Como naquele dia cheguei tarde à capital, mandei apenas um mensageiro ao rei, avisando que depois prestaria meus respeitos, e decidi descansar um pouco.
Convoquei Kelara ao meu quarto.
— O que posso fazer por você hoje?
Ela curvou a cabeça em formalidade. Não importa o quão alta ficava sua posição na hierarquia, seus maneirismos não mudavam.
— Primeiro, tenho uma pergunta a respeito dos velhos hábitos. Siga em frente e sente-se. Não precisa ficar de pé enquanto discutirmos isso.
Kelara foi em silêncio até uma cadeira e se sentou.
— Alguém que não é da realeza teria permissão para matar um rei deposto?
Kelara rapidamente levantou a cabeça e olhou direto nos meus olhos.
— Quer dizer que pretende matar o último rei, Paffus VI.
— Isso mesmo. Como regente, tenho o dever de derrotar aqueles que resistem a Sua Majestade. Os que derrubei até agora eram todos insignificantes, então não havia com o que me preocupar. Mas, mesmo que Paffus seja uma ameaça ao reinado de Sua Majestade, um rei anterior do reino é um homem de nascimento nobre. Eu, um homem nascido da nobreza menor, tenho permissão para matá-lo?
— Um momento, por favor.
Kelara começou a escrever uma lista de nomes em um papel. Logo entendi que era uma lista dos reis que foram assassinados.
— Existem cinco exemplos de reis que foram mortos em batalha, dois dos quais foram substituídos por uma nova dinastia, então suas dinastias acabaram com eles. Os outros três foram mortos por oponentes que se declararam reis, então não contam como exemplos de reis sendo mortos por vassalos. Além disso, não existem exemplos de reis que desocuparam o trono e depois não foram eliminados.
Claro, nunca existiu um rei deposto que se tornou um errante.
— Entendo. Então, seria possível matar um rei retirado? Se eu não puder, não terei escolhas além de capturá-lo. Então, se capturá-lo e levá-lo para a capital real, Sua Majestade provavelmente ordenará a sua execução.
Hasse, sem dúvidas, tentaria eliminar qualquer membro da família real que constituísse uma ameaça ao seu reinado. Tendo como base o anterior conflito que tiveram, eu não conseguia imaginar ele deixando Paffus viver. Mesmo a punição mais misericordiosa deveria ser o exílio em alguma ilha isolada, bem longe da civilização.
— Bom, seria questionável se o regente reunisse as forças por vontade própria — explicou Kelara. — Porém, o regente é o representante de Sua Majestade o rei. Portanto, significaria que é Sua Majestade quem derrota o rei anterior, o que acredito não ser considerado algo problemático.
— Entendo. Portanto, não teria problema se Sua Majestade emitisse uma ordem de extermínio.
— Sim. Desobedecer às ordens diretas de Sua Majestade seria um problema substancialmente maior, e ninguém consideraria isso como um ato de deslealdade.
Balancei a cabeça com firmeza. Senti um pouco de peso sendo tirado dos meus ombros.
— Bom! Então, para cimentar o reinado de Sua Majestade, precisamos acabar o mais rápido possível com os rebeldes. O inimigo desta vez é grande, mas isso não irá me impedir!
Mas, com isso, a expressão de Kelara ficou um pouco turva.
Não deixei essa mudança de expressão passar batida.
— Hmm? Falei algo estranho?
— Não… não foi nada demais.
— Não minta. Posso dizer que você está preocupada. Vá em frente, diga. Não tem mais ninguém aqui. Posso até mesmo jurar pelos deuses, aqui e agora, caso queira.
Kelara parecia estar dividida, mas então abriu a boca, mesmo parecendo resignada a isso.
— Bem… Sir Regente, você realmente pretende proteger a ordem do Reino de Therwil depois de unir as terras…?
Meu sorriso desapareceu em um instante. Mas isso não significava que fiquei com raiva.
Tentei cuidadosamente enxergar para onde isso estava caminhando.
— Não entendo o que você está perguntando. Unir as terras do reino não é o mesmo que restaurar a ordem do próprio reino? As rebeliões internas são a anomalia, e não a norma.
— Sir Regente, se, como regente, você eliminar o rei anterior e os aliados dele, não sobrará qualquer força capaz de resistir ao seu poder. — Kelara lentamente espremeu a próxima frase para fora: — Pensei que você talvez poderia, em tal momento, estar em posição de receber o reino, Sir Regente…
Ela desviou o olhar. Para os seus padrões, estava claramente abalada. Não parecia tão calma e estável quanto de costume.
— Então, de forma mais sucinta, quer saber se pretendo usurpar a coroa.
— S-Sim…
Era uma pergunta e tanto, por isso a resposta de Kelara saiu abafada.
— Então, deixe-me perguntar. Acha que eu deveria me tornar rei? Ou devo me abster?
Eu não tinha a obrigação de dizer minhas verdadeiras intenções para ela. Kelara ainda era minha vassala e jurou me obedecer.
Seu olhar ficou ainda mais baixo. Era como se não pudesse me encarar.
— Explique-se! Por que você está brincando com fogo? — gritou Oda Nobunaga na minha cabeça. — Esta é uma forma arriscada demais de testá-la! Sabe que está a colocando em uma posição na qual seria justificável se te atacasse aqui e agora, não sabe?! Por que foi desnecessariamente ao cerne do problema?! Se essa mulher valorizar mais a ordem do passado do que qualquer outra coisa, então está acabado!
Oda Nobunaga, pode ser verdade que Akechi Mitsuhide era um reacionário conservador, e Kelara pode ter um pouco disso nela, mas ela não trairia ninguém por causa disso.
Disso eu tinha certeza, dadas as minhas próprias experiências de vida.
Você não acredita mesmo que Akechi Mitsuhide te matou só pelo amor pelos velhos tempos, não é? As pessoas são muito mais egoístas do que isso. Elas não agem com base apenas em ideais.
— Isso é verdade. Mas isso não torna as coisas menos perigosas.
Eu não queria continuar usando Kelara com a dúvida pairando sobre ela.
Afinal, tratava-se de uma das minhas concubinas.
— Então, Kelara? Estou perguntando a uma vassala. Você só precisa me dizer a sua opinião. Tenho certeza de que você sabe o que quer dizer.
O suor gotejava da testa de Kelara.
— Acredito que… pelo bem de um mundo pacífico… você se tornar rei deve ser uma opção… — respondeu ela ao final de uma longa pausa.
— Você não está mentindo para mim, está?
— Não, nenhuma dessas palavras…
Ela lentamente levantou a cabeça.
Seus olhos transbordavam determinação.
— A Rebelião dos Cem Anos ainda não terminou. Nesse tempo, a guerra e a fome ceifaram a vida de mais gente do que poderíamos contar. Tantas pessoas sofreram, devemos pensar nelas não como indivíduos, mas sim como números.
A profunda dor desta tragédia mostrou-se na expressão de Kelara.
— Agora, seria injusto colocar toda a responsabilidade aos pés da dinastia. Se os lordes regionais do reino tivessem se unido e protegido a monarquia, ao menos não teria estourado uma guerra civil. Ainda assim…, o rei também tem o dever de deixar o trono quando não puder mais exercer poder o suficiente para governar… Isso foi dito há mais de trezentos anos na Paz Real.
Eu nunca tinha ouvido falar da obra em questão, mas devia ser uma bem conhecida entre os intelectuais como Kelara.
— Eu originalmente esperava que a atual família real voltasse a governar essas terras. Isso é, claro, no que um servo da família real deve acreditar.
— Mas você sentiu que havia um limite para o que poderia ser feito por essa via.
Kelara lentamente acenou com a cabeça.
— Quando Sua Majestade unir o reino, com certeza não irá apenas deixar o regente… você, Lorde Alsrod, sozinho. Sua autoridade aumentou tanto que se tornou inviolável. Não importa como você se sinta, ou o que pretenda, Lorde Alsrod, a lua de mel vai acabar…
Kelara fez questão de me chamar pelo nome, era uma demonstração de determinação. Meus vassalos costumavam me chamar de Sir Regente ou “meu lorde”. Uma das poucas pessoas que se dirigia a mim pelo nome era Laviala, que me conhecia desde a infância.
— E assim que você se for, Lorde Alsrod… Seja lá qual for o seu título, quando Lorde Alsrod, o indivíduo, se for, a paz do reino se espalhará ao vento e tudo retornará à anarquia…
— Nesse caso, seria melhor que eu me tornasse rei.
Seria cruel forçar que Kelara colocasse a sua conclusão em palavras, então terminei a frase por ela.
Kelara apenas confirmou com a cabeça.
— Sou um pouco diferente se comparada aos seus vassalos leais como Laviala — disse ela. — Se eu determinar que você, Lorde Alsrod, trará mais lutas ao mundo, posso muito bem torná-lo meu alvo.
A voz de Kelara revelava o mais fraco dos tremores. Só uma mulher determinada diria essas palavras em voz alta. Mesmo assim, seria difícil manter a calma enquanto o fazia.
Levantei da minha cadeira e calmamente dei a volta para trás dela.
Então, levei minhas mãos aos seus ombros.
— Prometo, vou fazer deste mundo um lugar maravilhoso.
O máximo que eu poderia fazer no momento, assim como a melhor coisa ao alcance, era esse juramento.
Já que estava atrás dela, obviamente não pude ver a sua expressão. Ainda assim, senti que podia sentir as emoções que emanavam de Kelara.
Uma de suas lágrimas caiu sobre a mesa.
— Sim… Por favor, não me traia…
Ela rapidamente enxugou os olhos com a mão esquerda.
— Recentemente, fiquei com medo de mim mesma. Nos meus sonhos, envio tropas para eliminá-lo, Lorde Alsrod, enquanto você está em um acantonamento… Esses sonhos ficaram cada vez mais frequentes. Existem momentos em que fico com tanto medo que não sei o que pensar…
— Isso deve ser por causa da sua profissão, Akechi Mitsuhide.
A profissão de Kelara era o nome do vassalo que matou Oda Nobunaga. Não seria estranho que estivesse subconscientemente influenciando os pensamentos dela.
— Se você teme que eu seja uma ameaça, acho que me matar pode ser o melhor.
Graças à sua personalidade extremamente séria, era provavelmente isso que Kelara queria dizer.
— Um homem que não pode usar um general habilidoso como você não é digno de ser rei ou regente. Não importa se você for um cavalo selvagem, tenho confiança de que posso montá-la
— Entendi. Porém, eu disse tudo o que deveria dizer. Caso deseje se livrar de mim, você só precisa…
— Esqueça isso. Quero te levar para a cama.
Expressei meu mais honesto desejo.
— Depois de uma conversa dessas…?
— Eu disse que montaria em você, hmm? Além disso, o prazer é um excelente remédio para dissipar as tristezas. Não é piada. Estou falando sério.
Ela afastou meus braços de seus ombros e, levantando-se, murmurou: “Perdão”, e então me beijou.
Depois disso, mudamos de lugar e curtimos o nosso encontro. Não – no caso de Kelara, estava menos para curtição e mais para preocupação em me tranquilizar.
Assim que terminamos uma sessão bastante intensa, deitamos na cama, um ao lado do outro.
— Desse jeito, temo que você possa ser assassinado com bastante facilidade.
— Ah, nem tanto. Só faço isso com quem realmente confio. Particularmente porque estou em uma posição na qual posso ter que me preocupar mais com assassinos do que com Sua Majestade.
Segurei a mão de Kelara sob as cobertas.
Esta mão nunca tentará me matar, pensei sem a menor dúvida.
Afinal, nós nos conhecíamos intimamente. Com certeza tínhamos passado do ponto de frustrações reprimidas resultando em uma facada pelas costas. Se ela tivesse alguma reclamação, poderia simplesmente me dizer.
— Eu, Kelara Hilara, irei servi-lo, Sir Regente Alsrod, de todo o meu coração.
Eu sabia ao olhar para o seu rosto: Ela me amava. Essa conversa foi como jogar uma moeda às cegas.
Isso tornou Kelara amável comigo.
— Kelara, vamos fazer isso de novo.
— Estou um pouco cansada…
— Sirva-me um pouco mais.
Voltei a abraçar o corpo de pele escura dela.
Senti uma intensa satisfação por ter uma vassala de coração tão puro.
E eu acreditava que este reino não iria durar muito com um homem como Hasse – que tão prontamente me ofereceu uma vassala como Kelara – como monarca.
Eu realmente precisava me tornar o rei – pelo bem do reino.
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Com meus vassalos, assisti uma audiência com o rei.
— Reprimi as rebeliões e voltei em segurança para a capital. Temo ter criado preocupações durante minha ausência, mas, tenha certeza, ninguém pode ameaçar isso, Vossa Alteza real.
— Sim, confiamos em sua vitória, Irmão.
Os vassalos que cercavam o rei olharam para nós dois. Embora muitos deles tivessem sido escolhidos por mim, havia, é claro, vários que estavam entre os favoritos do rei, e nem todos eram meus aliados. Muitos deles não gostavam da presença de um arrivista.
— Já deve saber, Vossa Majestade, mas parece que essa rebelião foi orquestrada pelo rei anterior, Paffus VI.
— Entendo…, já suspeitava disso. Aquele tolo… Continuando com essa resistência inútil…
O rei anterior, Paffus VI, era primo e inimigo mortal de Hasse. Ele, na verdade, tomou o título de rei do pai de Hasse.
Só por sua expressão, vi quanta raiva ele sentia.
— Quanto a como pretendemos prosseguir com nossos planos de pacificação, acredito que seja hora de exterminar os lordes do oeste que abrigam o rei anterior — falei. — Os lordes principais da Região da Grande Ilha, em particular, consideram-no soberano. Não podemos apenas deixar que mantenham essa fachada.
— Até que enfim!
Hasse soltou um grito exultante. A unificação do Reino de Therwil dependia desse plano.
Se ela fosse concluída, Hasse se tornaria, em nome, aquele que restaurou a ordem. Se a história do reino seguisse normalmente, ele seria conhecido como aquele que retomou a fortuna da dinastia. Eu entendia porque ele sonhava com isso.
Porém, várias dos vassalos não pareceram satisfeitos.
Ficou claro que me viam como uma ameaça. Se eu seguisse em frente e terminasse a pacificação do reino como o comandante-chefe, isso significava que minha autoridade aumentaria ainda mais.
Estavam preocupados com o que eu faria nessas circunstâncias.
Suas preocupações eram justificadas, mas não podiam remover minha posição sem evidências. Além disso, sem mim, o mundo cairia em um caos ainda maior. Não tinha como dizer o que aconteceria se o rei anterior atacasse do Oeste durante a minha ausência.
Eu podia até ser um veneno para a dinastia, mas a doença conhecida como rei anterior não poderia ser curada sem esse veneno. Era uma situação dolorosa de se ver.
— Acredito que começaremos a nos preparar para terminar a nossa tarefa de unificar o reino ao derrotar os Condes de Talmud e Samuur, os principais apoiadores e maiores lordes regionais da Região da Grande Ilha. Claro, isso exigirá muitos soldados e enormes quantidades de suprimentos. Gostaria de pedir sua permissão para estabelecer um imposto temporário para pagar por essas despesas.
Respeitosamente curvei minha cabeça para Hasse.
A próxima campanha não seria apenas longa, como também excessivamente grande. Exigiria um planejamento meticuloso. Uma grande perda em uma batalha campal poderia muito bem inclinar as probabilidades a favor do rei anterior.
Hasse assentiu magnanimamente.
— Sim, você mencionou bons pontos, nosso Irmão. Não devemos deixar pedra sobre pedra durante a preparação para esta batalha. Afinal, estamos restaurando a ordem de um reino há muito fragmentado. Eu mesmo tenho muitas ideias.
Hasse provavelmente estava pensando em um desfile da vitória na capital real.
Claro, isso estaria na cabeça de qualquer rei. Não existiam motivos para criticá-lo.
Ele não era um rei particularmente bom. Fiquei ciente disso em nossas muitas reuniões.
O que não quer dizer que fosse particularmente estúpido para os padrões do passado.Seria, sem dúvidas, adequado se reinasse em tempos de paz.
Um rei não é um herói. Para um rei que permanecia no topo de um reino, verificar se a política permanecia relativamente justa seria o suficiente. Eu, pelo menos, nunca tinha ouvido qualquer boato de que Hasse promulgou leis ruins e despertou a ira dos cidadãos ao redor da capital real. Ele poderia ao menos cumprir com o papel básico de rei.
Os monarcas cruéis e malvados que deixaram marcas na história tentaram criar novas leis e jogaram seus próprios reinos em confusão. Em outras palavras, a tirania e o governo incompetente compunham o resultado daqueles com desejo de exercer o poder ao apenas aplicá-lo mal. Supostamente, o rei representativo da época de Oda Nobunaga também ficou estranhamente motivado, e foi assim que acabou em conflito com Oda Nobunaga.
O problema atual, entretanto, era que este conflito precisava de um grande líder.
Razão pela qual, como recompensa, eu acabaria por tomar este reino.
— Então, Irmão, temos um pedido para você a respeito da próxima fase da campanha de unificação. Pode escutar? — perguntou Hasse enquanto se inclinava para a frente, ainda em seu trono.
— Sim. O que deseja de mim?
— Gostaríamos de comandar o exército e lutar na campanha.
Quase deixei o meu descontentamento transparecer no rosto, mas consegui manter isso só para mim. Resumindo, ele iria ficar no meu caminho.
— Entendo. Se pudermos tê-lo encorajando as nossas forças, eu apreciaria muito. Nossos generais sem dúvidas ficarão motivados com sua presença, Vossa Majestade.
— Não, queremos que você fique de fora da próxima campanha e descanse, Irmão.
A princípio, não entendi o que ele tinha dito.
— Acreditamos que o rei deve ser o único a concluir a unificação deste reino. Caso contrário, ninguém aceitará nossa soberania. Simplesmente sentar neste trono aqui na capital não torna ninguém em rei; pelo contrário, isso é alcançado apenas através da luta pelo povo e pela conquista de respeito, não é?
As palavras de Hasse enviaram um murmúrio pela sala.
Muitos dos vassalos presentes não deviam ter pensado nisso.
Minha opinião pessoal sobre Hasse passou de “na média” para “incompetente”. Ele estava prestes a enfiar a fuça onde não devia e seria castigado por isso.
— Vossa Majestade — comecei —, a próxima campanha não será fácil. É uma que devemos abordar ao pensar em todos os resultados possíveis. Por favor, poderia deixar a campanha para mim, o regente, que estou muito mais acostumado a batalhar?
— Nós entendemos o que você deseja dizer. Mas temos preocupações… preocupações que só podem ser resolvidas ao lutar como um rei.
A voz de Hasse ficou mais baixa. Aí estava algo que era difícil para ele me dizer.
— Existem aqueles entre nós que acreditam que se você, querido cunhado, continuar recebendo louros, o povo acreditará que você é digno de ser o rei, e não eu. Mas não é preciso dizer que você nunca nos traiu, é claro.
Várias pessoas estavam olhando para o chão. Não deviam esperar que o rei dissesse essas palavras em voz alta.
— Mesmo que você não tenha a intenção de fazer isso, Irmão, as pessoas normalmente apoiam aqueles que saem vitoriosos de batalhas. Nesse caso, se concluirmos esta campanha, a coroa estará segura… É isso que pensamos.
— Entendo. Pois bem…
Parece que isso vai acabar sendo um incômodo.
Era verdade que, se Hasse conseguisse reunificar o reino, as opiniões sobre ele mudariam. Mas isso só se aplicaria se ele fosse capaz de conseguir, é claro.
— Em qualquer caso, há muitos preparativos a fazer, então vamos tomar o nosso tempo para planejar isso — falei, buscando evitar entrar em um debate naquele momento.
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Naquele dia, visitei minha esposa oficial, Lumie, pela primeira vez em muito tempo.
Como passei muito tempo em campanha, não tive a oportunidade de vê-la. Além disso, uma vez que tinha acabado de me encontrar com Hasse, o rei, seria muito ruim se partisse para uma visita a uma de minhas concubinas.
E achei que poderia reclamar um pouco para ela.
— Nossa, meu irmão está passando dos limites, exigindo a posição de general supremo para si — disse Lumie antes que eu pudesse fazer qualquer coisa.
Ela estava com seu animal de estimação, um gato peludo, no colo, acariciando-o. Era um presente de alguma região do país. Quando se tratava do regente e sua esposa, até mesmo o número de presentes recebidos era assombroso.
Dito isso, eu não estava em busca de riqueza adicional, por isso, quem dava presentes como o gato estava à procura de nos agradar.
Lumie, pelo menos, gostava muito do animal e o mimava. Talvez só gostasse tanto assim dele por ainda não ter um filho.
— Não é como se meu irmão nunca tivesse lutado em uma guerra. Ele já empunhou uma lança ou espada enquanto estava com a vida em perigo. Entretanto, não sobreviveu por tanto tempo graças à habilidade ou coragem. Ele só teve sorte.
— Sorte também é importante. Afinal, os azarados não sobrevivem por muito tempo. De fato nunca houve um rei, agora ou nos tempos antigos, que não enfrentou tramas de assassinato.
Felizmente, não era eu quem estava criticando o irmão de Lumie diante dela. Na verdade, estava o defendendo.
— Mesmo assim, meu irmão parece acreditar que possui alguma coragem ou habilidade. Claro, nem ele acredita que pode te derrotar, mas suponho que seja verdade que ainda não perdeu a própria vida.
Lumie puxou seu gato de estimação para o peito. O animal não se contorceu, continuou calmo. Devia já tê-la aceitado como dona, ou talvez pensasse nela como sua mãe.
Pensando bem, suponho que nenhuma das minhas outras consortes tinha a presença maternal de Lumie. O fato de ela ter crescido em um convento indicava que foi criada com muita compaixão.
Se eu me tornasse rei, Lumie seria a rainha consorte – ou seja, a mãe da nação.
Porém, se ela não tivesse filhos, Seraphina não acabaria se tornando a rainha consorte?
As consortes de um rei entraram em conflito em vários pontos da história.
A rainha consorte matando a concubina favorita do rei após a morte dele, por exemplo, ou o contrário, sendo a concubina favorita matando a rainha consorte, destruindo a família das outras concubinas… Existiam muitas dessas histórias desconcertantes de intrigas palacianas.
Francamente, isso era algo que eu queria evitar a qualquer custo. Talvez estivesse me adiantando demais, já que ainda não era rei, mas pretendia evitar que as pessoas que amo fossem tomadas pela tragédia, custe o que custasse.
— Entendo a vontade de Sua Majestade de querer ser relembrado como quem ressuscitou a dinastia — falei —, mas a próxima campanha será a que determinará quem controla o reino. Seria um problema se Sua Majestade, com tão pouca experiência em guerra, estivesse na linha de frente. Na pior das hipóteses, se acontecesse algo com ele…
Deixei minhas palavras vagas, mas Lumie não deixou minha implicação passar despercebida.
Se o Rei Hasse morresse, o rei deposto proclamaria em voz alta que era o único monarca. Isso poderia mudar a percepção geral e torná-lo o rei legítimo praticamente da noite para o dia.
— De fato. Mesmo meu irmão tendo crianças, duas delas são filhas e uma é um filho que ainda está na infância. Não é uma presença reconfortante a ter como próximo na linha de sucessão.
— Isso mesmo. Gostaria que Sua Majestade mostrasse um pouco mais de moderação.
É verdade que a morte de Hasse tornaria a posse legítima da coroa em uma reivindicação extremamente tênue.
Mesmo que ele só existisse graças ao meu apoio, existiam muitos lordes que só reconheciam a legitimidade de Hasse por ele ser um homem adulto. Se fosse sucedido por um governante infante, a situação passaria por uma mudança dramática.
Um governante infante não tem poder próprio.Se os sogros do rei fossem influentes seria uma coisa, mas não era o caso.
Razão essa pela qual Hasse, colocando-se na linha de frente por mim e pelo reino, não representava nada mais do que risco desnecessário sem benefícios perceptíveis.
— Lumie, ainda há bastante tempo para nos prepararmos até a próxima campanha. Gostaria de te pedir que tente dissuadir Sua Majestade de participar da batalha.
Ela assentiu com um sorriso.
— Sim, também acredito que meu irmão ficaria mais feliz se ficasse quieto na capital. Ele não devia partir para a guerra.
Esse assunto parecia estar momentaneamente resolvido.
O resto da noite foi dedicado a passar um tempo com minha esposa. Coloquei minha mão no ombro dela.
— Poderia tirar o seu afeto do gato e direcioná-lo a mim? Já faz tanto tempo que quase não lembro como é a sensação da sua pele contra a minha.
— Hmm, mas tenho certeza de que você se divertiu muito enquanto estava em campanha.
Lumie fez beicinho. Ela devia ter aprendido isso com Laviala ou Seraphina.
Nesse aspecto eu não era exatamente inocente, então tive alguns problemas para responder. Havia Talsha, por exemplo, a irmã mais nova do Margrave de Machaal…
— Ah, parece que acertei em cheio. Acho que devo ficar ressentida com você por causa disso — brincou Lumie, e então voltou a balançar a cabeça. — No entanto, meu infortúnio foi decidido no momento em que me casei com um homem como você. Por favor, pelo menos por agora, concentre seu amor em mim.
Lumie realmente se tornou uma linda esposa. Não apenas o seu corpo, mas também a elegância de seus maneirismos. Ela era mesmo uma mulher incomparável.
Sem dúvidas, existiam muitos homens que sonhavam em se deitar com uma mulher assim ao menos uma vez na vida.
E eu com ela só para mim… Bem, ser regente tem as suas vantagens. Com certeza valia a pena continuar no trabalho, mesmo com todos os perigos.
Enquanto eu estava quase dormindo na cama, Lumie se agarrou a mim.
— Ah, acabei de lembrar. Tenho uma coisa que preciso te dizer, querido.
— Aqui? Agora?
O que poderia ser?
Passei meus dedos pelo cabelo dela enquanto me perguntava. Mesmo no quarto escuro era possível ver muito bem a sua forma leitosa.
— Poucos dias antes do seu retorno, fiz uma visita ao templo do deus da fertilidade. Lá, recebi uma revelação: a de que hoje seria abençoada com uma criança.
Puxei Lumie para mais perto de novo.
— Se você está preocupada com o fato de não ter um filho, mesmo sendo a esposa oficial, não precisa se preocupar. Não vou te negligenciar por algo assim.
Lumie talvez sentisse alguma urgência ao ver o meu filho com Seraphina crescendo.
— Não estou preocupada. Estou apenas contando que também terei uma criança sua.
Lumie estava sorrindo. Claro, ela parecia não estar preocupada.
— Também recebi algumas ervas no templo.
— Não tente fazer nada de que você não esteja certa…
Eu estava mais preocupado com ela do que com qualquer possível criança.
— Vai ficar tudo bem. Essa criança será, sem dúvidas, linda, assim como uma joia — disse Lumie com convicção. — Uma criança descendente de você e da realeza.
Essas palavras por algum motivo ficaram na minha cabeça.
O filho de Lumie seria sobrinho ou sobrinha do Rei Hasse.
Algum tempo depois, enquanto planejava uma grande mobilização de forças militares para tratar de trabalhos administrativos, Lumie me fez um anúncio:
— Parece que realmente estou grávida. Ultimamente tenho sentido aquilo, como se chama mesmo? Enjoo matinal?
— Sério?! Tem certeza de que não está apenas pensando demais nisso?
— Querido, isso é algo que suponho que um cavalheiro pode não entender, mas não tem como se enganar. Por favor, acredite em mim.
Envolvi Lumie em um abraço apertado e me alegrei do fundo do coração.
Ao mesmo tempo, pensei em um esquema específico.
Isso ainda estava cercado de incertezas e era uma aposta perigosa, mas continuava sendo um esquema.
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Fiz uma visita a Yanhaan sob o pretexto de participar de uma cerimônia do chá. Claro, eu ainda fazia os movimentos apropriados e tratava a cerimônia com respeito. Achava, na verdade, que as minhas habilidades tinham inclusive melhorado um pouco.
Yanhaan era, de certa forma, uma de minhas conselheiras políticas. Entretanto, não fiz que ela me propusesse várias políticas. Simplesmente conversávamos e eu tomava uma decisão com base nisso. Yanhaan era uma espécie de filósofa e me ajudava a examinar as coisas de várias perspectivas.
Nem os mercadores nem os generais podem evitar de deixar que algo passe.
Não importa o quanto se planeja, os planos nunca são perfeitos. Mesmo um guerreiro invicto pode morrer graças a uma flecha no joelho. Um navio carregado pode afundar e, de repente, criar dívidas enormes.
Então, falar com uma comerciante fanática como Yanhaan acalmava meus nervos.
Tomei o chá em silêncio durante a cerimônia, sentindo o líquido correr pela minha garganta.
— Está bom.
— Não precisa agradecer. — Yanhaan semicerrou os olhos enquanto sorria. — Você talveeeeez esteja se perguntando sobre qual rota usar na guerraaaa? Não posso imaginar no que mais pode estar peeeeensando — disse languidamente. Visto que ela mesma abordou a questão, devia saber que não era para isso que a visitei.
— Posso considerar o que discutimos aqui como confidencial?
— Sim, não precisa perguntar. Afinal, a confiança de uma mercadora é o seu maior patrimônio. Além disso, é proibido vazar o conteúdo de uma cerimônia do chá para estranhos.
Deixei um momento de silêncio passar.
Isso me permitiu verificar se havia algum espião, sentindo os movimentos ao redor. Agora, quanto mais cuidado, melhor.
— Sua Majestade está insistindo em lutar como comandante supremo em nossa próxima campanha.
— Ouvi sobre. Afinal, desde os tempos antigos, reis são líderes de guerreiros. Isso é natural, eu acho. — Yanhaan arregalou um pouco os olhos. — Ainda assim, se Sua Majestade não tem bons estrategistas, então o regente talvez pudesse cuidar do planejamento. Isso não deve representar qualquer problema. O mais importante para o regente, no momento, é evitar a derrota. O que quer que você precise fazer, deve primeiro unificar o reino.
Sua declaração pressupôs que eu planejava usurpar o trono.
— Quanto a isso, por exemplo, e quero dizer apenas como um exemplo hipotético… — comecei, olhando fixamente nos olhos de Yanhaan. — Qual é a nossa chance de vencer caso Sua Majestade morra em batalha?
Pude ver Yanhaan engolir em seco.
Provavelmente por ser uma pergunta que exigia que pensasse bem.
Em essência, estava perguntando: Podemos nos livrar do rei nesta campanha e vencê-la ao mesmo tempo?
Com um plano assim, eu seria capaz de assumir o Reino de Therwil de forma efetiva. Não importava quem se tornaria rei, precisaria ser jovem, e se o homem responsável pela reunificação do país ainda existisse, então seria naturalmente escolhido.
— Não sou especialista em questões de guerra, então não sei os detalhes mais precisos — respondeu Yanhaan. — Entretanto, seria de longe muito perigoso. Estaria tudo bem se você pudesse vencer, mas se for perseguido pelas forças do rei anterior…
O reinado do rei deposto talvez fosse justificado – isso, pelo menos, podia ser o que muitas pessoas começariam a pensar. Essa aposta seria simplesmente arriscada demais.
Se meus próprios aliados desertassem para o lado dele, um após o outro, eu me tornaria o regente.
— Entretanto, se fizer tudo bem, minha autoridade ficará muito mais forte. Não, deixe-me dizer isso de forma clara. Não haveria ninguém acima de mim em todo o reino.
Claro, alguém que não fosse eu provavelmente herdaria a coroa.
Mesmo assim, seria um dos filhos pequenos do falecido Hasse. E eles não seriam capazes de fazer nada. E a família da mãe deles não tinha poder.
Nesse ponto, eu não teria escolha a não ser governar o país inteiro. Se eu partisse, o país cairia em total anarquia. Ninguém iria querer isso. O reino estaria finalmente unificado. Aqueles que estavam cansados da guerra tentariam manter essa estabilidade.
E eu ainda tinha mais um trunfo.
Na verdade, sem esse trunfo, nem mesmo levaria essa ideia a sério.
— Lumie está grávida, o que significa que haverá uma criança descendente de mim e da família real.
Evidentemente surpresa com as minhas palavras, Yanhaan olhou para baixo.
— As coisas não estão prontas para que essa criança assuma o trono, ainda… — disse ela.
— Disso eu sei. Mas isso significa que a possibilidade de continuidade da linhagem da família real aumentou.
Claro, se todos os filhos de Hasse morressem, a linhagem real principal seria extinta e os filhos do marido de Lumie – ou seja, os filhos da princesa consorte – poderiam ascender ao trono. Mas isso provavelmente não aconteceria a menos que algo como uma praga convenientemente ocorresse.
Além disso, se existisse tal praga, não havia garantia de que os meus próprios filhos ou concubinas não se tornariam vítimas.
— De qualquer forma, Sua Majestade ainda pretende participar desta campanha como o comandante supremo — acrescentei. — Se Sua Majestade morresse em batalha, seria necessário pensar em como nos reagruparíamos. É sempre bom estar preparado para todas as contingências.
— Você está certo… Se você tiver feito o bastante para superar a perda do rei, então talvez não tenha problema.
Parecia que Yanhaan havia recuperado um pouco de calma.
— Por exemplo — continuou ela —, se o rei anterior também morresse em batalha, então não haveria qualquer problema em relação à atual linhagem real, não?
Percebi que um sorriso apareceu no meu rosto.
— Ambos os lados da dinastia derrubando um ao outro, hein? — falei. — Nesse caso, um dos filhos de Hasse assumirá o trono e a dinastia continuará.
Não era uma proposta ruim. Mas, claro, seria perigoso.
Além disso, não era algo que eu pudesse fazer acontecer.
Se o rei deposto não aparecesse na linha de frente, não poderíamos matá-lo em batalha.
Quanto ao que seria necessário para atraí-lo para o campo de batalha…
O fato de Hasse também estar na linha de frente.
Não é um plano impossível.
Mas se eu não for extremamente cuidadoso, vai parecer que orquestrei tudo.
Suponho que a opção mais simples seja persuadir o rei.
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— Meu irmão é extremamente teimoso… — Lumie, que parecia estar aos poucos mostrando os sinais de estar grávida, resmungou para mim. — Ele só fala em restaurar a glória da família real… Se eu digo que é perigoso, ele diz que entende… Isso não tem nada a ver com entender. É como se ele estivesse apaixonado pela própria imagem…
— Lumie, se continuarmos lutando contra Sua Majestade nisso, ele pode pensar que temos segundas intenções. Estou ficando sem escolhas a não ser ceder.
— Hein?
Ela, evidentemente, não esperava que eu dissesse isso, então me olhou com curiosidade.
— Suponho que seja verdade… Tenho certeza de que existem aqueles que acreditam que você está almejando a família real ao se tornar o comandante supremo…
Ninguém dizia isso de forma direta, mas muitos deviam pensar assim. Alguém com autoridade sobre os militares também tem o poder de governar o resto do país.
— Ainda assim, ele pode se colocar em risco. Vou explicar isso e ter certeza de que ele entenderá antes que tome uma decisão. Nunca houve um regente que lutou em tantas frentes de guerra quanto eu.
— Sim… E espero que ele reconsidere…
Se Hasse mudasse de ideia, eu faria o que fosse preciso.
Formulei meus planos, levando todas as possibilidades em consideração.
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— Irmão, não importa o que você diga, pretendemos participar dessa campanha! Para restaurar os territórios deste reino sob sua legítima bandeira tradicional, não podemos ficar sentados no trono esperando do início até o fim. Se não tivermos uma espada em mãos, as gerações futuras zombarão de nós como um rei covarde.
Depois dos argumentos de outros vassalos além de mim, Hasse parecia ter ficado ainda mais obstinado.
— Vamos comandar os soldados no campo de batalha e conquistar uma vitória gloriosa! Isso acabará com esta era de caos!
Suponho que sua obstinação tenha sido inevitável. Não havia como fazer a ponte entre o argumento de que era muito perigoso para ele participar e a crença de Hasse de que entendia o risco. Seria uma simples discussão sem fim.
— Entendo a força da sua convicção, Sua Majestade.
— Reconhecemos seus sentimentos, mas… Hmm? Você finalmente entendeu?
— Portanto, gostaria de formular nossos planos com base na suposição de que Vossa Majestade estará na linha de frente. Claro, você já ouviu isso várias vezes e está cansado do assunto, mas no campo de batalhas tudo pode acontecer. Não há ninguém que conheça os campos de batalha tão bem quanto eu, seu regente. Se estiver disposto a ouvir minhas explicações e ainda assim continuar disposto a seguir em frente…
— Entendo, entendo! Sim, por favor, explique!
Hasse estava obviamente feliz com esse desenvolvimento.
Um murmúrio correu entre os outros cortesãos. Evidentemente, ninguém pensou que eu deixaria ele ir.
— Embora o cuidado no campo de batalha seja importante, também são necessários cuidados com a residência que deixará vazia. Por favor, cuide das precauções.
— De fato! Você está completamente correto!
— Então, primeiro, por favor, indique um príncipe coroado antes de partir. Afinal, você ainda não especificou quem será o seu sucessor — falei suavemente.
— Mas meus filhos são todos pequenos. Não é cedo demais para decidir?
— Partir para o campo de batalha resulta na possibilidade de morte. Se, na pior das hipóteses, Vossa Majestade morrer e não houver um consenso a respeito de quem assumiria o trono, o reino cairia em anarquia… Isso pode muito bem colocar em risco a vida de seus filhos…
— Você está certo… É como você diz, Irmão. Se nossa morte colocar em dúvida o futuro do reino, pode muito bem haver quem comece a acreditar que Paffus deveria ser rei…
— Para evitar os piores cenários, se pretende participar desta campanha, peço que o faça após nomear um príncipe coroado. Depois que isso for feito e houver um sistema vigorando para os vassalos apoiarem o sucessor de Vossa Majestade, o reino não sucumbirá facilmente, mesmo nos piores cenários.
Vários vassalos fizeram barulhos de concordância.
A proposta em si era perfeitamente decente e não me beneficiaria de forma direta. Se eu pudesse acabar com qualquer suspeita desnecessária, já seria o suficiente.
— Muito bem. Então escolherei meu filho mais velho, Attmus, como sucessor.
E então o pequeno Attmus, que não tinha nem três anos, tornou-se o príncipe coroado.
A cerimônia de unção do príncipe coroado foi solenemente conduzida.
Claro, o próprio príncipe coroado não parecia compreender o que estava acontecendo, mas isso era compreensível, visto que ele tinha apenas dois anos de idade.
O ritual foi conduzido com um esplendor que seria difícil de imaginar, dada o quão exaurida esteve a família real nos últimos anos. Graças às minhas conquistas nas várias regiões, os impostos começaram a voltar para o tesouro nacional.
Tanto para Hasse, o rei, quanto para mim, ser capaz de fortalecer a autoridade do estado por meio disso não era algo ruim. Mostrar que a família real agora tinha poder era crucial.
Com isso, a possibilidade de Hasse ir para o campo de batalha aumentou um pouco. Eu poderia ao menos minimizar a confusão no caso dele morrer por lá.
Não significava que o plano havia mudado e se tornado em um para matá-lo.
Isso aconteceria apenas se as coisas pudessem ser executadas da forma correta. No momento, Hasse e eu ainda éramos aliados. Sem um reino unificado, eu não poderia formar uma nova dinastia.
Se aqueles ao redor do reino me considerassem um usurpador, acabaria sofrendo todos os tipos de resistências imagináveis. Isso tornaria as coisas mais difíceis, nunca mais fáceis.
Se o rei morresse na guerra, era verdade que as coisas ficariam mais fáceis em alguns aspectos, já que tempos de guerra exigiam líderes poderosos.
Talvez devesse recorrer à minha profissão, já que ela tinha percorrido esse caminho antes.
Oda Nobunaga, como você expulsou o rei?
— Que incomum, você fazendo uma pergunta.
Isso pareceu deixar Oda Nobunaga de bom humor.
— Meu país tinha um sistema peculiar. O rei, acho que pode chamá-lo assim, sempre existiu, e havia um general supremo, chamado de xogum, sob ele. Os xoguns criaram um sistema em que serviam como os reis efetivos do país.
Entendi. Então era um governo militar. Bem comum, não?
— Os xoguns Ashikaga1O Xogunato Ashikaga, ou Xogunato Muromachi, ou Período Muromachi, foi um regime militar feudal japonês estabelecido pelo terceiro xogum Ashikaga Yoshimitsu e controlado pelos xoguns do clã Ashikaga no período de 1336 a 1573. nunca tiveram muito poder militar próprio, já que era um pouco diferente de um governo militar, mas é verdade que o xogum estava no topo da hierarquia militar. Eles tinham a classificação mais alta entre a corte militar. A posição era fornecida pelo rei sem verdadeira autoridade.
Ah, entendo. Nesse caso, você teria justificativas se fosse capaz de superar o xogum, certo? Se pudesse ficar acima do xogum, não teria mais motivos para se subordinar a ele.
— Sim, você é mesmo esperto. Isso está absolutamente correto. Por isso não precisei me preocupar muito quando estava tomando o poder. Eventualmente, pensei que a corte me daria uma classificação mais elevada. Quando eu estivesse acima do xogum, Ashikaga Yoshiaki2Ashikaga Yoshiaki foi o décimo quinto e último xogum do Xogunato Ashikaga que governou entre 1568 e 1573 no Japão. Foi filho do décimo segundo xogum Ashikaga Yoshiharu e irmão do décimo terceiro xogum, Ashikaga Yoshiteru., ganharia o direito de estabelecer o meu próprio governo.
Se há uma classificação separada e objetiva, isso com certeza torna as coisas mais fáceis.
Se pudesse se tornar superior ao homem a quem servia, não seria uma traição nem nada do tipo.
— Claro, antes que isso pudesse acontecer, Yoshiaki se rebelou contra mim e começou a se meter em todo tipo de problema desnecessário… Ele era irritante, mas se eu o matasse, minha reputação seria afetada por isso. E era isso que eu queria evitar a qualquer custo. Já havia acontecido de outros matarem xoguns no passado, mas nenhum deles chegou muito longe depois disso.
Esse Oda Nobunaga podia parecer imprudente, mas na verdade era bastante prudente. Mais uma razão para ouvir os seus relatos.
— Escute. Agora é hora de se preocupar, mais do que com qualquer outra coisa, com a sua reputação. Os humanos, inconscientemente, tentarão evitar ajudar os traidores. Não existem muitos que farão parte das coisas sabendo que estão do lado que é considerado errado. Isso é tão fácil quanto derrubar um governante. A questão é o que vem depois. Essa é a verdade para tudo, não é? Quebrar uma xícara de chá é fácil, a limpeza que é difícil.
Com certeza gravarei essas palavras na memória. Sim, o próximo passo é aquele em que devo pensar cuidadosamente antes de prosseguir.
Até agora, só estava pensando de forma abstrata em derrubar as facções que costumavam apoiar o rei nas Terras do Oeste. Agora, se Hasse ganhasse fama, isso mudaria toda a dinâmica.
— Seria mais simples se houvesse um sistema semelhante ao zenjou neste reino. Claro, isso também não existia no Japão, então suponho que não devia ser ganancioso.
E que tipo de sistema é esse “zenjoe”?
— Quando um imperador, bem, um rei, na verdade, percebe que não tem carma suficiente para governar, transfere o título de forma pacífica a alguém que seja mais digno. Pelo menos em teoria. Na maioria das vezes, um oficial militar ganhava muito poder e forçava uma transferência. Então, uma vez que a transferência fosse feita, a família do governante original seria massacrada.
Bem, é claro, se não fizesse isso, a oposição poderia muito bem tomar o poder a qualquer momento.
— Exatamente. Mesmo assim, se as pessoas soubessem que esse sistema existe, não sentiriam tanto desconforto com a ideia dessa transferência de poder ocorrendo.
Entendi.
Então, qual deveria ser o meu próximo plano?
Talvez precisasse de uma tática melhor do que a campanha contra as Terras do Oeste. Felizmente, minha base em Maust, após ser recentemente livrada dos rebeldes, estava tão pacífica quanto sempre. Talvez fosse mesmo melhor pensar em um plano em Maust.
No meio da cerimônia de unção, deixei minha mente vagar.
Qual é a maneira mais rápida para se tornar rei?
Qual é a maneira mais segura para se tornar rei?
Seria inútil se a monarquia acabasse comigo.
Se eu não criar um sistema com o qual minha família possa passar a soberania de geração em geração, terminarei como um simples herói de uma era de guerras. Isso não me tornaria diferente de Ayles Caltis.
Se no final eu não vencer, simplesmente deixarei incontáveis pessoas ao meu redor infelizes.
Vi Lumie, ao meu lado, lançando um olhar triste para seu irmão, Hasse.
Ele tinha lágrimas nos olhos ao ver seu filho tornando-se o novo príncipe coroado. Mas ele e Lumie estavam com os olhos marejados por razões muito diferentes.
— O que foi, Lumie? — perguntei. — Esta é uma cerimônia magnífica. Esse tipo de expressão deprimida não devia aparecer por aqui.
— Eu sei. Mas… isso significa que meu irmão agora pode ir para o campo de batalha.
No final, não consegui realizar o desejo dela.
— Como regente, não pude continuar resistindo à vontade de Sua Majestade. Perdoe-me.
— Sim. Meu irmão tomou uma decisão própria a respeito deste assunto… mas recentemente estou ficando cada vez mais preocupada… — Lumie se apertou contra mim e disse em um tom que só eu pude ouvir: — Que você… ache que a família real deve ir em frente e morrer…
Não reagi particularmente surpreso. Afinal, já fazia algum tempo que isso estava na minha cabeça. Eu tinha certeza de que muitos dos vassalos do rei compartilhavam do mesmo medo, e vários deles deviam ter expressado suas preocupações diante do próprio rei.
Eu possuía a maior força militar de todo o reino. Isso era um fato imutável. Em outras palavras, se eu traísse o reino, ele não sobreviveria, pelo menos não em sua forma atual.
Existe um ditado sobre um velho com um tigre de estimação. O velho fica seguro enquanto a atenção do tigre está voltada para outro lugar, mas se o tigre atacar o velho, ele não terá chances de sobrevivência.
O problema é que foi a primeira vez que Lumie expressou essa preocupação.
Eu amava a minha esposa e queria fazê-la feliz. Isso não era mentira.
Mas se Lumie, como irmã do rei, desejasse que a dinastia real continuasse, então estaríamos para sempre em desacordo.
Eu sempre soube disso. Soube desde o momento em que nosso casamento foi decidido. Na época, pensei que só faria uso da garota e não me sentiria culpado por nada.
Mas, com o passar do tempo, acabei profundamente apaixonado por Lumie e ela com certeza se sentia da mesma forma por mim.
Não existe resposta neste mundo que deixe todos felizes.
De qualquer forma, fiquei poderoso demais para ser um simples regente. Mesmo se servisse ao rei com lealdade, ele ainda poderia me considerar uma ameaça. É isso que significa ser o segundo em comando.
Mesmo que eu vivesse a minha vida de forma normal, seria possível que meus filhos fossem expurgados.
Cruzei o ponto de retorno há muito tempo.
Puxei Lumie para mais perto de mim.
Com todos focados na música e na cerimônia, duvidei que alguém pudesse ouvir a nossa conversa.
— Não diga coisas tão tristes. Estou fazendo meu trabalho como regente. Sua Majestade está ciente disso. O fato de ele nunca ter tentado assumir a minha autoridade sobre os militares é prova disso.
— Sim. Você certamente serviu meu irmão com lealdade. Não houve qualquer traço de dúvida no comportamento que teve até agora. — A voz de Lumie tremeu. — Mas… se acredita, do fundo do coração, que a família real deve morrer… Só imaginar isso já me enche de medo… O que devo fazer…?
— Lumie, você pensar nesses medos não faz bem para o bebê. Tente pensar em coisas mais felizes.
— Sinto muito…
Com isso, ela ficou em silêncio. Precisávamos ter uma conversa séria.
Ficar na capital provavelmente a deixaria ainda mais desconfortável. Essa era uma boa oportunidade para voltarmos para Maust até Lumi dar à luz.
— Lumie, o clima em Maust é melhor que o daqui. Por que não passamos um tempo lá? Eu vou com você.
— Mas tenho certeza de que você tem deveres políticos como regente…
— Se eu ficar aqui como o regente, isso só irá fazer você se preocupar ainda mais. Prefiro dar um tempo e ficar com você.
Ela pressionou o rosto contra o meu peito e chorou.
— Sinto muito por causar todos esses problemas…
— Não se preocupe com isso. Não fui capaz de pensar nas suas preocupações.
— Sei que isso é um sinal do seu amor por mim. Nunca duvidei que você me ama. Então, é por isso… como filha da casa real, estou com medo…
Me perguntei qual seria o melhor caminho a seguir caso estivesse na posição de Lumie.
Não consegui encontrar respostas fáceis.
Tradução: Taipan
Revisão: Milady
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