CAPÍTULO 2.1
Remador.
Originalmente, a forma com que carcereiros diziam essa palavra era uma referência aos escravos remadores em antigos galés. Já que escravos trabalhavam arduamente em barcos comerciais, a palavra continuou a ser usada para representar ambientes de trabalho pesado. Porém, atualmente os barcos eram energizados por motores a vapor e rodas de pás ao invés de remos, mas todos os criminosos servindo sua sentença eram coletivamente chamados desta forma. De acordo com a lei, todos os prisioneiros, sem exceção, eram ordenados a trabalharem.
Abater animais, se livrar de excrementos e resíduos, minerar e limpar matas eram algumas das tarefas atribuídas. Devido à dificuldade e natureza esgotante do trabalho, quase ninguém conseguia realizar tarefas que realmente queriam. E, no caso de prisão perpétua, eram forçados a trabalharem até o fim de suas vidas, sem chance alguma de liberdade condicional.
A pá dada ao garoto tinha um tamanho um pouco menor do que as que ele havia usado no passado. A haste era feita de madeira lisa, extremamente seca e dura, e um aço com resistência a ácido foi usado na lâmina e no pegador. Parecia completamente nova, como se tivesse sido trazida direto da fábrica.
Já fazia três dias que a viatura o trouxera para o cemitério público. E sempre que o garoto, conhecido pelo nome de “Prisioneiro 5722”, não estava dormindo, estava usando a pá para cavar buracos sem parar.
Seu local de descanso era o completo oposto de sua pá de alta qualidade. Quanto à sua cama, foi lhe dado um pequeno espaço no estábulo decadente no fundo da propriedade. A palha que estava espalhada no chão era velha e, embora parecesse que cavalos não eram criados ali há muito tempo, em cada um dos pilares de madeira da parede, o fedor característico de animais de fazenda permanecia.
Logo depois que o sol apareceu, um senhor e uma senhora apareceram. Fora as roupas, cabelo e nariz adunco, o qual era semelhante ao de uma bruxa, eles pareciam exatamente iguais. No entanto, comparado ao homem, que não falhava em cortesia em nome da compostura, a mulher, com uma expressão que dizia ser melhor lidar com um cavalo, gritou:
— Seu miserável, levante-se e vá trabalhar.
Então, o garoto colocou pão duro e uma sopa extremamente forte e salgada em sua boca e foi até o cemitério. E com os raios fortes de sol, suportou o desconforto e continuou a abrir covas para o futuro cadáver de alguém.
Para dizer a verdade, a partir do momento em que a venda foi removida… em outras palavras, no momento em que percebera que foi levado a um cemitério, o garoto teve um vago palpite de que provavelmente teria este mesmo destino. De qualquer forma, este trabalho pesado lhe era adequado. Já era algo com que estava acostumado. Porque cavar buracos e trincheiras era a principal responsabilidade de soldados de infantaria.
Ele ficava imaginando quantos cavaleiros foram movidos para as linhas de frente do campo de batalha e apontados para serem soldados de infantaria… À medida em que armas de fogo se desenvolviam após a revolução industrial, cavaleiros, carregadores de pique e arqueiros ao redor do mundo foram privados da oportunidade de serem úteis. Já que todos os soldados de infantaria estavam armados com armas de fogo, como um resultado da produção em massa, havia uma grande demanda por cobertura para proteger seus corpos da saraivada de balas. E por ser conveniente, eles haviam se espalhado sem parar… e com uma pá em mãos, continuavam a cavar grandes trincheiras. Assim, os grandes “toupeiras de guerra” nasceram.
Ao terminar de arrancar uma pedra do tamanho de sua cabeça, o garoto jogou reclamações nas espessas raízes de árvores em seus pés. Ao mesmo tempo, ofereceu uma oração silenciosa aos ossos humanos que ninguém reconheceria. Não importa se é uma mata, planície, floresta ou campo de trigo abandonado, rezo para que meus companheiros Toupeiras, não importa onde estejam… não importa onde estejam… rezo para que ainda estejam cavando também.
Naquela época, ele ficou feliz, pois a pá que ganhou aumentou o comprimento de seu braço. Seu corpo se lembrava daquele comprimento. E assim, para o garoto, o calor forte que se formava sob a coleira e o redemoinho de cabelo em sua nuca, queimando à luz direta do sol, não eram tão desagradáveis quanto a nova pá dada pelo velho, sendo mais curta por um mindinho.
Mesmo assim, um buraco grande como esse provavelmente é necessário para enterrar mais de uma pessoa.
Ele respirou fundo por um tempo e encarou o local de trabalho. Como ordenado, cavou o buraco, mas esse parecia grande o bastante para caber uma pequena casa.
— Se o cadáver de um humano fosse enterrado aqui, provavelmente não seria necessário um décimo desse espaço. Talvez eles estivessem planejando usar um caixão extremamente grande —murmurou para si mesmo.
Ou, como se tentassem fazer valer o nome de “Mass Grave”, o garoto ficou imaginando quantas pessoas planejavam enterrar nesta cova.
Depois de uma grande batalha, haveria muitos cadáveres vindo… era por isso que ele estava ali?
Bem, não importa o uso dessas covas, nada disso é da minha conta. Havia mais uma coisa que devia estar pensando, algo que devia descobrir.
Durante os três dias desde que chegou, a única coisa que pensava enquanto cavava era escapar. Mas algo estava estranho, parecia que neste grande cemitério, ele era o único prisioneiro trabalhando.
Seu guarda… não, embora parecesse que estava cuidando do garoto 24 horas por dia, se Daribedor quisesse fazer algo, não haveria ninguém que saberia onde o garoto estava. Se, de alguma forma, o garoto fosse capaz de se esconder, não seria libertado desta ridícula cavação de covas? No entanto, se não conseguisse sair, durante toda sua sentença de prisão perpétua, seria forçado a desperdiçar sua vida em um trabalho forçado como “Prisioneiro 5722”.
— Isso não é brincadeira — murmurou para si mesmo enquanto cavava. Esta situação com certeza não é brincadeira. Preciso fugir deste lugar. Este lugar deprimente e sombrio…
Comparado aos grilhões e grades de cadeia que enfrentou durante seu julgamento, as restrições fracas no Mass Grave eram uma boa oportunidade. Primeiro, daria um jeito de dar o fora deste lugar na surdina. Então, trocaria de nome, tornando-se uma nova pessoa, e começaria uma nova vida onde grupos, como o exército ou a polícia, não poderiam chegar…
Enquanto trabalhava arduamente, pensando apenas na fuga, seu terceiro dia de trabalho se tornou noite. O cemitério, no despertar do desaparecimento do sol, ficou mais misterioso do que nunca. No estábulo decadente, o vento assoprava pelas frestas, tornando-o extremamente frio. Ele duvidava que a ideia de precisar de uma lâmpada ou vela havia passado na mente de alguém nesta propriedade. Por isso, sempre que as nuvens cobriam a lua e as estrelas, seu estábulo ficava completamente envolto pela escuridão. Era exatamente igual a quando estava vendado. Não teve escolha a não ser puxar o cobertor. Adormecer na primeira noite foi extremamente difícil, e se precisasse confessar… foi assustador.
Não havia fantasmas. Sua mente já sabia disso. No entanto, dentro da total escuridão, onde não havia ninguém além dele, com as velhas dobradiças rangendo e o som assustador e sombrio do vento passando pelas frestas do estábulo, não conseguia parar de imaginar que alguém se aproximava.
Claro, caso saltasse e abrisse bem os olhos, seria capaz de confirmar que não havia mais ninguém ali. Ainda assim, à medida que essa sensação aumentava sem parar, começou a duvidar se realmente acreditava ou não em coisas como fantasmas ou espíritos saindo de seus antigos corpos.
Bem, pelo menos este lugar não seria incomodado por cadáveres que mantinham arrependimentos.
Embora estivesse assustado, por dois dias, seus medos se provaram ser nada mais do que desperdício de tempo.
Felizmente, (bem, se era felizmente ou não, ele não sabia) na terceira noite, não havia uma única nuvem, e a lua brilhava imensamente. Estava tão claro que conseguia ver as pontas dos dedos, fazendo com que a noite fosse ideal para dar um passeio.
O garoto levantou-se da cama composta por palha e lençóis. Quando se levantou, um cachorro preto, o qual sempre ficava deitado próximo à entrada do estábulo, olhou em sua direção.
— Só vou dar uma mijada. Acho que você também não faz na sua própria cama, né? — disse balançando mão. Então, o cachorro saiu do estábulo com o garoto seguindo logo atrás dele.
Ele é cortês, mesmo tendo uma aparência assustadora, e realmente parece entender o que digo.
Isso o lembrou de dois grandes problemas com relação à fuga.
A coleira em seu pescoço e também… este cachorro.
Não importava o que o garoto fizesse, o cachorro preto, chamado “Dephen”, sempre estava observando. E mesmo se não estivesse diretamente à vista dele, ainda sentia que sempre estava dentro de sua área de percepção. Por isso, caso tentasse ir para qualquer lugar que fosse, no final, Dephen estaria logo atrás dele, seguindo-o.
— Você nem mesmo devia pensar em fugir. — Daribedor havia lhe dito no primeiro dia. — Dephen é um excelente guarda sepulcral. Ao mesmo tempo, é um cão de caça inigualável. Seu olfato e suas presas o tornam digno de ser o melhor carcereiro.
Um cachorro é meu carcereiro? No início, o garoto não estava totalmente convencido, porém…
Durante os três dias sob observação, este cachorro havia realizado sua tarefa com um alto padrão de excelência. Em um passado distante, humanos lutavam com cães de caça, e era difícil vencer aquelas lutas sem sofrer ferimento algum. Mesmo que o garoto não soubesse o que realmente aconteceria caso tivesse sucesso em um ataque surpresa contra o cachorro usando sua pá, isso não importava, pois o mesmo nunca ficava em um bom alcance para ser atacado.
Seria bom se Dephen baixasse a guarda quando se alimentasse. Mesmo assim, ainda que algumas migalhas de pão fossem jogadas para o garoto, aquele cachorro com certeza ainda seria capaz de localizá-lo pelo cheiro persistente.
Depois de se aliviar, o garoto não voltou direto ao estábulo. Ao invés disso, caminhou ao longo da cerca da mansão. Ele estava relutante em ir direto ao cemitério. Até mesmo o farfalhar das folhas com o vento o deixava inconfortável.
Mas…, obviamente, nada viria durante a noite, né? Nada como alguém perneta, ou algo do tipo.
Bem, mesmo se decidisse adiar sua fuga, era necessário saber como o cemitério parecia durante a noite. Caso fugisse no meio dela, precisaria atravessar a escura floresta desconhecida, não importava a direção que fosse… e isso provavelmente seria suicídio. Porém, mesmo que pudesse caminhar bastante, não sabia se conseguiria realmente chegar à cidade mais próxima. Mesmo se fosse capaz de encontrar algumas marcas de pneu, e isso no caso mais otimista, ainda precisaria seguir uma estrada. E, para isso, precisaria sair do cemitério.
Isso mesmo. Não existem fantasmas. Além disso, eu não estava mais assustado quando aquele revólver estava apontado para mim?
Depois que esse pensamento passou pela sua mente, o garoto usou o mesmo passo cuidadoso de quando estava vendado e entrou no cemitério. As várias lápides, banhadas pelo luar, criavam um brilho azul que se destacava no meio da escuridão. Mas, ao mesmo tempo, a cor atual das lápides desgastadas o fizeram pensar em ossos.
Seu plano era descobrir todas as entradas e saídas do grande cemitério, porém, pelo fato de sua visão não conseguir penetrar a escuridão profunda, começou a sentir que esse cemitério era vasto demais. Não importava a direção em que olhava, a única coisa que via era as mesmas lápides dispersas na densa floresta escura ao longe. E já que havia seguido por várias direções enquanto estava cego pela escuridão, o garoto tinha certeza de que não conseguiria encontrar o caminho de volta para o estábulo. Ainda assim, por mais estranho que seja, o fato de aquele antipático cachorro preto sempre estar logo atrás dele realmente o reconfortava.
“Prisioneiro, tu podes até estar aliviado que teu carcereiro tenha partido, mas tenha certeza, este cão irá vos acompanhar.”
Quando pensou nas palavras de Daribedor, um sorriso amargo apareceu sem querer.
Então, está tudo nos conformes. Este lugar pode ter uma pitada dessas superstições fantasmagóricas, mas, no fim, fantasmas são coisas que só aparecem nas historinhas.
À medida em que o vento soprava, ele caminhava pelo cemitério, sua coragem até ficou revigorada. Claro, sabia que isso era um blefe. A sua nuca, sob a coleira, e seus dois braços musculosos se arrepiaram. Acho que por hoje já chega… seria melhor continuar amanhã… com cada passo, esses pensamentos gentis passaram pela sua mente.
De repente, percebeu que, à sua frente, estava a cova que cavara durante o dia. De onde olhava, parecia que algum tipo de porão poderia ser construído dentro desse enorme buraco. O luar não chegava ao fundo e a escuridão parecia ser um líquido, cobrindo tudo lá embaixo… também não havia inscrições na lápide. Era um túmulo que não pertencia a ninguém.
Durante o dia, havia se perguntado quem seria enterrado nesta cova.
E agora, dúvidas sobre o que aconteceria caso morresse surgiram em seu peito.
Caso tivesse quebrado uma das regras dentro do campo de detenção, teria sido informado sobre o código penal com detalhes. Mas ninguém havia o informado sobre o que aconteceria caso morresse. Por exemplo, se sua fuga fosse um fracasso e tivesse sua traqueia mordida pelo cachorro preto e morresse, seu cadáver seria enterrado neste cemitério mesmo?
Para o garoto, isso não importava, já que ninguém sentiria por ele. Além disso, antes do julgamento, foi decidido que seu nome, aquele dado pelo seu pai, seria revogado. Por isso, era quase certo que não haveria um nome em sua lápide.
O coveiro não terá uma cova.
Quando esse pensamento sarcástico cruzou sua mente, um sorriso amargo apareceu em seu rosto. Mas não sabia se devia se sentir triste ou frustrado em tal situação. O sentimento era vago, fazendo-o sentir-se vazio. Na verdade, o vazio se assemelhava à escuridão dentro da cova.
Enquanto ouvia o som do vento repentino, ele pensou ter ouvido algo mais. Soava como o esvoaçar de roupas… como se algo se movesse.
Ao virar sua cabeça na direção do som, percebeu que, sem ao menos notar, o cachorro desaparecera.
Suor frio começou a escorrer pelo seu pescoço.
Então, deixado sozinho, finalmente lembrou-se em que tipo de lugar estava. E, por isso, como uma pessoa com consciência pesada, rapidamente checou os arredores.
As diversas lápides que o cercavam…
A cova gigante aos seus pés…
A floresta sombria e agitada…
A lua minguante…
E também, entrando em seu campo de visão…
Havia algo lá.
Alguém além de mim, quem poderia estar em um cemitério no meio da noite?
Sua mente ficou em branco.
Independentemente do que fosse, era quase do tamanho de um humano e usava um capuz azul muito escuro. Seu sobretudo chegava até os pés e tremulava ao vento.
Espectro. Criatura. Fantasma…. As misteriosas fábulas sobre fantasmas que os adultos lhe ensinaram arduamente quando era pequeno apareceram em sua mente.
O capuz criou uma sombra, impedindo que o rosto fosse visto. No entanto, tinha certeza absoluta de que aquilo havia o notado. Até porque estava indo direto em sua direção.
Será… que devo… correr?
Respirar ficou difícil. Ele não correu, mas isso porque seu corpo não obedecia às ordens de sua mente para fugir. O medo tomou conta dele, deixando-o em pânico, sua mente caiu em um caos completo. As pernas estavam paralisadas, como se fosse um soldado diante de uma granada prestes a detonar. Se sentiu extremamente tonto, sem conseguir parar de tremer. O fato de sua bexiga estar vazia talvez fosse uma benção divina ou misericórdia dada pelos céus.
Balançando com lentidão de um lado para o outro, o ritmo da pessoa que se aproximava era surpreendentemente lento, mas não havia como o garoto conseguir sentir isso.
Acho que… vou desmaiar…
Era uma sensação estranha. Ele devia fugir. Era a única coisa que pensava. Devia fugir. Daquele fantasma… deste cemitério. Mesmo assim, parecia que suas pernas estavam enraizadas, tentou mexer seus membros com toda a energia que ainda restava neles.
Mas, no instante seguinte, toda a energia esgotou-se de seus joelhos e, com uma sacudida, caiu. Enquanto caía, sentiu que a distância entre ele o chão estava maior do que devia ser.
Nada de bom aconteceu no final.
No meio do cemitério, no meio da noite, o garoto perdeu a consciência.
Mas antes de seus olhos se fecharem por completo, dentro do capuz daquela criatura, pensou ter visto um rosto branco.
Tradução: Taiyo
Revisão: Bravo, Guilherme e Taipan
QC: Milady
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