Rei Demônio ao Trabalho – Vol. 04 – Cap. 01.1 – O Rei Demônio Perde o Trabalho, Então a Casa

O suave cabelo prateado brilhava elegantemente, como a Via Láctea, agraciando o céu noturno. O par de olhos que pairavam nesse curso celestial emitiam um equilíbrio silencioso e poderoso, com uma luz sublime, mais brilhante do que os governantes gêmeos, o Sol e a Lua.

— Ela é tão linda…

Seu sussurro frágil, como se a alma tivesse sido arrancada do corpo, dissipou-se no ar antes que pudesse alcançar os ouvidos de alguém.

Um olhar, e foi arrebatado pela figura poderosa, braços e pernas. Personificação da vida, no pico de sua atividade cinética.

O momento inocente fora presenteado com possibilidades aparentemente ilimitadas, o resto de sua vida aguardava de braços abertos, alcançaria o pináculo da beleza de uma forma que supera quaisquer artes que vieram antes dela.

Ela era tão hábil e ágil quanto uma gazela, mas suas pernas eram tão flexíveis e delicadas quanto as pétalas de um lírio.

Sua beleza tinha atmosfera quase lírica, como as asas de um anjo, mas seus braços eram tão encantadores e sedutores quanto um jaguar à espreita.

Mas acima de tudo, seu rosto, mais bonito e fluido do que um caleidoscópio, mais colorido do que uma rosa, mais gracioso do que uma peônia em plena floração, mais fugaz do que uma flor de cerejeira, era pura felicidade, muito além do que mil canções e poemas poderiam esperar transmitir em som e palavras.

— Mua-ha-ha-ha-ha…

A visão roubou seu coração. E, embora ele estivesse sozinho, ninguém poderia tê-lo repreendido por se perder na visão hipnotizante.

— Um… Maou?

— Ah-hah-hah-hah…

Afinal, desde o momento em que acordou até o momento em que seus olhos se fecharam, foi para sempre pego em sua canção, semelhante a uma sereia.

— Maou, você devia realmente manter sua voz mais baixa…

— Bwah-hah-hah-hah-hah!

Coração e alma, ele era seu prisioneiro, sua própria vida era um mero brinquedo em suas mãos.

— Maou, vamos lá!

— Gahh! O qu-que, Chi?!

Sadao Maou, sentindo alguém sacudi-lo pelo ombro, mostrou um sorriso assustador para si mesmo antes de voltar aos seus sentidos.

Ao se virar, viu sua colega de trabalho, a única garota em quem confiava plenamente no Japão (e a única japonesa nativa que sabia da sua verdadeira identidade), inchando as bochechas enquanto colocava as mãos nos quadris.

Dentro da sala de descanso da equipe, no MgRonald em frente à estação ferroviária de Hatagaya, o Rei Demônio, Conquistador do mundo, estava sendo repreendido por uma adolescente.

— Podemos ouvir sua risada lá da cozinha. E está me assustando também!

— Oh. Uh? Ohhh. Desculpe, acho que eu meio que perdi o controle.

Chiho Sasaki, corada enquanto olhava para o Maou mais alto, olhou para baixo e franziu a testa ao ver o álbum de fotos barato em sua mão, do tipo que a maioria das lojas de camêra davam de graça em compras.

— Ugh… Está olhando aquelas fotos da Alas Ramus de novo, não está?

— Com certeza! Ei, dá uma olhada nisso por um segundo.

Ignorando a acusação de Chiho, Maou empurrou o álbum no rosto dela, esquecendo completamente o que ela tinha dito a ele há três segundos.

— …Outra nova?

A foto que mostrou tinha uma criança de cabelos prateados brincando no gramado de alguém, com os braços bem abertos no ar enquanto ela corria sem fôlego.

— Sabe, esta na verdade não é uma foto. É uma…uh, como se chama mesmo? Uma captura de tela? Uma dessas, de um vídeo. Eu ordenei que imprimisse para mim!

— ……

— Afinal, aquela Emi dificilmente traz ela, sabe, isso é como… ah, ter que esperar pelo grande dia praticamente me deixa doido! Eu tirei essa foto quando levei Alas Ramus ao ginásio esportivo em Hatagaya outro dia, mas cara, ela praticamente correu o dia inteiro! Ela é um animal!

— … Que legal.

Chiho não conseguiu pensar em outra resposta.

— Ei, você precisa de uma dessas? Eu tenho muitas fotos novas dela!

— …Eu estou bem por enquanto, valeu. Já tenho muito para ver.

Apesar de sua atração por Maou e seu amor honesto por Alas Ramus, sua resposta estava sendo difícil de acompanhar. Ela gentilmente retornou a foto.

Nas últimas duas semanas, uma vez que Emi trouxe Alas Ramus de volta para Maou depois de temer que a menina fosse perdida para sempre, o comportamento de Maou em relação à criança tinha apenas colocado a ponta dos pés na devoção, agora estava totalmente inerte na terra da superproteção.

O amor que consumia tudo era suficiente para levar Maou, que nunca tinha comprado nada além das necessidades básicas para si mesmo durante todo o seu tempo no Japão, a comprar uma câmera digital desatualizada e uma impressora de fotos. Ficou claro o quão terminal era esse caso.

Ele tinha Hanzou Urushihara, o anjo caído caloteiro que agora não tinha nada para se gabar além de suas glórias passadas e habilidades de navegação na internet, para processar as fotos e vídeos em seu computador, permitindo que Maou visse o que havia filmado enquanto Alas Ramus não estava por perto para acalmar sua alma. No entanto, a compra dessas necessidades não tão básicas estava longe de ser bem vinda aos olhos de Shirou Ashiya, o demônio que servia como o guardião dos cofres do Castelo Demoníaco.

Só os custos de funcionamento associados a tinta não eram brincadeira. Urushihara também tinha o hábito de deixar a impressora ligada depois de imprimir as fotos de Maou, um colossal desperdício de eletricidade. Para Ashiya, cujo sonho fervoroso era fazer o slogan oficial do reino demoníaco “Um centavo salvo é um centavo ganho”, era mais um estresse diário para lidar.

— Quero dizer, você é livre para usar sua pausa como quiser, mas… Senhorita Kisaki vai voltar logo, então você pode, uh, tentar se conter um pouco mais?

— De boa! Eu viro o interruptor no meu cérebro, e bum! está de volta no relógio!

A confissão do supervisor de turno Rei Demônio, absorto na sequência de advertências da adolescente, acabou se perdendo no caminho da persuasão forçada, considerando o sorriso simplório e meio maluco que demonstrava.

Após concedido o direito de mimar Alas Ramus por Emi Yusa, sua “mãe” e  seu inimigo jurado, nas várias vezes por mês que ela a trouxe em uma visita, Maou agiu exatamente como um pai que perdeu a custódia de sua filha depois de um longo e amargo divórcio.

Para Chiho, que estava plenamente consciente dos objetivos de Maou e de seu antigo eu diabólico, não era raiva, mas sim uma preocupação honesta. Ela saiu da sala dos funcionários , dizendo que estava satisfeita.

— Espero que Maou fique bem, falando sobre Alas Ramus dia e noite desse jeito. Acho que ele conseguiu pagar pela câmera e impressora, então deve ter algum dinheiro de sobra… mas, de novo, eu não acho que ele trabalhe em qualquer outro lugar…

Ela deu uma olhada no calendário na parede enquanto sussurrava furtivamente para si mesma.

— Nós vamos fechar a loja amanhã também…

Sadao Maou: Mais conhecido em outros lugares como o Rei Demônio Satan, um canalha todo-poderoso dos reinos demoníacos que tinha Ente Isla na palma de suas mãos. Emi Yusa: Mais conhecida em outros lugares como Emilia, a Heroína, a salvadora que resgatou Ente Isla de um destino pior que a morte.

Graças à criança chamada Alas Ramus reivindicando ambos como seus pais, o Herói e o Rei Demônio estavam agora lutando em uma vida de paternidade que nenhum estava particularmente acostumado. Foi apenas com extrema relutância que trabalharam juntos na causa.

O confronto contra o Arcanjo Gabriel quanto ao destino da criança terminou em uma vitória impossível para esses “pais”, apenas graças a uma cadeia muito improvável de eventos completamente imprevisíveis.

Foi realmente mais uma perda do que uma vitória, mas com Gabriel incapaz de cumprir sua missão, Alas Ramus estava agora livre para viver onde ela quisesse estar.

O que tornou as coisas complicadas foi que Alas Ramus se fundiu com a Cara-Metade, a espada sagrada que Emi empunhava em batalha.

A espada, e a própria Alas Ramus, foi criada a partir dos fragmentos da Yesod, uma das joias sefirás criadoras do mundo que crescem na Árvore de Sephirot.

O objetivo de Gabriel era roubar a criança e a espada de Emi, juntando os fragmentos de Yesod para restaurar a Sephirah ao seu estado original.

Apesar de ter deixado tais fragmentos abandonados, ao pelo que parece, eras da perspectiva de uma pessoa comum, Gabriel parecia estar em uma terrível corrida para juntá-las, isto é, unir Yesod de volta. Sua repentina pressa era difícil de compreender.

Mas graças a Alas Ramus se fundindo com a espada sagrada que se mostrou teimosamente não removível do corpo de Emi, Gabriel não teve escolha a não ser retornar para casa de mãos vazias.

Dessa forma, Alas Ramus foi forçada a mudar de sua casa anterior, O Castelo Demoníaco localizado no quarto 201, do apartamento com 60 anos de idade, Vila Rosa Sasazuka em Sasazuka, distrito de Shibuya, Tokyo, para a casa de Emi, um condomínio em Eifukucho no distrito de Suginami, Tokyo.

Isso criou vários problemas.

Um: Alas Ramus era irremediavelmente devota ao Maou, seu “Pai”.

Emi, como uma Heróina, nunca poderia se deixar ignorar o senso comum e permitir que Alas Ramus vivesse perto do Rei Demônio, alguém que não apenas impediria seu crescimento educacional, mas também possivelmente erradicaria a humanidade da face da Terra.

Mas agora que Alas Ramus era literalmente uma espada sagrada com o poder de assumir a forma humana, ela tinha uma tendência de gritar na mente de Emi sempre que se sentia sozinha.

O choro de uma jovem criança, como qualquer um que já esteve perto de uma sabe, tem mais força destrutiva do que o rugido de uma besta selvagem.

Emi jurou a si mesma após a fusão que manteria Alas Ramus longe do apartamento de Maou, tanto quanto possível. Essa determinação transformou-se em pó em três dias.

Infelizmente, parece que a visão de Ramus sobre a vida permanecia a mesma se ela estivesse em forma de bebê ou espada. Ela não se importava se Emi estava no trabalho, dormindo ou fazendo qualquer outra coisa. Quando queria ver o papai, aumentava o volume.

Assim, a fim de evitar a tragédia de ficar acordada a noite toda sob um choro de lamento que apenas ela podia ouvir, as visitas de Emi ao Castelo Demoníaco se tornaram cada vez mais frequentes que antes.

Dois: Mesmo que não fosse por isso, havia a questão de todo o cuidado que os moradores do Castelo Demoníaco praticamente arrancavam os cabelos cuidando da criança. Dar comida, escovar os dentes, trocar fraldas. Agora que Emi caminhava pelo mesmo caminho, em seu estado mental enfraquecido, o auxílio deles era como um bacon convidativo, uma maneira infalível de sair dos aborrecimentos da vida.

Alas Ramus geralmente ouvia o que Emi dizia a ela, raramente fazia birra se as coisas não fossem do seu jeito. Mas seu ciclo de vida continuou inabalável, espada ou não. Emi voltava para casa depois do trabalho, apenas para encontrar Alas Ramus se materializando diante de si com uma fralda perturbadoramente cheia, era uma catástrofe que aconteceu mais que “algumas vezes”.

Isso não significa que ela poderia simplesmente jogar a criança no Castelo Demoníaco. Isso seria muito fácil. Alas Ramus poderia correr em forma de criança independente de Emi, mas no fundo, ainda estava profundamente conectada, fundida, realmente, com Emi.

Se a pequena se aventurasse muito longe dela, se desmaterializaria e voltaria para o corpo de Emi de maneira forçada. A Heroína confirmou isso com alguns testes.

Em suma, Alas Ramus poderia permanecer fisicamente separada de Emi, desde que ficasse dentro de aproximadamente o comprimento de uma parada na linha de trem Keio.

A única mulher que podia entender o estado atual de angústia de Emi era Crestia Bell, clériga do Painel de Reconciliação da Igreja, atualmente vivendo ao lado do Castelo Demoníaco sob o nome de Suzuno Kamazuki.

Chiho, ao descobrir isso, tinha sido bem menos que “compreensiva”.

— Wow! Então você não precisa se preocupar com ela se perdendo ou algo do tipo?

Ela tinha acertado em cheio, claro, mas o que isso enfatizava para Emi era a humilhação de ter que visitar constantemente o Castelo Demoníaco. Pelo menos, Emi racionalizava para si mesma, Maou gostaria de vê-la com mais frequência, esperançosamente isso removeria quaisquer desejos  malignos dele. Esse pensamento era a única coisa que Emi tinha que manter para si.