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Bruxa Errante, a Jornada de Elaina – Vol. 01 – Cap. 10 – Uma Morte Suave se Aproxima Lentamente

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Em uma floresta primitiva cheia de árvores altas, o musgo denso estava por todos os cantos aos meus pés. Raios de sol se infiltravam pelas brechas na cobertura vibrante, mas a luz no caminho estreito era, no máximo, escassa.

Eu estava manuseando minha vassoura habilmente, evitando as árvores enquanto seguia por aquele caminho. A brisa morna acabava sendo muito, muito desconfortável quando batia na minha pele.

— …

Depois de avançar um pouco mais, cheguei a uma clareira. Havia um vilarejo nela.

Um muito, muito pequeno. Era um vilarejo tão pequeno que dava para ver quase tudo lá da entrada.

— Ey.

Quando desci da vassoura, o solo coberto de musgo cedeu suavemente ao meu peso. Não parecia haver um portão, então pude entrar ao simplesmente passar por baixo de uma treliça.

Havia uma casa de madeira aqui e outra acolá, todas eram cabanas feitas de toras que não tinham nenhum detalhe desnecessário. Pareciam ter sido construídas para servir de abrigo e nada mais.

Dizer que não havia nada de extraordinário no vilarejo já seria o suficiente.

Afinal, não vou ficar aqui – espera, não tenho certeza se há algum lugar onde eu poderia passar a noite. Na verdade, não tenho certeza nem se tem gente morando aqui. Será que é uma cidade fantasma?

Andei sem rumo ao redor do vilarejo deserto e um único aldeão emergiu de uma das casas. Ah, bom, alguém mora aqui.

Com algum alívio, me virei para olhar para o aldeão e vi um homem na flor da idade com um machado pendurado no ombro.

— …!

Estranhamente, assim que o homem me viu, abriu a boca, estupefato, como se não acreditasse no que estava vendo.

…? O que isso poderia significar?

Minha cabeça estava inclinada em confusão quando ele apontou um dedo trêmulo para mim e gritou:

— Mina…! Ei, você é a Mina, não é?!

…? Hein?

Ele jogou o machado no chão e correu na minha direção.

— Graças à deusa…! Graças à deusa! Você encontrou a cura-tudo, certo? Chegou bem na hora! Abel vai ficar tão feliz, Mina!

— Hã? Um…

Imediatamente, entendi que o homem devia ter me confundido com outra pessoa. Quem diabos é Abel?

Mas quando estava prestes a abrir a boca, o homem gritou de novo.

— Eeeei! Pessoal! A Mina voltou!

Em um piscar de olhos, sua voz alta chegou a todos os cantos do vilarejo, como se para despertar a própria floresta primitiva. As árvores mais próximas começaram a farfalhar e pude ver os pássaros fugindo.

Era um vilarejo muito, muito pequeno. Se uma única pessoa gritasse, era provável que todos do local conseguiriam ouvir. E o povo começou a sair de suas casas aos montes.

Velhos, crianças, casais – quando avistaram a mim e ao homem, correram até nós com movimentos tão ágeis e deliberados que tudo pareceu planejado. Antes que eu percebesse, fiquei completamente cercada. Ah não, isso é assustador.

A movimentada assembleia de pessoas olhou para mim implacavelmente, com o tipo de admiração de coração puro que sempre era reservada para heróis que voltam da guerra. Ah não, isso é assustador.

— Irmãzona Mina! Você trouxe algumas lembrancinhas da cidade?

— Nossa, você realmente se tornou uma beldade no pouco tempo que esteve fora.

— Você ficou mais baixa?

— Não importa, o que é isso que você está vestindo?

— Vamos lá, Pai. Claro que essa deve ser a última moda na cidade.

— Então você comprou a cura-tudo?

— Ei, não a sufoque.

Os aldeões tagarelaram tanto quanto queriam.

Ah, eu desisto, decidi, então ignorei o resto do que estavam dizendo e deixei as vozes clamorosas dos aldeões me alcançarem como se fosse nada mais do que barulho. Após passar um tempinho, os gritos alegres cessaram.

O homem que convocou todos os aldeões gritou:

— Vocês são muito barulhentos, fiquem quietos!

Você é o mais barulhento aqui. Fique quieto você.

— Sério, pessoal, a Mina deve estar cansada de sua longa jornada… Deem um tempo para ela.

O que é isso? Agora você quer falar como se tivesse bom senso? Não é você o líder deles? Espera, o mais importante…

— Acho que vocês estão enganados sobre algo. — Quando a multidão se acalmou, aproveitei a oportunidade para falar e fazer uma correção. Se o mal-entendido continuasse por mais tempo, eu entraria em apuros.

— Enganados? Sobre o quê? — O homem olhou para mim com um rosto inexpressivo. Eu podia ouvir uma agitação se espalhando pelos aldeões ao meu redor.

Falei tão claramente quanto possível:

— Sou uma simples viajante. Não sou essa “Mina” de quem vocês estão falando. — Achei que estava soando muito séria, mas parecia que um ou outro meio à multidão tinha realmente ouvido o que eu tinha a dizer. Uma risada explodiu logo atrás de mim.

— O que diabos esta criança está dizendo?

Então não vão acreditar em mim. E se eu usar magia para fazê-los se ajoelharem e me obedecerem? Enquanto os ouvia, concluí que o vilarejo nunca foi visitado por uma bruxa, então isso, por si só, causaria um bom impacto.

Bem, esse é o último recurso.

— …

E então, depois que todos, exceto eu, deram umas boas risadas, um dos aldeões falou:

— Hmm? Agora que ela disse isso, parece um pouco mais jovem do que a Mina…

A pessoa ao meu lado entrou na conversa e concordou.

— Pensando bem, ela também é um pouco mais reta do que a Mina…

Minha inquietação foi ficando cada vez maior.

— Pensei que ela tinha ficado mais bonita enquanto estava fora, mas talvez…

— E se for pensar nisso, diminuir o tamanho é completamente impossível…

— E o que há com essa roupa…?

— Vovó, onde está a minha comida?

— Pare com isso; você já comeu ontem.

— …

Não demorou muito para que minha ansiedade me envolvesse por completo.

Antes que eu percebesse, uma atmosfera sombria e fúnebre permeou a multidão.

— Você realmente não é a Mina…? — perguntou miseravelmente o homem à minha frente.

— Eu te disse isso desde o começo. Disse que você tinha se enganado.

— Então, isso significa… — o homem se encolheu no local e sua voz começou a tremer —, que não podemos fazer mais nada para ajudar o Abel…?

— Do que diabos você está falando? Em primeiro lugar, quem é Abel?

Ignorando minha pergunta, alguém murmurou:

— Não, espera… Ainda tem um jeito.

Várias das pessoas ao meu redor deixaram o círculo e se amontoaram em outro lugar, depois voltaram e disseram:

— Temos algo para discutir com você, então gostaríamos que viesse conosco. — Isso foi tudo que me disseram.

Fosse por causa de seus incríveis poderes de persuasão ou porque os rostos dos adultos estavam todos mortalmente sérios, concordei em ir com eles antes mesmo de perceber.

O homem e vários outros adultos me levaram à maior casa do vilarejo. Entramos na sala de jantar, onde um jovem puxou uma cadeira e disse: “Por favor, sente-se.” E então eu sentei.

Duas pessoas se sentaram à minha frente. O da esquerda, da minha perspectiva, era o homem na casa dos trinta ou mais que encontrei assim que tinha chegado… Ele se acalmou, como se o fogo dentro dele tivesse se apagado, e de repente parecia uma pessoa diferente.

O velho de barba branca sentado à direita (possivelmente o chefe do vilarejo) cruzou os braços e abriu a boca para falar.

— Agora entendemos que você não é a Mina. Nossas mais sinceras desculpas.

— Tudo bem. — Entender isso é o primeiro passo.

— No entanto, você parece exatamente como ela; a semelhança foi suficiente para que os aldeões confundissem vocês duas. Igual às ervilhas de uma mesma vagem, por assim dizer.

O homem na casa dos trinta balançou a cabeça vigorosamente.

O velho acariciou a longa barba.

— Primeiro, deixe-nos fazer um pedido. Viajante, apenas por uma noite; até menos do que uma, na verdade… poderia fingir ser a Mina?

— Por quê…?

Tive a impressão de que poderia ter a ver com o famoso Abel.

— Mina tinha um namorado. O nome dele é Abel e ele é muito sério, muito gentil. Para o bem dele, gostaríamos que você fizesse uma pequena atuação.

Captei. Devemos tentar adivinhar a próxima reviravolta na história?

— A vida de Abel está em perigo, então você quer que eu finja ser sua namorada voltando para casa depois de se mudar para a cidade?

Mas o velho balançou a cabeça lentamente.

— Não, Mina não foi morar na cidade. Ela foi para obter a cura-tudo.

— Hmm… — Pensando bem, os aldeões e o homem na flor da idade haviam dito a mesma coisa sobre conseguir alguma cura-tudo.

— No momento, Abel está deitado em seu leito de enfermo.

— Mm… — incitei a continuar.

— O que está o destruindo parece ser uma doença incurável. É algo ruim o suficiente para fazer o médico local querer jogar a toalha. Não importa que tipo de remédio seja administrado, não tem absolutamente nenhum efeito. Na verdade, a condição de Abel só piora. No início, ele tinha só uma febre qualquer, mas agora não consegue nem ficar em pé.

Entendo.

— E quanto a essa cura-tudo?

— Mm. Logo depois de percebermos que o remédio que tínhamos não estava fazendo bem a ele, Mina saiu voando, dizendo: “Vou buscar a cura-tudo.”

— E onde se consegue essa cura-tudo?

— Se você for para o norte daqui, encontrará um enorme país. Há rumores de que pode conseguir a cura-tudo lá, mas é uma jornada de dois dias inteiros. Ninguém deste vilarejo foi lá para verificar se isso é ou não verdade.

— Então Mina saiu correndo daqui, contando com apenas essa informação questionável.

— Ela devia estar disposta a correr o risco. Queria muito ajudar o Abel, mas… — O homem na casa dos trinta terminou o resto da frase com uma voz bem fraca, baixando a cabeça. — Duas semanas se passaram desde que ela saiu daqui. Mina, minha filha, deveria ter voltado há muito tempo, mas não voltou.

Filha…? Ele disse filha?

— Huh, você é o pai dela? — Isso foi uma surpresa. O homem na casa dos trinta assentiu em silêncio. É muito ruim confundir sua própria filha com uma completa estranha… Bem, ele deve estar muito exausto.

— Quanto mais o tempo passa, mais perto Abel fica da morte — disse o velho. — O médico do vilarejo está dizendo que ele tem no máximo mais três dias.

Três dias. Mina voltará a tempo?

Para chegar ao país que tem a cura-tudo precisaria de dois dias, depois mais outros dois para retornar com o remédio. Mas já passaram duas semanas.

Voltar dez dias atrasada (e contando) era realmente algo. Não pude evitar de pensar que ela tinha se deparado com algum tipo de problema – ou coisa pior. Será que Mina poderia voltar antes que o tempo acabasse? Não, as duas pessoas sentadas à minha frente já tinham certeza de uma coisa:

Mina nunca mais voltará…

— Até agora, Abel estava lutando contra sua doença com tudo que tinha, mas… sua namorada estava ao seu lado como uma família o tempo todo. Se ele morrer sem ser capaz de vê-la, seria insuportavelmente triste.

— …

— Desde que ele perdeu a família quando era pequeno, Mina foi a única que o apoiou. E ela é a única que consegue acalmar a sua mente. Uma Mina falsa serve; só queremos que você o deixe feliz, ao menos nos últimos momentos — disse o velho.

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Apesar de não ter concordado no início, acabei decidindo realizar o pedido. Não havia qualquer risco para o meu lado, e recusar algo do tipo me tornaria uma pessoa horrível.

Dito isso, eu era uma viajante. Não queria passar um dia inteiro em um vilarejo enfadonho, sem sequer uma pousada. Se possível, queria pegar minha vassoura e voar para o país que diziam ter a tal cura-tudo.

Foi por isso que logo apresentei as minhas condições.

— Vou cooperar. Mas só um pouquinho. Depois de encontrar o Abel, vou retomar minha viagem na mesma hora.

Os dois disseram que era o suficiente. Assim que isso foi decidido, corremos para nos preparar. Fui levada da casa grande para outra residência, onde me aguardavam várias meninas e mulheres do vilarejo. A idade delas era muito variada, de menininhas a velhotas.

Entre elas, uma mulher particularmente velha parecia ser a responsável. Pequenas rugas revestiam seu rosto enquanto ela falava.

— Tudo bem então, vamos nos preparar. Homens, fora!

Em uma impressionante demonstração de violência, as mulheres da casa começaram a usar varas para espancar todos os homens da aldeia que tinham aparecido para ver o espetáculo, incluindo o velho e o pai de Mina, e assumiram o controle de tudo.

A velha fechou a porta e trancou-a para que ninguém pudesse entrar, depois fez um sinal para os demais, só com os olhos. Quando fez isso, todos, menos eu, começaram a fechar todas as cortinas da casa e a porta dos fundos.

Assim que a casa ficou escura, a velha se aproximou de mim.

— Tire tudo. — Ela de repente pegou um robe.

— Oi?

— Anda logo e tira essas roupas estranhas! Se você ficar assim, o Abel saberá que você não é ela!

Ah, então é isso que você quer dizer. Eu não estava esperando por algo assim.

Tive o cuidado de remover o precioso broche que anunciava que eu era uma bruxa do meu robe. Com ele ainda na minha mão, tirei a roupa até ficar só com roupas de baixo.

Uma garotinha muito jovem educadamente pegou minhas roupas, que só joguei para o lado, e começou a dobrá-las.

— Certo, peça para ela colocar isso.

Outra garota pegou um pacote da velha e correu até mim, depois me entregou as roupas.

— Certo, pessoal. Vou colocar isso na viajante, então me ajudem.

Hein? Eu posso me vestir sozinha.

Mas antes que eu pudesse falar, uma multidão de mulheres já estava me cercando por todos os lados. Não havia nada que eu pudesse fazer a não ser calar a boca.

Assim, tornei-me uma boneca de vestir.

— Certo, levanta a perna dela.

— Pode colocar o braço dela pela manga da blusa? Uh… ah, isso é do tamanho errado.

— Ela realmente é a cara da Mina.

— Ela é ainda mais bonita do que a Mina.

— Pois é.

— Que cor de fita usamos? Ah, vermelha, claro.

Na minha opinião, todas pareciam um pouco entusiasmadas demais. Eu poderia jurar que estavam fazendo isso apenas para se divertir.

Depois que a roupa estava mais ou menos no jeito, olhei para baixo e descobri que estava usando um vestido com uma blusa branca e uma saia longa de cor marrom-oliva. Eu podia ter me vestido sozinha, mas…

— Certo, hora dos retoques finais. Senhorita Viajante, isso pode doer um pouco, mas aguente firme, tá? — Enquanto falava em um tom de voz alegre, a mulher atrás de mim envolveu algo preto ao meu redor.

— …?

O que acha que era? Um espartilho. Antes que eu percebesse, a coisa já estava no meu torso.

— Huh, um, espera um…

Ignorando minha perplexidade com a mudança repentina dos acontecimentos, as garotas ao meu redor agarraram meu corpo e puxaram as cordas nas minhas costas com toda a força. Parecia que minhas costelas estavam sendo esmagadas.

— I-isso dói! Ai! Se precisam apertar, pelo menos façam isso com mais cuidado!

— Ah, vamos lá. Não resista.

— Aguente, aguente firme.

— Você vai se acostumar.

— Dê o seu melhor, Senhorita Viajante.

Com isso, o trabalho de trocar de roupa chegou ao fim e todas pareciam satisfeitas, menos eu.

Depois, a velha disse:

— Parece que você não tem peito suficiente, então o que acha de colocarmos um pouco de enchimento? — Após isso, estendeu chumaços de algodão para mim. Pelo visto, isso era sério. Dei um tapa e joguei aquelas coisas no chão.

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Havia uma casinha na periferia do vilarejo.

Parecia completamente independente e, quando me aproximei, esmaguei a grama que batia nos joelhos ao pisar nela. Comparada com as outras casas, esta era bem velha. Provavelmente seria possível quebrar aquelas tábuas com um único golpe. Parecia menos com a casa onde alguém moraria, e mais com um armazém abandonado.

Me disseram que Abel estava de quarentena no local.

Um dia, ele adoeceu repentinamente e os moradores não sabiam se a doença era contagiosa ou não. Por isso o trancaram nesta casinha, para diminuir a possibilidade de contágio. Pelo visto, era o pai de Mina que estava cuidando dele. No início, o rapaz ficou sob os cuidados de sua namorada da manhã à noite, mas ela deixou o vilarejo assim que sua condição começou a piorar.

Alguns aldeões se perguntaram se Mina poderia ter fugido, mas ninguém sabia se isso era verdade ou não.

Depois de respirar fundo algumas vezes na frente da cabana, abri a porta. Aquilo fez um som agudo que machucou os meus ouvidos.

— …

Entrei e fechei a porta com a mão nas costas.

Um homem estava deitado na cama. Ele era jovem e tinha cabelo preto. Era fácil notar que, quando saudável, seu rosto era bonito – mas agora era apenas a sombra de seu antigo eu. O homem, voltando seus olhos vazios para mim, tinha bochechas encovadas e nenhuma luz em seu olhar.

— Mina…? — Seus lábios se moveram um pouco, soltando o nome de sua amada.

— Sim. Sou eu — menti. — Tudo bem?

As tábuas do assoalho rangeram sob os pés quando me movi para sentar na cadeira ao lado da cama.

Ele sorriu debilmente.

— Você voltou… Pensei… pensei que nunca mais te veria.

— Sou sua namorada. Claro que eu voltaria, não importa o quê.

— Claro…

Ele olhou pela janela.

Lá, não se via nada. Apenas ervas daninhas enormes e a floresta primitiva lá longe. A pequena cabana não parecia apenas decrépita; estava realmente se desintegrando, e uma corrente de ar que soprou de algum lugar fez o cabelo do homem farfalhar.

— Encontrei o remédio cura-tudo — falei, como se estivesse lendo um roteiro preparado. — Vou trazê-lo com o seu jantar esta noite, então, por favor, tome um comprimido depois de comer bastante. Pode levar algum tempo, mas você com certeza deve melhorar. — Isso também era mentira.

O pai de Mina havia escrito o roteiro. Ele achou que seria suspeito se Mina voltasse sem o remédio cura-tudo, então me fez agir como se tivesse o remédio em mãos, só para tranquilizar Abel.

A pílula que seria servida com o jantar seria um simples sonífero. Queriam que ele pudesse falar com sua amada em seus últimos momentos e, após isso, os aldeões fariam algo – mas não disseram o quê. Não era preciso perguntar.

— Diga, Mina. — Ele olhou nos meus olhos. — Você seguraria a minha mão? — Com movimentos pesados, ele tirou a mão de debaixo da colcha. Não era a mão musculosa de um jovem, mas sim uma murcha e ossuda.

Não devo vacilar.

Na mesma hora a agarrei com as duas mãos. Seu corpo estava tão frio que era difícil imaginar que havia algum sangue correndo por ali.

— Tão quente… meu sangue já deve estar esfriando… — disse ele. — Diga, Mina — o homem chamou o nome de sua amada —, você me daria um beijo?

— Huh, um beijo? — perguntei involuntariamente. Logo comecei a sentir um enorme arrependimento.

— Sim, um beijo… Você não quer? — Pensei ter visto um lampejo de suspeita nas profundezas de seus olhos. Pensei muito. O que devo fazer? Se sou sua namorada, é claro que devo beijá-lo, mas sou… Ahhh, se eu hesitar, ele vai desconfiar. O que faço, o que faço…?

Ele olhou para mim enquanto eu me debatia e riu.

— Desculpa, eu só estava brincando. Por favor, não se importe. — De alguma forma, parecia que ele havia recuperado ao menos um pouco da sua energia.

Depois disso, sorriu e disse:

— Não vou incomodar alguém que não é minha namorada para me beijar.

Fiquei chateada ao perceber que ele havia detectado a farsa devido a alguma falha em meu desempenho, e neguei a acusação várias vezes, mas Abel estava certo disso.

— Você não é a verdadeira Mina. Não precisa se forçar — disse, seguro, apesar de todos os meus esforços para manter o teatro. — Em primeiro lugar, não é como se ela fosse voltar para mim. Eu sou um tolo.

Eu não tinha certeza de com quem ele estava falando, mas suspeitei que havia algo mais acontecendo. Desisti de fingir ser a Mina e revelei tudo sobre mim – que era uma viajante, que era uma bruxa, que me pediram para fingir ser a sua namorada porque éramos parecidas. Não escondi nada.

— Hmm — disse ele —, você realmente é a cara da Mina.

— Nós parecemos tanto assim?

— Sim. Poderia até dizer que são ervilhas da mesma vagem. Mas… — acrescentou ele —, o que é uma bruxa…?

— As pessoas deste vilarejo realmente não sabem sobre as bruxas, não é?

— Não, é a primeira vez que ouço falar delas.

Bem, suponho que não seja impossível não saberem sobre bruxas, já que este é um vilarejo remoto a dois dias inteiros de viagem do país mais próximo. Expliquei em detalhes, produzindo minha varinha do nada e realizando um pouco de magia para que fosse fácil para entender.

— Incrível…! Ha-ha, nunca soube que pessoas assim existem!

Abel riu, esforçando-se ao máximo para falar alto. Sua risada seca logo ficou presa na garganta, onde se transformou em uma tosse.

— Você está bem?

— Sim, foi mal. Fiquei um pouco excitado demais. Bem, então, sobre Mina e eu…

— Certo… O que aconteceu? Você disse que ela não voltaria.

Ele olhou para o teto.

— Essa história de cura-tudo, eu que inventei. Isso nem existe.

— Isso não existe…?

Ele balançou a cabeça.

— Mina era…

E então calmamente me contou a história.

— Ela era muito gentil, fofa e boa. Estava perdendo tempo comigo. Era a única que me apoiava.

“Mesmo depois que adoeci, ela cuidou de mim e nunca agiu como se a tarefa fosse desagradável. Mina vinha ao meu quarto todos os dias, dava-me comida caseira para comer e trazia livros para que eu não ficasse entediado depois de ficar acamado. Ela ficava sentada do meu lado até eu adormecer. Era a minha salvação, cuidando de mim com tudo de si.

“Mas minha doença só piorava… não importava quanto remédio me dessem ou o quanto eu descansasse. Logo, não conseguia mais nem comer direito. Mina continuou me trazendo refeições caseiras, e eu ainda assim não conseguia ter apetite. Na verdade, eu sentia que ia vomitar. Era óbvio que não aguentaria mais por muito tempo. Eu já estava sentindo.

“Mas ela tentou o seu melhor para me animar. Eu a adorava, mas também me sentia péssimo por ela. Mina estava desesperada para que eu sobrevivesse.

“Um dia, falei: ‘Minha doença não pode ser curada com os remédios que temos no vilarejo. Não estou melhorando. Conhece o grande país a dois dias ao norte daqui? Ouvi dizer que eles têm um remédio eficaz contra qualquer tipo de doença. Se estiver tudo bem, poderia ir buscar para mim?’

“Mina ficou perplexa. Ela se perguntou se tal cura realmente existia. Além disso, se ela tentasse eu poderia melhorar, ou ao menos é nisso que acreditou.

“E a ignorei. Assim que pude, coloquei em suas mãos uma carta e o dinheiro que havia economizado para nós dois um dia fazermos uma viagem juntos, e disse: ‘Com esse dinheiro você deve conseguir comprar. Traga aquilo para mim. Não se atreva a voltar até que tenha a cura-tudo em suas mãos. Quanto à carta, abra-a se não encontrar o remédio e realmente não tiver ideia do que fazer.’

“Mina era realmente uma boa garota. Depois de se preocupar mais e mais, ela finalmente aceitou o meu plano. ‘Vou encontrar o remédio e trazer ele; pode esperar por isso’, falou. Mas, na realidade, esse medicamento não existe.

“No dia seguinte, minha situação mudou. Mina saiu em busca da cura-tudo e, aos poucos, espalhou-se pela aldeia a notícia de que meu estado de saúde estava piorando. Algumas pessoas vieram e disseram que minha doença podia ser contagiosa, e o resultado final foi este. Fiquei em quarentena e apenas o pai da Mina cuida de mim. Mas por mim tudo bem.

“Eu realmente, realmente amo a Mina… Amo tanto que chega a doer. Claro, é doloroso ficar tão distante, mas ainda mais do que isso, odeio deixar ela triste. Não quero que ela chore sobre o meu cadáver. Quero que possa sorrir tanto quanto for possível. Por isso decidi enviar ela para longe do vilarejo.

“Se eu tivesse dito: ‘É melhor você não vir mais me ver’, ela nunca concordaria, eu sabia. Mesmo se conseguisse mandá-la embora para que não viesse mais ficar ao meu lado, ficaria com o coração partido, é claro. E eu não queria que os outros aldeões se envolvessem.

“Acima de tudo, não achei que ela pudesse realmente viver feliz no vilarejo onde meu cadáver ficará descansando. É uma coisa arrogante de se pensar, eu sei, mas imaginei que ela pudesse ficar sobrecarregada pela minha memória.

“Tenho certeza de que Mina chegou ao país a dois dias de caminhada daqui e procurou a cura-tudo por lá. Tenho certeza de que ela caminhou pelo país por horas, dias a fio, sem sucesso. E tenho certeza de que então abriu a minha carta.

“Coloquei todos os meus sentimentos naquela mensagem. Disse que certamente estaria morto assim que ela parasse para ler a carta, e que queria que ela fosse, de alguma forma, feliz naquele novo país.

“Eu acredito que ela será capaz de encontrar um homem maravilhoso e que poderá curar seu coração naquele grande país. Deve haver alguém capaz de fazê-la sorrir novamente.

“É tão egoísta, não é? Mas eu já vinha pensando nisso há algum tempo. Ela merece muito mais do que um vilarejinho como este. Merece ver o mundo todo.

“A propósito, Senhorita Viajante, se você está fingindo ser a Mina, isso deve significar que ela não voltou, certo? Acredito que duas semanas se passaram desde que ela partiu.

“Nesse caso, isso deve ter acontecido. Ela deve ter encontrado a felicidade.”

Depois de terminada a história, o homem doente olhou pela janela com olhos cansados e vazios. O vento soprou; as folhas murchas dançaram e, por fim, caíram.

— Você está de acordo com isso? — Eram palavras banais, mas não consegui encontrar nada melhor para dizer.

— Claro que não. Ficar longe de quem você ama é tão triste.

— …

Nesse caso… Eu ia falar, mas me contive.

Tanto Mina quanto Abel estavam tristes por ficarem separados, mas teriam que superar isso. E pareciam estar fazendo o seu melhor para sobreviver. Uma estranha não deveria se intrometer em um assunto tão pessoal.

— Fico feliz por ter te conhecido, Senhorita Viajante. Você não é a Mina, mas ainda assim, sinto que a vi uma última vez.

— Também fico feliz por ter te conhecido…

— Isso é bom… — murmurou, e então disse: — Senhorita, você é uma bruxa errante. Isso significa que tem poderes mágicos misteriosos?

— Hmm? Sim, tenho. — Fiquei um pouco surpresa com a pergunta repentina, mas respondi afirmativamente. Afinal, magia não é algo com que qualquer um possa lidar.

— A magia que você me mostrou antes foi realmente incrível. Foi como estar em um mundo dos sonhos.

— Obrigada por dizer isso. Fico feliz que você tenha gostado.

— Diga, o que mais você pode fazer com magia? Poderia, por exemplo…?

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Saí da cabana e voltei direto para a casa onde havia trocado de roupa. Em seguida, fiz a multidão de mulheres tirar o espartilho. Prenderam ele com muita força para que eu pudesse tirar sozinha.

— Deu tudo certo? — A velha me questionou logo após eu colocar minha roupa de novo.

Eu dei uma resposta falsa.

— Sim. Ele não suspeitou de nada.

— Ainda bem. Ele deve ter ficado feliz em poder ver a Mina em seus últimos momentos.

— …

Últimos momentos?

— Então, o que o Abel está fazendo agora?

— Ele estava cansado por falar depois de tanto tempo, então disse que ia dormir. Por favor, deixe-o sozinho até esta noite.

— Entendo. Certo. Vou avisar ao chefe do vilarejo.

O chefe deve ser o velho de barba branca.

— Por favor, faça isso.

Coloquei meu broche em forma de estrela e meu chapéu pontudo, e minha transformação estava completa. Estava de volta ao meu estado normal.

— O que você vai fazer agora? Se ficar por aqui, minha casa estará de porta aberta para você, mas…

Fiquei feliz com a sugestão, mas balancei a cabeça.

— Não, obrigada. Já vou embora. Estou com pressa. — Além disso, quero tentar chegar a esse grande país.

— É uma pena…

— Sinto muito.

— Você vai embora sem nem ver o chefe e os outros?

— Se eu os visse, provavelmente tentariam me impedir, certo? Eu deveria simplesmente ir embora. Se você vir o chefe e o pai da Mina, por favor, passe os meus cumprimentos.

— Mas já vai? — disse uma das garotas que me ajudaram a tirar o espartilho.

— Que pena — comentou outra garota.

— Volte outra hora, tá bom?

Quanto a mim:

— Claro, com certeza vou voltar — murmurei sem muita convicção.

E então deixei a aldeia. Voei para o norte, direto pela floresta primitiva, e não olhei para trás. Minha mão estava segurando a vassoura, mas eu ainda podia sentir os dedos frios de Abel.

E ele…

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— Você realmente está me pedindo isso…?

Fiquei perplexa após ouvir seu pedido.

— Sim, isso é sério… Vou morrer logo, não vou? Não tenho dúvidas de que o fim está próximo para mim. Isso é insuportavelmente assustador. Dia após dia adormeço pensando que pode ser o dia em que não vou mais acordar. Não poder fazer nada a respeito é assustador. — De onde estava deitado na cama, ele continuou: — Além disso, eu sei. Todos do vilarejo, até o pai da Mina, não têm nenhuma simpatia por mim. Em algum lugar no fundo de seus corações, todos estão esperando pela minha morte. Quando eu finalmente morrer, não terão mais que cuidar de mim, é nisso que estão pensando. Eu não aguento mais. Estou no meu limite. É por isso que… Posso pedir…? Posso pedir que você me mate?

Ele não estava brincando.

Estava falando sério.

O homem já estava no limite.

Contudo…

— Eu recuso.

Não havia como aceitar tal pedido. Não me tornei uma bruxa para sair por aí matando os outros. Mesmo que fosse seu pedido final, eu não poderia fazer isso.

— Que pena… — Ele estava calmo; acho que nunca esperou que eu aceitasse.

— Sinto muito.

— Não, não precisa pedir desculpas. Mesmo se você não me matar, os aldeões farão isso em pouco tempo. Talvez esta noite mesmo. Vão me dar veneno ou algo assim, e vai parecer que eu simplesmente adormeci em paz.

— Sem chances…

— Não, tenho certeza disso. Uma pessoa que fica deitada na cama e não consegue se levantar não tem valor algum neste vilarejo. Não posso fazer nada, exceto esperar pela morte.

— …

— A única razão pela qual consegui aguentar até agora é porque os moradores estavam esperando que Mina voltasse. Estavam convencidos de que ela tinha um apego persistente por mim… mas agora acabou.

Entendi o que ele queria dizer…

— E então eu apareci…

— Espera, não me entenda mal. Realmente não estou te culpando, viu? Seria o meu destino, mais cedo ou mais tarde.

— …

E então ele sorriu.

— Idealmente, eu morreria enquanto a irmã gêmea da Mina está cuidando de mim, mas… não quero te forçar. Sinto muito por fazer um pedido tão estranho.

— Não, não se preocupe com isso… — falei.

 


 

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Vol. 01 - Cap. 10