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Parasita Apaixonado – Cap. 07 – Picada de pernilongo

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Kousaka passou os primeiros dois dias em sua rotina costumeira. O significado de “sua rotina costumeira” seria a de antes de conhecer Sanagi. Ele deitava na cama e lia livros, e quando se cansava disso, mexia no computador, comendo uma refeição simples quando sentia fome. Em vez de pensar a torto e a direito, sua prioridade era recuperar um estado mental para que assim pudesse pensar calmamente. Ele deveria limpar a cabeça e levar as coisas devagar, essa era a melhor maneira de fazer isso.

Falando logicamente, não havia porquê ele recusar o tratamento. Kousaka certamente não queria o verme manipulando-o e fazendo-o se matar. E mais importante, exterminar o verme poderia curar sua germofobia que o atormentou por muitos anos.

No entanto, houve resistência. Era um medo primordial de que todos experimentam antes de uma grande mudança. Sua vida até agora foi centrada em torno de sua germofobia e solidão. Para melhor ou pior, ele havia se acostumado a esse tipo de vida. Tirar as coisas das quais já tinha se habituado significava reconstruir sua vida do zero. Isso pode ser bom para um adolescente, mas em seus vinte e tantos anos, refazer tudo do zero é realisticamente possível?

Além dessa preocupação, ele era a favor do tratamento contra o verme. Logicamente, estava 90 por cento do caminho até lá, mas, emocionalmente, Kousaka concordava apenas 60 por cento.

No terceiro dia, ele foi contatado por Izumi. Seu e-mail dizia:

“Há alguém que eu quero que você conheça.”

Kousaka foi para o determinado café do qual foi convidado, e se encontrou com um jovem. O rosto do homem ainda parecia infantil em alguns lugares, e não parecia que fazia muito tempo desde que saiu do ensino médio. Mas ele era o primeiro paciente infectado pelo verme —  mencionado ocasionalmente nos e-mails de Kanroji —  Yuuji Hasegawa. Também conhecido como “Y.”

Kousaka ouviu dele como os Hasegawas se conheceram. Como o casal com mais de vinte anos de diferença se conheceu, como foram atraídos um ao outro, como eles estavam casados e como essa paixão se desvaneceu.

A forma como se conheceram soou exatamente como Kousaka e Sanagi se conheceram. Quanto mais Kousaka ouvia, mais chocado ficava pelo grande número de semelhanças. Um encontro inesperado entre duas pessoas com personalidades opostas, sendo gradualmente atraídos um pelo outro após saberem da doença mental um do outro. As duas pessoas misantrópicas aprenderam sobre uma pessoa no mundo para o qual eles poderiam abrir uma exceção e confiar. Os dois superaram a diferença de idade e se casaram…

— Mas não era nada mais do que uma falta de amor que no momento ia se preenchendo — Yuuji Hasegawa disse, olhando para longe — Assim que comecei a tomar o remédio de desparasitação que Urizane providenciou, meus sentimentos por minha esposa resfriaram em um piscar de olhos. Não me lembro o que me cativou nela e me convenceu a casar com ela. Parece que ela também pensa o mesmo. O divórcio é apenas uma questão de tempo.

Kousaka viu seu próprio futuro ali. Com o verme exterminado, seu relacionamento esfriaria, e talvez fosse o mais adequado para as coisas, e logo tudo voltaria para seu estado normal. Porque esses sentimentos eram apenas temporariamente aquecidos pelo verme.

“Nosso relacionamento provavelmente também é apenas uma ‘falta de amor'”.

Então ele se lembrou do dia em que conheceu Sanagi. Especificamente, o artista de rua que ele viu do lado de fora da estação de trem. Ele fez um show com suas duas marionetes. Uma peça de farsa. Os fantoches estavam realmente apaixonados? Ou será que era apenas o titereiro as controlando?

“Não tenho como saber disso com precisão. Mas de qualquer forma, nosso amor não é diferente do amor daquelas marionetes. Há apenas uma pequena diferença, agora podemos ver as cordas”

Quando Yuuji Hasegawa terminou de falar, a mente de Kousaka ficou mais clara.

“Vou fazer o tratamento” jurou.

“Mesmo que meu amor por Sanagi acabe, não vou me importar. Continuar esse relacionamento com ela, sabendo da verdade de que o verme está me usando, certamente eu não seria capaz de tratá-la com sentimentos tão puros quanto antes.”

Em certo sentido, seu relacionamento acabou no momento em que ouviu a história de Urizane.

Kousaka agradeceu a Yuuji Hasegawa e saiu. Quando ele voltou para casa e pendurou o casaco, notou o cachecol de Sanagi ali.

Por um momento, a ideia de descartá-lo passou por sua mente.

“Talvez eu nunca seja capaz de abandonar meu apego a Sanagi se eu mantiver essa coisa por perto.”

No entanto, ele reconsiderou rapidamente.

“Eu não deveria tomar nenhuma ação extrema. Como parar de fumar ou beber, se forçar a não gostar de algo apenas pode torná-lo mais atraente. Devo esquecer lentamente Sanagi com o tempo. Não preciso me apressar.”

Kousaka guardou o cachecol no armário. Ele foi para o banheiro e tomou um banho de uma hora, colocou roupas limpas e foi para a cama. Quando fechou os olhos, os eventos do mês passado surgiram por trás de suas pálpebras. Cada coisa era uma memória insubstituível.

“Não se deixe influenciar, isso é tudo obra do verme”

Kousaka refletia.

“É como a abstinência de um viciado em drogas. Se eu apenas suportar, eles irão embora logo.”

 

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E então chegou o quarto dia.

Amanhã à tarde, Izumi viria buscá-lo, e começaria o tratamento. Uma vez que o fizesse, Kousaka provavelmente poderia ver Sanagi. Parecia que eles teriam permissão para se encontrar novamente, uma vez que estivessem totalmente livres do verme, mas até então, eles teriam perdido o interesse um pelo outro. Continuariam com suas próprias vidas.

“Eu deveria encontrar Sanagi uma última vez. Se a partir de agora não nos encontrarmos mais, sua existência provavelmente se tornará um tormento em minhas lembranças. Precisamos nos separar do jeito certo. Eu imagino o que “adeus” vai significar quando nos separamos… será que ‘Por favor, se esqueça de mim. Eu farei o mesmo’ seria melhor?”

— Tenho que me despedir dela.

Kousaka pegou o smartphone em sua mesa. Enquanto se intrigava, seja para ligar para ela ou enviar um e-mail, o telefone vibrou em sua mão.

Foi uma notificação por e-mail de Sanagi. Parecia que ela estava pensando a mesma coisa ao mesmo tempo.

Foi uma mensagem simples.

“Posso ir aí?”

Kousaka digitou três letras

“Sim”, e enviou.

Alguns segundos depois, a campainha soou. Pensando que isso seria impossível, Kousaka abriu a porta e encontrou Sanagi parada ali. Ela já devia estar lá no momento em que enviou o e-mail.

Usava um casaco de algodão por cima do uniforme escolar. Ela não estava usando seus fones de ouvido chamativos como de costume. Quando vestida assim, Sanagi parecia uma garota normal, sem nada de errado. Quando ela encontrou os olhos de Kousaka, reflexivamente desviou o olhar, mas lentamente trouxe seu olhar de volta para ele e curvou levemente a cabeça. Era uma modéstia muito diferente do costume.

Embora tivesse se passado apenas três dias, parecia muito tempo desde que eles tinham se visto. No momento em que viu Sanagi, os olhos vacilaram rapidamente. Por mais que estivesse se segurando até então, era difícil resistir ao charme quando confrontando a coisa real.

Kousaka teve uma forte vontade de abraçá-la imediatamente. Mas desesperadamente resistiu.

Para se acalmar, Kousaka imaginou a cena do verme em sua cabeça disparando coisas relacionadas a sentimentos românticos e hormônios com uma força incrível. Claro, a realidade era certamente um pouco mais complexa do que isso, mas o importante não era ter uma imagem exata, e sim estar consciente de como estava sendo controlado.

Sanagi não foi para a cama hoje. Ela não tirou o casaco ou sapatos, apenas ficou na porta da frente, nem mesmo entrando na sala. Talvez ela pensasse que não tinha mais o direito de cruzar o limiar desta sala.

Kousaka quebrou o climão:

— Veio dizer alguma coisa?

— Sr. Kousaka, o senhor vai eliminar o verme? — Sanagi perguntou roucamente.

— Acho que é provável.

Ela não pareceu comemorar nem lamentar essa resposta, e apenas disse sem emoção:

— Entendo…

— Você vai fazer o mesmo, certo, Sanagi?

Ela não respondeu a essa pergunta.

Em vez disso, falou:

— Tem uma última coisa que quero te mostrar, Sr. Kousaka.

Então ela deu as costas e saiu da entrada. Certamente, o chamando para acompanhá-la. Kousaka rapidamente pegou seu casaco e foi atrás dela.

Eles pegaram vários trens em direção ao seu destino.

Kousaka perguntou para onde eles estavam indo, e Sanagi não respondeu, dizendo que era “segredo”. Depois de mudar do JR para uma ferrovia privada, o cenário fora das janelas foi gradualmente ficando mais branco. O trem acelerou ao longo dos trilhos que corriam entre as montanhas cobertas por neve. A distância entre as estações aumentou, e os passageiros a bordo diminuíram.

Kousaka olhou pela janela e pensou:

“Sanagi disse ‘Tem uma última coisa que eu quero te mostrar'”

A parte  “que eu quero te mostrar” estava, claro, em sua mente, mas ainda pensava no significado de “última”. Foi um “último” temporário, já que eles não iriam se reunir por um tempo, uma vez que o tratamento começasse, ou um “último” permanente que indicava que Sanagi não tinha intenção de fazer o tratamento e eles nunca mais se encontrariam…?

Ele ouviu o anúncio da próxima parada. O trem chegou rapidamente à última estação, e Sanagi olhou para cima ao lado dele. Os dois desceram do trem e saíram da estação deserta.

Montanhas e planícies se estendiam até onde a vista alcançava. Não havia mais nada para realmente olhar. Kousaka poderia identificar três casas, mas todas pareciam muito desgastadas, e era duvidoso se pessoas viviam nelas. Tudo à vista estava coberto pela neve, e até mesmo o centro dos trilhos do trem não estava limpo. Nuvens grossas pairavam sobre o céu. A neve soprada do chão obscurecia a visão como uma névoa; uma escuridão distinta da noite preenchia o local. Parecia uma foto monocromática, Kousaka assim pensava.

“O que Sanagi pretende me mostrar nesse lugar no fim do mundo?”

Ventos violentos esfriaram instantaneamente seus corpos que haviam sido aquecidos no trem. Seus rostos e orelhas eram expostos diretamente ao ar seco. Sem dúvida, estava abaixo de zero. Kousaka abotoou seu casaco até o pescoço. Quando ele pegou seu smartphone para verificar o tempo, o indicador do sinal mostrou que estava fora de alcance. Esse lugar era tão remoto assim.

Sanagi começou a caminhar em direção a uma das casas sem hesitar em seus passos. A neve prejudicou seu senso de distância, era difícil dizer no início, mas havia uma distância considerável até a casa. No caminho, Sanagi se virava várias vezes para confirmar que Kousaka estava a seguindo. Mas ele não andaria ao lado dela. Se Kousaka começasse a ficar para trás, ele andaria mais rápido, mantendo uma distância de cerca de 3 metros.

Após cerca de dez minutos de caminhada, eles finalmente chegaram a casa. Não poderia estar mais perfeitamente deserta. Uma casa de madeira de dois andares, com cartazes eleitorais desbotados e placas de metal colocadas na parede externa. As janelas foram quebradas, e o telhado dobrou com o peso da neve, pronta para colapsar a qualquer momento.

Sanagi levou Kousaka para os fundos da casa. Lá havia um contêiner azul claro, um de carga de cerca de 3,5 metros de comprimento e 2 metros de altura. Talvez o dono da casa usasse-o para armazenamento. Havia pinturas sobre ele em alguns lugares, mas, diferente da casa, ainda poderia servir à sua função de armazenamento.

Sanagi foi direto para o contêiner. Parecia que o que ela queria mostrar era algo que Kousaka tinha de entrar para ver.

Mesmo chegando a este ponto, Kousaka não conseguia nem imaginar o que poderia ser. Ele não tinha encontrado nada parecido com uma pista. O que poderia estar aqui, neste lugar remoto, em um contêiner de armazenamento atrás de uma casa abandonada? Certamente ela não queria mostrar a Kousaka algo como um trator diferenciado ou coisa do tipo.

Sanagi entrou no contêiner sem dizer uma palavra. Kousaka a seguiu. O interior estava totalmente fechado, mas mesmo assim cheirava a metal enferrujado. Kousaka esperava ver lixo espalhado, mas o contêiner estava quase vazio. Apenas prateleiras de aço conectadas a ambas as paredes, sem nada em cima delas.

Estava confuso. Esse lugar vazio era a coisa que Sanagi queria mostrar a ele? Kousaka se virou para questioná-la quase ao mesmo tempo em que a porta se fechou. Em um instante, tudo ficou escuro. Logo depois, houve um som de clique assustador. Ele correu e empurrou a porta, mas estava bem fechada.

Parecia que estava trancado por fora.

No início, Kousaka pensou que Sanagi tinha saído e trancado a porta. Mas então percebeu uma risada silenciosa ao lado dele. Ela foi trancada no contêiner com ele. O que significava que havia alguém de fora que os trancaram ali, embora não tenha visto ninguém.

— Bom… — Sanagi começou a falar — Agora não podemos mais sair…

— Isso é obra sua, Sanagi? — Kousaka perguntava com certa raiva, encarando a escuridão onde ele pensava que Sanagi estava — Você mentiu sobre ter algo para me mostrar?

— Desculpa. Mas não se preocupe. Não é como se eu fosse forçá-lo a um suicídio duplo aqui, Sr. Kousaka — Sanagi respondeu, como se zombasse de sua perplexidade — Eu só quero negociar. Se você aceitar as minhas condições, vou deixar você sair daqui logo.

— Condições?

— É muito simples.

Aos poucos, os olhos de Kousaka se acostumaram com a escuridão. Uma luz fraca de uma fresta em torno do teto iluminava fracamente o contêiner.

Sanagi declarou suas condições.

Não mate o verme. Prometa que vai recusar o tratamento.

Era um desenvolvimento fácil de prever se parasse para pensar. Mesmo que sua tentativa tivesse fracassado, ela já tinha um registro de tentativas de espalhar o verme para Kousaka. Então Sanagi era uma garota que não odiava inteiramente o verme, e tinha ideias de como usá-lo de maneira inteligente.

— Ei, Sanagi — Kousaka começou cautelosamente — Por que você está tão obcecada com o verme? Urizane deve ter te contado. Se deixarmos o verme onde ele está, podemos perder nossas vidas.

Sanagi balançou a cabeça.

— Isso dificilmente pode estar correto. Poderia ser apenas coincidência. Afinal, Yuuji Hasegawa, o primeiro a ser infectado, está se saindo muito bem, certo?

— Mas, pelo menos, está claro que o verme torna os hospedeiros misantrópicos. Nesse ritmo, nunca vamos nos encaixar direito no mundo. Você está bem com isso, Sanagi?

— Estou —   respondeu sem hesitação — Eu era misantrópica antes do verme me infectar. Eu tinha muitos amigos, mas no fundo, eu estava doente, e desejava a morte deles. Eu não conseguia gostar de nenhum deles. Então eu não pude deixar de ficar ansiosa com o que todos pensavam de mim. Mais cedo ou mais tarde, esse seria meu destino de qualquer maneira. Apenas se livrar do verme não vai resolver o problema inicial.

— Você pode estar certa. Mas mesmo resolver problemas superficiais deve tornar muito mais fácil viver.

— Não.

Kousaka suspirou.

— O verme é tão importante assim?

— É importante. Porque eu realmente amei o tempo que passei com você, Sr. Kousaka.

As palavras honestas de Sanagi sacudiram o coração de Kousaka violentamente.

Ele rebateu, também para se convencer.

— Eu sinto o mesmo. Meu tempo com você foi insubstituível e maravilhoso. Mas mesmo isso é apenas uma ilusão causada pelo verme. Nós não nos apaixonamos por nossa própria vontade, são apenas os vermes dentro de nós que estão nos controlando.

— E? Qual o problema se for uma ilusão? — A voz de Sanagi estava estridente — Qual o problema de nos iludimos? Se estou feliz, não me importo se for tudo uma mentira. O verme fez coisas por mim que eu não poderia fazer sozinha. Me ensinou a como gostar das pessoas. Por que eu deveria matar ele? Eu sei sobre os cordões das marionetes, e estou de acordo com isso. Se essa não for minha própria vontade, então o que é?

Kousaka não tinha ideia de como responder. Porque o argumento de Sanagi foi uma declaração clara de algo nebuloso no canto da mente dele. Quando um fantoche aprova o fato de ser um fantoche, isso poderia ser chamado de livre arbítrio? Ninguém poderia responder isso.

Existe um experimento da neurociência que funciona assim. Cientistas instruem os sujeitos a mover os dedos de qualquer mão que preferirem. Quando isso acontece, o córtex motor no cérebro direito ou esquerdo recebe uma estimulação magnética artificial. E então, as pessoas movem os dedos da mão em oposição ao hemisfério cerebral que recebeu o estímulo. No entanto, eles não têm consciência da estimulação magnética controlando-os, e estão convencidos de que decidiram qual mão usar por sua própria vontade.

Este experimento mostra o quão confiável o livre arbítrio humano pode ser. Dependendo da sua perspectiva, você pode até mesmo provar a correção do determinismo. Mas alguns cientistas vão apontar: E se o estímulo não estivesse causando a intenção em si, mas uma simples preferência e desejo, e o sujeito apenas considerasse estes para tomar sua decisão? Talvez a estimulação magnética realmente restringe as opções, mas a escolha final é deixada para a própria pessoa.

O mesmo pode ser dito da escolha de Sanagi. Você poderia dizer que foi uma decisão influenciada pelo verme, mas você também pode dizer que foi uma decisão que ela mesma tomou “com a influência do verme”. Isso é efetivamente o que ela estava dizendo.

Um impasse. Por mais que eles argumentassem, provavelmente não chegariam a uma conclusão. Ela não iria recuar um único passo, e Kousaka também.

“Se assim for, o resto se resumirá à nossa teimosia. Quem vai ceder primeiro a este frio. Um teste de resistência.”

Ele olhou ao redor do interior do contêiner novamente. Lá havia várias saídas de ar nas paredes para evitar a condensação, e a luz deles criava uma escuridão imperfeita por dentro. “Pelo menos não há muito risco de sufocação”, pensou com alívio.

Kousaka sentou-se no chão. O chão era de tábuas, mas frio o suficiente para fazê-lo sentir que estava sentado diretamente no gelo. O lugar enferrujado era agonizante para o germofóbico Kousaka, mas o frio trazido pela tempestade de neve quebrou aquele desconforto até certo ponto.

“Nesse frio, até mesmo as bactérias iriam se acalma”,  supôs.

Sentindo a intenção de Kousaka, Sanagi também se absteve de qualquer conversa, e sentou-se ao lado dele.

Isso não iria demorar muito, Kousaka sentia. Estava quase tão frio dentro do contêiner quanto fora, como uma geladeira natural. Uma solução deve chegar a esse teste de resistência rapidamente. E de um modo geral, as mulheres eram mais suscetíveis ao frio do que homens. Ela teria que desistir primeiro.

Provavelmente foi Izumi quem trancou o contêiner por fora. Kousaka não conseguia pensar em ninguém que pudesse ajudar com os truques de Sanagi. E Izumi, que certamente viu sua filha falecida nela, priorizaria a vida de Sanagi acima de seu testamento. Mesmo na chance de Sanagi enlouquecer e mudar os planos de negociação para suicídio, Izumi certamente entraria para impedi-la.

E então Kousaka estava se sentindo otimista. O que ele falhou foi no fato de que isso tudo aconteceu em um dia anormalmente frio. Esse frio fez com que eles enfraquecessem rapidamente. E por causa de um acidente de trânsito causado pelas estradas congeladas, a única estrada que conduziria para a localização da casa abandonada foi bloqueada, impedindo Izumi, que tinha saído para pegar gasolina, de voltar.

Nas primeiras horas, ele estava constantemente pensando sobre o frio. O ar frio e o piso úmido juntos minaram seu calor. Kousaka esfregava as mãos e os pés e fazia alongamentos, tentando diminuir um pouco o resfriamento de seu corpo.

Mas depois de um certo ponto, o próprio frio deixou de ser um problema. Gradualmente, ele começou a sentir algo mais fundamental sobre desconforto semelhante à dor. Um sinal perigoso. O corpo dele lentamente se entorpecia, e não se movia como queria. Seu coração batia em um ritmo estranho, e seus braços e pernas estavam tão frios que já não mais os sentia.

Kousaka ficou em silêncio por um longo tempo. Ele considerou isso um tipo de teste de resistência, estaria em desvantagem quem abrisse a boca primeiro. Era como confessar que estava ficando fraco.

Ele percebeu que Sanagi estava em silêncio por motivos semelhantes. E isso até fazia sentido nas primeiras horas. Ela manteve um rosto firme para mostrar que estava lidando bem com isso.

Kousaka notou que a respiração de Sanagi ficou estranhamente fraca depois de quatro horas após serem trancados no contêiner.

Ficou preocupado, e a chamou:

— Sanagi?

Não houve resposta.

— Você está bem?

Sacudiu o ombro dela, mas sua mão lentamente empurrou a mão dele. Quando a mão dela tocou Kousaka, ele estremeceu.

Estava tão fria que nem parecia ser de um humano.

Kousaka colocou as mãos nas dela para aquecê-las. Embora não tanto quanto as de Sanagi, suas mãos estavam frias também, então logicamente não tinha sentido algum.

— Ei, Sanagi, você não vai desistir?

— Não — respondeu, quase inaudivelmente.

Kousaka suspirou.

— Tudo bem. Eu admito a derrota. Não vou fazer o tratamento. Não vou matar o verme. Então, vamos sair daqui. Nesse ritmo, logo será tarde demais para nós.

Então Sanagi deu uma risadinha. Kousaka sentiu um certo desespero.

— Isso demorou bastante. Eu não achei que você iria aguentar tanto tempo.

— Agora vamos sair, já. Como abrimos a porta?

Sanagi ficou em silêncio por um tempo.

Então ela falou:

— …Hum, bem, no meu plano inicial, Izumi deveria ter voltado aqui para nos deixar sair uma hora atrás.

Kousaka ergueu os olhos, como que desentendido.

— O que você quer dizer?

— Acho que alguma coisa aconteceu com ele. Talvez ele tenha sido pego em um acidente. E se Izumi não estiver aqui, isso significa que a porta não vai abrir. Ha…ha…

— Então, você quer dizer que… se não tivermos sorte, talvez não vamos conseguir sair daqui?

Sanagi não confirmou nem negou. O que quer dizer que não é impossível.

Kousaka colocou as mãos nos joelhos, levantou-se e com certa velocidade, causando impulso, começou a chutar a porta. Ele tentou dezenas de vezes, mas a porta do contêiner nem se mexia. Caiu contra a parede, exausto, e se desfez no chão. Contando com uma ponta de esperança, pegou seu smartphone, mas, claro, ainda estava sem sinal.

Então houve um barulho. Um momento depois, percebeu que era Sanagi caindo no chão. Kousaka se atrapalhou na escuridão e levantou o corpo de Sanagi.

Chamou por ela para confirmar que ainda estava consciente.

— Sanagi. Ei, Sanagi.

— Estou bem. Eu meio que tropecei.

Ela deve ter se cansado mais rápido do que mostrava. Seu tremor tinha se acalmado, mas isso só significava que as coisas estavam piorando. Seu corpo estava começando a desistir de criar calor. Se ela adormecer, definitivamente morrerá de hipotermia.

Kousaka abraçou Sanagi, e ela sussurrou “Sinto muito” em sua orelha. Ele ainda podia sentir um leve calor em sua respiração.

Então houve o som de algo batendo no chão. A luz da lua passava pelas frestas, iluminando o local, e sendo possível observar o que caiu. Era um isqueiro à óleo. Sanagi tinha o isqueiro, que costumava acender seus cigarros, no bolso do casaco.

Kousaka considerou queimar uma peça de roupa para se aquecer, mas como as paredes e pisos eram pranchas de madeira e era incerto quão eficazes as saídas de ar realmente eram, eles não podiam arriscar fazer um grande incêndio. Kousaka acendeu o isqueiro e colocou-o no meio do piso. Uma luz laranja iluminou o contêiner e as sombras dos dois eram visíveis nas paredes. Uma pequena chama, mas uma grande diferença.

Então Kousaka segurou Sanagi com força novamente. Isso não era nada mais do que uma tentativa de retardar a perda de temperatura enquanto esperavam por Izumi.

Sanagi continuava com sua respiração fraca e irregular perto do rosto de Kousaka. Enquanto ouvia a respiração dela, Kousaka quase esqueceu que estava tentando perder seu afeto por ela. O verme em seu corpo parecia deliciar-se com a situação dos dois hospedeiros abraçados. A alegria deles atingiu Kousaka também, e temporariamente o fez esquecer o frio.

Na verdade, seria lamentável perder essa felicidade. Kousaka, também, teve que admitir isso. Mas essa era a estratégia do verme.

“Se eu sucumbir à sua tentação agora, estarei fazendo exatamente o que ele quer. Tenho que manter minha posição aqui.”

Enquanto Kousaka lidava com sua discórdia interna, Sanagi sussurrou de dentro de seus braços.

— Ei, Sr. Kousaka.

— O quê?

— Posso acreditar no que o senhor disse? É verdade que não vai matar o verme?

— Não, eu menti — Kousaka respondeu honestamente. Não havia razão para enganá-la agora — Eu só fiz isso para enganar você e nos tirar daqui.

— Sabia. O senhor é um mentiroso.

— Desculpa.

— Nem precisa se desculpar, eu não vou te perdoar.

Imediatamente depois, o corpo de Sanagi, que estava mole como uma marionete com cordas cortadas, ficou cheia de energia. Ela agarrou os ombros de Kousaka e empurrou-o para o chão. Completamente pego de surpresa, Kousaka não sabia o que estava acontecendo a princípio. Antes que pudesse entender, os lábios de Sanagi já se pressionavam contra os dele.

Um de seus corpos bateu no isqueiro e o derrubou, e a chama apagou-se ao tocar o chão molhado. Então Kousaka, por causa da falta de luminosidade, não sabia que tipo de expressão ela tinha depois que seus lábios se separaram.

Depois de se separar de Sanagi por um longo tempo, e reacender o isqueiro enquanto recuperava o fôlego, olhou para ela.

— Talvez agora nossos vermes tenham mudado para o estágio sexual de reprodução — disse Sanagi com ar de triunfo — E talvez eles se espalhem mais e mais e sejam capazes de controlar você mais fortemente.

Então ela mostrou um sorriso travesso.

— É inútil. Vou tomar o remédio antes que isso aconteça.

— Nem. Não vou deixar você engolir nenhum remédio. Vou atrapalhar.

Então Sanagi tentou derrubar Kousaka novamente. Mas a resistência dela já havia atingido seus limites com a luta anterior. Ela desabou na frente dele, e não se moveu. Kousaka rapidamente a levantou, mas seus olhos estavam vazios, e cada respiração parecia que poderia ser a última. Quando ele a abraçou, não sentiu nenhum calor, como se estivesse segurando uma boneca.

‘’Que idiota.’’ Kousaka mordeu o lábio.

Ele orou para que Izumi viesse a qualquer momento. Mas Izumi só apareceu lá quase duas horas depois. Naquela hora, Kousaka e Sanagi já haviam perdido a consciência. Quando Izumi abriu a porta do contêiner, ele os viu amontoados, deitados no chão.

 

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Os dois foram levados para a clínica de Urizane e hospitalizados por alguns dias. Kousaka se recuperou o suficiente para caminhar por conta própria no dia seguinte, mas Sanagi precisou de cinco dias para se recuperar.

No segundo dia de hospitalização, Izumi visitou o quarto de Kousaka no hospital e pediu desculpas por colocar suas vidas em perigo. A tempestade de neve causou um engavetamento de três carros, que incluía um ônibus, bloqueando a estrada, e por isso ele demorou tanto para voltar. Devido a uma falha de comunicação, Izumi ficou com a impressão de que Sanagi tinha alguns meios de escapar sozinha do contêiner. “Se eu soubesse que não era o caso, eu teria chamado a polícia ou os bombeiros para enviar ajuda” Izumi disse com muito pesar.

— Não se preocupe sobre isso — disse Kousaka —  Sanagi e eu ainda estamos vivos, afinal. Então não tem porque culpar ninguém. Você queria fazer Sanagi desistir, também, não é?

— Sim, mais ou menos. Se eu a levasse embora à força, isso apenas daria a ela mais apego por você, certo? Então eu pensei que a deixaria resistir até que estivesse satisfeita.

— O que você pretendia fazer se Sanagi me convencesse?

— Nem me pergunte. Não tinha imaginado essa possibilidade. Eu confiei muito em você — disse em tom de brincadeira.

No dia seguinte, Kousaka contou a Urizane sobre o que aconteceu no contêiner. E ele ficou em silêncio por um tempo com uma expressão complicada.

— Será que isso significa que o tratamento ficou mais complicado? — Kousaka perguntou.

— Não, esse não é o problema. É só… — Urizane fechou os olhos com força, em seguida, abriu-os lentamente — Pensar que ela estava obcecada sobre isso a tal ponto.

Em seguida, Urizane explicou o processo de tratamento do verme. Depois de cerca de um mês tomando remédio anti-vermes, haveria meio período de descanso por um mês — este ciclo deveria ser repetido várias vezes. Ele disse que provavelmente demoraria cerca de três a seis meses antes dos vermes desaparecerem completamente. Sanagi estaria fazendo o mesmo tratamento.

Chegou o dia de deixar o hospital. Antes de sair da clínica, Kousaka teve a chance de dizer algumas palavras de despedida a Sanagi.

Ele bateu na porta do quarto dela, esperou alguns segundos e entrou. Quando a viu, ela usava uma roupa de hospital azul claro e estava lendo um livro grosso na cama. Em sua cabeça estavam os fones de ouvido que Kousaka tinha uma vez dado a ela.

Ao notar Kousaka ali, Sanagi fechou o livro, tirou os fones de ouvido, e olhou para ele, com um rosto solitário. Ela parecia suspeitar de que ele estava ali  para se despedir.

— Vou ser dispensado do hospital hoje — Kousaka relatou. Seus olhos se desviaram de Sanagi imediatamente — Eu não acho que vou ver você de novo por um tempo.

“Claro, provavelmente não vou te ver depois que o tratamento estiver completo também”

Kousaka pensou.

“Então este pode ser o nosso último adeus.”

Sanagi parecia profundamente ciente disso também.

Ela não respondeu, apenas abaixou a cabeça em silêncio.

Logo, Sanagi começou a soluçar.

Foi um soluço triste, e lágrimas escorriam pela sua pele branca.

Kousaka colocou a mão na cabeça dela e a acariciou suavemente.

— Depois do tratamento, venho te ver —  Kousaka se permitiu dizer uma mentira consoladora — Se os vermes em nossos corpos morrerem, e ainda podermos gostar um do outro, então seremos realmente pessoas que se amam.

Sanagi enxugou o rosto com a palma da mão e ergueu os olhos.

— …Mesmo?

— Sim, eu prometo —  Kousaka sorriu.

Sanagi estendeu os braços em direção a ele, inclinando-se para fora da cama. Kousaka segurou seu corpo magro e disse:

— Tudo bem. Tenho certeza de que podemos viver sem o verme.

— …Você jura mesmo, né? — Sanagi perguntou entre lágrimas.

E assim, os dois se separaram.

Saindo do quarto de hospital e deixando tudo para trás, Kousaka viu seu primeiro céu azul em algum tempo. O brilho da luz do sol refletida nas pilhas de neve machucou de leve seus olhos, e ele os fechou. O ar estava frio; sentia como se estivesse acabado de acordar.

“Meus dias na enfermaria acabaram”, pensou Kousaka. “É uma boa hora para acordar do meu sonho. Posso ir devagar. Apenas um passo de cada vez, vou ter que me acostumar com este mundo virado do avesso que o verme criou.”

 


 

Tradução: Wiker

Revisão: Flash

QC: Axios

 

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