SOPROS brancos de bafo escapavam de meus lábios. A armadura de malha que estou acostumado a usar é bem pesada. O escudo que sempre carrego em minhas costas é incômodo. Usei esses equipamentos por muitos anos, até que se tornaram extensões de meu corpo. Nunca me incomodei com o peso dessas coisas antes.
“Estou cansado”. Odiaria admitir isso, mas minha idade ou essa chuva estava ganhando de mim. Ou talvez seja porque… Deixei Rob ir.
As pesadas gotas de chuva da tempestade interminável cobrem meu manto, respingando enquanto batem no tecido e começam a rolar. Gota por gota. A chuva incessante golpeia meu manto sem parar. Mas as roupas da Princesa não estão iguais. Claro, a roupa dela é da melhor qualidade, feita com um material precioso e com uma costura refinada, mas não é como se os alfaiates costurassem pensando que ela acabaria perdida em bosques ou terrenos abandonados enquanto usa seus vestidos.
A chuva não diminuiu ainda. O nevoeiro branco domina a paisagem, fechando todos os arredores. Não consigo ver nem as orelhas de meu cavalo. Névoa domina tudo quando nós — eu, meu cavalo e a princesinha — galopamos pela floresta.
Com certeza é um nevoeiro bizarro. Ele veio irrompendo pelas árvores crescidas como se tivesse sido criado pela própria floresta. Nossos perseguidores logo perderam o rumo e começaram a vaguear cegamente graças à densidade da vegetação. No final, o medo levou a melhor sobre aqueles covardes e fugiram com os rabos entre as pernas, assim que são todos os cães! Todos saúdam a natureza daquele Lorde Ardiloso Siegfried pão-duro! Ele nem sequer colocou uma recompensa sobre nossas cabeças, nada suficiente para fazer seus cães superar o medo instintivo criado pela floresta.
Que porra! É isso que você ganha tendo soldados contratados. Só prestam quando têm ouro no bolso. Estão bem com matanças em um campo de batalha, mas sentem medo do desconhecido.
— Gideon.
A Princesa enfiou a cabeça para fora da proteção de minha capa. Seus cachos vermelhos e suaves que herdou de sua mãe espalhados pelo rosto. Seus olhos, que brilham como folhas jovens primaveris banhadas pelo sol, são um presente de seu pai. Sardas ficam espalhadas por suas bochechas rechonchudas e nariz de botão. Talvez isso a deixe encantadora quando sorri, mas nunca tive o favor de ver seu sorriso, nunca mesmo. Pelo menos não até agora.
Seu corpo minúsculo é bem quente e delicado. Quando foi a última vez que estive em contato direto com algo tão frágil?
— Nós… Entramos na floresta? — perguntou ela.
— Sim, entramos.
Na verdade, para ser honesto, estou aliviado. Meu coração quase pulou pela minha boca, pensando que ela perguntaria algo como: “O que aconteceu com o Capitão Rob?”, seria a pior questão possível. Responder ou até mesmo ouvir isso faria uma enorme escuridão se formar em meu peito.
— Fico surpreso por você ter percebido — comentei.
— Pareceu que tínhamos entrado.
Acho que isso faz sentido. A floresta nos afasta do som da chuva. Galhos grossos, bem enrolados e também as incontáveis folhas dispersam os pingos de chuva antes que caiam em nós. Não que nenhuma chuva possa atravessar a capa da vegetação — a água fria escorria aos poucos, mas com certeza nos esfriava. E crianças pequenas ficam resfriadas com bastante facilidade.
O nevoeiro ainda não diminuiu. Meu cavalo está fungando nervoso já faz algum tempo. Fazendo uma escolha difícil, tiro meu manto e entrego para a Princesa.
— Use isso.
— Oooof! Por quê?
— Não se mova. Aguente firme. — Deixei-a em cima de meu cavalo e desmontei. Então, baixando a voz em uma oitava, murmuro: — Botão-de-Ouro, bom garoto. Fique. Não precisa se preocupar. O nevoeiro só está um pouco forte. Vamos devagar.
— Então o nome dele é Botão-de-Ouro…
— Hã?
— Deixa para lá.
Tomo as rédeas e fico na frente, já que sabe-se lá o que nos aguarda na floresta. Você pode até pensar que só está andando pela trilha até que, de repente, um pântano ou um buraco se abre sob seus pés e te engole. Não estou brincando. As pessoas e seus cavalos sucumbem ao desconhecido por puro descuido o tempo todo. Dando passos cautelosos, levo Botão-de-Ouro pelas rédeas. Os olhos de uma pessoa ficam mais próximos do chão do que os de um cavalo.
A Princesa faz o que eu peço e se cobre com o manto, ficando perfeitamente imóvel na sela. De relance, você pensaria até que não passava de bagagem. E é assim que deve ser. Tateando pelo mato, crio meu caminho, escolhendo lugares onde há apenas vegetação rasteira. Algo — homem, animal ou alguma outra coisa, não sei — havia percorrido esse caminho andando de um lado para o outro, tanto que esmagou os arbustos e o solo.
— Oh?
Estamos com sorte. Frutinhas roxas escuras estão penduradas em um dos galhos que agarrei. Apertando meus olhos, localizo cachos e mais cachos da mesma fruta espalhadas por galhos aqui e ali. Pego um punhado e ofereço à Princesa.
— Aqui. Você pode comer isso. — Jogando três em minha boca, devoro a bênção concedida a nós de bom grado pela floresta. — Isso ajudará a aliviar a fadiga…
— Amoras! Elas também crescem na floresta?
— Elas vêm da floresta.
— Mas não estavam nos jardins do castelo?
— As plantas vieram da floresta.
— Não faz sentido…
Oh, que incômodo. Lá vai ela, virando os lábios para os cantos enquanto faz beicinho. Na verdade, sou o único que não entende, Princesinha. O que no mundo fiz para arruinar seu humor agora mesmo?
— Quero dizer que as árvores que crescem nos jardins do castelo a princípio estiveram nesta floresta — expliquei.
— E como foram parar no castelo?
— Algum pássaro comeu a fruta, voou até os jardins do castelo e soltou as sementes.
— Como?
Um som estranho escapou de minha garganta. Os cantos de meus lábios acabaram contraídos. Acho que acabei rindo — nesta situação e lugar, de todas as possibilidades.
— Bem, não posso dizer…
— Você está tirando sarro de mim. — Ela fez beicinho de novo, mas resolveu levar uma amora à boca. Seus olhos se fecharam na mesma hora. Seus lábios franziram e ela estremeceu. — Tão AZEDO!
— Porque são selvagens — ri.
— Mas são gostosas.
— Que bom.
— E a parte do Botão-de-Ouro? — perguntou a Princesa em nome de sua montaria.
— Não se preocupe. Ele come por si mesmo.
“Principalmente folhas.”
Joguei a última amora do punhado que peguei em minha boca, a Princesa me encarando.
— O que foi…?
— Sua boca ficou roxa.
— Ah. Isso acontece quando você come amoras cruas.
Limpei meus lábios com as costas da mão. Luvas pretas são convenientes em momentos assim, já que a sujeira não se destaca.
Oh, ela notou. Está olhando para os próprios dedos agora. Então, como vai lidar com isso?
Heh, está pegando a chuva em suas mãozinhas… E esfregando nos lábios. Garota esperta. Repetiu a ação várias vezes. Então toma um momento para pensar, antes de ajustar meu manto ao seu redor.
Sei que você está limpando os lábios, Princesa. Pare de fingir que está ajustando sua posição.
Ela não queria sujar as próprias roupas? Bem, eu meio que entendo. No final das contas é uma garota. Melhor tentar limpar ali do que no Botão-de-Ouro ou no arreio.
— Vamos seguir em frente?
— Sempre que você estiver pronta também estarei.
Guiando o cavalo, volto a seguir em frente. Um único espinho atravessou minha armadura e acertou meu peito.
“Oh, claro. Esse espinho minúsculo é irrelevante. Nem tive tempo de pegar um lenço.”
— Ah-CHOO!
Um espirro fez eu me arrepiar até os ossos.
Preciso me apressar para encontrarmos um abrigo contra a chuva. De preferência antes do pôr do sol. Tenho de aproveitar enquanto essa Princesinha audaciosa tem energia o bastante para ficar tagarelando.
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FORTUITAMENTE, logo encontrei um lugar para me proteger da chuva. Uma árvore gigantesca apareceu do nada no nosso caminho, em meio ao nevoeiro. Quanto mais nos aproximamos, maior ficou. Não era só uma árvore: o matagal, os arbustos, árvores e até mesmo os cogumelos que cresciam sob a sombra tinham tamanhos maiores que o normal.
Será que, por algum motivo desconhecido, fomos nós que encolhemos? Não é uma ideia fora de questão. Afinal, é a Floresta Negra. Princípios bem além do entendimento humano estão em ação aqui.
“Ah, é como… Exatamente como uma criança vê o mundo. Fui reduzido ao tamanho de uma criança.”
Meu coração está estranhamente inquieto. Não consigo me acalmar. Mas, se mostrar que estou com medo, a Princesa vai ficar assustada. Então supero meu desconforto e me aproximo das raízes gigantes da árvore.
Conforme pensei, a chuva caindo diminuiu drasticamente. Que árvore enorme. Grande o bastante para esculpir uma cabana dentro do tronco. Há musgo crescendo ao longo das raízes que sobem e descem no chão. Cada raiz é tão grande quanto uma serpente gigante.
“É uma daquelas árvores milenares?”
Embora a idade real delas não seja conhecida por ninguém, já ouvi histórias de árvores que viveram por muitos, muitos anos mesmo, e são chamadas assim. Dizem que a área circundante está cheia de poder vital e se infunde nas árvores, flores, animais e tudo mais que possui vida.
Tenho que admitir, este lugar é caloroso. Ao mesmo tempo, parece austero, quase como se estivéssemos em uma catedral ou num cemitério. Enquanto nada está à vista, aposto que muitas criaturas vivas apreciam as bênçãos cedidas por esta Árvore Milenar. Mas a questão central é: será que também seremos bem-vindos? Estendo a mão para tocar o tronco e…
Eu sinto. Algo intenso. Perigoso.
Este lugar é problemático. Perigoso. Está aqui. Está aqui. Está aqui. Em algum lugar realmente próximo. Algo incrivelmente perigoso está à espreita. Será que são os cães de aluguel do Lorde Ardiloso? Não, não pode ser. Eles são algo tão preocupante quanto poeira agora. É algo tão poderoso que poderia sumir com nossas existências assim como respira.
Cada poro do meu corpo está contraído. Estou tenso.
Merda. MERDA. Merda. Está aqui. Com certeza está — “o único inimigo mortal que tenho neste mundo!”
AGITA! AGITA! Algo está próximo. Soa como couro velho sendo estalado enquanto você estende uma barraca. Mas é dezenas de milhares de vezes mais alto e muito mais violento que o barulho de uma simples barraca. O pior de tudo é que está VIVO.
Bloqueando a chuva e a luz, isso fica na base da Árvore Milenar. Não há nenhuma fodendo maneira de eu confundir esse som. O som de um dragão abrindo suas asas…
Precipito-me para a ação, tirando o escudo de minhas costas e mantendo-o pronto.
Coloco-me entre isso e a Princesa, que está montada no Botão-de-Ouro.
— Bom. — Uma voz baixa e retumbante soou seguida por uma baforada de vapor. A voz reverberou profundamente no meu intestino, como se eu estivesse bem ao lado dos sinos de uma catedral gigantesca.
Um dragão está bem diante de meus olhos.
A sorte não está do meu lado. Estamos no meio da Floresta Negra, e já está entardecendo. A chuva não para de cair, um nevoeiro está envolvendo tudo e, além disso, há um dragão. Se houver alguém mais azarado do que eu, gostaria de conhecer o pobre coitado, isso se ainda estiver vivo.
Suas escamas afiadas cintilam como rubis, protegendo perfeitamente seu corpo denso. O dragão tem o dobro do tamanho do meu cavalo — não, não é o triplo? Suas garras poderiam triturar aço como se fosse nada; um único balanço de sua longa cauda provavelmente destruiria um rochedo inteiro.
“Ele é bem grande. Provavelmente tem mais de 200 anos.”
A chuva escorre pela folhagem da Árvore Milenar sem parar. No momento que as gotas caem nas escamas de rubi, desaparecem, transformando-se em um vapor suave. Essa é a natureza da criatura com que estamos lidando.
“O que eu faço?”
Existem chances de sucesso — se eu estivesse sozinho. Não importa lutar ou fugir, eu poderia sobreviver de um jeito ou de outro. Superei situações muito mais perigosas do que essa, mais vezes do que possa me lembrar. Mas as circunstâncias agora são outras. Tenho alguém que devo proteger. Uma vida que tenho de proteger a qualquer custo.
— O que… O que você deseja, ó Cavaleiro?
Que ironia. Após pegar meu escudo no calor do momento, eu esclareci o que — quem — eu sou.
— Uma retirada pacífica…
— Eu não confio em tal afirmação.
Pupilas tão finas quanto agulhas se expandiram no centro de seus olhos dourados. Ele está de guarda. A luz vermelha que corre ao longo de suas escamas, formando ondulações, faz todo seu corpo criar mais vapor.
— Eu também… Não.
Cavaleiros e dragões são inimigos mortais. Assim que nos cruzamos, estamos destinados a lutar até a morte. Não sei quem criou essa regra, mas é assim que as coisas funcionam.
“É isso aí”. Estalei a língua contra o céu da boca e coloquei minha mão no punho de minha espada. “Desculpe, Robert. Não parece que poderei cumprir minha promessa…”
Mas pelo menos a Princesa. Eu devo ao menos proteger ela!
— Gideon. — Ela se agita nas costas de Botão-de-Ouro. — Gideon. Estou com frio.
— Pare, Princesa! Não saia!
— Princesa?
ARGH, AAAAH! O dragão esticou o pescoço para dar uma olhada. Não fode! Seguro meu escudo e dou um passo para trás, mas que merda! Algo pequeno e desprezível rasteja por entre minhas pernas, deslizando.
— Você sempre diz para eu parar.
— PRINCESAAAAAAAA!
A Princesinha se levanta em minha frente e fixa os olhos no dragão. Então, inclina a cabeça e murmura bem baixinho:
— Linda vaquinha.
Vaca.
Vaquinha…
Minha intenção assassina está diminuindo.
O dragão pisca.
— Ah, uma vaca, é?
Ela provavelmente só chutou o nome da criatura viva mais parecida com o dragão que já tinha visto. Ele é enorme, chifrudo e tem um focinho longo, então deve ter sido o suficiente.
Que se dane, nos curtos segundos em que parei para pensar, a Princesa pega e…?! Ignorância também é uma bênção! Ela caminhou até ele, e agora está tocando em seu estômago coberto por escamas com suas mãozinhas!
— Vermelha e sedosa.
Sedosa? Minhas pálpebras tremem, meu queixo cai — dou mais uma olhada.
“Ei, ei! Espera! Espera aí! Espera aí caralho!”
Aquelas escamas afiadas que pareciam tão perigosas tinham abaixado suavemente e suas pontas se achataram!
— Você é muito, muito bonita mesmo, grande vaquinha.
— Você me honra, pequena lady. Mas eu não sou uma vaca.
Parece que o meu oponente também perdeu a vontade de lutar. A Princesa está esfregando as mãos nele como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.
— Tão quenteeee…
— A chama primordial flui através de minhas veias, bombeada pelo meu coração.
Ah sim, dragões têm um fraco por jovens donzelas. Como eu posso ter esquecido isso? Nem tinha pensado nessas coisas.
— Er, bem… — Me arrisco. Pupilas douradas me encaram. — Sou um Cavaleiro, sim, mas sou um Cavaleiro sem Reino. Atualmente estou vivendo apenas para proteger a Princesa.
— Hmm. Então, suponho que nossos objetivos estão alinhados… Ou melhor, isso sugere que é possível coexistirmos no mesmo espaço.
Supervalorizando os pequenos detalhes! Esse par de botas aladas acha que é um intelectual ou coisa do tipo?
Suspiro.
— Sim, acho que sim.
Isso é mil vezes melhor que um dragão preparado para lutar. Abaixo meu escudo e retiro minha mão do punho da espada.
— Meu nome é Gideon Aguilhão. Proponho uma trégua com você, Grande Ser.
— Hrm… — O dragão olha para a Princesa e depois volta o olhar para mim. — Eu aceito, Cavaleiro Gideon.
O dragão vermelho fita a Princesa com seus olhos parcialmente fechados. Ele muda o ângulo de sua asa para bloquear a chuva, evitando que ela se molhe, protegendo-a de um congelamento. Nossos olhos se encontram.
— Pela Princesa.
— Pela Princesa.
As asas do dragão nos protegem da chuva, e o suave e denso terreno próximo se prova surpreendentemente quente. A Princesa logo adormece. Embrulhada em meu manto, tira uma soneca enquanto deita contra o corpo do dragão vermelho. Ela deve estar morrendo de exaustão… Estou bem perto de meus limites também. Logo após confirmar que ela está a dormir, minha consciência logo se esvai.
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LUZ. A luz da manhã penetra através das minhas pálpebras com seu brilho irritante. Abrindo meus olhos, começo a tatear as proximidades. Meus dedos roçam em um tecido grosso. Está no chão.
— Princesa! — Salto na mesma hora. Minha consciência se agita na mesma hora. — Princesa! Cadê você? — grito. — PRINCESA!
Apenas árvores sussurrantes me respondem. Aves afobadas levantam voo saindo de seus poleiros.
— Contenha-se, Cavaleiro. Sua voz parece irritada.
— A Princesa não está aqui!
— O quê? — O dragão se revela, sentando em seus quartos.
Seus movimentos são rápidos e bem ágeis para um ser tão grande. Cara, fico feliz por não precisar trocar golpes com essa criatura. Não, agora não é hora de pensar nisso!
— Você não percebeu? — O dragão me acusa. — Proteger a Princesa não devia ser teu dever?!
— Eu estava dormindo… — Feito um idiota. É por isso que envelhecer é um saco. — E quanto a você? O que estava fazendo?
— Dormindo…
— Então não fode! Você também devia proteger ela!
— A pequena lady é muito pequena e leve. Portanto, não pude perceber… Que ela sumiu.
— Hah… Que desculpinha…
Cavaleiro e dragão, um de frente para o outro, ainda em pé, nenhum morto, desde o início da manhã. O bando de pássaros já retorna ao poleiro, determinando que não há mais perigo por perto.
— Vamos encontrar a Princesa.
— Sem objeções de minha parte.
Jogo meu manto sobre meus ombros e coloco meu chapéu novamente na cabeça. Firmo meu escudo em minhas costas, prendo a espada na cintura. Não demorei muito para me arrumar, já que mantive quase todas as roupas que já estava usando.
— Você não virá comigo — disse ao dragão.
— Por que não?
— Você é grande demais.
— Hmph. Bípede tolo!
Ele pensa que é um intelectual, ok. Um brilho afiado atravessa seus olhos dourados quando me lança um olhar, mas não mostra sinais de que irá atacar. Mas também não fica de guarda baixa, pois suas escamas seguem eriçadas e afiadas. Não são menos ameaçadoras agora do que quando o encontrei ontem, pela primeira vez, mas seria um exagero dizer que suas escamas parecem suaves.
— Se você for tentar andar com esse seu corpo imenso, então apagará todas as pistas que a Princesa pode ter deixado para trás. Você entende, não é?
— Hrm. Você apontou algo válido.
O dragão se desloca, meus braços coçam para entrar em ação. Meus instintos não param de gritar: “Saque sua espada! Levante seu escudo!” Luto desesperadamente contra os impulsos que anos de batalha queimaram em meus músculos. Acalme-se, Gideon. Ele não tem sede de sangue. Apenas espere.
Vê? Ele não está avançando contra seu pescoço. Suas garras frontais não estão buscando afundar em sua carne.
— Ei! Por que você está enrolando aqui?! Pare de agitar suas escamas!
O dragão não me dá atenção. Ele manipula suas garras graciosamente e arranca uma única escama. Essas garras dele são bem hábeis.
— Leve isso com você. — O dragão empurra a escama com suas garras, colocando-a na frente de meus olhos. Ou devo chamar isso de mãos?
— Isso não doeu?
— Não. Se eu fosse adequar aos termos bárbaros de sua mente, então dói tanto quanto arrancar um fio de cabelo.
Interessante.
Peguei a escama da grande garra, é semelhante a uma adaga. As escamas parecem pequenas quando estão presas a um dragão, mas são surpreendentemente grandes para mantê-las na mão. Com o dobro do tamanho de uma moeda de prata, a cor vermelha diminui aos poucos conforme vai chegando mais perto da raiz, suas bordas são meio transparentes. Ainda está um pouco quente também. Isso estava espetado nas costas dele até pouco tempo atrás, mas agora parece até ser redondo. É por a escama ter sido arrancada? Sua forma básica é essa?
— E aí? Para que eu preciso disso?
— Segure na sua mão nua. Depois, feche os olhos.
— Claro, claro. Nas minhas próprias mãos. Como quiser. — Tirei minha luva e coloquei a escama diretamente contra a pele.
O que, pelos sete reinos, estou fazendo? Seguindo o que um dragão — meu inimigo mortal — diz, sendo tão obediente…
Há apenas uma razão para isso. Pela Princesa. Para encontrar a Princesa.
Fecho meus olhos.
Deve haver um limite para o quão tolo posso ser. Não há garantia alguma de que ele não vai me abocanhar no próximo segundo. Pelo que sei, a criatura parecia estar pedindo para eu colocar tempero em mim mesmo antes de me comer. Claro. Ele é um dragão. Mas há uma coisa que sei: está tentando proteger a Princesa. Ele está tomando uma ação por ela. Pelo menos nisso é igual a mim.
— Eita!
Uma luz pisca atrás de minhas pálpebras. Fagulhas de cor rubi enchem minha visão e se espalham por meu corpo. Meu sangue ferve e toda minha pele fica arrepiada. Até meu cabelo deve estar em pé. Para ser breve, algo como um tremendo e gigantesco tremor passou por mim.
— O… Que… É… Isso…?
— Hm. Parece que você possui o necessário. Abra seus olhos, Cavaleiro. Aos poucos.
Levanto minhas pálpebras conforme pedido.
— Hh… haah… hh… haah.
Minha roupa ficou encharcada de suor sem que eu percebesse. Mas me sinto estranhamente à vontade. Na verdade, o cansaço que estava pesando sobre todo meu corpo — sendo franco, o cansaço do qual não consegui me livrar nos últimos dias — foi removido.
— Oh, meu corpo parece até mais leve.
— Provavelmente sim. Você acabou de ressoar comigo.
— Oi?
Ressoar? Que porra é essa?
— Nunca deixe essa escama longe de sua pessoa. Ah, mas você não é obrigado a segurá-la diretamente contra a pele.
— Espera. Espera. Espera aí! Explique o que aconteceu em alguma língua entendível.
— E eu já não fiz isso? Eu disse, nós ressoamos.
— Dragão, por favor. Eu sou um Cavaleiro. UM CAVALEIRO! Brandir uma espada e andar a cavalo são as únicas coisas que faço. Não faço a menor ideia de qualquer coisa relacionada a magia, maldições ou seja lá o que você fez.
O dragão me fitou em silêncio e, de repente, expeliu uma única respiração quente a partir de suas narinas. O vapor quente chega até minha bochecha.
— Perdão… — disse ele.
Ele acabou de simpatizar comigo? Este bruto, estúpido e enorme dragão de cor vermelho-viva e olhos dourados está com pena de mim?! Isso só pode ser brincadeira! Sem dúvidas, isso só pode ser a maior humilhação de todas!
Mas que se dane. É pelo bem da Princesa. Para encontrá-la.
— Nossos sentidos foram conectados por essa escama. Através de nossa ressonância, poderei ver o que você ver e ouvir o que você ouve, não importa a que distância estejamos. Podemos até mesmo conversar.
— Entendo…
— Agora não preciso me preocupar tanto com você saqueando a floresta.
Quanto mais olhos e ouvidos pudermos ter, melhor. Mesmo que sejam olhos e ouvidos de um gigantesco lagarto chifrudo e alado.
— Espere. Em outras palavras, enquanto eu estiver com isso, tudo que eu ouço e vejo será mostrado a você, o tempo todo?
— Contanto que você assim deseje.
— Fico aliviado.
— Não tema. Não estou entediado ao ponto de espiar você em todos os momentos. Estou plenamente consciente de que vocês, bípedes, têm suas necessidades.
— Então você verá se estiver entediado…?! Eu não precisava saber disso, seu lagarto burro!
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A PRINCESA não estava sendo exatamente cautelosa. Ela não tem nenhuma experiência em ser caçada, afinal de contas. Por consequência, localizá-la era surpreendentemente fácil. Pegadas eram deixadas no chão, traços de galhos quebrados estavam por todos os lados, folhas rasgadas sob os pés largadas ao léu. E suas mãozinhas tinham colhido flores brancas. Trevos-brancos. Não notei quando nós estivemos andando ontem, mas deveria considerar o quão firmes estiveram meus olhos, treinados, focando apenas o chão.
— Ela está indo muito longe para alguém que foi criada em um castelo.
Ela é uma Princesinha bem ativa. Um começo bem promissor para um filhote de alta classe, disse o dragão.
Guardei a escama ressonante no bolso esquerdo de minha camiseta. Normalmente, é onde um cavaleiro guarda seu amuleto da sorte, algo como um lenço que recebeu de uma bela dama ou uma mecha do cabelo de sua amante. Para melhor ou pior, o local mais próximo de meu coração está vazio já há muito tempo.
— Como está meu cavalo?
Não precisa se preocupar. Ele está mastigando a grama tranquilamente e fertilizando a floresta.
Deixei Botão-de-Ouro na base da Árvore Milenar, já que é o lugar mais seguro por perto. Ele não é tão grande quanto o dragão, mas é um cavalo grandioso e de pernas grossas.
— Tch. — Os rastros da Princesa acabaram de repente. Suas pegadas desapareceram tão rapidamente, parece até que desapareceu no ar.
O que houve?
— As pegadas sumiram. — Levanto minha cabeça e visualizo a área. Tem que haver uma razão para isso. — Ela já parou aqui uma vez. Ficamos aqui por um longo tempo. E então, de lá… Ah.
Meus olhos pararam em um arbusto cheio de amoras. Vários galhos estão quebrados e parece que isso foi feito há pouco.
— Algum pássaro comeu a fruta, voou até os jardins do castelo e soltou as sementes.
— Como?
— Bem, não posso dizer…
— Você está tirando sarro de mim.
Provavelmente, essa conversa banal é a única lembrança bacana que a criança fez ontem.
Olhe para os ramos mais de perto.
— Estes? Ela provavelmente comeu as amoras. Ontem ensinei que os frutos são comestíveis.
Ela é uma criança inteligente. Mas isso não importa agora.
Enfio minha cara nos galhos e os examino com cuidado. Ugh, por mais que eu odeie admitir, o dragão está certo. Vários fios de cabelo estão emaranhados em torno dos galhos quebrados. Fios encaracolados, longos e dourados.
— Definitivamente não são da Princesa.
De fato. Nem são humanos.
— Não são?
Deixe-me mostrar o que eu vejo.
Minha visão ficou confusa. Uma visão transparente ondula através da minha, espalhando-se e transformando o mundo conforme se reforça.
— O que é isso?
Ao redor dos fios dourados — melhor, ao redor dos galhos quebrados e das folhas rasgadas — uma fumaça peculiar está se formando. A cor muda quando ajusto meu ponto de vista. Parece que todas as cores e nenhuma cor se misturam. Mas parece suspeito demais e até mesmo sinistro chamar isso de arco-íris. Se eu tenho que comparar tudo a algo, então é como óleo misturado com água. Esse é o exemplo mais próximo que posso imaginar, a partir do que sei. Seguindo com essa analogia, é como o óleo de uma alfaiataria após uma longa sessão de tingimento de roupas sendo despejado em uma poça de água barrenta e pegajosa.
São os traços de um Daemônio. Um Daemônio sequestrou a Princesa. É uma espécie que pode voar pelos céus.
— Isso não é engraçado!
Justo quando eu estava me sentindo aliviado, descubro que é o Clã Daemônio?!
Não precisa se preocupar. Eu os conheço. Tenho uma breve ideia de para onde estão indo.
— Então fico agradecido.
Cerro os punhos e os dentes ao mesmo tempo. Senão não poderia conter meus sentimentos violentos. Estou FURIOSO!
— Então, nós vamos destruir o lugar no mesmo instante e resgatar a Princesa, certo?
Exato.
AGITA! Ouço as asas se abrindo. Uma sombra gigantesca obstrui a luz do sol, voando em minha direção. Quando ele levantou voo? Quando chegou? Pelo que parece, eu estava muito enfurecido para notar.
— Suba. Seu corcel é um belo exemplar, mas não possui asas. — O dragão dobra as asas e aproxima-se do chão.
— Você está de acordo com isso?
— Estamos em uma corrida contra o tempo.
Agora sim, parece até uma piada. Os taverneiros e as meretrizes ririam ao ouvir sobre um dragão deixando que um cavaleiro cavalgasse nele. Está claro que a criatura não está satisfeita com a ideia. A escama ao lado de meu coração transmite um desgosto e uma irritação indescritíveis.
— É pela Princesa, Cavaleiro.
— Sim, pela Princesa.
Dizemos em voz alta para convencermos a nós mesmos — tanto eu quanto ele.
Tradução: Taipan
Revisão: Taiyo
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