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O Começo Depois do Fim – Cap. 509 – Espaço dobrado

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POV ARTHUR LEYWIN

 

Kezess virou as costas para a grande ferida no céu, seus olhos faiscando como relâmpagos enquanto percorriam os outros grandes lordes e eu.

— Venham. — Foi tudo o que disse antes que seu éter começasse a nos envolver.

Senti-me sendo arrastado e olhei para baixo, para Ellie. Cerrando os dentes, resisti à força de Kezess.

— O que você está fazendo? — Ele franziu a testa enquanto o éter se flexionava ao nosso redor, distorcendo visivelmente o ar. — Não há tempo, Arthur.

Segurei seu olhar por apenas um segundo. Myre se moveu, apoiando a mão no ombro de Kezess. Os outros grandes lordes voltaram-se para mim; Radix com uma expressão séria, Morwenna franzindo a testa, e tanto Rai quanto Novis parecendo pálidos e doentios.

Regis saltou para dentro de mim, enquanto Sylvie puxou Ellie meio passo para trás e assentiu.

Soltei o controle, e o espaço se dobrou ao meu redor.

Aparecemos em um pátio cercado por baixos muros esculpidos em pedra branca. Pilares cobertos de hera erguiam-se do chão, tornando-se progressivamente mais altos à medida que seguiam em direção ao que devia ter sido um arco da mesma pedra.

Agora, porém…

Pedaços quebrados do arco estavam espalhados como uma auréola, flutuando no ar. Dentro da auréola, o próprio espaço estava distorcido, rasgando-se ao se abrir para a enorme ferida no céu. A fenda cintilava com um brilho iridescente, como reflexos na superfície de uma bolha. O efeito de aurora era mais forte ali, manchando o céu ao redor da fenda como sangue escorrendo de um arranhão.

Os outros grandes senhores já estavam se movendo. Dezenas de asuras, a maioria dragões, formaram um semicírculo ao redor dos dois tocos quebrados que marcavam onde o arco estava. Todos rapidamente encontraram um espaço no círculo e, com Realmheart ativo, não apenas sentia, mas também via as partículas de mana de seus feitiços se movendo ao redor da fenda.

Eles estavam tentando mantê-la sob controle.

Alguns dos dragões conjuravam feitiços etéreos junto à magia baseada em mana de seus irmãos, suas artes spatium servindo como um componente mais poderoso na manipulação do espaço rasgado. Quando os grandes lordes se juntaram a eles, o crescimento lento da ferida subitamente parou, mas a fenda ainda tremulava no céu, um corte apocalíptico se estendendo de uma extremidade a outra de Epheotus.

Regis emergiu de dentro de mim em forma de fogo-fátuo e flutuou em direção à ferida. Senti o momento em que ela o agarrou, tentando puxá-lo para dentro.

Eles mal estão conseguindo segurá-la — enviou-me de volta, sua forma tremeluzindo como a chama de uma lamparina a gás em um vento quente. — A pressão é absurda. O suficiente para sugar toda Epheotus para dentro.

Com dificuldade, ele inverteu sua trajetória, voando de volta para o meu lado e assumindo sua forma física: um grande lobo com uma juba de fogo púrpura.

Através de Regis, eu havia sentido algo. O espaço rasgado não era Epheotus, mas também não era o mundo de Dicathen ou Alacrya. Não era um espaço físico real. Era a barreira que separava o mundo físico de… qualquer outra coisa. Todo o resto. O reino etéreo, o espaço não físico, o que quer que estivesse lá fora; a dimensão na qual Epheotus estava seguramente encapsulado, nem totalmente dentro nem fora do mundo como o conhecíamos.

Era ao mesmo tempo uma fronteira, uma barreira e uma transição. Quando se rasgasse completamente, Epheotus seria forçado de volta ao espaço físico, com consequências catastróficas para ambos os mundos.

Camadas de insights se sobrepunham em minha mente. O que eu via era tanto destruição quanto correção. Quando Epheotus fosse expulso e a bolha que o continha colapsasse por completo, a ferida se fecharia como se nunca tivesse existido, exatamente como o Destino esperava que acontecesse com o reino etéreo.

Dei um passo à frente, passando pelo semicírculo de asuras até ficar diante dos restos despedaçados do arco. Conforme me aproximava, a gravidade mudava, até que a força que me pressionava para baixo e a que me puxava para a ferida se tornaram iguais. Mais um passo, e a fenda começaria a me arrastar para dentro.

Meu nome soou atrás de mim — pela voz de Kezess —, mas o Gambito do Rei estava se esvaindo e minha concentração se fragmentando, as dezenas de pensamentos simultâneos se estilhaçando e se desprendendo, como galhos sobrecarregados de neve molhada.

Um único pensamento brilhante mantinha a exaustão à distância como uma luz intensa na neblina.

Núcleo, canais etéreos e a pura força física do meu físico pseudo-asurano trabalhavam juntos automaticamente. Fluxos luminosos de partículas ametistas serpentearam através de mim, descendo por minha coluna. Minha nova runa divina. Uma percepção pura e destilada, ao mesmo tempo completamente nova e estranhamente familiar, acendeu-se em minhas costas.

A forma do mundo mudou sob minha perspectiva. Não da maneira como Realmheart alinhava meu foco para ver as partículas de mana, ou quando o God Step revelava os caminhos etéreos, ou mesmo quando o Gambito do Rei abria minha mente para incontáveis possibilidades. Comparados a isso, esses eram tão pequenos, tão limitados.

Agora, eu me sentia… conectado. Ampliado.

Senti o espaço ao meu redor, como ele havia sido moldado e expandido. Epheotus era vasto demais para estar contido em uma atmosfera tão pequena. A terra natal dos asuras não existia simplesmente em um espaço físico limitado, como os mundos de Dicathen e Alacrya; ou mesmo meu antigo mundo, a Terra. Ao longo de suas eras de história, Epheotus continuou a crescer, constantemente criando mais espaço para a expansão da civilização asura.

E, no entanto, Epheotus não era o que prendia minha atenção. A ferida no espaço era brilhante, clara e horrível quando vista dessa nova perspectiva. A runa divina não mudou minha visão física; A luz não se curvou de forma diferente, nenhuma nova dimensão dentro do espaço tridimensional foi revelada. Era mais como um sentido extra que meu núcleo me dava em relação ao éter. Senti a maneira como o espaço se desdobrava ao meu redor, e eu sabia, porque precisava saber, que o insight que me permitiu aprender a runa divina, incluía o conhecimento dela, e que eu poderia tocar o espaço… e moldá-lo.

Minhas mãos se ergueram, mais como um ritual do que por necessidade, e meus dedos mentais começaram a tatear as bordas da fenda. As manifestações visuais da luz distorcida, que tornavam a fenda visível a olho nu, ondularam conforme o espaço era lentamente remodelado. Aos poucos, conforme minha confiança crescia, comecei a puxar as bordas para dentro, alisando-as e forçando a barreira espacial a se fechar.

À distância, embora não conseguisse processar o significado das palavras, comecei a ouvir sons vindos dos asuras. Suspiros, súplicas, palavras indistintas em tons encorajadores. Então…

O espaço travou.

A pressão gerada pela fenda, que puxava Epheotus para o meu mundo, era grande demais para permitir que eu fechasse completamente suas bordas.

Mudando de tática, comecei a dobrar o espaço ao longo das bordas desgastadas da ferida. As dobras se agarravam à fenda, mantendo-a no lugar como grampos em um pergaminho. O espaço ao redor da fenda tremia, mas a pressão foi aliviada para os asuras que lutavam para impedir sua expansão. Pelo menos por enquanto.

Assim que fiz isso, comecei a perder minha conexão com a runa divina. Conceber o espaço dessa forma era algo alienígena, e manter os diversos e conflitantes insights em minha mente era exaustivo. Já sentia a tensão da fadiga por trás dos olhos, como uma dor de cabeça se formando.

Meus ombros cederam ligeiramente quando a runa divina se apagou.

De trás de mim, uma voz severa perguntou:

— O que foi que você acabou de fazer?

Virei-me para encontrar o olhar de Kezess, seus olhos brilhando como duas granadas manchadas de sangue, refletindo a aurora escarlate.

— Comprei tempo, mas… não sei quanto.

— Não, Arthur. — Ele deu um passo à frente, e o mundo de Epheotus pareceu se mover com ele, contraindo-se em minha direção. — O que foi que você fez? Como… — Ele não conseguiu evitar que seu olhar fosse atraído para cima, puxado pela gravidade do céu rasgado, como se a próprio Epheotus corresse o risco de ser sugado. — Você tem escondido coisas de mim.

Ergui as sobrancelhas, minha expressão tomada por um assombro desiludido.

— Seu mundo está desmoronando diante dos seus olhos, e essa é a primeira coisa que tem a dizer? — Balancei a cabeça, um sorriso irônico e desapontado curvando um canto dos meus lábios. — Acabei de ganhar um novo insight que formou uma runa divina durante nossa “grande caçada”. Agora consigo sentir e, de certa forma, manipular diretamente o espaço. Mal tive tempo de testar meus limites com isso, e não consigo fechar a fenda por completo. Eventualmente, essas dobras no espaço vão se desfazer, e o buraco voltará a crescer. — Não me dei ao trabalho de suavizar meu tom.

Para minha surpresa, Kezess não reagiu. Em vez disso, voltou-se para os outros.

— Foquem todos os seus esforços nesses pontos no espaço, onde as bordas da fenda parecem se encaixar. Reforcem essas áreas, e talvez possamos prolongar o tempo que Lorde Arthur nos deu. — Dado o comando, ele se virou e começou a se afastar. Algo em sua postura deixava claro que ele esperava que eu o seguisse, assim como os outros grandes lordes.

Considerei simplesmente não ir. O peso esmagador por trás dos meus olhos me fazia querer apenas voltar para minha família, mentir e dizer que tudo ficaria bem, depois fechar os olhos por algumas horas.

Em vez disso, suspirei e comecei a segui-los.

O Velho Dragão está parecendo meio atordoado — comentou Regis, acompanhando-me ao meu lado. — Sejamos honestos, Agrona parece ter vencido essa.

— Espero que não — respondi, embora soubesse que não podia mentir para Regis nem para mim mesmo naquele momento.

Assim que nos afastamos dos asuras que tentavam conter a fenda, Kezess parou. Quando falou, sua voz reverberou pelo ar como se ressoasse nas montanhas distantes, surgindo de lugar nenhum e de todos os lugares ao mesmo tempo, um calor abrasador que subia das frias pedras brancas do amplo pátio.

— Lorde Leywin, você deve retornar a Alacrya imediatamente. — Um breve silêncio, uma hesitação quase imperceptível, e então: — Estou lhe dando a missão de matar Agrona Vritra.

Enquanto os outros lordes ouviam Kezess, cada um olhava para uma direção diferente. Morwenna olhou fixamente para mim, enquanto os olhos duros como pedra de Radix perfuravam Kezess. Rai Kothan observava o céu, como se pudesse enxergar até o coração de Taegrin Caelum, onde Agrona sem dúvida espumava de alegria com seu sucesso. Novis, por outro lado, desviou o olhar da fenda, fitando o horizonte enquanto sua figura cintilava com mana.

Fiquei com uma resposta presa na ponta da língua por vários segundos antes de finalmente dizê-la em voz alta:

— Não deveríamos focar no seu povo primeiro? Precisamos começar a evacuação de Epheotus…

— Bobagem! — Morwenna exclamou, as narinas dilatadas emitindo um som como folhas secas sendo sacudidas. — De forma alguma permitiremos que um único basilisco rebelde destrua nosso mundo inteiro…

Radix se voltou para ela com a rapidez de uma Pantera Prateada, sua voz muito mais grave sobrepondo-se à dela sem esforço.

— E, no entanto, parece que ele acabou de fazer exatamente isso! — A cada palavra, o lorde titã parecia crescer mais alguns centímetros. — Tire a casca dos olhos, Lady Mapellia.

— Todos nós estivemos cegos para a verdadeira intenção da rebelião de Agrona — disse Rai, com um tom conciliador. — Agora, nossos olhos estão abertos.

Um calafrio percorreu Novis, e chamas dançaram sobre sua pele e roupas.

— Será que estão? — Ele se virou e apontou um dedo para a fenda. — O que, em todos os fogos ardentes do abismo, poderia ser a intenção de Agrona com aquilo?

Avancei para o centro dos lordes asuras,  cada um deles contendo por pouco seu poder cataclísmico.

— É bastante óbvio — falei.

Todos os cinco grandes lordes voltaram sua atenção para mim, seus rostos expressando diferentes níveis de incredulidade. Apenas Kezess parecia entender aonde eu queria chegar.

— Não temos tempo para isso — disse Kezess, cortando qualquer outra discussão. — Lordes, não permitiremos que nosso povo perca a esperança em Epheotus ou a fé em nós. Reúnam aqueles em quem seus clãs e comunidades mais confiam e retornem ao meu castelo dentro de uma hora. Farei um pronunciamento. — Por um momento, ninguém se moveu. — Vão! — Ele ordenou.

Morwenna estremeceu como se tivesse levado um tapa. A pedra rachou quando uma árvore começou a brotar do chão, seu tronco prateado se estendendo sobre nossas cabeças e então se ramificando, dando origem a folhas douradas. Ela fez uma reverência rígida a Kezess, então girou sobre os calcanhares e caminhou para dentro da árvore, que se abriu para permitir sua passagem. No momento em que ela desapareceu, as folhas douradas começaram a cair, e a casca prateada se desfez, revelando uma madeira que rapidamente apodreceu. Em instantes, apenas um leito de folhas permanecia ao nosso redor, e a árvore inteira havia desaparecido.

Enquanto isso, Radix havia afundado no chão, igualmente desaparecendo, embora de forma menos espetacular. Novis saltou para o ar, e seu corpo se expandiu em uma forma aviária enorme, coberta por penas da cor de fogo e cinzas. Ele partiu com uma velocidade incrível, desaparecendo de vista em poucos segundos.

Apenas Rai, Lorde do Grande Clã Kothan, permaneceu. Ele limpou a garganta.

— Nenhum basilisco ainda vivo se aliará a Agrona. Ele não nos representa, Lorde Indrath. Pode ter certeza disso.

— O sangue Vritra é realmente tão diferente do sangue Kothan? — questionou Kezess com um sorriso sarcástico.

Rai estremeceu, mas a natureza exata de sua expressão era difícil de decifrar. Ele fez uma reverência rápida, depois se virou e deu um passo à frente. Um redemoinho negro surgiu das pedras, envolveu-o e então se dissipou. O lorde basilisco havia desaparecido.

— Nós dois deveríamos ir — falei, observando as últimas folhas douradas sendo carregadas pelo vento cada vez mais fraco. — Reúna seus melhores guerreiros. Vamos destruir Agrona juntos.

— Não.

Uma única palavra, sem hesitação, sem espaço para argumento.

Soltei uma risada cética e ergui as mãos no ar.

— Mesmo agora?

Kezess virou-me as costas e caminhou para mais longe dos asuras, que ainda tentavam impedir a fenda de se expandir. Pressionei as palmas contra os olhos, como se pudesse conter a pressão crescente em meu crânio, e então, relutante, segui atrás dele. O éter fluiu suavemente para a runa divina do Gambito do Rei, e senti minha consciência explodir em dezenas de ramos, fios e camadas diferentes.

— Ótimo — disse Kezess com ironia. — Talvez, com sua arte de éter ativa, você consiga entender o que estou prestes a lhe dizer.

Não precisei conter uma resposta, já que a lógica fria de ter tantos processos de pensamento sobrepostos não se ofendeu com sua provocação.

— Por favor, ilumine-me.

Kezess não parou de caminhar, nem se virou para falar comigo. Ele se movia por entre uma densidade crescente de paredes meio destruídas cobertas de hera, contornando pequenas fontes borbulhantes e passando sob arcos de videiras entrelaçadas e pedras brancas.

— Duas vezes, ataquei Agrona diretamente. A primeira tentativa foi logo depois que ele fugiu de Epheotus. Quando minha filha foi atrás dele… — Kezess soltou um suspiro forte, seus ombros subindo e descendo em um movimento brusco. — Todo o clã Vritra o seguiu, junto com membros de outros clãs basiliscos e até mesmo alguns asura que não eram basiliscos.

— Você já explicou isso antes — observei, me perguntando se ele estava tentando me distrair.

— É claro — disse ele, com um cansaço inesperado na voz. — A batalha despedaçou o continente, quase partindo-o em dois e resultando na formação de um novo mar e de uma nova cadeia de montanhas. O ataque deveria ser decisivo. Enviei até mais soldados asuras leais do que sabia ser prudente…

Um fio da minha consciência captou sua escolha de palavras. O que ele quer dizer com “prudente”?

— Apesar de termos matado muitos de seus seguidores, e ainda mais de seus alacryanos, as forças que alcançaram sua fortaleza, Taegrin Caelum, simplesmente desapareceram. Quando, muitos séculos depois, encarreguei Aldir de assassinar Agrona e assim acabar imediatamente com a guerra entre seus dois continentes, metade de sua equipe foi apagada da existência em um instante. Nenhum dos eventos nos deu uma imagem clara do que Agrona havia feito, ou como. Em ambos os casos, fomos forçados a recuar do seu mundo.

A parte de mim que processava suas palavras se fragmentou em vários pensamentos simultâneos e conflitantes. Parei de andar e me sentei sobre um dos muros baixos, cruzando os braços. Kezess caminhou mais alguns passos antes de finalmente parar e se virar para mim.

Kezess havia sido cuidadoso em sua explicação sobre o que Agrona queria, quando eu o confrontei após lutar contra as Assombrações por Oludari. Ele teceu suas mentiras com verdades, escondendo ambas em histórias e lendas, mas, ao longo dessas conversas, Kezess havia deixado escapar alguns detalhes que agora pareciam muito reveladores…

Em vez de travar uma guerra cataclísmica, independentemente de nossa capacidade de vencer, enviei assassinos, tantos e tão poderosos quanto eu poderia arriscar.”

“O ataque deveria ser decisivo. Enviei até mais soldados asuras leais do que sabia ser prudente…”

Mesmo durante a breve vigília dos dragões em Dicathen, Kezess havia enviado tão poucos soldados, e a maioria jovens e de poder limitado…

— Algo assusta você mais do que Agrona. — As palavras saíram planas, uma simples constatação de um fato. — Acho que é hora de me dizer o verdadeiro motivo pelo qual você tem medo de deixar Epheotus.

Um músculo no rosto de Kezess estremeceu, e por um momento, pela primeira vez desde que o conheci, ele pareceu velho. Rugas não surgiram de repente em seu rosto como argila rachada no deserto, mas seu espírito parecia fraquejar, como um corredor chegando ao fim de sua resistência. Seu poder se retraiu. Suas pálpebras tremeram, e seus lábios ficaram pálidos, pressionados em uma linha fina.

Foi tão rápido e sutil que duvido que teria notado se não fosse pelo Gambito do Rei.

Então ele engoliu seco, e foi como se o cansaço que havia visto nunca tivesse existido. Por um instante, cheguei a me perguntar se eu tinha imaginado tudo aquilo.

— Poder é como um farol, Arthur. Ele brilha longe e amplamente, atraindo a atenção daqueles que desejam desafiá-lo, curvar-se a ele, implorar e suplicar por ele, ou até mesmo daqueles que tentariam tomá-lo à força. — Ele fez uma pausa e continuou: — Você mesmo vem de dois mundos. Sabe que existem mais tipos de magia além da mana e do éter. Como eu disse antes, tudo o que fiz foi para manter este mundo vivo, pois há coisas muito piores do que os Vritra nas trevas.

Ao dizer isso, seu olhar se voltou para a fenda. Meus olhos o seguiram, e juntos olhamos para a escuridão ao redor da superfície azul, verde e marrom do meu mundo.

Todos os fios dispersos da minha consciência se uniram de repente. Eu nunca tinha tido motivo para considerar outros mundos além da Terra e do meu novo lar. O fato de que haveria outros planetas povoados por seres diferentes, que utilizavam magias não nascidas de mana, éter ou ki, parecia óbvio diante da afirmação de Kezess, e ainda assim nunca havia considerado isso.

Minha mente aprimorada pelo Gambito do Rei correu em direção a uma dúzia de considerações simultâneas. Abri a boca para tentar fazer uma dúzia de perguntas de uma vez, mas me contive.

Kezess aproveitou a oportunidade para continuar falando:

— Ouça-me, Arthur. Essa questão… a segurança de toda a raça asura, é meu fardo para carregar. Epheotus, o mundo, seu lugar dentro do grande cosmo. Todas as coisas pelas quais você me culpa. Meu fardo, entende? Agora, não importa o quanto sua mente gire, você precisa se concentrar em uma única e essencial realidade: encontrar e destruir Agrona Vritra é sua tarefa. Não entendo completamente o porquê, mas acredito que você se tornou o que é exatamente para que possa derrotá-lo. Qualquer que seja o poder que impediu os asuras que foram enfrentá-lo, talvez você possa contê-lo.

Minha mandíbula se moveu silenciosamente enquanto eu filtrava uma dúzia de respostas em busca da certa. Pensei nas memórias de Sae-Areum e na queda dos Djinn, na raiva que senti na segunda projeção dos Djinn em relação aos dragões, nas imagens do fim de uma civilização após a outra. Pensei na explicação do Destino sobre o reino etéreo e como ele estava anormalmente vinculado. Cada um desses eventos se abriu diante do Gambito do Rei como páginas de um livro, suas lições e temas se dividindo em minha mente enquanto eu os encaixava nessa nova explicação que Kezess havia oferecido.

Não vi sinais de que ele estava sendo desonesto. Ele não se agitou ou ficou inquieto. Não houve aceleração de seu pulso ou desvios de olhar. Contudo, ele era um asura imortal, e eu já havia visto como ele agia quando estava no controle e quando esse controle escapava. Não conseguia me lembrar de um momento em que ele fosse tão direto ou aberto comigo quanto parecia agora.

— Você pode aceitar o que ele disse, mas pense por si mesmo, princesa. Até suas verdades são usadas para manipular — pensou Regis, que esteve quieto e retraído devido ao Gambito do Rei.

Eu poderia ter sorrido. Naquele momento, Regis e eu não estávamos completamente alinhados. Ele não estava experimentando a maior parte dos meus pensamentos, já que nem Regis nem Sylvie conseguiam entender os processos agregados alimentados pelo Gambito do Rei. Eu poderia ter sorrido porque percebi o que precisava acontecer. Muito poderia ser perdoado, especialmente se o ofensor estivesse arrependido e disposto a mudar.

— Eu entendo, Kezess — disse finalmente. — Obrigado por ser honesto comigo.

As sobrancelhas de Kezess se franziram levemente ao ouvir essas palavras, mas ele não fez nenhum outro gesto que indicasse que as reconheceu.

— Eu vou encontrar Agrona e acabar com ele de uma vez por todas. — Olhei para a fenda e pensei: E então terei que encontrar uma maneira de lidar com aquilo. Em voz alta, porém, continuei: — Devo partir imediatamente, ou você gostaria que eu ficasse para o seu pronunciamento? De qualquer forma, preciso reunir meu clã.

Kezess cruzou os braços e bateu um dedo no queixo.

— Seria bom que você estivesse lá. É improvável que uma ou duas horas façam a diferença para a sobrevivência de qualquer um dos mundos, mas a presença de todos os nove grandes lordes certamente ajudará a dar ao nosso povo um senso de estabilidade contínua.

Levantei uma sobrancelha e mexi em um galho de hera.

— Todos nós…? — questionei.

— Sim, sim — respondeu Kezess me dando um olhar irônico. — Não podemos nos permitir continuar com essa discórdia entre Ademir e eu. Tenho certeza de que até mesmo um panteão teimoso como ele estará disposto a deixar de lado sua raiva por um momento, considerando o que enfrentamos.

Eu coloquei um sorriso no rosto e deslizei da parede.

— Então vamos lá. A menos que haja mais alguma coisa?

Kezess hesitou.

— Antes de voltarmos… — Ele riu, um som suave, quase inaudível. — Arthur, obrigado. Suas ações anteriores, contra Khaernos, e seus esforços aqui com essa fenda… — Seus olhos, agora de um roxo intenso, saltaram para o céu atrás de mim. — Sei que você não conseguiu depositar totalmente sua fé em minhas intenções, mas foi capaz de ver além de nossas… diferenças e trabalhar ao meu lado.

Ele se endireitou, ergueu o queixo e continuou:

— Não sou cego ao fato de que lhe devo. Confie que retribuirei esse favor no momento certo. Pode haver coisas que propositalmente escondi de você ao longo dos anos, mas o fato de Agrona rasgar o véu entre os mundos pode muito bem ter desfeito milênios de esforço para garantir a segurança contínua do seu mundo e do meu. Tudo ficará claro com o tempo.

— Então — disse ele, levantando a mão e passando-a pelo ar como se afastasse uma cortina. Senti seu poder passar por mim e percebi que ele estava tentando quebrar o vínculo que havia colocado em mim para forçar nossa troca de informações pela proteção de Dicathen.

Tardiamente, liberei o éter que havia amarrado para imitar seu feitiço, já que eu mesmo o havia quebrado.

Kezess piscou, aparentemente perplexo, e então soltou uma única risada genuína.

— Mas é claro que você fez isso. — Ele revirou os olhos. — Deixa pra lá. Venha, Arthur. Apesar dos desafios à frente, para você e para mim, pelo menos, acredito que este é um novo começo.

Ele se virou, e o espaço começou a se dobrar à sua frente enquanto seu poder de teletransporte nos levava de volta ao Castelo Indrath.

Nos últimos momentos antes que o feitiço me levasse, deixei minha expressão cair, meu olhar frio e afiado contra suas costas.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: ***

 

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Arthur Tomeleri
Arthur Tomeleri
24 dias atrás

FIRST

Arthur Tomeleri
Arthur Tomeleri
24 dias atrás

Então Arthur ainda tá com um baita pé atrás com relação a kezess.
E provavelmente esses outros perigos que kezess se refere, é aquela “lenda” que lorde kothan havia mencionado no capítulo da reunião dos lordes

Fabrício Souza Macedo
24 dias atrás

QUE CAPÍTULO FODA PRA CARALHO

LORD DOS ARCONTES
LORD DOS ARCONTES
24 dias atrás

Tava esperando um pov: Dicathen. Queria ver o desespero kkk Mais uma vez o Arthur se superando… eu achei que tava tudo perdido. Kezess mostrou sinceridade? Ah, até parece. Nunca confie no velho Dragão

Gabriel Ferreira
Gabriel Ferreira
24 dias atrás

carai, primeio a chegar isso nunca me aconteceu, deve ser por causa do carnaval

Victor Gomes
Victor Gomes
24 dias atrás

Ótimo capítulo, tivemos muitas respostas.. bem interessante o fato deles considerarem que tem outros planetas com outros tipos de magia kk. Dito isso, outro ponto importante foi quando falou sobre “seres” muito piores que os Vitra, isso é muito louco… ainda mais se pensar que esses seres vem de outra dimensão.

Alessandro Gomes
Alessandro Gomes
24 dias atrás

Espero que o tartaruga não invente de vir alienígenas de outro planeta

Ricardo Granja
Ricardo Granja
24 dias atrás

É coisa dimensional, e isso a gente tem desde o início já que a alma do Arthur vem de uma outra dimensão, um outro tipo de planeta

Botijão Cromado
Botijão Cromado
20 dias atrás
Reply to  Ricardo Granja

Ainda assim amigo… isso exigiria mt preparação, imagina que paia eles nem ter lidado com o agrona ou terem lidado e logo em seguida aparecer um “alienígena”, ou pior ainda, e se eles lidam com agrona e do nd aparece esse outro ser falando “hahaha na verdade era eu que estava por trás de td”.

Isso cheira a mais como gancho pra uma futura continuação, mas como vc disse os elementos tão aí, só não vejo o autor executando bem a introdução desse “alienígena”, pelo menos não nesse ponto.

Willian Oliveira
Willian Oliveira
24 dias atrás

E tomara que ele não use isso para prolongar tbate. Imagine se tem um arco onde o Arthur explora outros planetas. Pqp, sério horrível kkkkkkk

Alessandro Gomes
Alessandro Gomes
24 dias atrás

Espero que o autor não invente de por alienígenas na história.

Maria Eduarda Tenório Moreira Silva
Maria Eduarda Tenório Moreira Silva
24 dias atrás

Não entendi muito bem as coisas que Arthur entendeu nesse capítulo kkkkkkkk
Obrigada pelo capítulo

Last edited 24 dias atrás by NERO_SL
Botijão Cromado
Botijão Cromado
20 dias atrás

Tbm não entendi mb esse insight dele, só que é tipo uma espécie de novo sentido, que não muda nd na visão dele como o god step ou o realmh-sei-lá-o-que, e que de alguma forma da a ele capacidade de interferir no espaço.

Gabriel Ferreira
Gabriel Ferreira
24 dias atrás

meus senhores, fazia tempo que uma capitulo não me trazia esse sentimento de quero mais com urgencia, com essa revelação de que exite outros mundos com diferentes formas de magia abre espaço para mais arcos apenar de nos ter sido informado que estamos chegando no final da obra estou asioso para ver como o altor ira trabalhar tudo oq nos foi apresentado nesse capitulo e pelo que tudo indica kezess tera sua redenção se “arrependo” do que fez ou pelo menos justificando seus atos oq me deixa um pouco triste ja que esperava que o boss final seria ele mas veremos com o altor ira trabalhar isso.

Willian Oliveira
Willian Oliveira
24 dias atrás

Eu ainda acho que o boss final vai ser o kezess, mas vamos esperar

Last edited 24 dias atrás by Willian Oliveira
MonarKSHDW
MonarKSHDW
24 dias atrás

Só eu que acha que é por causa da Ji-ae que os ataques do Kezess não foram bem sucedidos, o bom do Arthur ter ajudado nessa parte é que ele agora tem mais reconhecimento dos outros Lorde, eu ri com o Kezess mandando o Arthur matar o Agrona, num é que ele percebeu que o Arthur tinha burlado o feitiço dele.

SweetPow
SweetPow
24 dias atrás

Kezess é macaco velho. Tem milhares de anos de experiência em enganar pessoas e se aproveitar delas. Também sabemos que mesmo ele se afeiçoando e sendo sincero, a lealdade dele é fraca, enão é lógico que o Art não vai confiar nele, mesmo acreditando nas palavras que ele disse. Fato é que é muito estranha essa dificuldade que tiveram em eliminar Agrona até hoje.

Alguma coisa
Alguma coisa
19 dias atrás

Por que neste capítulo tem um bando (17 neste momento) de comentários e os outros estava vazios? Obrigado pelo cap!

Matface
Editor
19 dias atrás
Reply to  Alguma coisa

Trocamos o sistema de comentários e ainda não conseguimos importar os comentários antigos.

Cap. 509