei e os observei partindo sem rumo.

— …

Depois de tudo isso, me despedi rapidamente da casa, como se fosse fugir. Claro, eu não peguei a recompensa nem nada. Para começo de conversa, não fazia sentido aceitar dinheiro pela mudança de um passado que não existia.

Além disso, eu não tinha cumprido minha parte no trato.

Bem, para começar…

Imaginar que poderíamos mudar o passado, que poderíamos voltar e de alguma forma fazer todo mundo feliz, provavelmente foi uma ideia muito tola. O passado é passado e, embora possamos relembrá-lo com pesar, provavelmente é melhor não tentar refazê-lo. Voltar para consertar relacionamentos humanos é uma questão totalmente diferente de usar um feitiço para manipular o tempo e curar feridas.

No entanto, mesmo que tivéssemos alguma esperança de mudar as coisas, eu tinha sido totalmente inútil enquanto estávamos no passado.

Eu estava com medo.

Ver pessoas mortas diante dos meus olhos tinha sido muito assustador, muito triste.

Mesmo que, depois de viajar por tanto tempo, eu tenha ficado um pouco insensível a essas coisas.

Sou uma viajante comum e uma bruxa. Isso não significa que posso fazer qualquer coisa ou que no final tudo sempre dará certo.

Ao viajar ao passado, lembrei da minha própria imaturidade.

Em um grau doloroso.

— …

Lágrimas mornas seguiram os contornos de minhas bochechas. Como se tentasse me afastar da minha própria choradeira, encarei a torre do relógio. As notas do sino ainda pairavam pelo ar. O relógio continuou marcando o tempo, assim como sempre.

Sem nunca voltar atrás.

— Vamos continuar…?

E então, eu fui embora.

Sem olhar para trás, dei um passo decidido após o outro.

 


 

Tradução: Taipan

 

Revisão: Roelec

 


 

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