Silica lentamente abriu os olhos ao som de sinos que soavam apenas em seu ouvido. Era um alarme que só ela conseguia escutar.
Estava ajustado para tocar às sete da manhã.
Ela tirou o cobertor e se sentou. As manhãs costumavam ser sempre difíceis, mas por algum motivo, despertara de bom humor. Tinha a sensação de que sua mente havia sido completamente limpa graças a uma noite de sono profundo.
Depois de se espreguiçar, Silica estava prestes a sair da cama quando seu corpo congelou.
Iluminado pela luz que entrava pela janela, uma figura dormia no chão com as costas apoiadas na cama. Silica achou que fosse um intruso e puxou o ar para gritar, mas se lembrou de onde havia dormido na noite anterior.
Eu acabei caindo no sono no quarto do Kirito…
Ao se dar conta desse fato, sentiu como se seu rosto tivesse recebido a baforada quente de um monstro. Considerando que as emoções eram mais exageradas no SAO, era bem possível que realmente tivesse fumaça saindo de sua cabeça. Parecia que Kirito havia deixado Silica ficar na cama enquanto dormia no chão. Ela soltou um gemido e cobriu o rosto com as duas mãos, tomada por vergonha e remorso profundo.
Passados alguns momentos, conseguiu dar um jeito de se acalmar e saiu da cama. Andou alguns passos de fininho, dando a volta para ficar de frente a Kirito e observá-lo.
O rosto do espadachim de preto mostrava tanta inocência em seu sono que Silica não conseguiu conter um sorriso. Ele parecia mais velho quando estava acordado, quem sabe por causa de seu olhar aguçado, mas depois de vê-lo dessa forma, Silica pensou que suas idades talvez não fossem assim tão diferentes.
Era prazeroso vê-lo dormindo, mas ela não poderia permanecer daquele jeito para sempre, então Silica cutucou de leve o ombro do espadachim, chamando-o:
— Kirito, já amanheceu!
Kirito abriu os olhos no mesmo instante e piscou várias vezes enquanto fitava Silica. Em seguida, sua expressão rapidamente se tornou de extremo embaraço.
— Ah… De-Desculpa!
Ele subitamente abaixou a cabeça.
— Pensei em te acordar, mas você tava dormindo tão bem… E eu não podia te levar de volta pro seu quarto porque não tinha como abrir a porta, então…
Quartos alugados por jogadores eram programados pelo sistema para serem impenetráveis, então era impossível entrar a menos que se fosse amigo do jogador. Silica rapidamente balançou a mão e disse:
— Não, não, eu que tenho que pedir desculpas! Acabei tomando a sua cama…
— Não, não tem problema. Aqui, não importa a posição que durma, você nunca vai ficar com dor no corpo.
Depois de ficar de pé, Kirito estralou o pescoço, o que traía as palavras que acabara de dizer, e esticou os braços para se espreguiçar. Ele olhou para Silica como se tivesse se lembrado de algo e disse:
— Enfim, bom dia.
— Ah, bom dia.
Os dois olharam um para o outro e sorriram.
Foram para o andar de baixo tomar um café da manhã reforçado e, quando colocaram os pés do lado de fora da estalagem, em direção à Colina das Memórias no 47° andar, o brilho forte do sol já envolvia completamente a cidade. Os jogadores que estavam de saída para suas aventuras do dia e os que voltavam de uma noite de caçadas iam e vinham com expressões contrastantes.
Depois de reabastecer seus estoques de poções na loja ao lado da estalagem, os dois partiram em direção à praça do portão. Por sorte, conseguiram chegar lá sem encontrar mais ninguém que quisesse convidar Silica para seu time, como no dia anterior. Quando estavam prestes a correr para a área de teleporte, que emitia um brilho azulado, Silica parou de repente.
— Ah… Eu não sei o nome da cidade do 47° andar…
Ela estava prestes a abrir o mapa e conferir o nome do lugar quando Kirito lhe estendeu a mão.
— Tudo bem. Eu falo onde é.
Silica se sentiu grata e pegou sua mão.
— Teleporte! Floria!
No momento em que Kirito pronunciou aquelas palavras, uma luz ofuscante cobriu os dois. Passada a sensação momentânea do transporte, a luz se dissipou e uma explosão de cores invadiu o campo de visão de Silica.
— Uau…! — gritou ela sem perceber.
A praça do portão principal do 47° andar transbordava de flores. Duas trilhas estreitas se entrecortavam na praça circular e formavam uma cruz. Fora isso, o resto do espaço estava tomado por canteiros floridos, cercados por muretas de tijolos vermelhos e preenchidos com flores que Silica não conhecia.
— Que incrível…
— Este andar também é chamado de “Jardim das Flores” e não só a cidade, mas o andar inteiro, é coberto por elas. Se der tempo, a gente pode ir na “Floresta das Flores Gigantes”, que fica ao norte.
— Vou deixar para uma próxima vez.
Silica sorriu para Kirito antes de se agachar diante de um dos canteiros. Ela aproximou o rosto de uma flor azulada parecida com uma escovinha e sentiu seu cheiro. Ela era surpreendentemente cheia de detalhes, desde suas cinco pétalas texturizadas e o estame branco até seu caule verde.
É claro que nem tudo em Aincrad, incluindo aquele canteiro, as demais flores, plantas e construções, era apresentado o tempo todo nos mínimos detalhes. Se fosse assim, até mesmo o computador central de SAO, não importava quão alta fosse sua performance, teria todos seus recursos rapidamente esgotados.
Para evitar que aquilo acontecesse, mas continuar proporcionando aos jogadores um ambiente detalhado e o mais próximo possível da realidade, SAO utilizava o “Digital Focusing System”, um sistema que, assim que o jogador demostrasse interesse em determinado objeto e focasse seu olhar nele, realizava o carregamento em seus mínimos detalhes.
Depois que ouviu falar daquilo, Silica evitou focar a atenção em qualquer objeto com medo de sobrecarregar o jogo, mas não conseguiu se conter naquele momento e continuou observando todas as diferentes flores.
Após desfrutar das fragâncias até cansar, Silica se levantou e deu uma olhada a sua volta.
A maioria das pessoas que caminhavam pelas trilhas eram casais. Todos estavam com as mãos entrelaçadas ou de braços dados e conversavam alegremente. Parecia que ali havia se tornado um daqueles lugares para se ir a dois. Silica olhou para Kirito, que parecia perdido a seu lado.
Será que a gente também parece um casal..?
No instante que aquele pensamento lhe passou pela cabeça, Silica falou bem alto, para disfarçar a vermelhidão do rosto:
— Va-Vamos logo pro campo!
— Hã? Ah, tá.
Kirito piscou algumas vezes antes de assentir e começar a andar ao lado de Silica.
Mesmo longe da praça do portão, as ruas principais da cidade também estavam abarrotadas de flores. Enquanto andavam lado a lado por essas vias, Silica começou a se lembrar dos acontecimentos do dia anterior, quando conheceu Kirito. Ela não conseguia acreditar que apenas um dia havia se passado desde então. O espadachim já havia se tornado uma presença importante em seu coração.
Ela olhou de relance para o lado e se perguntou como ele se sentia, mas Kirito ainda possuía uma aura misteriosa e era difícil saber o que ele pensava. Silica hesitou por um momento antes de se preparar para abrir a boca:
— Er… Kirito. Posso perguntar sobre a sua irmã…?
— A-Assim, do nada?
— Você disse que ela se parecia comigo. Então fiquei curiosa.
Falar sobre o mundo real era um dos maiores tabus existentes em Aincrad. Havia muitas razões para tanto, mas a principal era que, se o pensamento de que “este é um mundo virtual e, portanto, falso” ficasse arraigado na mente dos jogadores, eles não seriam capazes de aceitar a morte em SAO como algo real.
Mas ela queria saber mais sobre a irmã de Kirito, que ele dizia se parecer com ela. Silica queria saber se ele desejava algo dela, mesmo que fosse como uma irmã.
— Nós não éramos tão próximos assim… — Kinto começou a falar. — Eu disse que era minha irmã, mas na verdade é a minha prima. Por causa de algumas coisas que aconteceram, fomos criados juntos desde que ela nasceu, mas acho que ela não sabe disso. Eu não sei se foi por esse motivo… Mas eu acabei colocando uma barreira entre a gente. Evitava até mesmo olhar para ela quando estava em casa.
Ele deu um pequeno suspiro.
— Além disso, nosso avô era uma pessoa bem rigorosa. Fomos forçados a frequentar uma escola de kendô desde que eu tinha oito anos, mas não consegui criar nenhum interesse por aquilo e parei depois de dois anos. Apanhei tanto dele… Foi aí que ela me protegeu, chorando bastante, falando que ia dar duro por nós dois, então ele podia parar de me bater. Depois disso, fiquei viciado em computadores, mas minha irmã realmente se dedicou ao kendô e até avançou bastante no campeonato nacional antes do nosso avô morrer. Acho que ele deve ter ficado satisfeito… Mas eu sempre me senti mal por ela. Talvez ela me odiasse porque ela também tinha outras coisas que gostaria de fazer. Então comecei a evitá-la por conta disso… E aí vim parar aqui.
Kirito parou de falar e encarou Silica.
— Então, pode ser que eu tenha te salvado por satisfação própria. Pra tentar me livrar da culpa que sentia em relação a minha irmã. Desculpe.
Silica era filha única. Por isso, não conseguia compreender completamente tudo o que Kirito havia dito, mas sentia que conseguia, de alguma forma, entender os sentimentos da irmã dele.
— Não acho que ela odeie você. Não importa o que seja, é impossível se esforçar em algo se não gosta disso. Ela com certeza devia gostar muito de kendô.
Ao ouvir as palavras cuidadosamente selecionadas de Silica, Kirito sorriu.
— Você sempre acaba me confortando… Será que é isso mesmo…? Seria bom se fosse.
Silica sentiu algo quente se espalhar pelo peito. Ela estava feliz por Kirito ter se aberto com ela.
Antes que percebessem, os dois chegaram ao portão sul da cidade. Havia inúmeras flores brancas que cresciam das vinhas que se enroscavam no fino arco de metal prateado. A rua principal passava por baixo dele e, aninhada entre duas colinas verdes, transformava-se em uma estrada que se prolongava até se perder na névoa.
— Bom… Nossa aventura está prestes a começar.
— Sim.
Silica soltou o braço de Kirito, enrijeceu o rosto e assentiu.
— Com o seu nível e equipamento, os monstros daqui não devem ser impossíveis de serem derrotados. Mas…
Enquanto falava, Kirito fuçava dentro da pequena bolsa pendurada no cinto e tirou de dentro dela um cristal azul-claro que colocou na mão de Silica. Era um cristal de teleporte.
— Nunca se sabe o que pode acontecer no campo. Se algo de inesperado ocorrer e eu te disser para fugir, use esse cristal e vá pra qualquer cidade, entendeu? Não precisa se preocupar comigo.
— M-Mas…
— Por favor, me prometa isso. Eu já perdi minha party inteira uma vez. Não quero cometer o mesmo erro de novo.
A expressão de Kirito era tão séria que Silica não teve outra escolha senão assentir. Depois de repetir o pedido, Kirito sorriu para tranquilizar Silica e disse:
— E então, vamos?
— Vamos!
Depois de se certificar que a adaga estava equipada no quadril, Silica tomou uma decisão: ela iria ao menos tentar não entrar em pânico como no dia anterior e dar seu melhor durante as lutas.
Entretanto…
— Ah, aaaaaaaah?! O que é isso?! Que nojo!
Apenas alguns minutos depois de começar a andar por uma trilha que seguia para o norte, eles encontraram o primeiro monstro.
— Ah! Aaaah! Sai daqui!
A criatura alta que veio até eles abrindo caminho entre os arbustos tinha uma forma que Silica nunca havia sequer imaginado. “Flor perambulante” seria o melhor jeito de descrevê-la em poucas palavras. Seu caule verde era da mesma grossura de um braço humano e ela usava suas raízes ramificadas como pés. O caule ou corpo era usado para sustentar uma enorme flor amarela similar a um girassol. Tinha a boca aberta e dentes saindo de dentro dela, revelando um tom vermelho de aparência venenosa.
Ela tinha duas vinhas que se estendiam do meio do caule e parecia que esses braços e a boca eram usados para atacar inimigos. A flor comedora de gente abriu um grande sorriso e começou a girar os braços na direção de Silica. Essa criatura que parecia uma caricatura grotesca a fez sentir extremamente enojada, ainda mais porque ela gostava muito de flores.
— Eu disse sai daqui!
Ela brandia a adaga com os olhos praticamente fechados e Kirito, que estava parado ao seu lado, disse em um tom de voz exasperado:
— Tá-Tá tudo bem. Esse monstro é bem fraco. É só mirar na parte branca logo embaixo da flor…
— Ma-Mas ele é tão nojento…
— Se acha que isso aí é nojento, espera só pra ver o que vai aparecer daqui pra frente. Tem um monstro que tem um monte de flores, tem um que parece uma planta carnívora, tem até um com vários tentáculos grudentos…
— Aaah!
Ao ouvir o que Kirito acabara de dizer, Silica deu um grito e acabou ativando uma skill de espada. Ela repetia movimentos a torto e a direito, que obviamente cortavam apenas o ar à sua volta. No curto intervalo entre um golpe e outro, os dois tentáculos se enroscaram em volta das pernas de Silica e a ergueram com uma facilidade surpreendente.
— Нã?!
Silica se viu pendurada de cabeça para baixo ao ver que seu campo de visão se inverteu e sua saia, fiel às leis da gravidade virtual, escorregava para baixo.
— Hããã?!
Com a mão esquerda, ela rapidamente segurou a barra da saia para que não caísse e, com a direita, tentava desesperadamente cortar a vinha, mas seus esforços eram em vão, talvez por conta de sua posição estranha. Com o rosto vermelho, Silica gritou:
— Me-Me salva, Kirito! Não fica só olhando! Vem me ajudar!
— A-acho meio complicado.
Kirito tinha uma expressão de desconforto no rosto enquanto cobria os olhos com a mão esquerda. Ao mesmo tempo, a flor gigante balançava Silica de um lado para o outro, parecendo se divertir com a situação.
— Pa-Para… Chega!
Silica não teve outra escolha senão soltar a mão esquerda da saia, agarrar a vinha e cortá-la. Assim que seu corpo foi solto e começou a cair, o pescoço do monstro ficou visível e ela mais uma vez deu início a uma skill. Dessa vez, acertou o alvo em cheio e, no mesmo momento em que a cabeça da flor gigante rolou pelo chão, seu corpo explodiu e desapareceu. Silica, que pousou delicadamente em meio à chuva de polígonos e destroços, virou-se para Kirito:
— Você viu?
O cavaleiro negro olhou para Silica através dos vãos entre os dedos e respondeu:
— Não…
Depois disso, ela lutou contra mais cinco monstros até finalmente conseguir se acostumar à aparência deles, e os dois puderam acelerar o passo. Mesmo assim, em determinado momento, achou que fosse desmaiar quando um monstro parecido com anêmona a agarrou com seus tentáculos grudentos.
Kirito não participava de fato das batalhas e apenas servia de apoio para Silica na maior parte do tempo, bloqueando ataques uma vez ou outra quando ela corria perigo. A experiência obtida pela party era dividida de acordo com a quantidade de dano causado ao monstro durante uma luta. Como derrotara vários monstros de nível alto, a garota também adquiriu XP mais rápido do que o normal e logo subiu um nível.
Enquanto percorriam a longa estrada de tijolos vermelhos, eles se viram diante de uma pequena ponte que passava sobre um córrego. Do outro lado, era possível ver uma colina. O caminho parecia levar até o topo dela.
— Aquela é a Colina das Memórias.
— Até onde dá pra ver, não parece ter nenhuma bifurcação à frente.
— É. A gente só precisa subir direto, então não tem perigo de se perder, mas parece que tem muitos monstros. Vamos com cautela.
— Tá!
Logo, logo, ela reviveria Pina. Só de pensar nisso, seus pés naturalmente se moviam mais depressa.
Assim que puseram os pés na trilha íngreme coberta de flores, os dois começaram a se deparar com monstros, assim como Kirito via previsto. Os monstros-planta eram bem maiores, mas a adaga negra de Silica era mais poderosa do que ela havia imaginado, tão a garota conseguia derrotar a maioria dos oponentes com apenas um combo.
Mas as habilidades de Kirito eram ainda mais surpreendentes.
Ela tinha notado que ele era um espadachim de alto nível após vê-lo derrotar dois Drunk Apes com apenas um golpe. Mas, mesmo depois de subir doze andares, ele continuava calmo. Quando um grupo grande de monstros aparecia, ele ajudava Silica matando todos, exceto um, que deixava para ela finalizar.
Porém, conforme avançavam, Silica começou a se perguntar o que um jogador de nível tão alto fazia no 35° andar. Pelo que Kirito contara, parecia que ele tinha algo a fazer na Floresta dos Errantes, mas ela nunca tinha ouvido falar de itens ou monstros particularmente raros aparecerem por ali.
Vou perguntar depois que a aventura acabar, pensou Silica agitando a adaga conforme a estreita trilha se tornava cada vez mais íngreme. Depois de derrotar monstros progressivamente mais agressivos e passar por uma área com árvores altíssimas, eles enfim chegaram ao cume.
— Uau!
Silica se lançou alguns passos à frente sem perceber.
Aquele lugar realmente merecia ser chamado de O Jardim dos Céus. A clareira, cercada pela densa floresta, estava repleta de flores que desabrochavam com orgulho.
— Finalmente chegamos — disse Kirito, indo em direção a Silica e embainhando a espada.
— A flor… Er, ela tá aqui..?
— Sim. Em algum ponto perto do centro. Tem uma rocha, e no topo dela…
Silica saiu correndo antes mesmo que Kirito terminasse de falar. Ela definitivamente conseguia ver uma rocha branca em meio às flores. Ela correu em sua direção, arfante, e examinou cuidadosamente o topo da rocha, que estava à altura do seu peito.
— Нã…?
No entanto, não havia nada ali, somente um pouco de grama bem fina que crescia em uma cavidade da rocha, mas nenhum sinal de algo que poderia ser chamado de flor.
— Não… Não tá aqui, Kirito!
Silica se virou para Kirito, que correra até ela. Lágrimas começaram a brotar em seus olhos.
— Mas não é possível… Ah, não, olha ali.
Silica seguiu o olhar de Kirito e voltou-se novamente para a pedra. E então…
— Ah…
Um pequeno broto surgiu em meio à grama macia. Enquanto ela observava, o sistema de foco foi ativado e a jovem contemplou a planta com mais detalhes. Duas pequenas folhas se abriram como uma concha e um talo rapidamente cresceu entre elas.
O talo crescia em um piscar de olhos, fazendo-a se lembrar de um vídeo que assistira em uma aula de ciências há muito tempo. Então, um pequeno botão apareceu na ponta. Ele tinha a forma de uma gota e, de seu interior, era emitida uma luz branca perolada.
Enquanto Silica e Kirito observavam a planta prendendo a respiração, o botão começou a abrir, e então, com um tilintar de um sino, ele desabrochou. Um pequeno ponto de luz dançou no ar.
Os dois simplesmente assistiram à milagrosa flor branca crescer sem se moverem um milímetro. Sete finas pétalas se estendiam como o brilho de uma estrela, e uma luz suave se derramava do centro dela, misturando-se com o ar.
Silica olhou para Kirito, sentindo como se não pudesse tocar na flor. Ele então lhe mostrou um sorriso gentil e assentiu.
A garota também assentiu em resposta e estendeu o braço direito em direção à planta. No momento em que a tocou, seu fino caule, mais parecido com um fio de seda, se partiu como se fosse feito de gelo, restando apenas a flor brilhante em sua mão. Prendendo a respiração, Silica tocou a flor com as pontas dos dedos. A janela de nome apareceu silenciosamente: “Flor de Pneuma”.
— Com isto… Vou poder reviver a Pina, né?
— É. Você só precisa pingar uma gota acumulada no interior da flor no item do coração. Mas tem muitos monstros fortes por aqui, então é melhor fazer isso depois que voltarmos para a cidade. Aguenta só mais um pouquinho. Vamos voltar logo.
— Sim!
Silica assentiu e abriu a janela principal do menu antes de colocar a flor dentro dela. Ela checou se o item estava no inventário antes de fechar a janela.
Para ser sincera, ela queria mesmo era usar um cristal de teleporte e voltar imediatamente, mas conteve a ansiedade e começou a andar. Era quase uma regra não usar os cristais caros a menos que se estivesse em perigo de verdade.
Felizmente, eles não encontraram muitos monstros no caminho de volta. Eles logo chegaram à base da floresta, depois de descerem a colina a passos rápidos.
Agora é só andar mais ou menos uma hora até chegar à cidade e vou poder ver Pina de novo…
Ela abraçou o peito palpitante e estava prestes a atravessar a ponte sobre o rio, quando…
Krito de repente segurou seu ombro. Ela olhou para trás, o coração batendo rápido, e viu que ele encarava o outro lado da ponte, observando algumas árvores que cresciam dos dois lados dela. Ele então abriu a boca e falou com uma voz baixa e tensa:
— Vocês aí de tocaia, apareçam!
— Quê…?!
Silica imediatamente voltou os olhos para as árvores, mas não conseguiu ver ninguém. Depois de alguns segundos tensos, as folhas começaram a se mover com um farfalhar. Os cursores que representavam os jogadores apareceram. Eram verdes, o que significava que não eram criminosos.
Quem apareceu do outro lado da pequena ponte era, por incrível que parecesse, um rosto que Silica conhecia.
Cabelos vermelhos como fogo, lábios igualmente rubros. A jogadora vestia uma armadura de couro preto que brilhava como esmalte e em uma das mãos segurava uma fina lança em forma de cruz.
— Ro-Rosália..?! O que está fazendo aqui…?!
Rosalia deu um sorriso de canto da boca e ignorou a pergunta de Silica, cujos olhos estavam arregalados de surpresa.
— Pra me desmascarar assim, você deve ser muito bom, senhor espadachim. Acho que subestimei você…
Rosália finalmente concentrou o olhar em Silica.
— Parece que você conseguiu obter a Flor de Pneuma. Parabéns pequena…
Silica, que não conseguia decifrar as reais intenções de Rosália, deu alguns passos para trás. Ela não sabia o motivo, mas tinha um mau pressentimento em relação a tudo aquilo.
Um segundo depois, Rosália não traiu suas expectativas quando começou a falar:
— Me entregue a flor agora mesmo.
Silica não sabia o que dizer.
— Mas… Mas do que você está falando…?!
Foi quando Kirito, que tinha ficado em silêncio até então, deu um passo à frente e disse:
— Não posso permitir que faça isso, Rosália. Ou melhor… Devo chamá-la de líder da guilda laranja, Titan’s Hand?
As sobrancelhas de Rosália tremeram. O sorriso desapareceu de seu rosto.
Em SAO, jogadores que cometiam atos considerados criminosos, como roubar, ferir ou matar outros jogadores, tinham a cor de seus cursores alterada de verde para laranja. Portanto, as pessoas se referiam aqueles indivíduos criminosos como jogadores laranjas e as guildas compostas por eles eram chamadas de guildas laranjas. Silica sabia daquilo, mas nunca tinha visto com os próprios olhos.
Porém, o cursor de Rosália, que ela conseguia ver bem diante de seus olhos, era indubitavelmente verde. Silica olhou para Kirito, que estava parado a seu lado, e perguntou com uma voz falha:
— Hã… Mas… A Rosália… Está verde…
— Mesmo numa guilda laranja, há várias ocasiões em que nem todos os membros estão marcados com essa cor. Os membros verdes procuram por vítimas e se infiltram em suas parties antes de atraí-las para uma emboscada. A pessoa que estava espionando a gente ontem com certeza deve ser um membro do grupo dela também.
— Q-Quê…
Silica olhou para Rosália em choque.
— E-Então o motivo pelo qual ela estava com a nossa party durante as últimas duas semanas foi porque…
Rosália mostrou novamente seu sorriso cheio de veneno e disse:
— E… Além de checar o poder da party, eu estava esperando eles ficarem cheios de dinheiro depois dessa aventura. Na verdade, eu ia dar um jeito neles hoje mesmo.
Ela lambeu os lábios e encarou Silica.
— Eu estava me perguntando por que a pessoa que eu mais queria caçar some de repente e aí ouço falar que você tinha ido atrás de um item raro… Flor de Pneuma tem valido muito ultimamente. Realmente é muito importante coletar informações, não acha?
Ela parou de falar por um momento, olhou para Kirito e deu de ombros:
— Mas mesmo sabendo disso tudo, senhor espadachim, você fez questão de acompanhar essa daí… Você é idiota, afinal? Ou será que ela te seduziu com o corpinho dela?
O rosto de Silica ficou vermelho de fúria diante dos insultos de Rosália. Sua mão se moveu para sacar a adaga, mas Kirito segurou seu ombro.
— Não, não é nada disso — Kirito disse com uma voz fria. — Na verdade, eu também estava à sua procura, Rosália.
— O que você quer dizer?
— Você atacou a guilda Silver Flags há dez dias, no 38° andar, certo? Aquela na qual quatro membros morreram e só o líder sobreviveu.
— Ah, aqueles pé-rapados? — Rosália assentiu, sem ao menos piscar.
— Aquele líder… Ele ficou procurando por alguém para vingar seus companheiros na praça do portão, na linha de frente, chorando da manhã até a noite.
Uma terrível frieza podia ser sentida nas palavras de Kirito. Era como se uma lâmina de gelo tivesse sido afiada para cortar tudo que chegasse perto dela.
— Mas quando eu atendi seu pedido, ele não quis que eu a matasse. Tudo o que ele me pediu pra fazer foi jogar todos vocês na prisão do Palácio do Ferro Negro… Você consegue imaginar como ele se sentiu?
— Não — Rosália respondeu como se estivesse de saco cheio. — E nem sei por que tá tão sério. Você é idiota ou o quê? Não há nenhuma prova de que uma pessoa morre de verdade se for morta aqui. Além do mais, isso não vai ser considerado um crime quando voltarmos ao mundo real. Nós nem sabemos se vamos conseguir voltar, e você fica aí falando de justiça e regras. Chega a ser engraçado. E é de gente como você que eu mais tenho ódio. Gente que traz pro mundo de cá algum tipo de lógica estúpida.
Os olhos de Rosália se encheram de raiva.
— Então quer dizer que você realmente levou a sério as palavras de um cara que nem conseguiu morrer direito e estava atrás de nós? Você não tem nada pra fazer mesmo. Bom, admito que caí na sua isca. Mas… acha mesmo que vai conseguir fazer alguma coisa só com duas pessoas..?
Um sorriso sádico apareceu em seu rosto enquanto agitava os dedos da mão direita duas vezes no ar.
Nesse momento, as árvores de ambos os lados da trilha balançaram violentamente e mais pessoas surgiram do meio delas.
Cursores apareceram um atrás do outro no campo de visão de Silica. A maioria deles era laranja. Estavam em um grupo de dez. Se Silica e Kirito tivessem cruzado a ponte sem se dar conta da emboscada, estariam cercados. Havia mais um cursor verde no meio dos laranjas: seu cabelo era espetado e, sem dúvida alguma, era quem tinham visto no corredor da estalagem na noite anterior.
Os dez jogadores que haviam acabado de aparecer eram todos homens de aparência chamativa. Todos possuíam acessórios prateados e equipamentos secundários pendurados pelo corpo inteiro.
Todos estavam de olho em Silica e tinham um sorriso malicioso estampado em seus rostos.
Silica se escondeu atrás do casaco de Kirito ao sentir uma forte sensação de nojo. Ela sussurrou bem baixinho:
— Ki-Kirito… Eles estão em muitos, temos que fugir…!
— Tá tudo bem. Só deixa seu cristal preparado pra quando eu disser que é hora de fugir. Pode ficar aí olhando.
Kirito parecia calmo. Ele colocou a mão na cabeça de Silica e então caminhou em direção ao outro lado da ponte. Silica ficou sem ação. Ele estava sendo inconsequente demais e por isso ela o chamou mais uma vez, em voz alta:
— Kirito…!
Assim que sua voz ecoou no ar…
— Kirito…?
De repente, um dos bandidos deixara escapar aquele murmúrio. Seu sorriso tinha desaparecido, dando lugar a uma careta. Os olhos se moviam de um lado para o outro, como se tentasse se lembrar de algo.
— Essas roupas… A espada de mão única sem escudo… O Espadachim Negro?
O rosto do bandido empalideceu, ao mesmo tempo que ele dava um passo para trás.
— E-Estamos ferrados, Rosália! Esse cara é um beater, dos zeradores…
Ao ouvir essas palavras, os rostos dos demais membros do grupo se enrijeceram. Silica também estava surpresa. Ela apenas encarou em choque as costas de Kirito, que não eram muito largas.
Ela sabia que o nível dele era relativamente alto depois de vê-lo lutar. Mas nunca nem sonhara que ele fazia parte dos Zeradores, um grupo de elite formado por jogadores de alto nível que iam para dungeons da linha de frente, onde ninguém jamais havia pisado antes, e até derrotavam os monstros-chefes. Silica ouvira falar que seu foco era somente concluir SAO e que era raro ver um deles nos andares intermediários.
Até Rosália ficou parada, boquiaberta por alguns segundos antes de voltar a si e gritar:
— Não tem como um zerador estar aqui! Ele com certeza é só um farsante que usou esse nome pra nos amedrontar! Além do mais, mesmo se ele for o Espadachim Negro, vai ser fácil acabar com ele com esse tanto de gente!
Ao ouvir isso, a energia pareceu retornar ao enorme usuário de machado que encabeçava o grupo de jogadores laranja.
— É-É! Se ele for mesmo um zerador, deve ter um monte de itens e dinheiro, certo?! Ele é uma ótima presa!
Todos os bandidos concordaram e sacaram suas armas. As inúmeras peças de metal emitiam um brilho sinistro.
— Kirito… É impossível, vamos fugir!
Silica estava desesperada, agarrando firmemente o cristal nas mãos. Rosália tinha razão, ele não conseguiria vencer tantos inimigos, não importava o quão forte fosse. Mas Kirito não se moveu. Ele nem mesmo sacou a arma.
Eles pareciam ter visto o gesto como um sinal de resignação. Os nove jogadores, que não incluíam Rosália e o outro jogador verde, sacaram suas armas e correram para ver quem chegava a Kirito primeiro. Eles atravessaram a curta ponte a passos pesados.
— lááááá!
— Morraaaaa!
Eles cercaram Kirito, que estava de cabeça baixa, e formaram um semicírculo em volta dele antes de atacá-lo com suas armas. O corpo de Kirito tremeu violentamente com o impacto de todos os nove golpes de espadas e lanças.
— Não! — Silica gritou e cobriu o rosto com as mãos. — Parem! Parem! Vocês vão matá-lo!
Mas eles não a escutaram.
Alguns riam, histéricos, enquanto outros xingavam, golpeando Kirito continuamente, intoxicados pela violência. Rosália, parada no meio da ponte, não conseguia esconder seu interesse enquanto assistia à tragédia se desdobrar. Ela observava a cena ao mesmo tempo que lambia o dedo.
Silica limpou as lágrimas e apertou o cabo da adaga. Ela sabia que não poderia fazer nada, mas não podia mais ficar ali parada. Então, quando estava prestes a tomar um passo em direção a Kirito, ela se deu conta de algo e parou.
A barra de HP de Kirito não estava diminuindo.
Não, na verdade, ela encolhia aos poucos, ponto por ponto, mesmo após aquela intensa chuva de ataques. Mas a barra voltava a ficar completamente cheia após alguns segundos.
Os bandidos finalmente perceberam que o Espadachim Negro diante deles não demonstrava sinais de enfraquecimento e ficaram confusos.
— Mas que diabos estão fazendo?! Matem logo ele!
Ao comando enraivecido de Rosália, os golpes continuaram a ser desferidos por mais alguns instantes. Mas a situação não havia mudado.
— Ei… Mas o que acontece com esse cara?
Um dos jogadores tinha uma expressão de quem vira algo extremamente bizarro antes de parar de golpear. Ele deu um passo para trás. Essa reação rapidamente se espalhou entre os outros oito jogadores que também pararam de atacar e se distanciaram de Kirito.
O silêncio tomou conta do local e, no meio disso tudo, Kirito lentamente ergueu a cabeça. Uma voz baixa ressoou:
— Uns 400 em dez segundos? Esse foi a quantidade de danos que vocês causaram em mim. Estou no nível 78 e meu HP é de 14.500… Além disso, graças à skill “Battle Healing”, eu automaticamente recupero 600 pontos de HP a cada dez segundos. Vocês não vão conseguir me derrotar mesmo que continuem me golpeando por horas.
Os bandidos ficaram parados, boquiabertos e em choque. Por fim, o jogador que usava uma espada de duas mãos e parecia ser o vice-líder, disse em uma voz seca:
— Mas… Como é possível…? Não faz sentido…
— Isso mesmo.
Kirito cuspiu as palavras:
— Apenas uma diferença em números cria uma grande disparidade de poder. Esse é o aspecto irracional do sistema de níveis dos MMORPGs!
Os bandidos deram um passo para trás, intimidados pela voz de Kirito, que parecia esconder algo mais. Suas expressões de surpresa foram substituídas por olhares de terror.
— Tsc, tsc.
Rosália emitiu um som de desaprovação e tirou um cristal de teleporte do quadril. Ela o ergueu bem alto no ar e exclamou:
— Teleporte—
Antes que ela pudesse terminar de falar, o ar pareceu vibrar por uma fração de segundo e de repente Kirito estava parado bem diante dela.
— Argh…
Rosália ficou paralisada por um instante e Kirito aproveitou para tirar o cristal de suas mãos. Ele a agarrou pelo colarinho e a levou para onde estavam os demais bandidos.
— Me-me solta! O que pretende fazer, seu desgraçado?!
Kirito a jogou em direção ao grupo de bandidos, que pareciam atordoados, e então começou a fuçar no bolso, sem dizer uma palavra. Ele sacou um cristal azul, mas a cor do item era muito mais escura que os demais cristais de teleporte.
— A pessoa que me pediu para fazer isso comprou este Cristal de Corredor com todo o dinheiro que possuía. Ele me disse para designar a prisão do Palácio do Ferro Negro como a área de saída. Vou levar todos vocês para a prisão e o Exército vai cuidar do resto.
Rosália, que estava sentada no chão, ficou em silêncio por um segundo e então esboçou um sorriso confiante nos lábios rubros.
— E se eu me recusar?
— Então vou matar todos vocês.
O sorriso dela congelou em seu rosto ao ouvir a curta resposta de Kirito.
— É o que eu gostaria de dizer, mas em vez disso, vou usar isto aqui.
Kirito tirou uma pequena adaga de dentro do casaco. Era possível ver um líquido levemente esverdeado na superfície da lâmina ao examiná-la atentamente.
— É um veneno paralisante de nível 5, então vocês não vão conseguir se mover por cerca de dez minutos. É o suficiente para jogá-los dentro do corredor… Podem ir por conta própria ou posso jogá-los à força. A escolha é de vocês.
Ninguém mais parecia tão confiante. Depois de ver que todos estavam cabisbaixos, Kirito guardou a adaga, ergueu o cristal azul escuro e gritou:
— Corredor, abra!
O cristal se estilhaçou em um instante e um redemoinho de luz azul apareceu.
— Droga…
O alto machadeiro, de ombros caídos, foi o primeiro a entrar no corredor. Depois dele, os demais jogadores laranja também desapareceram dentro da luz, um por um, alguns em silêncio, outros praguejando. Quando o jogador verde que coletava informações os seguiu, a única pessoa que restava era Rosália.
A criminosa de cabelos ruivos nem tentou se mover. Ela permaneceu sentada, de pernas cruzadas, e olhou para Kirito em desafio:
— Pode tentar, fique à vontade. Se você ferir alguém verde como eu, você é que vai se tornar laranja…
Kirito a agarrou pelo colarinho antes que pudesse terminar de falar.
— Deixa eu te contar uma coisa: eu sou um solo. Ficar um ou dois dias com o cursor laranja não é nada pra mim.
Kirito cuspiu aquelas palavras de raiva e a arrastou em direção ao corredor. Rosália tentou resistir, agitando os braços e as pernas.
— Espera, para, para! Me perdoa! Ei! Ah… Ah, você não quer trabalhar comigo? Com suas habilidades, podemos acabar com qualquer guilda…
Ela não conseguiu terminar a frase. Kirito jogou Rosália de cabeça dentro do corredor. Depois que ela desapareceu, o corredor brilhou por um instante e então se dissipou.
Tudo estava calmo de novo.
O campo primaveril repleto de sons da natureza, de pássaros cantantes e da água a correr, tudo ficou quieto mais uma vez, como se o que havia acabado de acontecer não fosse real. Mas Silica não conseguia se mover. Sua surpresa ao descobrir a verdadeira identidade de Kirito, o alívio pelo desaparecimento dos bandidos, todas essas emoções afloraram de uma só vez, deixando-a incapaz de até mesmo abrir a boca.
Kirito inclinou levemente a cabeça e observou Silica em silêncio por alguns instantes até que finalmente disse em um sussurro:
— Desculpe, Silica. Acabei te usando como isca. Pensei em te contar antes… Mas achei que você ficaria com medo, então fiquei quieto.
Silica tentou desesperadamente negar com a cabeça, mas não conseguiu. Inúmeros pensamentos passaram por sua mente, deixando-a atordoada.
— Vou te levar até a cidade — Kirito disse e começou a andar.
Silica conseguiu de alguma forma forçar sua voz:
— Mi-Minhas pernas não se mexem.
Kirito olhou para trás e, com um sorriso, ofereceu sua mão. Assim que Silica a agarrou com força para conseguir se levantar, ela finalmente conseguiu sorrir.
Os dois permaneceram em silêncio até chegarem à pousada, no 35° andar. Havia muitas coisas que Silica gostaria de dizer, mas era como se houvesse uma pedra entalada na sua garganta.
Quando foram para o segundo andar e entraram no quarto de Kirito, a luz avermelhada do pôr do sol já entrava pela janela. Ali, recortado contra a claridade, o espadachim parecia apenas uma silhueta negra. Só então Silica finalmente conseguiu abrir a boca para falar, usando uma voz trêmula:
— Kirito… Você vai embora…?
Um longo silêncio. A silhueta assentiu levemente.
— Sim… Faz cinco dias que me afastei da linha de frente. Preciso voltar para concluir o jogo o mais rápido possível…
— É, tem razão…
No fundo, Silica queria pedir que ele a levasse com ele.
Mas ela não conseguiu.
Kirito estava no nível 78. Ela estava no nível 45. Era uma diferença de 33 níveis. A distância entre os dois era dolorosamente visível. Se ela o seguisse até a linha de frente, seria morta, fosse por um monstro, fosse por outro jogador. Era inevitável. Mesmo logados no mesmo jogo, uma barreira maior que qualquer outra no mundo real separava seus mundos.
— Eu… Eu…
Silica mordeu o lábio inferior e tentou desesperadamente conter as emoções que ameaçavam transbordar. Duas lágrimas se formaram no canto de seus olhos e rolaram por suas bochechas.
De repente, ela sentiu Kirito colocar as mãos em seus ombros. Sua voz baixa e gentil sussurrou:
— Níveis são só números. O poder, aqui, neste mundo, é uma ilusão. Há coisas muito mais importantes. Vamos nos encontrar de novo no mundo real. E então vamos ser amigos de novo.
A verdade era que Silica queria se aconchegar contra o peito vestido de preto diante dela. Mas, enquanto ela sentia o calor nas palavras de Kirito se espalhar pelo seu coração, prestes a explodir, percebeu também que não deveria esperar mais nada dele. Ela então fechou os olhos e murmurou:
— Tá. P-Promete?
Ela se afastou de Kirito, olhou para seu rosto e finalmente conseguiu sorrir de verdade. Ele também sorriu e disse:
— Bom, vamos chamar Pina de volta.
— Sim!
Silica assentiu e balançou a mão esquerda para abrir o menu principal. Ela rolou pelos itens do inventário e pegou o Coração de Pina. Ela colocou a pena azul clara que apareceu do menu sobre a mesinha de centro e em seguida tirou também a Flor de Pneuma.
Com a flor branca-perolada em uma mão, ela fechou o menu e olhou para Kirito.
— Tudo o que você precisa fazer é pingar as gotas de água que estão no interior da flor sobre a pena. Assim que fizer isso, Pina estará de volta.
— Tá…
Enquanto olhava para a pena azul clara, Silica pensou:
Pina… Eu vou te contar um monte, um monte de coisas. Sobre a aventura incrível que tive hoje… E sobre a pessoa que te salvou e que se tornou meu irmão por um dia.
Com lágrimas nos olhos, Silica curvou a flor que segurava com a mão direita sobre a pena.
Fim.
Tradução: Axios
Revisão: Alice
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