Com o almoço no nonagésimo quinto andar encerrado, Ronie retornou aos seus aposentos no vigésimo segundo piso. Assim que sua melhor amiga tentou se esgueirar pela área comum para o próprio quarto, Ronie a chamou.
— Ah, Tiese, eu ia perguntar como você fez aquele maço de papéis que vive carregando…
— Notebook.
— O quê?
— Vou chamar de notebook na língua sagrada. É mais curto. E acho que combina mais — proclamou Tiese, sacando o caderno para mostrá-lo.
Ronie a encarou com curiosidade.
— …O que foi, Ronie? Por que está me olhando assim?
— Ah, por nada. Deixa pra lá… É só que, se continuar usando cada palavra nova da língua sagrada que aprende, o Sir Deusolbert vai acabar reclamando de você, dizendo algo como “Esses jovens de hoje em dia…”
— Bom, aí eu ensino o significado para ele.
— Não é esse o ponto… Enfim! Pode me ensinar como fez isso? — insistiu Ronie. Ela não queria que a amiga tomasse muita dianteira e a deixasse para trás.
Tiese abriu um sorrisinho presunçoso e abraçou o livreto contra o peito.
— Claro que posso, mas já vou avisando: foi bem difícil encadernar esse papel de cânhamo grosso desse jeito…
— …Tá bom. Eu te dou uma torta de framboesa da Padaria do Honis.
— Fechado — concordou Tiese em tom solene, tirando uma folha dobrada do outro bolso.
Pela fragilidade e cor, era papel comum, não de cânhamo branco; ainda assim, estava coberto de ponta a ponta com uma caligrafia minúscula.
— Aqui está. A bondosa e atenciosa Tiese já anotou as instruções de como criar um notebook para a pobre e indefesa Ronie. O mais importante é usar uma linha fina, mas resistente.
— …O-obrigada…
Ronie pegou o papel, surpresa. Tiese devia ter preparado aquela folhinha — chamada de memo na língua sagrada, se bem se lembrava — pensando nela há algum tempo.
— Obrigada, Tiese — repetiu, agora com firmeza, segurando a mão da amiga com as duas suas.
Foi a vez de Tiese piscar, surpresa, antes de soltar uma risada sem jeito.
Agora que Ronie sabia como fazer, sua vontade era correr direto para a sala de processamento de papel no décimo segundo andar e pegar um pouco do estoque novo, mas, infelizmente, aquilo teria que esperar. Ela vestiu seu uniforme de cavaleira para sair, colocou a capa cinza sobre os ombros e juntou-se à amiga para descer as escadas.
Elas atravessaram as portas principais no térreo, recebendo o calor suave do sol da tarde na pele. A brisa de fevereiro era fria, mas dava para sentir que ficava mais amena a cada dia que passava.
Após cruzarem os ladrilhos brancos impecáveis da praça de entrada, caminharam pelo gramado na direção sudoeste. Normalmente, iriam até seus dragões juvenis, Tsukigake e Shimosaki, nos estábulos, e passariam o tempo com eles até o anoitecer, mas hoje não seria possível. Elas tinham um dever muito importante a cumprir antes disso.
As garotas apressaram o passo até que o gramado espaçoso se transformou em um pomar alinhado com árvores. Claro, quase todas as árvores estavam despidas naquela estação, mas havia tanta variedade ali que até frutas de inverno, como maçãs-negras e figos-de-gelo, estavam disponíveis. Um perfume doce pairava no ar.
Apesar de terem acabado de almoçar uma refeição bem farta, tiveram que resistir à vontade de colher apenas um daqueles figos raros, azul-claros e translúcidos, enquanto passavam por entre as árvores, até que, finalmente, uma enorme muralha surgiu diante delas. Era a parede de mármore que separava os terrenos da Catedral Central do resto do mundo.
Perto do canto onde a muralha sul e a muralha oeste se encontravam, Kirito e Asuna já as aguardavam. Usavam capas marrons simples e acenaram ao ver as garotas se aproximando. Ronie e Tiese correram os últimos metros e frearam bruscamente, fazendo uma reverência.
— Desculpem a demora.
— Tudo bem, acabamos de chegar também — tranquilizou Asuna.
Kirito deu um sorrisinho e acrescentou:
— Pulamos da catedral e vimos vocês lá embaixo.
Pelo visto, enquanto elas corriam, Kirito usou sua habilidade de voar com a Incarnação para passar voando por elas. Se eu não consigo fazer isso com a Incarnação, quero pelo menos aprender a voar com elementos de vento, jurou Ronie para si mesma.
— Então, hum… por que escolheu este lugar para nos encontrarmos? — perguntou ela, olhando ao redor.
O destino delas ficava no meio de Centoria do Sul, o que exigiria passar pelo portão situado no meio da muralha sul da catedral. Mas ali era a esquina onde as duas muralhas de mármore se encontravam, sem nenhuma passagem à vista.
Será que vamos usar alguma porta secreta que eu não conhecia?, ela se perguntou.
Mas Kirito apenas deu de ombros.
— Abrir e fechar o portão principal chama muita atenção… Há muitos visitantes na praça logo depois do portão a esta hora, então não tem como passar sem atrair olhares.
— Então por que não voamos como da outra vez? — perguntou Tiese, esperançosa.
Quatro dias atrás, quando a notícia do assassinato em Centoria do Sul chegou, Kirito pegou Ronie debaixo do braço e voou do terraço no topo da catedral, usando elementos de vento para chegar ao destino. A viagem levou menos de um minuto, e voar pelo céu aberto sem suporte foi uma experiência emocionante. Não dava para culpar Tiese por estar empolgada.
Mas Kirito fez uma careta e balançou a cabeça.
— Na verdade, isso também chama bastante atenção — disse ele, acrescentando logo em seguida: — Mas eu estava pensando em testar um atalho secreto hoje.
— A-atalho secreto? — repetiu Tiese, surpresa demais para ficar desapontada com a resposta.
O espadachim delegado lançou-lhe um sorriso travesso e não deu explicações. Em vez disso, ergueu os braços e disse:
— Certo, vamos dar as mãos em círculo.
— …?
Perplexa, Ronie estendeu a mão esquerda para segurar a de Kirito e a direita para Tiese. Do outro lado, Asuna fez o mesmo, parecendo um tanto resignada. Os quatro formavam agora um círculo.
Então, uma série de luzes verdes piscou em sucessão no centro da roda, e uma forte rajada de vento achatou a grama aos pés deles. Ronie apertou as mãos instintivamente quando a pressão do vento a empurrou para o ar vindo de baixo.
— Uau! Uauaaaaaaa! — gritou Tiese, chutando os pés.
Mas ela não voltou ao chão; continuaram a subir a uma velocidade de cerca de um mel por segundo.
Até Ronie, que estava um pouco mais familiarizada com a natureza de Kirito do que a amiga, prendeu a respiração diante daquela experiência inédita, mas manteve a presença de espírito para observar o que acontecia. Os elementos de vento explodiam abaixo deles repetidamente, criando rajadas poderosas, mas os galhos das árvores ao redor apenas balançavam como se fosse uma brisa suave. Um exame mais atento revelou um brilho muito tênue de arco-íris envolvendo o círculo.
Aquela era a luz da Incarnação — muito provavelmente, Kirito estava usando sua habilidade de cavaleiro, os Braços da Encarnação, para formar uma parede cilíndrica e transparente ao redor deles que bloqueava o vento, forçando os elementos de ar liberados a criar uma forte corrente ascendente que os erguia verticalmente. Funcionava sob os mesmos princípios do disco elevador dentro da catedral.
Apesar do pânico inicial, em menos de dez segundos Tiese recuperou a compostura e girou a cabeça para olhar a vista.
— Haha! Isso é incrível, Ronie! Estamos voando! — maravilhou-se.
— Cuidado, Tiese; não solte nossas mãos! — repreendeu Ronie, reforçando o aperto.
Os quatro estavam ganhando velocidade agora. O chão estava longe, mas a parede branca que bloqueava a visão lateral não dava sinais de acabar. Ela olhou para cima com apreensão e viu que a linha nítida que marcava a fronteira entre a muralha e o pálido céu de inverno ainda estava distante.
E se a concentração do Kirito falhar, ou o poder sagrado espacial acabar?, ela pensou, mas logo forçou esses pensamentos para fora da mente e focou no espaço acima. A subida continuou por mais vinte segundos, inclinando-se um pouco na diagonal no final, até que finalmente chegaram ao topo da muralha.
De repente, a pressão do vento sumiu, e eles caíram prontamente cerca de dois mels para aterrissar. Aquela não era uma altura muito grande para quando Ronie e Tiese faziam o treino de equilíbrio nos pilares, mas suas pernas não estavam prontas para o chão repentino, e quase caíram sentadas.
Com o apoio de Kirito, Ronie conseguiu se endireitar e ver o que havia logo à frente.
Ela não conseguiu evitar um suspiro:
— Ohhh…
Em termos de altura, eles tinham subido apenas cerca de dez andares da catedral — talvez cinquenta mels, no máximo. Mas, da própria catedral, a cidade parecia nebulosa e distante, e agora estava toda estendida diante dela, perto o suficiente para tocar. E não só isso — estavam no ponto de interseção das muralhas sul e oeste e, naquela mesma altura, a muralha continuava infinitamente na direção sudoeste.
— …Estamos no topo das Muralhas da Eternidade… — murmurou Tiese, maravilhada.
Kirito assentiu.
As Muralhas da Eternidade: as maravilhas de mármore branco que dividiam Centoria em quadrantes cardeais — e todo o território que se estendia além da cidade também. As muralhas não foram construídas por pedreiros empilhando blocos, mas pela obra divina da Administradora, supostamente em uma única noite.
Dos cantos externos da Catedral Central, as muralhas continuavam até a distante Muralha no Fim do Mundo, que cercava as terras da humanidade, uma distância de 750 kilors. Como o nome sugeria, eram essencialmente indestrutíveis e imunes a tudo. O Índice de Tabus proibia escalá-las ou danificá-las, então ninguém tentaria causar danos, mas Ronie certamente estava violando o outro tabu.
Embora pudesse ter sido libertada do Índice de Tabus quando se tornou uma aprendiz de Cavaleira da Integridade, isso não apagava os anos de medo e reverência por aquelas regras. Ronie se viu ficando na ponta dos pés para diminuir a transgressão que cometia. Olhou para os próprios pés.
O mármore estava empilhado e arranjado sem sequer um milice de espaço entre qualquer bloco e, apesar de centenas de anos de exposição ao vento e à chuva, brilhava tão liso como se tivesse acabado de ser polido. O canto próximo da muralha era afiado como o fio de uma lâmina, desafiando qualquer um rebelde o suficiente para tentar escalá-lo.
Nesse momento, ela ouviu o leve bater de asas. Acima, dois pássaros azul-pálidos desceram sobre o topo da muralha. Eles saltitaram de um lado para o outro no mármore, encarando Ronie com olhinhos pretos.
— …He-he. Acho que o Índice de Tabus não tem efeito sobre os pássaros — comentou Asuna.
A tensão saiu do pescoço e dos ombros de Ronie; ela olhou para sua melhor amiga, e as duas riram.
Ela olhou para a cidade abaixo novamente e disse:
— Ah, entendi… Você quer andar por cima da muralha até chegarmos à estalagem no quarto distrito de Centoria do Sul, certo?
Kirito virou-se para ela e sorriu.
— Correto. Eles não conseguem nos ver andando aqui em cima lá de baixo, então, assim que encontrarmos um bom lugar para pular, vai ser surpreendentemente fácil evitar a atenção dos cidadãos, pode apostar.
— Pelo jeito que você fala, presumo que já tenha feito isso antes? — notou Asuna prontamente, fazendo os olhos de Kirito se arregalarem por um instante. Ele limpou a garganta, sem jeito.
— Er, b-bom, sabe como é, confirmar sua rota de fuga é a base da estratégia, então… Enfim, vamos nos apressar — disse ele, saindo apressado.
Asuna balançou a cabeça em exasperação, mas ela e as garotas o seguiram mesmo assim.
As Muralhas da Eternidade, que dividiam o reino humano em quatro pedaços, tinham cada uma seus nomes não oficiais.
A Muralha da Primavera, a nordeste, separava Norlangarth e Eastavarieth. A Muralha do Verão, a sudeste, separava Eastavarieth e Sothercrois. A Muralha do Outono, a sudoeste, separava Sothercrois e Wesdarath.
E a Muralha do Inverno, a noroeste, separava Wesdarath e Norlangarth.
Nem mesmo Fanatio e Deusolbert, os mais antigos Cavaleiros da Integridade, sabiam como as quatro muralhas acabaram com esse esquema de nomes unificado. Até o Conselho de Unificação Humana começar a funcionar, as Muralhas da Eternidade eram fronteiras nacionais absolutamente invioláveis, e os cidadãos das quatro regiões de Centoria eram basicamente impedidos de se misturar. Os únicos que podiam atravessar o único portão em cada muralha eram comerciantes ou turistas ricos que tinham passes autorizando tal viagem.
As regulações sobre o uso dos portões haviam sido grandemente relaxadas, mas ainda não era completamente livre. Isso porque os tremores secundários da Rebelião dos Quatro Impérios ainda não tinham se assentado totalmente. Em algum lugar do reino, os remanescentes dos Cavaleiros Imperiais que lutaram contra a Igreja Axiom ainda se escondiam, possivelmente seguindo ordens dos imperadores. O assassinato de Yazen e o sequestro de Leazetta podiam até ter sido obra deles.
Ronie considerava essas coisas enquanto caminhava sobre a Muralha do Outono. A muralha tinha quatro mels de largura, então, desde que não chegasse muito perto da borda, não havia preocupação em escorregar, e ninguém podia vê-los do chão. Logo os ventos frios sopraram suas preocupações para longe, deixando sua mente vazia de todos os pensamentos, exceto apreciar a vista da cidade ao redor.
Do lado esquerdo da muralha estava Centoria do Sul, com seus edifícios feitos de arenito avermelhado, e à direita estava Centoria do Oeste, onde as casas eram construídas de ardósia escura. Separadas por uma única muralha, as cidades eram absurdamente diferentes não apenas na cor, mas na decoração e no design. Em Centoria do Sul, a rocha vermelha era cortada em quadrados limpos que se empilhavam com bastante espaço, criando um ar de abertura, enquanto em Centoria do Oeste, as delicadas folhas de ardósia eram reforçadas e rearranjadas, com telhados precisamente encaixados e cobertos de telhas como escamas de dragão, com todo o cuidado e complexidade de uma obra de arte.
Segundo Kirito, as quatro Centorias não apenas pareciam diferentes; a comida era completamente distinta de uma para outra também. Ronie e Tiese poderiam ir a qualquer lugar pelos quatro quadrantes se quisessem, mas se sentiam um pouco constrangidas em fazer isso, e quando iam à cidade, era sempre para sua casa em Centoria do Norte.
Talvez não fosse certo para os Cavaleiros da Integridade, que juraram proteger todos os quatro impérios, mostrar tal favoritismo. Ronie ia dizer isso a Tiese, quando Kirito as parou bruscamente.
— O quarto distrito é bem por aqui… Onde será que fica aquela estalagem…? — murmurou ele, olhando para Centoria do Sul.
Ronie virou-se para a esquerda para examinar a cidade marrom-avermelhada abaixo.
Estalagem, estalagem, estalagem, pensou, observando a cidade, até perceber que não tinha visitado de fato a estalagem onde o crime ocorrera. Quando o relatório chegou à catedral, quatro dias atrás, Oroi, o goblin da montanha, já estava detido no posto da guarda da cidade sob suspeita do assassinato, então Kirito tinha ido direto para lá.
— Hum… Kirito, você nos trouxe aqui sem saber onde fica a estalagem? — perguntou Ronie em voz baixa.
Ele desviou o olhar e meio que assentiu.
— Erm, b-bom, acho que sim. Mas sabe, deve ter uma placa dizendo ESTALAGEM, então imaginei que poderíamos ver lá de cima…
— Quando se tem uma cidade inteira de prédios lá embaixo, não há garantia nenhuma de que vamos convenientemente avistar a única placa que precisamos! — retrucou Tiese, com toda a razão.
Kirito virou-se para uma direção diferente dessa vez e resmungou que ela estava certa. Asuna balançou a cabeça mais uma vez, depois tirou um pedaço dobrado de papel de cânhamo de sua capa.
Aquele, claro, não guardava doces dentro. Desdobrou-se para revelar um mapa. E este era muito mais detalhado do que o tipo vendido na cidade. Tinha detalhes não apenas sobre cada rua, mas até edifícios individuais.
— Uau… onde conseguiu isso? — admirou-se Kirito.
Asuna virou-se para ele com uma expressão presunçosa e disse:
— Soness por acaso encontrou uma coleção de mapas enquanto organizava a biblioteca, e ela copiou entre as sessões de estudo. Disse que o livro de mapas original não foi desenhado à mão, mas que o escriba anterior o criou através de alguma arte misteriosa.
— …Ah… o anterior… — murmurou Kirito, parecendo momentaneamente dolorido, mas passou rápido, e ele se inclinou para examinar o mapa de Asuna. — Vejamos. Então este é o quarto distrito… e esta é aquela rua. O que significaria que a estalagem fica por aqui…
Ele se endireitou e olhou para o lado leste da muralha em que estavam.
— Ah, provavelmente fica na ponta norte daquele cruzamento ali. Obrigado, Asuna — disse ele, expressando sua gratidão com uma palavra na língua sagrada.
— De nada — respondeu a subdelegada na língua comum. Ela dobrou o mapa e o guardou de volta na capa.
Agora sabiam o destino, mas isso não resolvia todos os problemas. Tinham que descer uma muralha de cinquenta mels para dentro da cidade sem atrair a atenção de nenhum cidadão. E se usassem elementos de vento como fizeram para subir, seriam absolutamente vistos.
Ronie olhou para Kirito, imaginando qual seria o plano. O espadachim caminhou até a borda e espiou para baixo.
— Certo, não tem ninguém lá embaixo. Eu vou primeiro. Assim que eu der o sinal, vocês pulam.
— Ehhhhh?! — guinchou Tiese misteriosamente.
Kirito apenas estendeu o punho com o polegar para cima, depois saltou pela borda da muralha. Sua capa marrom desapareceu em instantes, deixando as três mulheres com nada além de uma brisa seca por companhia.
Após alguns segundos, não ouviram nenhum estrondo enorme lá de baixo, então Ronie se juntou a Asuna e Tiese na borda da muralha, e elas espiaram. Lá na rua, a cinquenta mels inteiros abaixo, estava Kirito, acenando casualmente para elas.
— Santo Deus… — murmurou Asuna. Ela estendeu as mãos para Ronie e Tiese.
— Juro que vou aprender a voar — prometeu Tiese, um espelho dos pensamentos de Ronie mais cedo, pegando a mão de Asuna.
Ronie desistiu e agarrou a outra. Era incrivelmente frágil, a pele suave como a seda mais fina, e apenas um pouquinho quente. Asuna apertou a mão de Ronie de volta e, no segundo seguinte, com tanta ousadia quanto Kirito demonstrara na primeira vez, Asuna saltou da muralha de mármore.
O momento de leveza flutuante durou apenas um instante, após o qual as três despencaram como pedras. O vento uivava em seus ouvidos. Ronie queria gritar, mas teve que trincar os dentes para lutar contra a vontade, para que ninguém as ouvisse caindo.
Nem mesmo uma aprendiz de Cavaleira da Integridade sobreviveria a uma queda de cinquenta mels sobre ladrilhos de pedra dura. Estou confiando em você, Kirito!, ela gritou internamente.
Bem naquele momento, logo perto de onde iam aterrissar, Kirito ergueu as mãos para formar uma concha. De repente, pareceu que algo invisível envolvia suavemente o corpo dela. A velocidade de queda diminuiu, e o uivo do vento se aquietou. Kirito usara os Braços da Encarnação para pegar as três.
Dizia-se que mesmo os Cavaleiros da Integridade veteranos não podiam fazer mais do que mover uma única adaga, mas ele acabara de desacelerar três pessoas em queda livre — um uso tremendo de Incarnação que era surpreendente, apesar de suas muitas exibições anteriores. Kirito abriu as mãos quando estavam a apenas dez cens do chão, e elas pousaram na superfície. Todas as três exalaram profundamente, e Ronie rapidamente se virou contra seu antigo tutor.
— Hum, Kirito, se você podia fazer isso o tempo todo, qual foi o sentido de usar os elementos de vento na subida…?
— Bom, pegar algo caindo e algo voando direto para cima são níveis de dificuldade completamente diferentes de imaginar. Só comigo mesmo, eu tenho que transformar minhas roupas em asas para poder voar com a Incarnação… — disse ele, dando de ombros.
— Quero pular sozinha na próxima vez! — cortou Tiese. — Por favor, me ensine a usar os elementos de vento daquele jeito!
— Hã?! I-isso não é tão fácil quanto parece… M-mas acho que é bom ser ambiciosa. Enfim, vamos depressa para aquela estalagem — disse Kirito, sem realmente responder ao pedido dela.
Ele começou a caminhar para o norte, mas Asuna o agarrou pela parte de trás do colarinho.
— Direção errada, Kirito.
Elas viraram à esquerda no beco escuro à sombra da Muralha da Eternidade e, assim que chegaram à rua mais larga, de repente havia mais gente por perto. Era fevereiro, então imaginava-se que capas longas não seriam uma visão rara ao ar livre, mas os habitantes de Centoria do Sul vestiam-se de forma surpreendentemente leve. Centoria do Norte não ficava nem a um kilor de distância, então a temperatura não podia mudar tanto assim, mas, por alguma razão, a luz do sol brilhando na cidade de arenito parecia mais quente do que na Catedral Central.
Felizmente, nenhum guarda os parou, então os quatro conseguiram atravessar o quarto distrito de Centoria do Sul para chegar à estalagem em questão.
Era um edifício muito grande de três andares, o que explicava como conseguiam hospedar tantos visitantes do Território Sombrio com um custo noturno barato, conforme listado em uma placa na entrada da frente. Kirito puxou o capuz da capa para trás, deu uma breve olhada no exterior de arenito vermelho da estalagem, depois abriu a porta sem pensar duas vezes. Um sino agudo tocou.
— Sejam bem-vindos! — gritou uma voz energética.
A dona da voz, uma mulher que parecia apenas um pouco mais velha que Ronie, estava atrás de um balcão longo do outro lado do saguão de entrada. Seu cabelo avermelhado estava preso com um lenço verde-escuro, e ela usava um avental da mesma cor.
Quando Kirito se aproximou do balcão, ela sorriu e perguntou:
— Vão se hospedar? Grupo de quatro?
— Uhhh — murmurou ele a princípio, depois assentiu. — É. Quatro. Só por uma noite.
— Certamente podemos providenciar. Ficarão em apenas um quarto?
— Sim, mesmo quarto. De preferência no segundo andar.
Ronie assumiu que ele ia se identificar e exigir assistência na investigação, então essa conversa inicial a deixou surpresa. Em poucos instantes, ele alugou um quarto, pagou seiscentos shia por ele, e foram levados ao segundo andar.
Deram-lhes um quarto de canto no lado sudeste do prédio, onde muita luz de Solus filtrava pelas grandes janelas. Havia uma mesa grande e redonda com uma seleção de frutas em cima, e quatro camas alinhadas ao longo da parede do fundo.
Após uma explicação detalhada das características do quarto, a estalajadeira fez uma reverência profunda e saiu. Tiese prontamente exclamou:
— Nunca estive em uma estalagem fora de Norlangarth antes! O jeito que o quarto passa a sensação e a aparência dos móveis são completamente diferentes do norte!
— Tiese, não estamos aqui para nos divertir — repreendeu Ronie, virando-se para Kirito. — Hum… o que planeja fazer agora? Este não é o quarto onde aconteceu de verdade, é…?
— Não, presumo que não. Mas tem um jeito de descobrirmos qual foi o quarto. Vamos fazer uma pausa por enquanto, no entanto — respondeu Kirito, espreguiçando-se luxuosamente.
Asuna tirou a capa e soltou os longos cabelos.
— Vou preparar um chá — acrescentou, indo em direção a um armário num canto do quarto. Ronie trotou atrás para ajudar.
Segundo a explicação da estalajadeira, se quisessem água quente, deveriam visitar o refeitório no primeiro andar e trazer de volta, mas Asuna ignorou isso, despejando um pouco de água fria do jarro no bule e gerando um único elemento térmico com um encantamento simples.
Aquecer água em temperatura ambiente era uma das lições fundamentais das artes sacras, mas havia um truque. Simplesmente soltar o elemento térmico na água causaria uma reação imediata na superfície, fervendo-a em vapor sem realmente elevar muito a temperatura da água restante. Havia outro passo necessário para transferir efetivamente o calor do elemento para a água.
Um usuário de artes sacras apropriado usaria um reagente valioso de Sothercrois chamado pedra absorvedora de fogo para absorver o elemento térmico e então colocar a pedra na água. Também podia-se apenas levantar o recipiente e segurar o elemento térmico embaixo até a água ferver, mas isso levava tempo. Ronie observou a subdelegada espadachim, imaginando o que ela faria. O primeiro passo de Asuna foi gerar dois elementos metálicos.
Usar aço para formar uma esfera era uma boa ideia como substituto para uma pedra absorvedora de fogo, mas, diferentemente das pedras, que absorviam instantaneamente um elemento térmico, uma esfera de metal não aquecia tão facilmente. E claro, ao contrário de um elemento sagrado, bolas de metal não flutuavam no ar, então exigiam um suporte enquanto aqueciam.
Algo conveniente como pinças ou uma colher serviria, mas usar outra ferramenta além do meio era considerado indelicado. O melhor uso das artes sacras era quando a tarefa era completada da geração do elemento ao comando, sem nada extra envolvido. Muitos artífices gostavam de criar um pequeno redemoinho com um elemento de vento para flutuar a bola, fundindo o fogo com o vento — parecia chamativo também —, mas artes de três elementos eram difíceis, assim como controlar o redemoinho, e qualquer perda de concentração poderia facilmente encher um quarto de faíscas voando.
É melhor eu estar pronta para neutralizar quaisquer chamas com elementos de gelo, disse Ronie a si mesma. Enquanto isso, Asuna imobilizou o elemento térmico com a mão direita e controlou os elementos metálicos com a esquerda, aproximando-os do calor. Justo quando parecia que os dois reagiriam, enviando gotículas quentes de metal para todo lado, Asuna proferiu um comando que Ronie não reconheceu.
— Form Element, Hollow Sphere Shape!
Os dois elementos metálicos fundiram-se em um, transformando-se em uma esfera de cerca de três cens de diâmetro. Assim que os elementos sem peso se transformaram em aço real, a gravidade puxou o objeto, que caiu com um ploc dentro do bule.
— Hum… Lady Asuna, onde está o elemento térmico…? — indagou Ronie.
Olhando ao redor, ela não conseguia avistar o elemento, que deveria estar em algum lugar no ar. Asuna cutucou-a com o cotovelo e apontou para o pote de cerâmica.
Ronie se inclinou e viu, no fundo da água lá dentro, a bola de aço brilhando em vermelho. Pequenas bolhas se formavam na água ao redor dela, e vapor começava a subir da superfície.
— Quer dizer… o elemento térmico está dentro daquela bola?
— Isso mesmo. Fiz uma esfera oca com os elementos metálicos e prendi o elemento térmico lá dentro.
— Não sabia que dava para fazer isso… — murmurou Ronie, maravilhada. A água no bule já estava borbulhando, quase em fervura completa.
Normalmente, para criar uma bola oca de elementos metálicos, tinha que se fazer uma sólida com o comando Sphere Shape, depois usar o comando Enlarge enquanto a aquecia. Mas isso era difícil de controlar, quebrava facilmente e não podia ser preenchido com nada se você realmente conseguisse.
Mas se conseguisse criar uma bola oca desde o início e simplesmente formá-la ao redor do ponto no ar onde o elemento térmico esperava, poderia prendê-lo lá dentro. Aquilo era mais seguro e eficaz do que cozinhar a bola de aço sobre um redemoinho flamejante.
— Essa… Essa palavra sagrada que usou… Hollow? É algo que você descobriu…? — perguntou Ronie, maravilhada com a nova ideia.
Mas a subdelegada apenas balançou a cabeça.
— Não, Alice era uma especialista em esferas vazias, e ela ensinou o comando para Ayuha e mais ninguém. Foi Ayuha quem me contou.
— Lady Alice… — Ronie ficou novamente sem palavras.
Na Guerra do Outromundo, Ronie teve a chance de falar com a Cavaleira da Oliveira Perfumada, Alice Synthesis Thirty, em várias ocasiões. O mais memorável de tudo foi a noite que passaram na tenda com Asuna e a General Serlut em frente ao Kirito adormecido, trocando histórias. Mas tão vívida quanto foi a memória do aterrorizante ataque de elemento de luz de amplo alcance de Alice, que fritou o Exército das Trevas em um instante durante a batalha para defender o Portão Oriental.
Como alguém que sabia usar algumas artes, Ronie às vezes se perguntava que tipo de comando poderia produzir tanto poder. Não era algo que uma cavaleira aprendiz como ela pudesse saber, claro, mas podia imaginar algo como um número incontável de elementos de luz sendo acumulados de alguma forma, depois liberados todos de uma vez. Se o segredo para aquela arte estava no comando Hollow Sphere Shape, então fazia sentido que ela não ensinasse a mais ninguém além de Ayuha.
— Ummm… Não tem problema eu ter ouvido isso, tem? — perguntou hesitante.
Asuna apenas sorriu para ela.
— Tudo bem. Acho que Ayuha confiava em mim… Ela sentiu que eu não faria mau uso. Então, quando chegar a hora, você pode ensinar esse comando para alguém em quem confie também.
— …Eu vou… Eu vou — repetiu Ronie, sentindo algo quente surgir dentro do peito.
Nesse momento, Kirito espiou por cima do ombro dela. Contrariando muito a emoção do momento, ele notou:
— Caramba, você está fazendo do jeito lento… Se quer ferver água, é só atirar duas ou três flechas de fogo numa bacia, e…
— Você percebe que, se fizer isso, o quarto inteiro vai se encher de vapor! — interrompeu Tiese. Asuna e Ronie riram.
Elas estavam relaxando e aproveitando o chá vermelho, aparentemente um produto do império do sul, quando os sinos das duas horas tocaram lá fora. A melodia era a mesma de Centoria do Norte — e até do Território Sombrio, aliás —, mas o tom parecia mais leve e nítido. Antes que a ressonância da melodia morresse, Kirito já estava de pé, olhando para a porta.
— Certo. O intervalo dos funcionários desta estalagem é das duas às duas e meia, e todos os faxineiros se reúnem no quarto vago lá embaixo. Os hóspedes devem estar todos fora, passeando e fazendo compras, então não haverá ninguém no corredor.
— …Como sabe disso? — perguntou Asuna.
Kirito explicou que tinha perguntado durante o registro.
Aproximando-se da porta, ele a entreabriu e espiou para fora, depois assentiu e chamou-as. Não estava claro o que ele ia fazer, o que era preocupante, mas a única escolha era confiar que ele não faria nada muito maluco dentro de casa.
Ele passou pela porta e seguiu para o norte, longe das escadas, verificando cada porta do lado direito enquanto ia. A quarta porta exibia um pedaço de pergaminho fixado que dizia Não está em uso no momento. Acima, havia uma placa de metal com o número 211 entalhado.
— É aqui — murmurou Kirito.
Asuna assentiu de volta. Era o quarto onde Yazen, o faxineiro, fora morto.
O espadachim delegado estendeu a mão para a maçaneta de latão, mas parou bruscamente por algum motivo. Então ergueu a mão até o rosto e olhou atentamente para as pontas dos dedos.
— …O que está fazendo, Kirito? — perguntou Ronie baixinho.
Ele resmungou algo impreciso, mas nada mais. Asuna se inclinou para perto dele e sussurrou:
— Não se preocupe, tenho certeza de que eles não modelam até as impressões digitais únicas.
Ele pareceu aceitar isso e agarrou a maçaneta dessa vez.
Girou para a esquerda e para a direita, mas estava trancada, é claro. E agora? Kirito encarou o buraco da fechadura — e alguns segundos depois, houve um som de metal tinindo e destravando.
— Ah, não… Dá para fazer isso com a Incarnação? — indagou Tiese, meio maravilhada e meio irritada.
Kirito apenas deu de ombros.
— As chaves e fechaduras deste mundo não são dispositivos mecânicos reais; são baseadas no sistema… er… eu explico para vocês um dia.
Tiese não pareceu satisfeita com aquela resposta vaga, mas dadas as circunstâncias, não ia incomodá-lo mais. Kirito agarrou a maçaneta novamente e, desta vez, ela girou completamente, abrindo a porta. Ele espiou, depois abriu mais e fez sinal para que o resto entrasse.
Depois que Asuna entrou, Ronie viu que era um quarto muito comum para duas pessoas. Havia apenas uma janela na parede leste, com camas de cada lado e, em frente a elas, uma mesa só um pouco menor do que aquela em que estavam bebendo chá momentos atrás.
Não havia nada imediatamente fora do lugar naquele quarto. Se tanto, as únicas diferenças eram a falta de frutas frescas na mesa e o fato de as cortinas estarem fechadas. Mas Ronie podia sentir que aquela era a cena de um assassinato pelo jeito que sua pele se arrepiou.
Kirito foi o último a entrar e fechou a porta atrás de si. Asuna virou-se para ele perto da mesa e assentiu.
— …Tem certeza de que isso é seguro, Asuna? — perguntou ele, preocupado.
Ronie sentia o mesmo, e tinha certeza de que Tiese também.
Ayuha Furia, capitã da brigada de artífices sagrados, disse que a arte de vidência do passado, descoberta apenas ontem, causava esforço demais. Como uma das maiores usuárias de artes sacras do mundo, se ela dizia isso, então mesmo Asuna com seu poder divino não acharia fácil tentar.
Mas Asuna simplesmente lhe deu um de seus habituais sorrisos gentis e disse:
— Sim, vai ficar tudo bem. Temos que encontrar quem fez isso e pegá-los. É o que devemos a Oroi por mantê-lo prisioneiro… e ao pobre Yazen.
Sua voz era calorosa, mas englobava um núcleo de determinação de ferro. Ela tirou um pedaço dobrado de papel de cânhamo da bolsa de couro pendurada em seu cinto de espada simples de cavaleiro. O papel continha muitas linhas de escrita muito fina na língua sagrada.
— …Certo. Vá em frente — respondeu Kirito brevemente, cheio de confiança. Ele deu um sinal às outras e recuou contra a parede.
Asuna ficou no centro do quarto, lendo as palavras no papel em silêncio por quase um minuto, depois dobrou o papel cuidadosamente e o devolveu à bolsa. Pelo visto, já tinha memorizado as palavras e estava apenas dando uma última refrescada.
Era verdade que, quando se tratava de artes sacras, ler de um pedaço de papel e recitar os comandos de memória fazia uma enorme diferença na taxa de sucesso, precisão e poder. Kirito dizia que isso acontecia porque o poder da Incarnação desempenhava um papel nas artes sacras também. Então, memorizar uma arte sacra era sempre a suposição básica, mas quando Asuna começou a recitar a arte de vidência do passado, Ronie ficou atordoada com o quão mais longa era do que suspeitava.
Ela entendeu o primeiro passo — gerar elementos de cristal para criar um disco redondo e fino —, mas cada palavra sagrada depois disso era nova para ela e totalmente indecifrável. Mas Asuna as recitou mesmo assim, com a voz ritmada e fluindo como se estivesse cantando.
De repente, o quarto ficou escuro.
— …!
Tiese arfou e agarrou a manga de Ronie. A escuridão era amorfa como névoa, fluindo pelo chão e gelando suas pernas onde as tocava.
A voz de Asuna começou a escurecer também, e ela pausou brevemente. A parte superior de seu corpo oscilou. Kirito moveu-se em direção a ela, mas parou também. A recitação recomeçou, e a escuridão ficou mais espessa.
Então o disco de cristal repousando sobre a mesa flutuou abruptamente em silêncio. Uma luz roxa sinistra brilhou dele, iluminando o rosto de Asuna de baixo para cima.
Sua expressão era tensa, lutando contra a dor; aquilo fez Ronie morder o lábio. Ela queria ajudar, mas a fórmula era apenas para Asuna falar. No entanto, aquele era um ato divino que ela tentava: ver o passado. Um segredo dos segredos que a Administradora criara — e trancara bem fundo atrás da porta do senado…
Asuna oscilou novamente e estendeu as mãos para o disco. A cada contração de seus dedos finos, a luz roxa brilhando da superfície tremeluzia de forma irregular. Então, do nada, houve uma voz, distorcida e estranha, como se viesse debaixo da própria terra.
— …ocê é… ivo do impe… servo Yaz… ão é…?

Era a voz de um homem, isso era tudo que ela conseguia dizer. Então veio a voz de outro homem, esta hesitante e nervosa.
— A-ah… não, eu… não sou… inquilino da propriedade… mais…
— …a vez servo… mpre servo… Se não gosta disso, então… — disse a voz do primeiro homem, de repente ficando mais clara e cruel — …morra aqui e agora!
Houve um baque surdo e pesado, e o segundo homem gritou.
Então o disco de cristal estilhaçou-se em um milhão de pedacinhos. Asuna começou a cair no chão. Como se por teletransporte, Kirito estava lá, com os braços estendidos para segurá-la antes que atingisse o solo.
Os quatro deixaram o quarto 211, que estava iluminado novamente, e correram de volta para o quarto original.
Kirito ergueu Asuna no ombro e ajudou a deitá-la em uma das camas.
— E-eu estou bem — disse ela apressadamente, tentando se levantar, mas ele pressionou seus ombros para baixo e virou-se para olhar Ronie.
— Pode pegar um copo d’água para ela?
— C-claro, agora mesmo — disse ela, correndo para o armário para despejar um pouco da água fria do jarro em um copo.
Kirito pegou dela, levantou Asuna levemente e levou o copo aos lábios dela.
Após três goles cuidadosos e separados, a subdelegada olhou para Ronie, levemente revitalizada, e sorriu.
— Obrigada, Ronie.
— Não foi nada… — murmurou ela, olhando para baixo.
Sentia-se frustrada por aquilo ser o máximo que podia fazer. Seu único curso de ação era tranquilizar-se de que haveria um momento em que poderia ser de mais ajuda.
A fadiga de Asuna não era causada pela perda de seu Valor de Vida, então artes sacras não podiam repô-la. Kirito devia saber disso, mas depois que devolveu o copo a Ronie, ergueu a mão e gerou três elementos de luz sem comando falado. Deixou-os flutuar no ar ao redor de Asuna; eles iluminaram seu belo rosto e cabelos castanho-claros enquanto seus olhos se fechavam.
Uma vez liberados do controle de Kirito, os elementos de luz gastaram toda a sua escassa luz em menos de um minuto, mas o calor fraco pareceu devolver alguma vida a Asuna. Seus olhos se abriram logo em seguida.
— Sim… estou bem.
— Não conte histórias. Você devia estar descansando — advertiu Kirito.
Mas ela balançou a cabeça e sentou-se ereta.
— Não, tenho que me apressar…
Um olhar tenso cruzou o rosto dele, e Ronie e Tiese trocaram um olhar.
— …O que você viu? — perguntou ele. — Conseguiu descobrir como o assassino evadiu o Índice de Tabus para matar Yazen?
Ela piscou, mantendo os olhos fechados por um momento para ter certeza, depois sussurrou com a voz rouca:
— A primeira coisa que vi no disco de vidro… foi um homem limpando aquele quarto. Acho que era Yazen. Então, bem na frente da imagem, um segundo homem disse a Yazen: “Você é das propriedades privadas do imperador, o servo Yazen, não é?”
— Propriedades privadas… do imperador — repetiu Kirito num sussurro.
Ela assentiu.
— Sim… Yazen começou a assentir, mas então disse: “Não, não sou mais inquilino da propriedade privada.” Então a segunda pessoa estava… quase zombando dele ao dizer “Uma vez servo, sempre servo. Se não gosta disso, então morra aqui e agora”, e ele esfaqueou Yazen no peito com uma adaga… Yazen caiu no chão, e o homem saiu do quarto com a adaga. Foi até onde eu vi…
Ela não disse mais nada, mas ninguém correu para preencher o silêncio que se seguiu.
Mesmo a maior das artífices não podia falsificar os eventos do passado, então aquilo deixava claro que não fora Oroi quem matara Yazen. Isso era bom saber, mas era inegável que também levantava mais mistérios.
Kirito se endireitou de sua posição ajoelhada ao lado da cama e olhou ao redor do quarto.
— O homem que matou Yazen largou a adaga ensanguentada no corredor, bateu numa porta próxima e desapareceu — explicou ele. — Oroi, o goblin da montanha, estava dormindo naquele quarto, levantou-se, viu a adaga no corredor e a pegou para examiná-la quando os guardas de Centoria o avistaram e o prenderam. É o que acho que aconteceu após o assassinato de Yazen.
Aquilo fazia sentido para Ronie, mas Tiese tinha alguns pensamentos sobre o assunto:
— Mas, Kirito, isso não seria cedo demais para qualquer guarda chegar? Eu imaginaria que, do assassinato de Yazen à batida na porta de Oroi e Oroi pegando a adaga, só poderia ter levado alguns minutos no máximo…
Era um bom ponto. Kirito franziu a testa e quebrou a cabeça com isso.
— Verdade, verdade. Os guardas correram para a estalagem depois que o posto da guarda do quarto distrito recebeu uma denúncia civil de que um demi-humano estava causando tumulto com uma lâmina, acredito. Mas, na verdade, Oroi tinha apenas pegado a faca e não estava fazendo nada com ela. O que significaria que a denúncia veio do assassino ou de um comparsa dele… E você não conseguiu ver o assassino de jeito nenhum, Asuna? — perguntou ele.
Ela balançou a cabeça com pesar.
— Não consegui. Era como se ele estivesse sempre logo atrás da visão do disco de vidro. Ou… na verdade… — Ela pausou, com a boca entreaberta, como se procurasse a palavra certa. Então suspirou. — Não… desculpe, não consigo explicar direito.
— Não precisa se desculpar — disse Kirito rapidamente, aproximando-se dela e esfregando gentilmente suas costas. — Você não viu o assassino, mas ouviu a voz dele, e aprendemos algumas outras coisas também. Como… o assassino não utilizou nenhum truque complexo para matar Yazen enquanto evadia as regras do Índice de Tabus. Ele apenas o esfaqueou direto no coração…
Isso era verdade. Asuna enfrentou o perigo de usar a arte de vidência do passado para descobrir como e por que o assassino atacara Yazen. A parte do “por que” ainda não estava clara, mas o “como” era muito simples. Sem truques, sem esperteza — apenas uma estocada de adaga. O que significava…
— O assassino não está preso ao Índice de Tabus — murmurou Ronie.
— É isso que significa — concordou Kirito, com a voz sombria e pesada. — Embora não saibamos como…
— Sobre isso, na verdade — interrompeu Asuna. Os outros três olharam para a cama. A subdelegada espadachim parecia quase totalmente recuperada agora. Ela os encarou, um por um, com olhos da cor de chá suavizado com leite. — Acho que as palavras do assassino são a razão pela qual ele matou… ele foi capaz de matar Yazen.
— As palavras dele…? “Uma vez servo, sempre servo”?
— Sim… E se a razão pela qual o assassino conseguiu ignorar o Índice de Tabus for porque Yazen vinha das terras mantidas em particular por um nobre, e ele estava sujeito à autoridade judicial…?
— …Oh! — Kirito inspirou bruscamente. Ele encarou a janela, como se fosse ver o culpado parado bem ali. — Então o culpado pode matar não apenas Yazen, mas qualquer um dos antigos servos que libertamos… É por isso que você disse que deveríamos nos apressar.
— Sim… Meu primeiro pensamento foi que devíamos agir antes que outra pessoa se tornasse vítima… mas…
Ronie percebeu por que Asuna hesitava em continuar falando. Ela deu um passo à frente, mal consciente disso, e disse:
— Há quase mil ex-servos apenas no império do norte — e quatro vezes isso em todo o reino… Não podemos fornecer proteção ou segurança para todos eles.
Tiese avançou para o lado dela e gesticulou com as mãos.
— Além disso, nem todas as pessoas que foram libertadas da servidão ficaram em Centoria. Mais da metade deixou a capital e escolheu lugares rurais onde pudessem ter sua própria terra, pelo que ouvi. Levaria semanas para rastrear todos eles…
— E não é como se este lugar tivesse um registro censitário unificado — murmurou Kirito, embora aquele termo fosse desconhecido para Ronie. Asuna juntou-se a ele pensando muito, com as sobrancelhas franzidas, mas depois de um tempo, seu rosto se ergueu num estalo.
— Mas… o culpado está tentando começar outra guerra entre os reinos humano e sombrio, então eles não estariam procurando qualquer ex-servo antigo para matar. Não há sentido em fazer isso a menos que possam atribuir o ato a um visitante do Território Sombrio.
— O que significa que devíamos estar protegendo… os habitantes do mundo sombrio…? — perguntou Tiese.
Kirito assentiu com firmeza.
— Sim… Eu estava planejando vir a esta estalagem de qualquer maneira, ou hoje ou amanhã. Eu ia convidar os companheiros de Oroi para a catedral. Provavelmente ajudará a aliviar a saudade de casa de Oroi também…
— Mas há tantos outros turistas por aí — acrescentou Ronie, arrancando um dar de ombros dele.
— É verdade. Mas, felizmente, temos os números e localizações das estalagens de todos eles registrados, então serão muito mais fáceis de lidar do que os ex-servos. Não podemos trazer até o último deles para a catedral, então acho que vamos adiantar um pouco o cronograma e começar a mandá-los para casa já hoje. Se organizarmos caravanas armadas para levá-los ao Portão Oriental, não acho que os assassinos serão capazes de mexer com eles.
— Então vamos andando — disse Asuna, deslizando as pernas para fora da cama e levantando-se.
Kirito rapidamente se moveu para lhe dar apoio, mas ela parecia estar bem. Ainda assim, deu-lhe um sorriso e uma palavra baixa de agradecimento, antes de se recompor e voltar aos negócios.
— Então… você sabe o quarto onde os outros três goblins da montanha estão ficando?
— Claro. É um quarto para quatro pessoas no primeiro andar, então provavelmente fica logo abaixo de nós. Deve haver um guarda de plantão na frente da porta — metade para guardá-los, metade para ficar de olho neles…
— Isso é inevitável. Não será necessário assim que forem transferidos em segurança para a Catedral Central. Vamos indo — comandou Asuna, saindo rapidamente. Os outros correram atrás dela.
Mas, quando desceram para o primeiro andar, encontraram apenas um corredor vazio e um quarto limpo. Kirito perguntou à estalajadeira no balcão e, com uma expressão surpresa, ela os informou que uma carruagem trouxera um agente do governo da cidade de Centoria do Sul à estalagem naquela mesma manhã, e levara os três goblins embora.
Tradução: Gabriella
Revisão: Fábio_Reis
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