— …Ei! Kirito, acorda!
Com os chamados de Asuna, que pareciam mais berros, fui forçado a acordar. Eu me levantei, fazendo careta por causa da intensa dor de cabeça que me acometia.
— Ai, ai, ai…
Quando olhei em volta, vi que estava na sala do chefe. Aquela luz azulada ainda pairava no ambiente. Parecia que eu desmaiara por alguns segundos.
Asuna estava ajoelhada no chão, seu rosto logo em frente ao meu. Seus olhos pareciam com os de alguém prestes a chorar e ela mordia os lábios.
— Seu besta! Doido…! — ela gritou.
E então pulou nos meus braços e me abraçou. Fui pego de surpresa, o que foi o suficiente para que eu esquecesse da dor por um momento. Apenas pisquei, atônito.
— …Se me apertar demais, meu HP vai desaparecer.
Eu tinha dito em tom de brincadeira, mas Asuna respondeu com um olhar furioso. Ela enfiou uma pequena garrafa dentro da minha boca. O líquido que havia dentro dela era uma poção de alto nível cujo gosto parecia uma combinação de suco de limão e chá verde. Isso faria meu HP se restaurar por completo dentro de cinco minutos, mas a fadiga demoraria mais um pouco para passar.
Asuna checou para ver se eu tinha tomado todo o líquido. Então, fechou a cara e, para se esconder, ela se enterrou no meu ombro.
Eu levantei a cabeça ao ouvir o som de passos e vi Klein se aproximando. Ele parecia meio acanhado, mas falou mesmo assim:
— Já curamos o pessoal do Exército, mas Kobatz e outros dois morreram…
— Sei. É a primeira vez desde o 67° andar que alguém morre numa luta contra um chefe…
— Nem dá pra chamar isso de avanço. Kobatz, aquele idiota… Não dá pra conquistar nada quando você tá morto…
Klein praticamente cuspiu as palavras. Então, ele respirou fundo, balançou a cabeça e me fez uma pergunta, em uma tentativa de mudar os ânimos:
— Mas, mudando de assunto, o que foi aquilo lá, hein?
— …Tenho mesmo que explicar?
— Mas é lógico! Nunca vi nada igual!
De repente, percebi que, exceto por Asuna, todos que estavam no salão olhavam para mim.
— …É uma habilidade extra chamada “Empunhadura Dupla“.
Expressões maravilhadas se espalharam entre os membros do grupo de Klein e do Exército.
Todas as skills de armas deveriam ser aprendidas em uma certa ordem, dependendo do seu tipo. Por exemplo, era preciso treinar por um bom tempo a skill de espada reta de mão única até que “Rapieira” e “Espada de duas mãos” aparecessem na lista.
Klein obviamente estava interessado e fez com que eu lhe contasse o resto.
— Quais as condições pra conseguir isso?
— Se eu soubesse como a desbloqueei, já teria dito pra todo mundo.
Eu balancei a cabeça. Klein suspirou e disse:
— Tem razão…
Skills de armas que não tinham condições claras para serem desbloqueadas eram chamadas de habilidades extras. Elas eram inclusive chamadas de condições aleatórias às vezes. Um bom exemplo seria a “Katana” de Klein. Mas “Katana” não era uma habilidade tão rara assim e aparecia até que frequentemente, se você continuasse treinando suas habilidades com a espada curva.
A maioria das pouco mais de dez habilidades extras que haviam sido descobertas até agora, incluindo “Katana”, tinham pelo menos dez jogadores que conseguiam utilizar cada uma delas. As únicas exceções eram a minha “Empunhadura Dupla” e a skill de um certo homem.
Essas duas habilidades provavelmente eram limitadas a apenas uma pessoa, então deveriam ser chamadas de “Habilidades Únicas“. Eu tinha escondido a existência da minha habilidade única até agora, mas a partir de então, a notícia de que eu era o segundo usuário desse tipo raro de skill iria se espalhar para o resto do mundo. Não tinha como eu continuar escondendo aquele fato depois de usá-la na frente de tanta gente.
— Mas que coisa, Kirito. Nem pra me contar que tinha uma habilidade incrível dessas!
— Se eu soubesse como se faz para desbloquear, teria te contado. Mas não tenho a mínima ideia de como foi que aconteceu.
Dei de ombros para os protestos de Klein.
Eu não estava mentindo. Há mais ou menos um ano, abri a minha janela de skills e o nome “Empunhadura Dupla” estava ali. Eu não fazia ideia de quais foram as condições para desbloqueá-la.
Desde então, eu só a treinara em lugares onde não havia ninguém. Mesmo depois de praticamente me tornar mestre nela, raramente a usava contra monstros, a menos que fosse uma emergência. Só utilizava aquela habilidade em momentos de crise para me proteger, mas fora isso, evitava usá-la porque chamava atenção demais.
Eu até pensei que seria melhor se mais uma outra pessoa desbloqueasse “Empunhadura Dupla”…
Cocei atrás da orelha e resmunguei:
— …Se ficassem sabendo que tenho uma habilidade tão rara, não só iam me encher de perguntas… Como também poderia atrair outras coisas…
Klein assentiu.
— Gamers são todos invejosos. Eu não, porque sou um cara bacana, mas tem muita gente invejosa por aí. Além disso…
Klein interrompeu o que estava falando e olhou para Asuna, que ainda estava firmemente abraçada a mim, dando um sorriso expressivo.
— …Pense na adversidade como parte do treinamento, meu jovem.
— Mas que…
Klein se abaixou, deu-me uns tapinhas nas costas, virou-se e andou em direção aos sobreviventes do Exército.
— Ei, vocês acham que conseguem voltar pra base sozinhos?
Um deles assentiu para a pergunta de Klein. Ele parecia ser um adolescente ainda.
— Certo. Contem aos seus superiores o que aconteceu hoje e digam que não devem fazer nada tão estúpido de novo.
— Sim… E… Muito obrigado.
— Agradeçam àquele cara ali.
Klein apontou com o dedão na minha direção. Os membros do Exército viraram-se para onde Asuna e eu estávamos, ainda no chão, e fizeram uma profunda reverência antes de deixarem a sala. Assim que saíram para o corredor, cada um usou um cristal para se teleportar. Depois que a luz azul desapareceu, Klein colocou as mãos nos quadris e começou a falar:
— Bom, vejamos… Nós vamos pro 75° andar e abrir o portão de lá. E você? Você foi o cara hoje, quer fazer as honras?
— Não, pode ir. Eu tô um caco.
— Ah, é? Então… Toma cuidado no caminho de volta.
Klein assentiu e fez um sinal para seu grupo. Os seis foram em direção à grande porta no canto do salão. Atrás dela deveria estar a escada que levava para o próximo andar. O espadachim parou diante da porta e olhou para trás.
— Olha… Kirito. Na hora que você pulou pra ajudar aqueles caras…
— …O que é que tem?
— Não sei como dizer, mas… Eu fiquei contente. E isso. Até mais.
Não entendi o que ele quis dizer. Eu inclinei a cabeça, e Klein simplesmente ergueu o dedão da mão direita para mim, abriu a porta e desapareceu através dela junto com seus companheiros.
Apenas Asuna e eu restávamos no grande salão do chefe. As chamas azuis que irrompiam do chão desapareceram em algum momento e a atmosfera sinistra que tomava conta do lugar se dissipou sem deixar rastros. A luz branda que preenchia o corredor agora também iluminava o cômodo. Não sobrara nenhum sinal da batalha.
Eu chamei Asuna, que ainda estava com a cabeça apoiada em meu ombro.
— Ei… Asuna…
— …Eu fiquei com tanto medo… Eu não sei o que faria… se você tivesse morrido.
Eu nunca tinha ouvido uma voz tão fina e trêmula.
— …Do que é que você tá falando? Foi você que avançou primeiro.
Eu delicadamente coloquei a mão sobre o ombro de Asuna enquanto dizia aquilo. Se eu a tocasse com descuido demais, uma bandeira de assédio se levantaria, mas agora não era a hora de me preocupar com isso.
Enquanto eu gentilmente a puxava para perto de mim, uma voz bem baixa soou no meu ouvido.
— Eu vou dar um tempo na guilda.
— Um tempo… Por quê?
— …Eu disse que iria formar dupla com você por um tempo… Já se esqueceu?
Assim que ouvi… aquilo…
Bem no fundo do peito, um sentimento que só poderia ser chamado de um intenso anseio nasceu, surpreendendo até a mim.
Eu — jogador solo Kirito — era uma pessoa que havia abandonado todos os outros jogadores a fim de me manter vivo neste mundo. Eu era o covarde que virara as costas para o seu único amigo e que fugiu dois anos antes, quando tudo começara.
Alguém como eu, que não tinha nem o direito de querer um companheiro, muito menos algo além.
Eu já havia me dado conta daquilo de uma maneira dolorosa e difícil de esquecer. Tinha jurado nunca mais cometer o mesmo erro, nunca mais desejar o coração de outra pessoa. Mas…
Minha mão esquerda, que estava completamente rígida, não queria soltar o ombro de Asuna. Eu simplesmente não conseguia me afastar do calor virtual de seu corpo. Enterrando esse imenso conflito contraditório dentro de mim, junto com um sentimento cujo nome eu não conhecia, dei uma resposta curta:
— …Tá.
Ao ouvir minha resposta, Asuna assentiu de leve no meu ombro.
No dia seguinte, fiquei me escondendo no segundo andar da loja de Agil desde a manhã. Eu estava sentado em uma cadeira de balanço, com as pernas cruzadas e tomando um chá de sabor estranho, que imaginava ser um produto defeituoso. Meu humor estava péssimo.
Toda Algade — não, provavelmente toda Aincrad — estava discutindo o “incidente” do dia anterior.
Completar um andar, o que significava a abertura de uma nova cidade, já era suficiente para dar início a uma quantidade exorbitante de fofocas. Mas, daquela vez, vários outros boatos acabaram se misturando à história, como “o monstro que acabou com um batalhão inteiro do Exército” e “o usuário de ‘Empunhadura Dupla’ que matou o demônio sozinho com mais de cinquenta golpes”. Deveria existir um limite para o quanto uma história poderia ser exagerada.
Não sabia como descobriram onde eu morava, mas desde cedo naquela manhã havia uma multidão de espadachins e informantes se aglomerando na porta da minha casa. Para conseguir escapar deles, tive que usar um cristal de teleporte para sair.
— Vou me mudar… Pra um andar ermo, num vilarejo onde ninguém vai conseguir me encontrar…
Enquanto eu resmungava, Agil veio até mim com um sorriso.
— Não diga isso. É bom ser famoso pelo menos uma vez na vida. Que tal fazer uma palestra? Eu arrumo o local e cuido dos ingressos.
— Nem morto! — gritei.
Eu joguei a xícara que tinha na mão, mirando na área a mais ou menos cinquenta centímetros à direita da cabeça de Agil, mas acabei usando o movimento que ativou a minha skill de atirar armas e ela voou em alta velocidade em direção à parede.
Felizmente, o cômodo era um objeto indestrutível, então nada aconteceu além do aparecimento da mensagem de “Immortal Object“. Se eu tivesse acertado algum móvel, ele com certeza teria sido destruído.
— Ei! Quer me matar, é?!
Com a reação exagerada dele, eu apenas ergui a mão direita em sinal de desculpas e me reclinei novamente na cadeira.
Agil estava examinando o tesouro que eu tinha recebido depois da luta do dia anterior. De vez em quando, ele soltava um som estranho, o que provavelmente queria dizer que havia algo bem valioso ali.
Havia prometido dividir igualmente o dinheiro que obtivesse da venda dos itens, mas já havia passado da hora em que eu tinha combinado de encontrar com Asuna, e ela ainda não havia chegado. Eu já havia mandado uma mensagem, então ela deveria saber onde eu estava…
Ontem nós tínhamos nos despedido no Portão de Teletransporte da avenida principal do 74° andar. Ela dissera que entregaria o pedido de licença na base da KoB em Granzam, no 55º andar. Perguntei se deveria ir junto, considerando todo o problema que tivera com Kuradeel. Mas ela disse que estava tudo bem, com um sorriso no rosto, então deixei quieto.
Já haviam se passado duas horas do horário combinado. Com tudo aquilo de atraso, queria dizer que acontecera alguma coisa? Será que eu deveria ter ido junto? Tomei todo o chá em um só gole para tentar acalmar meus nervos.
Quando eu havia esvaziado o grande bule que havia à minha frente e Agil havia terminado de examinar os meus itens, ouvi o som de passos subindo a escada. Então, a porta foi escancarada.
— E aí, Asuna…
Eu quase disse “você tá atrasada”, mas engoli as palavras. Asuna estava de uniforme, como de costume, mas seu rosto estava branco, e eu conseguia ver preocupação nos seus olhos. Ela colocou ambas as mãos em frente ao peito, mordeu os lábios duas, três vezes, e então:
— O que eu faço… Kirito..?
Pela sua voz, ela estava prestes a chorar.
— Aconteceu algo terrível…
Depois de tomar um pouco de chá recém-preparado, Asuna voltou a mostrar um pouco de vida no rosto, e então começou a explicar tudo, ainda um pouco hesitante. Agil voltou para o primeiro andar depois de sentir que o clima não estava legal.
— Ontem… Depois que voltei para a base em Granzam, relatei tudo o que aconteceu para o líder. Então eu disse que queria tirar uma licença e fui para casa… Achei que conseguiria a permissão durante a reunião desta manhã…
Asuna, que estava sentada do lado oposto ao meu, apertou a xícara de chá antes de continuar.
— Mas o comandante disse… Que eu poderia tirar uma licença da guilda. Mas tinha uma condição… Ele disse que… Quer enfrentar você… Kirito…
— Quê…?
Eu não tinha entendido o que ela dissera por um momento. Lutar… Isso significava um duelo? O que um duelo tinha a ver com a Asuna tirar uma licença?
Quando eu fiz essas perguntas…
— Também não sei…
Asuna balançou a cabeça, olhando para o chão.
— Eu tentei convencê-lo de que não fazia sentido… Mas ele não me deu ouvidos…
— Mas… É muito raro pra ele impor condições como essa — eu murmurei, enquanto a imagem dele apareceu na minha cabeça.
— Eu sei. O comandante normalmente nos deixa cuidar de nossas próprias atividades, mesmo quando vamos planejar as estratégias para completar o andar. Eu não sei por que dessa vez…
O líder da KoB, apesar de ter um enorme carisma, o suficiente para atrair a admiração não só dos membros da sua guilda, mas também da maioria dos jogadores das linhas de frente, nunca dava instruções ou ordens. Eu também tinha lutado ao lado dele em algumas batalhas de chefe e tinha uma grande admiração por sua habilidade em manter a linha sem dizer uma palavra. Para um cara desses fazer aquele tipo de imposição, ainda mais com a condição de duelar contra mim, o que será que isso queria dizer?
Apesar de estar completamente confuso, para acalmar Asuna, disse:
— Bom, primeiro vou pra Granzam. Vou tentar falar com ele diretamente.
— Sim… Desculpe por sempre causar problemas pra você…
— Eu faço qualquer coisa pela minha…
Asuna olhou para mim com certa expectativa quando parei no meio da frase.
— …preciosa companheira de batalha.
Ela fez bico, parecendo um pouco insatisfeita, mas logo abriu um sorriso.
O Homem Mais Forte. A Lenda Viva. O Paladino. O líder da KoB tinha tantos títulos que não dava para contar nos dedos.
Seu nome era Heathcliff. Antes da minha “Empunhadura Dupla” ficar conhecida, ele era o único homem, entre os mais de seis mil jogadores, a ter uma habilidade única.
Sua habilidade extra consistia no uso combinado de escudo e espada, ambos em forma de cruz, o que permitia que o usuário pudesse trocar livremente entre defesa e ataque. O nome da sua habilidade era “Espada Divina”. Eu pessoalmente o vira usando sua habilidade algumas vezes e o que mais me chamara atenção fora seu extraordinário poder defensivo. Diziam os boatos de que ninguém nunca vira sua barra de HP ficar amarela. Durante a batalha contra o chefe do 50° andar, que gerou muitas vítimas entre os jogadores, ele foi capaz de segurar a barra sozinho por dez minutos. Esse feito ainda hoje era um assunto popular para conversas.
Não havia arma que conseguisse penetrar o escudo de Heathcliff.
Esse era um dos pressupostos mais amplamente aceitos em Aincrad.
Assim que cheguei ao 55° andar com Asuna, comecei a sentir um nervosismo indescritível. E claro que eu não tinha intenções de cruzar espadas com Heathcliff. Eu ia apenas pedir para que ele aceitasse o pedido de afastamento de Asuna. Esse era o meu único objetivo.
Granzam, a área habitável do 55° andar, tinha o apelido de “Capital de Ferro”. Isso era porque, ao contrário das outras cidades que eram feitas de pedra, ela era formada por inúmeras torres gigantes feitas de ferro. Por nela haver um grande número de ferreiros, a população de jogadores era grande, mas como não havia nenhuma árvore ou vegetação ao longo das ruas, a cidade dava a impressão de ser gélida e implacável durante as ventanias de outono.
Nós chegamos pela praça do portal e andamos ao longo da rua, que era feita de placas de metal fixadas com rebites. Os passos de Asuna pareciam pesados. Talvez ela estivesse com medo do que pudesse acontecer.
Caminhamos por entre torres de ferro por cerca de dez minutos até que uma torre ainda mais alta apareceu à nossa frente. Lanças prateadas projetavam-se dos enormes portões, enquanto bandeiras brancas com cruzes vermelhas balançavam ao vento gelado. Era a base da Knights of the Blood.
Asuna parou à minha frente. Ela olhou para a torre por um tempo e então disse:
— Antes, a base era uma pequena casa num vilarejo no campo, no 39° andar. Todo mundo reclamava que era pequena demais e muito cheia. Eu não sou contra a expansão da guilda… Mas esta cidade é muito fria e não gosto dela…
— Vamos terminar logo o que viemos fazer e então a gente pode ir comer alguma coisa quente.
— Humpf. Você só pensa em comida.
Asuna sorriu e moveu o braço esquerdo para segurar levemente os dedos da minha mão direita. Ela nem olhou para mim, que estava perplexo com sua atitude, e ficou parada por alguns segundos, até que depois disse:
— Ok, devidamente carregada!
Então soltou minha mão e começou a andar em direção à torre a passos largos. Eu me apressei para conseguir acompanhá-la.
Depois de subir as escadas, nos deparamos com portões abertos, apesar de ter dois guardas com pesadas armaduras e longas lanças de cada lado. Asuna andou em direção a eles, os saltos de suas botas soando contra o piso. Assim que ela chegou perto, os dois guardas a cumprimentaram, levantando suas lanças do chão.
— Obrigada por seu serviço.
Não sei se era seu cumprimento rígido ou seu andar confiante, mas era difícil de acreditar que ela era a mesma pessoa triste que estava na loja de Agil há uma hora. Eu timidamente segui os passos de Asuna, passei pelos guardas e entrei na torre com ela.
Igual aos outros prédios de Granzam, esta torre também era feita de ferro. O primeiro andar era um lobby bem espaçoso, mas não havia ninguém ali no momento.
Com a impressão de que o interior do prédio era mais frio do que o lado de fora, nós andamos pelo piso de mosaico, feito meticulosamente com várias peças de metal, e chegamos a uma escada em espiral.
Subimos as escadas, nossos passos ecoando pelos degraus. A escada era tão longa que alguém com atributos baixos de vitalidade teria desmaiado no meio do caminho. Depois de passar por inúmeras portas, comecei a me perguntar quanto mais teríamos que andar, quando Asuna finalmente parou. Diante de nós havia uma fria porta de aço.
— E aqui…?
— É…
Asuna assentiu com certa relutância no rosto. Mas ela parecia ter chegado a uma decisão na hora. Ergueu o braço, bateu bem alto na porta e a abriu sem esperar por uma resposta. Eu apertei os olhos por causa do brilho forte que vinha de dentro do cômodo.
Uma sala redonda que ocupava o andar inteiro da torre. As paredes de todos os lados eram janelas de vidro transparente. A luz que penetrava por elas coloria o ambiente com um tom único.
No centro, havia uma grande mesa semicircular. Cinco homens estavam sentados nela. Eu nunca havia visto os outros quatro, mas prontamente reconheci o que estava no centro. Era o paladino Heathcliff.
Não parecia tão imponente. Provavelmente tinha uns vinte e poucos anos, feições afiadas como as de um acadêmico. Uma mecha de cabelo prateado caída sobre a testa. O manto vermelho drapejava em torno de seu corpo esguio e alto, o que o fazia parecer mais com um mago que não existia neste mundo do que com um espadachim.
Mas sua característica mais notável eram seus olhos. Seus misteriosos olhos cor de cobre emitiam um forte magnetismo que dominava as pessoas. Essa não era a primeira vez que eu o via, mas para ser sincero, ele ainda me intimidava.
Asuna andou até a mesa, o som de suas botas ecoando, e deu uma pequena saudação.
— Eu vim me despedir.
Heathcliff deu um sorriso irônico em resposta.
— Não precisa ter pressa na sua decisão. Não quer deixar que eu fale com ele?
Ele olhou em minha direção quando falou isso. Tirei o capuz e me coloquei ao lado de Asuna.
— É a primeira vez que o vejo fora de uma batalha, não, Kirito?
— Não… Nós conversamos um pouco durante a reunião estratégica do 67° andar — respondi em um tom formal sem perceber.
Heathcliff assentiu levemente e cruzou as mãos ossudas sobre a mesa.
— Aquela luta foi dura. Nós quase perdemos membros da nossa guilda. Por mais que nos considerem a guilda mais forte, quase não escapamos de lá… E ainda assim, você quer privar este grupo de um membro poderoso e importante.
— Se ela é tão importante assim, deveriam ter escolhido melhor a escolta dela.
O homem sentado mais à direita começou a se levantar ao ouvir a minha resposta atravessada e sua expressão se enrijeceu, mas Heathcliff o impediu com um simples aceno de mão.
— Eu coloquei Kuradeel em prisão domiciliar. Peço desculpas pelo problema que ele causou. Mas não podemos simplesmente sorrir e aceitar que nossa vice-comandante seja tomada de nós. Kirito…
Heathcliff me encarou. Seu olhar metálico mostrava uma vontade inabalável por trás deles.
— Se você a quiser, conquiste-a com suas duas espadas. Lute comigo. Se vencer, pode levar Asuna com você. Mas, se perder, terá que entrar para a Knights of the Blood.
Senti que pude finalmente entender um pouco daquele homem misterioso.
Ele era alguém obcecado por duelos de espada. Mais do que isso, tinha uma confiança inabalável nas próprias habilidades. Era um sujeito irremediável que, mesmo preso naquele jogo da morte sem saída, não foi capaz de se desfazer do seu orgulho como gamer. Em outras palavras, ele era igual a mim.
Ao ouvir as palavras de Heathcliff, Asuna, que até então estava em silêncio, abriu a boca e falou como se não pudesse mais aguentar o que estava acontecendo.
— Comandante, eu não disse que queria deixar a guilda. Só queria um afastamento temporário para pensar em algumas coisas…
Eu coloquei a mão sobre o ombro de Asuna, cujas palavras estavam ficando cada vez mais agitadas, e dei um passo à frente. Encarei seu olhar diretamente, e minha boca moveu-se por conta própria.
— Eu aceito. Se quiser que nossas espadas falem por nós, que assim seja. Vamos decidir num duelo.
— Puxa vida!!! Seu bobo! Tonto! Besta!!!
Estávamos de volta a Algade, no segundo andar da loja de Agil.
Depois de enxotar o curioso comerciante de volta para o primeiro andar, tentei acalmar Asuna.
— Eu tentei tanto resolver de outra forma! Por que foi dizer aquilo?!
Asuna estava apoiada no braço da cadeira de balanço em que eu estava sentado e me batia com seus pequenos punhos.
— Desculpa! Desculpa aí! Só quis responder à altura…
Ela finalmente se acalmou quando eu gentilmente segurei seu pulso, o que fez com que ela inflasse o rosto em descontentamento.
Tive que me segurar para não rir da discrepância entre sua atitude na base e agora.
— Vai ficar tudo bem. A gente decidiu usar a regra do “primeiro golpe”, então não tem perigo. E ninguém disse que vou perder…
— Hunf…
Ela soltou um som zangado e cruzou suas longas e finas pernas em cima do apoio de braço da cadeira.
— …Quando vi sua “Empunhadura Dupla”, pensei que fosse coisa de outro mundo. Mas isso também vale para a “Espada Divina” do comandante… Habilidades assim estão além do equilíbrio do jogo. Para ser sincera, não faço ideia de quem vai vencer… Mas e agora? Se você perder, além de eu não conseguir me afastar, você também terá que entrar para a KoB, Kirito.
— Dá pra dizer que, de um jeito ou de outro, eu alcanço meu objetivo.
— Hm? Como assim?
Tive que me forçar a responder.
— Bom, eu, hã… Estar junto com você é o suficiente.
No passado, eu nunca teria dito algo assim, nem que minha vida dependesse disso. Asuna arregalou os olhos de surpresa e seu rosto ficou vermelho como um tomate maduro. Então ela ficou em silêncio, saiu da cadeira e andou em direção à janela.
Através dos ombros de Asuna, que estava de costas para mim, pude ouvir os sons cotidianos de Algade, banhada pelo pôr do sol.
O que eu dissera era verdade, mas ainda estava relutante em entrar para uma guilda. Lembrei o nome da única guilda da qual fiz parte, que já não existia mais, e senti uma dor aguda no peito.
“Bom, não tenho intenção nenhuma de perder…”, pensei, e então levantei da cadeira e fui até onde Asuna estava. Logo em seguida, ela apoiou a cabeça sobre meu ombro.
Tradução: Axios
Revisão: Alice
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