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Sword Art Online – Aincrad – Vol. 01 – Cap. 22

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A luta continuou por mais de uma hora.

Parecia que uma eternidade havia se passado até que a batalha finalmente acabara. Quando o corpo do chefe se despedaçou em inúmeros fragmentos, ninguém tinha energia nem para comemorar. Todos caíram sentados no chão de obsidiana ou então se deitaram, arfantes.

Acabou…?

Sim… Acabou…

Depois de trocarmos esses pensamentos, parecia que a “ligação” entre nós também havia chegado ao fim. O cansaço finalmente tomou conta do meu corpo e eu me ajoelhei no chão. Asuna e eu ficamos sentados de costas um para o outro, sentindo como se fôssemos incapazes de fazer qualquer coisa por um bom tempo.

Estávamos os dois vivos, mas mesmo quando pensava nisso, não conseguia ficar feliz. Gente demais havia morrido. Depois das três primeiras mortes no começo da batalha, o som nefasto de pessoas sendo fragmentadas podia ser ouvido em um ritmo constante, e eu me obriguei a parar de contar depois do sexto.

— Quantos morreram…?

Klein, que estava sentado à minha esquerda, fez a pergunta com a voz ofegante. Agil, deitado no chão perto dele, com os braços e pernas largados, também virou a cabeça para nossa direção.

Balancei a mão direita para abrir o mapa e contei os pontos verdes nele. Subtraí o valor do número de pessoas que estavam presentes quando partimos.

— Quatorze…

Eu não conseguia acreditar no número, mesmo tendo sido eu mesmo a contar.

Eles eram todos guerreiros habilidosos e de alto nível, que haviam passado por inúmeras batalhas. Mesmo que não conseguíssemos escapar ou ser curados instantaneamente, deveríamos ser capazes de evitar tantas mortes se lutássemos colocando a sobrevivência como prioridade. Era o que eu pensava, mas…

— …Não pode ser…

A voz de Agil não tinha um pingo da alegria de sempre. Havia uma aura lúgubre em volta dos sobreviventes.

Ainda faltava um quarto do caminho para percorrer. Havia ainda mais vinte e cinco andares para serem completados. Mesmo que fôssemos em milhares, só algumas centenas de nós ainda levavam a sério a ideia de zerar o jogo. Se continuássemos perdendo tanta gente em cada andar, só haveria uma pessoa capaz de enfrentar o último chefe.

Se isso acontecesse, o último a restar provavelmente seria ele…

Olhei em direção ao fundo da sala. Em meio a todos os corpos largados no chão, apenas uma figura vestida de vermelho continuava de pé. Essa pessoa era Heathcliff.

Não era preciso dizer que ele estava intacto. Quando foquei o olhar nele, o cursor apareceu para mostrar seu HP, e pude ver que ele havia sofrido bastante dano. Ele bloqueara a foice de osso, a qual Asuna e eu mal conseguimos dar conta juntos, até o fim da luta, por conta própria. Não seria nem um pouco estranho se ele desmaiasse de exaustão, independentemente do estado de seu HP.

Mas eu não conseguia sentir nenhum traço de cansaço da sua figura calma. Era uma solidez difícil de se acreditar. Era como se… Ele fosse uma máquina de luta…

Como ainda estava exausto por causa da batalha, continuei a encarar distraidamente o perfil dele. A expressão facial da lenda era serena. Ele olhava em silêncio para os membros da KoB e para as demais pessoas espalhadas pelo chão. Seu olhar era caloroso e cheio de misericórdia, como se…

Como se estivesse assistindo a um bando de ratos de laboratório brincando em uma gaiola inescapável.

Naquele momento, um calafrio percorreu meu corpo.

Minha mente clareou um instante. Meu corpo começou a ficar gelado, a começar pelas pontas dos dedos até o centro do cérebro. Era um estranho presságio. Essa ideia impossível infestou a minha cabeça como se uma semente de suspeita tivesse sido plantada ali.

A expressão nos olhos de Heathcliff, a calma que mostravam, não era um olhar que servia de consolo para seus companheiros feridos. Ele não estava no mesmo nível que o resto de nós. Sua expressão oferecia misericórdia vinda de um lugar muito acima de todos. Era a expressão de um deus…

Pensei no tempo de reação sobre-humano que ele mostrara durante nosso duelo. Aquilo de longe ultrapassava a velocidade de uma pessoa. Não, eu tinha me expressado mal. Aquilo ultrapassava o limite que SAO havia imposto sobre seus jogadores.

Isso somado ao seu comportamento habitual: ele era o líder da guilda mais forte de todas, mas nunca dava ordens e simplesmente assistia aos outros jogadores tomarem conta de tudo. Talvez isso não fosse porque ele confiava em seus homens. Talvez ele estivesse se contendo porque sabia de coisas que os demais jogadores não sabiam!

Ele era um ser que não estava amarrado às regras daquele jogo mortal. Mas ele também não era um NPC. Era impossível que um programa fosse capaz de executar uma expressão facial tão misericordiosa.

Se ele não era um NPC, nem um jogador comum, então restava apenas uma única possibilidade. Mas como eu conseguiria provar aquilo? Não havia um jeito… Nenhum sequer.

Não, tinha sim. Era um jeito que eu só poderia testar ali, naquele momento.

Olhei para a barra de HP de Heathcliff. Ela havia se reduzido bastante por causa da luta. Mas não havia chegado nem nos cinquenta por cento. Ela continuava por um triz na zona azul.

Ninguém nunca vira o HP dele chegar no amarelo. Ele tinha uma defesa colossal, sem comparação.

Durante seu duelo contra mim, sua expressão tinha mudado no momento em que o HP chegara perto da metade. Não deveria ser um medo de vê-lo se tornar amarelo.

Provavelmente era…

Lentamente ajeitei a espada que estava na minha mão direita. Coloquei o pé direito com o menor dos movimentos. Abaixei o quadril de leve e entrei em posição, me preparando para uma corrida curta. Heathcliff não percebera meus movimentos. Seu olhar estava focado apenas nos seus companheiros de guilda exaustos.

Se eu estivesse errado, seria marcado como criminoso e punido sem dó.

Se aquilo acontecesse.. Desculpe…

Olhei para Asuna, sentada ao meu lado. Ela ergueu a cabeça no mesmo segundo e nossos olhares se cruzaram.

— Kirito…?

Uma expressão de surpresa apareceu em seu rosto e ela mexeu a boca, mas não emitiu nenhum som. Mas, naquela hora, meu pé direito já havia chutado o chão.

A distância entre nós era de dez metros. Fui em sua direção em velocidade máxima, com meu corpo praticamente tocando o chão, e o alcancei em um instante. Então, inclinei a espada e golpeei para cima. Era a skill básica de espada de uma mão, “Rage Spike”. Como era uma skill fraca, não poderia matar Heathcliff, mesmo que fosse um ataque crítico. Mas meu palpite estava correto…

Minha lâmina cortou pela esquerda, traçando uma linha de luz azul-clara. Heathcliff reagiu a uma velocidade surpreendente e uma expressão de choque tomou conta de seu rosto. Ele no mesmo instante ergueu o escudo na tentativa de se defender.

Eu, no entanto, o vi fazer aquele mesmo movimento várias vezes durante nosso duelo e me lembrava dele claramente. Minha espada se dissolveu em um borrão de luz, mudou de curso em pleno ar e raspou na lateral do escudo antes de continuar a trajetória em direção ao seu peito.

Mas logo antes que a minha espada encostasse nele, ela foi impedida por uma parede invisível. Um choque poderoso correu pelo meu braço. Uma luz de cor roxa brilhou e uma mensagem da mesma cor — uma mensagem do sistema — apareceu entre nós.

“Immortal Object”. Objeto imortal. Não era um título que o resto de nós, meros débeis jogadores, merecíamos ter. O que Heathcliff temia durante o duelo era revelar essa salvaguarda divina na frente de todo mundo.

— Kirito, mas o que…

Asuna, que havia gritado de surpresa por causa do meu ataque repentino e corrido atrás de mim, parou e ficou paralisada ao ver a mensagem. Eu, Heathcliff, Klein e todos os outros jogadores também estávamos imóveis. A mensagem desapareceu lentamente em meio à quietude.

Abaixei a espada e dei um pequeno pulo para trás, criando distância entre Heathcliff e mim. Asuna deu alguns passos para frente e parou de pé ao meu lado.

— Objeto imortal… Protegido pelo sistema…? C… Comandante, como isso é possível?

Heathcliff não respondeu, mesmo depois de ouvir a voz confusa de Asuna. Ele simplesmente me encarou com uma expressão severa. Com ambas as espadas em mãos, abri a boca e disse:

— Essa é a verdade por trás da lenda. Seu HP é protegido pelo sistema, que impede que ele caia pra zona amarela. Nós jogadores não podemos ser imortais… Isso é exclusivo dos NPCs e administradores do sistema. Mas este jogo não tem admins. Com uma única exceção…

Parei de falar por um momento e olhei para cima.

— …Eu sempre me perguntei, depois que vim parar neste mundo… De onde ele nos assistia enquanto manipulava tudo. Mas eu havia me esquecido de uma única verdade, que até mesmo uma criança deveria saber.

Olhei diretamente para o paladino vermelho e continuei:

— “Não há nada mais chato do que assistir a outra pessoa jogar um jogo”. Não é verdade… Akihiko Kayaba?

Houve um silêncio, como se todos estivessem congelados.

Heathcliff me encarava sem demonstrar nenhuma expressão. Os jogadores à nossa volta não moveram um único músculo. Não, era mais correto dizer que eles não conseguiam se mover.

Asuna deu mais um passo à frente. Seus olhos não continham sequer um traço de emoção, iguais a vácuos sem fundo. Ela abriu a boca e disse, sua voz seca e praticamente inaudível:

— Comandante… Isso… É verdade?

Heathcliff ignorou sua pergunta. Em vez disso, ele inclinou a cabeça e perguntou para mim:

— …Só por referência, pode me dizer como foi que descobriu?

— …A primeira vez que estranhei foi durante o duelo. Durante o último instante, você ficou rápido demais.

— Compreendo. Aquilo foi lamentável para mim também. Você estava me pressionando demais. Precisei usar o “Over-assist” do sistema.

Heathcliff assentiu, então finalmente seu rosto revelou outra expressão. Seus lábios se curvaram para cima em um sorriso amargurado.

— Na verdade, eu não queria que soubessem até que chegassem ao 95° andar.

Seu sorriso mudou para uma expressão autoritária enquanto olhava para todos os jogadores. Então, o paladino vermelho disse com confiança:

— É verdade que sou Akihiko Kayaba. Também sou o último chefe que deveria aguardar por vocês no último andar.

Senti Asuna cambalear ao meu lado. Estendi o braço direito para apoiá-la, sem desviar o olhar.

— …Que piada sem graça. O jogador mais forte se transforma no último chefe.

— Não é um bom roteiro? Eu pensei originalmente que essa revelação geraria uma onda de choque em Aincrad, mas nunca imaginei que alguém revelaria a farsa faltando um quarto da história. Sempre te considerei a variável mais incerta deste mundo, mas não achei que conseguiria me expor desta forma…

Akihiko Kayaba, o criador deste jogo e também o homem que aprisionara as mentes de dez mil pessoas dentro deste mundo, mostrou um sorriso do qual ainda me lembro, e então deu de ombros. As expressões de Kayaba eram completamente diferentes das de Heathcliff, o Paladino. Mas sua presença impenetrável e metálica era, de alguma forma, parecida com a do avatar inexpressivo que aparecera diante de nós dois anos atrás.

Kayaba continuou com um sorriso amargo:

— …Imaginei que, no fim, seria você a me enfrentar. Dentre as dez “Habilidades Únicas” que existem, “Empunhadura Dupla” seria dada ao jogador com maior velocidade de resposta, e ele seria o herói com a missão de derrotar o grande demônio. Estaria em suas mãos a derrocada ou a glória. Porém, sua força superou as minhas expectativas. A velocidade tanto de ataque quanto de raciocínio. Bom… Esses incidentes inesperados servem para apimentar um RPG online…

Naquele momento, um dos jogadores que estava paralisado se levantou lentamente. Era um dos líderes da KoB. Seus olhos aparentemente simples estavam cheios de uma angústia terrível.

— Maldito… Desgraçado… Brincou com nossa lealdade… Nossa esperança… Seu… filho da…!

Ele ergueu sua enorme alabarda e se lançou com um grito. Não houve nem tempo para tentar pará-lo. Só podíamos ficar parados, olhando-o balançar a arma na direção de Kayaba…

Mas Kayaba estava um passo à frente. Ele rapidamente mexeu a mão esquerda e manipulou a janela de menu que apareceu. O homem imediatamente parou em pleno ar e então caiu no chão com um estrondo. Uma linha verde apareceu em torno da sua barra de HP, indicando paralisia. Mas Kayaba não parou por ali e continuou movendo a mão.

— Ah… Kirito…!

Eu me virei e vi Asuna de joelhos no chão. E não era só ela, todos os outros jogadores, com exceção de Kayaba e eu, estavam no chão, gemendo em posições estranhas.

Depois de embainhar as espadas, eu me ajoelhei para ajudar Asuna a apoiar o tronco e segurei sua mão. Então olhei de volta para Kayaba.

— …O que pretende fazer? Vai matar todos nós e acobertar o que fez…?

— Jamais. Eu não faria nada tão injusto.

O homem de vermelho sorriu e balançou a cabeça.

— Mas já que chegamos a este ponto, não me resta escolha. Adiantarei os planos e esperarei por vocês no Templo do Tesouro Escarlate, no último andar. Não era minha intenção abandonar os soldados da KoB, que treinei para resistirem aos monstros do 90° piso, nem os outros jogadores do pelotão. Para ser sincero, acredito que vocês consigam chegar lá. Mas, antes…

Ele parou de falar de repente e virou o olhar, cheio de uma incrível determinação, para mim. Então enfiou lentamente a espada no chão de obsidiana e um som metálico agudo e claro ressoou no ar.

— Kirito, preciso lhe dar uma recompensa por descobrir a minha identidade. Terá a chance de lutar contra mim, agora, um contra um. Obviamente, removerei a minha imortalidade. Se você vencer, considerarei o jogo terminado. Todos os jogadores poderão fazer logout e voltar ao mundo real. Que tal…?

Assim que ouviu o que tinha acabado de ser dito, Asuna começou a se contorcer em meus braços, tentando desesperadamente mover seu corpo paralisado enquanto balançava a cabeça.

— Não, Kirito…! Ele quer te eliminar… Vamos recuar… Por enquanto…

Meus instintos diziam que aquela era a melhor opção. Aquele cara era um administrador que poderia intervir no sistema. Mesmo que ele tivesse dito que seria uma luta justa, não havia como saber se ele estava ou não manipulando as regras de alguma forma. A melhor opção seria recuar e pensar em uma medida defensiva com os outros.

Mas…

O que foi que ele tinha dito? Os soldados da KoB que ele treinara? A gente consegue chegar lá…?

— Que piada… — eu disse em uma voz seca, sem perceber.

Aquele homem tinha confinado a mente de dez mil pessoas dentro de um jogo que ele mesmo criara e já matara quatro mil pessoas com ondas eletromagnéticas. Ele tinha ficado assistindo os jogadores sofrerem de acordo com o roteiro que escrevera. Aquela deveria ser a coisa mais divertida existente para um game master.

Pensei no passado de Asuna, no que ela havia contado para mim no 22° andar. Eu me lembrei das lágrimas que ela derramara enquanto me segurava com força. O homem diante dos meus olhos criara um mundo para seu próprio divertimento e ferira o coração de Asuna inúmeras vezes, fazendo-o sangrar. Eu não poderia deixar aquilo passar.

— Tá bom. Vamos resolver isso — assenti lentamente.

— Kirito…!

Ao ouvir o grito aflito de Asuna, olhei para baixo, para a figura em meus braços. Uma dor trespassou o meu peito, como se eu tivesse sido apunhalado, mas consegui forçar um sorriso.

— Desculpe. Já que viemos até aqui… Eu não posso mais fugir…

Ela abriu a boca para falar alguma coisa, mas desistiu e então deu seu melhor para mostrar um sorriso. Uma única lágrima rolou de seu olho.

— Não pretende morrer… Não é?

— Claro que não… Vou vencer. Com certeza. Vou vencer e acabar com este mundo.

— Tá. Eu acredito em você.

Mesmo que eu perca e seja apagado, por favor, continue vivendo. Era o que eu queria dizer, mas não consegui botar as palavras para fora. Só consegui segurar firmemente a mão direita de Asuna.

Depois de soltar sua mão, eu a deitei gentilmente no piso de obsidiana e fiquei de pé de novo. Aproximei-me lentamente de Kayaba, que nos observava em silêncio, e saquei minhas duas espadas.

— Kirito! Pare com isso!

— Kirito!

Quando virei a cabeça para checar a origem daquelas vozes, vi Klein e Agil gritando e tentando desesperadamente se levantar. Eu foquei primeiro em Agil e acenei com a cabeça para ele.

— Muito obrigado por apoiar o pessoal da classe espadachim até agora, Agil. Eu sempre soube que você investia quase todo o seu lucro pra ajudar a equipar jogadores nas zonas intermediárias.

Sorri, enquanto o homem enorme olhava para mim com os olhos arregalados, antes de me virar para outra direção.

O espadachim de bandana ridícula e o rosto coberto de barba debatia-se no chão, ainda tentando encontrar as palavras certas.

Olhei diretamente para seus olhos profundos e dei um longo suspiro. Daquela vez, não importava o quanto tentasse, não conseguiria controlar a minha voz.

— Klein. Naquele dia… Quando eu te deixei pra trás… Foi mal. Eu me arrependi esse tempo todo.

Assim que terminei de falar aquela curta frase com a voz rouca, algo brilhou no canto dos olhos de meu velho amigo e logo as lágrimas começaram a rolar uma depois da outra.

Com lágrimas ainda escorrendo pela cara, ele tentou, sem sucesso, ficar em pé novamente enquanto gritava alto com sua voz áspera, prestes a falhar.

— Seu… Seu maldito! Kirito! Não peça desculpas! Não venha me pedir desculpas agora! Eu não vou te perdoar! A não ser que faça isso depois de me pagar um rango no mundo lá fora, eu nunca vou te perdoar!

Assenti para Klein, que queria continuar gritando.

— Pode deixar. Eu prometo. A próxima será no nosso mundo.

Eu ergui a mão direita e mostrei meu dedão em um sinal de “joia”.

Finalmente, virei para a garota que tinha permitido que eu dissesse as palavras que estavam enterradas no fundo do meu coração por dois anos.

Olhei para Asuna, que ria e chorava ao mesmo tempo…

Murmurei um pedido de desculpas mentalmente e me virei de costas. Olhei para Kayaba, que ainda estava com ares de superioridade absoluta, e abri a boca:

— …Tenho um pedido a fazer.

— O que seria?

— Não tenho a intenção de perder, mas se eu morrer… Faça com que Asuna não possa cometer suicídio.

Heathcliff ergueu uma sobrancelha em sinal de surpresa, mas calmamente assentiu.

— Entendido. Configurarei o jogo para que ela não possa sair de Selmburg.

— Kirito, não! Não pode fazer isso…!

Asuna estava gritando, aos prantos, atrás de mim. Mas não olhei para trás. Recuei o pé direito, trouxe a espada esquerda para frente enquanto abaixava a outra e assumi a postura de luta.

Kayaba manipulou o menu com a mão esquerda e ajustou nossos HPs para o mesmo nível. Eles ficaram logo acima da zona vermelha, na qual um único golpe poderoso poderia decidir a luta.

Depois disso, uma mensagem do sistema dizendo “changed into mortal object” apareceu em cima de sua cabeça. Kayaba então fechou as janelas, sacou a espada que ele havia enfiado no chão e a ergueu atrás do seu escudo em forma de cruz.

Minha mente estava completamente calma e clara. Pensamentos como “desculpe, Asuna” sumiram enquanto eu afiava o instinto de luta que havia dentro de mim.

Sinceramente, não tinha a mínima ideia de quais eram as minhas chances de vencer. Baseado só na habilidade de espada, ele não era muito melhor do que eu, levando em conta nosso último duelo. Mas só se ele não usasse a função de “Over-assist”, em que só ele seria capaz de se mexer e eu ficaria completamente petrificado.

Tudo dependeria do orgulho de Kayaba. De acordo com o que ele havia dito, ele pretendia me derrotar usando apenas o poder da sua “Espada Divina”. Se fosse assim, minha única chance de vencer seria derrotá-lo antes que tivesse tempo de usar qualquer habilidade especial.

A tensão entre Kayaba e eu tinha aumentado. Era como se o ar estivesse tremendo diante da pressão exercida pelo desejo de matar que saía de nós. Isso não era mais um duelo. Era uma luta até a morte. É isso… Eu quero que ele…

— Morra…!

Eu me atirei para frente com um grito.

Brandi a espada da direita horizontalmente quando cheguei mais perto dele. Kayaba bloqueou o golpe facilmente com o escudo.

Houve uma pequena explosão de faíscas e nossos rostos foram iluminados por um segundo.

O som de metais se chocando havia anunciado o início da nossa luta. Nossas armas aceleraram em uma velocidade perigosamente alta e dominaram o espaço ao nosso entorno.

Aquela era a luta mais estranha, mas, ao mesmo tempo, mais humana da qual tinha participado até agora. Nós dois já havíamos mostrado nossas habilidades um para o outro. Além do mais, ele era a pessoa que criara a “Empunhadura Dupla”, e ele também seria capaz de prever facilmente as sequências mais simples. Era por causa disso que ele conseguira bloquear todos os meus golpes durante nosso último duelo.

Eu não podia recorrer a combos oferecidos pelo sistema. Precisava confiar nas minhas próprias skills e no meu instinto para usar a espada. É claro que eu não poderia receber assistência do sistema de qualquer forma, mas ainda poderia mover os braços em alta velocidade com a ajuda dos meus sentidos acelerados. Eu até conseguia ver imagens consecutivas e parecia que havia dúzias de espadas nas mãos. Mas…

Kayaba estava bloqueando todos os golpes com extrema precisão. Ele também contra-atacava toda vez que eu lhe dava a mínima brecha. A situação não mostrava nenhum sinal de mudança. Eu me concentrei nos olhos dele, na tentativa de ler suas intenções e reações. Acabamos trocando olhares.

Mas os olhos acobreados de Kayaba-Heathcliff eram completamente gélidos. Não havia um traço da emoção humana que ele havia mostrado da última vez.

De repente, senti um frio percorrer a espinha.

Meu oponente era alguém que havia matado quatro mil pessoas sem misericórdia. Um ser humano normal conseguiria fazer isso?

Ele conseguia aguentar a pressão causada pela morte de quatro mil pessoas, pelo ressentimento de quase mil pessoas, e ainda continuar completamente calmo. Ele não era humano, ele era um monstro.

— Aaaah!

Gritei para me livrar da pequena gota de medo que havia aparecido no fundo da minha mente. Eu acelerei ainda mais meus movimentos e lancei incontáveis ataques por segundo. Mas a expressão de Kayaba não mostrou nenhuma mudança. Ele bloqueou todos os meus golpes com seu escudo e sua espada tinha uma velocidade invisível a olho nu.

Ele está brincando comigo?!

Meu medo se tornou nervosismo. Será que Kayaba ficava só na defensiva porque, na verdade, ele poderia contra-atacar a qualquer momento e estava confiante de que conseguiria sobreviver a um ataque direto meu?

— Droga..!

E que tal isto…?!

Mudei meu padrão de ataque e ativei “The Eclipse”, a técnica suprema da “Empunhadura Dupla”. Assim como as pontas de uma coroa solar, minhas espadas enviaram vinte e sete ataques consecutivos em direção a Kayaba…

Mas… Ele estava esperando que eu usasse um combo designado pelo sistema. Seu rosto mostrou emoção pela primeira vez desde o início do duelo. Era o completo oposto do que ele havia mostrado na última luta. Era o sorriso de alguém que tinha absoluta certeza da própria vitória.

 

 

Percebi meu erro assim que realizei os primeiros ataques do combo. Naquele momento final, não consegui confiar em mim mesmo e apelei para o sistema. Mas agora era impossível interromper a skill e, uma vez que o ataque acabasse, eu estaria sujeito a um pequeno delay. Além disso, Kayaba conseguia ver através de todos os meus golpes, desde o começo do combo até o último ataque.

Enquanto eu via Kayaba brandir seu escudo em uma velocidade impressionante, bloqueando as minhas espadas, sabendo exatamente onde cada golpe iria atingir, murmurei internamente:

Desculpa… Asuna… Que pelo menos você… Continue viva.

O vigésimo sétimo golpe atingiu o meio do escudo, criando uma chuva de faíscas. E, com um grito estridente do metal, a espada da minha mão esquerda se desfez em pedaços.

— Adeus… Kirito.

Kayaba ergueu a sua arma bem acima de mim enquanto eu estava atônito. Um brilho rubro saía da lâmina. A espada cor de sangue veio abaixo, em minha direção…

Nesse momento, uma voz vibrante ecoou em minha mente.

Kirito! Eu vou te proteger!

A silhueta de uma pessoa se lançou entre a espada vermelha de Kayaba e eu em uma velocidade impressionante. O longo cabelo castanho dançou ao vento diante de meus olhos.

Asuna… Por quê?!

Ela estava parada à minha frente, apesar do fato de que ela deveria ser incapaz de se mover por causa da paralisia. Ela bravamente inflou o peito e abriu os braços.

Uma expressão de choque apareceu no rosto de Kayaba. Mas ninguém conseguiria parar o seu ataque agora. Tudo se moveu em câmera lenta enquanto a longa espada traçava sua trajetória para baixo, começando no ombro de Asuna e indo até seu peito antes de parar.

Estendi os dois braços e ela caiu para trás, em minha direção. Ela caiu sem fazer um único som.

Seu olhar encontrou o meu, e Asuna mostrou um sorriso fraco. Sua barra de HP… Havia desaparecido.

 

O tempo parou.

 

Pôr do sol. Campo. Brisa. Um pouco frio. 

Nós estávamos sentados em uma colina, olhando para o lago enquanto sua superfície brilhava em tons de vermelho e dourado do fim da tarde.

Som de folhas ao vento. Som de pássaros voltando aos seus ninhos.

Ela segurou minha mão de leve e então apoiou a cabeça no meu ombro.

As nuvens passaram no céu. Então as estrelas foram aparecendo, uma a uma, cintilando no céu noturno.

Continuamos a observar a mudança de cores que tingiam o mundo.

Finalmente, ela disse:

— Estou com um pouco de sono. Posso dormir no seu colo?

Eu respondi com um sorriso:

— Claro. Descanse bem.

 

A Asuna que estava em meus braços agora sorria do mesmo jeito que daquela vez, seus olhos cheios de afeto infindável. Mas o peso e o calor daquela vez desapareceram completamente.

Pouco a pouco, o corpo de Asuna foi sendo lentamente tomado por uma luz dourada. Os pequenos fragmentos de luz começaram a se partir e a se espalhar.

— É mentira… Asuna… Não pode ser… Não… — murmurei com a voz trêmula. Mas a luz impiedosa foi ficando mais e mais forte, até que…

Uma única lágrima rolou do olho de Asuna e cintilou por um breve momento antes de desaparecer. Seus lábios se moveram sutilmente, lentamente, como se estivesse forçando sua voz a sair.

Me desculpe.

Adeus.

Gentilmente…

A luz ofuscante explodiu em meus braços, transformando-se em inúmeras penas que flutuaram pelo ar.

E não sobrou nenhum vestígio de seu corpo.

 

Eu gritei em silêncio e tentei desesperadamente reunir os fragmentos de luz dispersos de volta para os meus braços. Mas as penas douradas voavam no ar como se sopradas pelo vento e então desapareceram. E assim, ela se foi.

 

***

 

Não tinha como isso ter acontecido. Não deveria ter acontecido. Não deveria. Não…

Eu caí de joelhos, prestes a desmoronar, enquanto a última pena que havia sobrado caiu na palma da minha mão direita e desapareceu.

 


Tradução: Axios

Revisão: Alice

 

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