A luz do sol ao entardecer atravessava as nuvens avermelhadas do crepúsculo, iluminando a praça da Catedral de Adrien. O pequeno sol que o bispo estava segurando retornou ao normal, restando apenas a cruz branca. Então ele guardou o símbolo e entrou na catedral.
No meio da praça, a bruxa de preto já tinha sido reduzida a cinzas, mas ainda assim pairavam no ambiente os efeitos dos seus gritos histéricos e maldições. Muitos cidadãos estavam com medo e olhavam ao seu redor constantemente, buscando algum perigo iminente. Eles então seguiram o bispo e os padres para dentro da igreja, para orar e confessar seus pecados a Deus.
Lucien sentiu como se aquela luz vívida e brilhante ainda estivesse presente na praça. Ele ainda conseguia sentir o poder sagrado e soberano que a luz continha. Xiafeng ficou tão chocado que ele já tinha decidido aceitar sua identidade como Lucien. Ele precisava enterrar o seu passado bem fundo, para evitar que as pessoas neste mundo o considerassem como uma invocação do mal também.
O poder divino é tão incrível… Em vez de se sentir impressionado ou até mesmo aterrorizado por esse poder como pessoas comuns, Lucien estava se perguntando se conseguiria uma chance para aprendê-lo.
Neste momento, alguém deu uma batidinha no ombro dele com tanta força que ele quase se desequilibrou.
— Oh, meu pobre Evans, graças a Deus, graças a Deus, você não precisa sofrer como seu pobre pai! Um rapaz bonzinho como você merece a graça de Deus!
Lucien foi puxado de volta à realidade. Ele reparou que era uma mulher de meia-idade, duas vezes maior que ele, enxugando as lágrimas de alegria enquanto ela continuava batendo no ombro dele com suas palmas gigantescas como as de um urso.
O garoto deu um passo para o lado para impedir as palmadinhas antes que elas o machucassem seriamente. Ele abriu a boca, mas não conseguiu dizer uma palavra. Ele não sabia o nome dela, afinal, nem mesmo o seu próprio nome completo ele lembrava. Seria então Lucien Evans?
Depois de vê-lo de pé ali atordoado, a mulher ficou ainda mais pesarosa.
— Meu pequeno Evans, dá pra ver que você ainda está psicologicamente abalado. Olhe para você, tão magro…
Xiafeng estava chateado porque não tinha ficado com nenhuma lembrança de Lucien. Ele também estava com medo de deixar as pessoas saberem que ele não era o verdadeiro garoto. De certa forma, sim, o corpo de Lucien estava realmente sendo ocupado por outra pessoa.
Felizmente, um homem de meia-idade apareceu ao lado da mulher e felizmente parou ela.
— Alisa, não fique tagarelando com o pequeno Evans, ele acabou de se recuperar, ainda deve estar se sentindo cansado agora. Iven, ajude sua mãe e vamos para casa.
O homem de cabelos loiros era meio magro e tinha as costas ligeiramente curvadas para a frente. Mas ainda assim Lucien conseguia presumir que ele havia sido um cara bonitão na juventude. Em verdade, na opinião dele o homem era como um anjo, que o salvou desta situação difícil.
— Obrigado, tia Alisa, estou bem, só me sentindo um pouco tonto. — Lucien respondeu com cuidado.
O menino que tinha trazido Lucien até aqui, Iven, pegou sua mãe pelo braço, fez uma cara super alegre e disse para ela — Eu sabia que ele não ia morrer, só você que pensa que ele ainda é um bebê, que precisa de cuidado o tempo todo.
Tia Alisa ainda estava enxugando as lágrimas.
— Evans, é tão bom ver que você está melhorando agora. Ela mereceu isso! Essa maldita bruxa perversa! — Alisa continuou tagarelando enquanto caminhava — Quando ela se mudou para perto da sua casa ela parecia tão linda e bondosa que eu estava pensando em casar o meu pequeno John com ela. Mas ela, ela era uma bruxa! Ela tentou roubar os cadáveres no cemitério para fazer experimentos com seus feitiços maléficos. Graças a Deus o vigia noturno da inquisição a pegou em flagrante enquanto cavava! Nem imagino o que aconteceria se ela tivesse conseguido, imagina quantas pessoas morreriam em nosso bairro…
Lucien foi acompanhando eles, e assim teve uma visão geral do que aconteceu. A mulher foi pega pelo vigia noturno. Sendo vizinho dela, Lucien também foi submetido ao interrogatório da inquisição. Eles provavelmente usaram algum tipo de feitiço sagrado nele que o afetou mentalmente. Só então devem ter entendido que ele era inocente, mas daí já tinham machucado seriamente o verdadeiro Lucien. Ele morreu depois disso e, portanto, Xiafeng teve a chance de possuir seu corpo.
O homem notou que Lucien permaneceu em silêncio por todo o percurso. Ele deu um tapinha no ombro do garoto, confortando-o em voz baixa.
— Ela sempre está assim, apenas ignore.
Lucien concordou com a cabeça, enquanto o homem olhou para Alisa, que estava à frente, e suspirou.
— Ela era uma menina tão agradável e bonita no passado, mas depois que ela deu a luz ao John, ela ficou meio que controlada pelo demônio, não tínhamos nem um ano de casados e ela já ficou assim. — Ele suspirou novamente — Receio não ser mais um adversário à altura dela, entretanto.
Lucien ainda estava sofrendo as consequências emocionais da corrente caótica de informações que estava absorvendo ao mesmo tempo. Ele forçou um sorriso e não disse nada. E nada de descobrir o nome do homem.
De algum jeito, Alisa ouviu a queixa de seu marido. Ela virou para trás com cara de desprezo:
— Joel, o bardo, você, que era cheio de paixão e romance, o jovem que veio aqui para perseguir seu sonho de música, agora é um bêbado incorrigível.
Joel sorriu desajeitadamente.
— Aalto é a Cidade da Música, e inúmeros jovens se reúnem aqui em busca dos seus sonhos, mas quantos deles conseguem ter sucesso? A propósito, Alisa, deixei de beber desde que John começou a trabalhar.
Tia Alisa olhou para trás e o encarou.
— Graças a Deus, você entende que colocamos toda a nossa esperança em John e Iven. John é um bom menino, ele deu duro e foi escolhido pelo Lorde Venn como seu escudeiro. Ele talvez consiga despertar a Bênção em seu sangue e ser nomeado cavaleiro pelo grande duque, e daí ele pertencerá à respeitável nobreza!
Joel estremeceu ligeiramente sob o olhar severo de sua esposa, que só então pensou no pobre Lucien.
— Ah, me desculpe, meu pequeno Evans! — Alisa fez uma pausa e piscou para Joel, pedindo ajuda para consertar aquela situação — Eu não quis dizer isso, você é talentoso também… Você só precisava de mais treinamento quando era mais jovem…
Mas as desculpas realmente não ajudaram a melhorar a situação.
Joel riu alto e deu uns tapinhas no ombro de Lucien novamente. — Ele está bem, nosso Lucien é o cara que vai levar adiante o meu sonho de ser um músico!
Lucien não estava nada preocupado com a opinião deles.
— Sim, eu quero ser músico, — ele disse com uma risadinha.
Ao ver Lucien rindo, Alisa se sentiu aliviada e continuou incomodando novamente, o que na verdade ajudou Lucien a saber mais sobre a cidade. A cidade de Aalto era grande e próspera, situada perto da Cordilheira das Montanhas Negras. Ela possuía a reputação de Cidade da Música e vivia repleta de oportunidades para os sonhadores.
Este bairro era chamado de Aderon, onde os mais pobres de Aalto moravam. Além disso, a sua ausência no trabalho devido ao seu estado doentio dos últimos dias tinha resultado na perda do seu emprego no mercado.
Algum tempo depois, os quatro chegaram à casa de Lucien. Alisa o convidou para jantar, mas ele educadamente recusou — Obrigado, tia Alisa, mas eu preciso descansar um pouco mais.
Antes de partir, o pequeno Iven se aproximou de Lucien e perguntou com curiosidade:
— Lucien, quando é que você decidiu se tornar músico? Você nunca me contou isso antes…
— Há cinco minutos, — Lucien respondeu sem emoção.
— Ahhh… entendi… — Iven concordou, admirado.
Depois de entrar na sua cabana, Lucien trancou a porta por dentro. Ele inconscientemente se sentou, cruzou os braços e apoiou a testa neles.
Não é piada! Eu estou mesmo em um mundo diferente!
Um mundo louco onde a magia realmente existe!
Neste mundo, eles queimam as pessoas vivas!
As fortes emoções de Lucien finalmente tomaram conta. Ele estava surpreso e assustado. Xiafeng era meio tímido e não era muito experiente nem em seu próprio mundo. Anteriormente, ele havia entrado em pânico ao encarar situações difíceis, mas desta vez, ele mesmo se surpreendeu ao ver como ele tinha conseguido manter a calma até agora.
As dificuldades deixam uma pessoa mais forte. O tempo passou e a noite chegou, então Lucien finalmente se acalmou. Já que ele decidiu viver nessa época, ele não podia entrar em pânico, se preocupar ou se assustar com tudo que visse. Ele devia planejar seu futuro com cuidado. Se ele morresse desta vez, ele tinha certeza de que seria para sempre.
Assim ele parou de se preocupar com seus pais e amigos da vida passada. Quando estava prestes a planejar o que fazer em seguida, a fome veio com força. Parecia que havia algo queimando dentro de seu estômago. Lucien engoliu seco várias vezes e decidiu encontrar algo para comer.
Ele caminhou em direção à única caixa que tinha ali. Dentro dele, com a exceção de algumas roupas velhas, havia dois pedaços de um negócio preto em formato de mão, e sete moedas de cobre. A fome estava no controle, então Lucien arriscou dar uma mordida.
*Crack!*
Aquela mordida quase destruiu os dentes de Lucien.
— Que *$%&? Parece uma tábua!
Lucien demorou um pouco até ter certeza de que aquilo que estava segurando era realmente um pão, já que parecia quase um porrete. Lutando contra a fome, Lucien encontrou uma pederneira na caixa e depois de impressionantemente acender o fogo, começou a assar seu “pão”.
— Uma carne de porco assada douradinha, asas de frango picantes, carne assada, frango estilo Kung Pao… — ele murmurava enquanto olhava para o pão no fogo. Quando o pão ficou um pouco mais macio, Lucien não conseguiu se conter e deu uma mordida apressada. Ainda era como mastigar um pedaço de madeira.
Entretanto, era tudo que Lucien tinha. Ele devorou o pão e suspirou. Eu prefiro morrer do que ter que comer isso todos os dias… tenho que ganhar mais dinheiro. Eu não quero viver assim.
Depois pensou no bispo e nos pastores. Vestidos com disciplina, eles pareciam muito nobres com seu incrível poder divino. Lucien se animou. Será que eu conseguiria aprender a usar esse poder e ser poderoso como um deles… Mas no momento seguinte ele mudou de ideia Não, uma pessoa como eu indo para a igreja, é como pedir que eles me queimem na fogueira. Não sei se tem alguma outra forma, será que a tal… Bênção?
E quanto a todo o conhecimento que obtive no meu mundo anterior, será que ainda é útil aqui? Enchendo a boca de pão, Lucien começou a pensar em como ganhar a vida. Quando ele estava puxando todo o conhecimento que obteve na universidade, ele encontrou algo surpreendente presente em sua mente.
Depois de olhar bem de perto, os olhos de Lucien se arregalaram de surpresa. Estes são… estes são os livros da biblioteca. Eles também vieram aqui… comigo?
Todos os livros presentes na biblioteca estavam organizados em sua mente. Em vez de se lembrar deles como memórias ou, digamos, o próprio conhecimento de Lucien, eles estavam dispostos como projeções ou imagens, separados por categorias, prontos para serem lidos por ele a qualquer momento.
Lucien tentou ler um deles, cheio de curiosidade. Entretanto, ele descobriu que não podia abrir a maioria deles. Eles estavam trancados.
Tradução: Vermillion
Revisão: Barão
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