POV ALARIC MAER
O conteúdo da pequena bolsa de couro fez um som cristalino ao ser depositado sobre o balcão. A pequena e enrugada atendente do bar recolheu o pagamento com um movimento ágil e silencioso, fazendo-o desaparecer atrás do balcão. Seus olhos pequenos e brilhantes se estreitaram, e os lábios franzidos aprofundaram as rugas marcadas em seu rosto. Ela tamborilou os dedos sobre o balcão uma vez e apontou para a janela mais próxima.
Bestas de mana equinas de pernas compridas estavam conectadas a uma carruagem improvisada do lado de fora. Um homem com um longo casaco e um chapéu de aba larga pairava próximo ao veículo, avaliando qualquer pessoa que passasse por ali.
Bati duas vezes no balcão marcado e desgastado, pisquei para a atendente e, em seguida, fui em direção à porta.
A comandante estava encostada na parede ao lado da porta.
— Saindo sem sequer lançar um olhar às garrafas atrás do balcão? — Ela estalou a língua, e eu percebi o vislumbre de um sorriso por baixo do capuz. — Você realmente virou outra pessoa.
Eram momentos como aquele que mais me lembravam de uma certeza: por mais lúcida que a alucinação fosse, era apenas um reflexo dos meus próprios pensamentos internalizados. A comandante Cynthia Goodsky — nome que adotou após abandonar os Vritra — jamais teria sido tão indelicada a ponto de pisar em um cachorro velho enquanto ele tremia de abstinência. Esse era um tipo especial de crueldade autodepreciativa que só eu poderia imaginar.
Empurrei a porta rangente e saí para a rua. O céu estava nublado, e havia parado de chover recentemente. Embora Onaeka fosse uma próspera cidade comercial na costa de Truacia, eu estava na periferia decadente da cidade. A rua nem era pavimentada, e minhas botas afundaram alguns centímetros na lama enquanto eu a atravessava.
O cocheiro me viu chegando imediatamente. Endireitando-se, ele ajeitou a aba do chapéu para trás e enfiou os polegares no cinto. Ele tinha uma barba rala e irregular, quase como se fosse feita de retalhos vermelhos. O rosto era marcado por cicatrizes de sol, mas havia uma astúcia evidente em seus olhos escuros.
— Precisa de uma carona, estranho? Parece um homem com um propósito. — Ele sorriu, revelando vários dentes podres.
Cheguei perto o suficiente para que, mesmo falando baixo, ele me ouvisse claramente.
— Acertou nas duas coisas. Você é claramente um homem esperto. — Pausei, deixando que ele digerisse o tom das minhas palavras. — Esperto o suficiente para chamar a atenção de alguém que quer se esconder. Esperto o suficiente para transformar o desespero de outro homem em um pouco de merecida riqueza para você.
Observei o cinto que ele usava: um verde ácido reluzente, destoando do restante de sua roupa úmida e desbotada.
— Uma relíquia funcional — comentei. — Bem raro, isso. Extremamente raro, eu diria, já que todos são levadas para Taegrim Caelum e muito poucos saem de lá novamente.
Seus olhos se arregalaram.
— Bem, amigo, não vejo por que pensaria que… sou apenas um cocheiro do interior, não teria como pagar algo assim…
Uma adaga brilhou em minha mão, e avancei para cravá-la em suas costelas. Ou teria feito, não fosse pela explosão de mana que o envolveu em um escudo de energia azul brilhante. Foi rápido, piscando para dentro e fora em um instante.
As bestas de mana atreladas à carruagem soltaram um som nervoso, quase um lamento, e começaram a se mexer inquietas.
— Ei, o que você…
Guardei a lâmina com uma mão e levantei a outra para silenciá-lo.
— Esse é o tipo de coisa que pode ter sido roubada de Taegrim Caelum. Digamos, por alguém que trabalhava lá antes de tudo desandar. Talvez tenha sido dada a você como pagamento por passagem e sigilo. Ainda assim, o cinto vale mil vezes mais do que qualquer serviço que você poderia ter prestado. Muitos Alto Sangues ricos matariam por algo assim.
O cocheiro olhou nervosamente ao redor enquanto fechava o casaco, escondendo o artefato.
— O que você quer, camarada?
— Uma carona. — Dei-lhe um sorriso significativo, e seu rosto desabou.
Se o benfeitor secreto dele tivesse sido alguém poderoso, talvez as coisas tivessem seguido um rumo diferente, mas aquele era o tipo de homem que sentia o cheiro de desespero a dezenas de metros de distância. Ele sabia que o Instilador fugitivo era menos ameaçador do que eu, então não discutiu.
Tomei meu lugar na carruagem. A porta não fechava direito e rangeu perigosamente quando forcei o fechamento. Havia uma janela aberta conectando o interior da carruagem ao assento do cocheiro. Parecia que, em algum momento, havia uma cortina que poderia ser fechada para proteger do vento e do clima, mas há muito havia se quebrado.
O cocheiro subiu em seu assento e pegou as rédeas. Lançou um olhar furtivo na minha direção antes de dar um leve puxão nas bestas de mana e estalar a língua. O eixo guinchou quando a carroça começou a se mover.
— Não peguei seu nome, amigo — falei, enquanto a carruagem avançava pela lama.
— Não sou ninguém.
Dei uma risada.
— Todo mundo é ninguém na minha linha de trabalho.
Depois de confirmar nosso destino com o cocheiro, me preparei para uma longa viagem rumo ao norte pela costa. Eu poderia ter usado um tempus warp, mas tentar localizar um destino sem um alvo específico ou uma visão clara de onde eu estava indo parecia um erro. Era muito mais fácil deixar que o cocheiro me deixasse exatamente onde minha presa havia pousado.
Além disso, era um alívio bem-vindo no meio do caos. Em parte, era por isso que eu estava ali, rastreando o Instilador no fim do mundo em Truacia. Qualquer coisa para não fazer parte de mais uma reunião sem respostas.
O pulso de mana que matou a Foice Dragoth ultrapassou as fronteiras do Domínio Central, drenando a mana de cada mago que atingiu. A reação foi pior para os mais poderosos, ironicamente, embora muitos outros — aqueles naturalmente frágeis ou ainda fracos devido às ondas de choque que haviam atravessado o mundo semanas antes — também morreram. E por mais que tentasse disfarçar, Seris parecia ter sido fortemente afetada logo após o ocorrido.
O golpe duplo da onda de choque vinda de Dicathen, seguido por esse pulso que parecia se originar das Montanhas Presas do Basilisco, talvez até mesmo de Taegrin Caelum, havia deixado todos alarmados. E com razão. Dezenas de milhares de magos tiveram a mana drenada de uma vez só… Bem, isso não parecia um sinal de tempos particularmente bons por vir.
Enquanto a carruagem chacoalhava, não me atrevi a fechar os olhos, pelo menos um permaneceu firme no cocheiro o tempo todo, mas deixei minha mente cansada processar os últimos dias desde a Academia Central. Meus hematomas pareciam ainda mais vívidos ao me lembrar da fuga frenética, da Foice morta e do artefato de gravação.
Não fiquei surpreso ao encontrar Caera Denoir de pé, mesmo com a maioria dos magos mal conseguindo andar. A garota era tenaz.
Ela estava organizando um grupo de não magos para trazerem o máximo de conforto possível àqueles mais impactados pelo pulso de mana. Nenhum dos homens do Alto Sangue Kaenig sequer perguntou quem eu era quando me aproximei da biblioteca. Pude observar, por vários minutos, da entrada de um beco.
— Quando digo qualquer um que possa ativar um tempus warp, quero dizer qualquer um.
Caera repreendia um homem de aparência rabugenta, vestido com as cores de Kaenig. Ele não tinha uma assinatura de mana, então presumi que fosse um servo não mago. Pela qualidade de suas roupas e pela expressão carrancuda, ele claramente ocupava uma posição alta entre os funcionários e não estava acostumado a ser mandado por ninguém além dos Kaenigs.
— Temos muitas pessoas aqui que estariam melhor em suas próprias casas do que vomitando e chorando no chão da biblioteca por causa daquele… seja lá o que foi aquela explosão de drenagem. — Ela respirou fundo para se acalmar. — Todos aqui estão sofrendo, mas qualquer um que ainda consiga ficar de pé e canalizar mana é necessário. Envie um chamado pela cidade, se preciso.
Não ouvi a resposta do homem enquanto ele se curvava e marchava rapidamente para longe.
Saí do meu esconderijo e me aproximei de Caera, que pegava um pergaminho das mãos de outro não mago e começava a lê-lo.
— Bem, que belo pequeno caos organizado…
— Quem… Alaric! — Várias expressões passaram pelo rosto dela em rápida sucessão: alívio, culpa e esperança, entre outras. — Esperava que nos reencontrássemos com seu grupo antes, mas agora… — Sua voz suavizou, e o pergaminho pendia frouxo em sua mão. — Precisamos de ajuda, se você tiver algo a oferecer.
Fiz questão de olhar em volta da cena diante da biblioteca central de Cargidan. Todos os magos presentes tinham o mesmo olhar pálido e abatido. Na verdade, era a única maneira de distinguir os magos dos não magos. Quase ninguém tinha uma assinatura de mana sólida.
— Lady Seris? — perguntei, ao não vê-la.
Caera mordeu o interior da bochecha e lançou um olhar furtivo para uma tenda próxima. Ela havia sido erguida às pressas no gramado ao lado da biblioteca. Outras já estavam sendo montadas ao redor.
— Viva?
Caera assentiu.
— Venha.
Ela me conduziu para dentro da tenda, guardada por dois jovens magos com assinaturas de mana fracas. Avaliei que ambos não passavam de portadores de crista. O pulso, ao drenar toda a mana do núcleo de um mago, havia afetado mais os mais fortes do que os mais fracos.
Lá dentro, a tenda abrigava apenas uma única cama dobrável. Seris, outrora Foice de Sehz-Clar, estava sentada, com as costas apoiadas em vários cobertores enrolados. Olheiras escuras cercavam seus olhos, e suas bochechas estavam pálidas como porcelana. Seu retentor, Cylrit, estava sentado no chão ao lado da tenda, com a cabeça reclinada contra a parede de tecido grosso e os olhos fechados. Ambos emitiam auras fracas e trêmulas.
Ter encontrado os dois em condições relativamente boas, considerando Dragoth, teria sido uma surpresa, não fosse por um punhado de frascos vazios na grama ao lado da cama: elixires, e potentes, pelo resíduo deixado.
Os olhos de Seris se abriram quando entramos.
Lancei-lhe um olhar avaliador.
— Você está muito melhor do que seu camarada, Dragoth. Morto como uma pedra.
Os olhos de Seris se fecharam como se fossem puxados por um peso enorme.
— Um fim patético para um homem patético — disse ela. Seus olhos se abriram novamente, e ela me lançou um olhar afiado. — O que você estava fazendo perto de Dragoth?
Soltei uma risada e retirei um fragmento de cristal entalhado: o cristal de armazenamento de um artefato de gravação.
— O povo precisa de provas de que Agrona realmente se foi. Se minha informação estiver correta, este cristal contém exatamente isso.
— Uma boa notícia hoje — murmurou Caera. — Mas como você conseguiu isso?
Seris inclinou-se para frente, encarando a estrutura cristalina como se pudesse desvendar seu conteúdo apenas com a força de vontade.
— É de um artefato de gravação móvel — disse Seris, suas sobrancelhas se erguendo levemente. — De Dicathen. Porém, as imagens estarão bloqueadas por mana. Elas exigem uma sequência específica de aplicação de mana, talvez apenas de certas pessoas, para serem acessadas.
Minha expressão azedou.
— Você era uma Foice, pelo amor de Deus. Está dizendo que não pode usar isso?
Seris permaneceu em silêncio por um momento, e sua desaprovação parecia pesar no ar, apesar de seu estado debilitado.
— Talvez eu consiga quebrar o bloqueio… assim que tiver tempo para me recuperar.
Arranquei um pouco de sangue seco da barba e o joguei na grama.
— Falando nisso… Não suponho que você tenha alguma ideia do que, em nome do abismo, foi aquilo, tem?
Seris suspirou e se recostou novamente, fechando os olhos.
— Várias teorias, mas provavelmente fariam mais mal do que bem se eu as compartilhasse agora. — Ela acenou com a mão como se afastasse teias de aranha. — Preciso de tempo para pensar.
— Devemos deixar Seris descansar — disse Caera, colocando uma mão no meu braço e prestes a me conduzir para fora.
— Há mais uma coisa — falei, dando meio passo em direção à cama. — Todos que viram esta gravação estão mortos, exceto Wolfrum, do Alto Sangue Redwater. Ele e um único Instilador que conseguiu escapar das garras de Dragoth antes que ele matasse os outros.
Seris mexeu-se levemente na cama, mas não abriu os olhos.
— Ele pode ser útil se não conseguirmos desbloquear esta gravação sozinhos. Você pode colocar alguém nisso?
Dei de ombros e percebi que ela não podia me ver.
— Passei o último dia preso e torturado. Não sei ainda que tipo de bagunça este pulso causou ao meu pessoal. Vou eu mesmo.
Caera soltou um suspiro curto pelo nariz.
— Você acabou de dizer que…
— Esqueça. Eles eram amadores. — Atrás de Caera, na entrada da tenda, a alucinação da Comandante Cynthia sorriu.
Seris tossiu. Seus olhos moviam-se rapidamente sob as pálpebras. Não sabia explicar, mas um arrepio percorreu minha espinha. Mesmo nesse estado, sua mente estava a mil.
— Esse pulso de mana, como você chamou, veio no momento mais inoportuno possível — disse ela, falando devagar e claramente. — Precisamos de uma mensagem positiva para combater o desespero das pessoas. Algo como mostrar provas incontestáveis de que elas não estão mais sob o jugo dos Vritra.
— Entendido — grunhi. Com uma piscadela para Caera, saí por conta própria.
Minha rede estava em frangalhos, como esperado. Era o mistério por trás do evento, mais do que os próprios efeitos, que abalava as pessoas. Um vento amargo vindo das montanhas que roubava a mana do núcleo de cada um…
Como as histórias de Assombrações contadas para assustar crianças, pensei enquanto observava a costa Truaciana deslizar pela janela da carruagem.
A escala disso era o que tornava tudo real.
— O fantasma de Agrona, ainda sugando a vida de seu povo — murmurei.
Meu condutor lançou um olhar lacrimejante para mim, mas nenhum de nós falou.
Seja por sorte, pela falta de habilidade do meu alvo ou pelo fato de que a notícia da morte de Dragoth se espalhou como fogo, não demorou muito para ouvir rumores de um Instilador desesperado e fugitivo seguindo para o norte. Isso, é claro, eventualmente me levou a Onaeka e ao desanimado cocheiro que agora me levava ao meu destino.
Levou tempo suficiente para a dúvida se instalar.
Até agora, estávamos contando a história de que este segundo pulso que roubou a mana era uma espécie de abalo secundário do choque original. Esse, como sabíamos, havia sido causado pela derrota de Agrona por Arthur Leywin em Dicathen. Eu não entendia isso, mas também não precisava entender. Essa história de abalo secundário era, obviamente, uma mentira, mas Alacrya já estava à beira do colapso.
Eu não sabia quanta pressão a nação ainda poderia suportar antes de se despedaçar em um frenesi de pavor.
— Olhe só para você, preocupado com “a nação” novamente — disse Cynthia do assento ao meu lado. Ela estava reclinada, com uma perna cruzada sobre a outra, distraidamente mexendo na sola da bota. — Redescobriu o patriotismo, pelo visto.
Dei uma risada seca.
— Foi Arthur Leywin quem me acorrentou a isso, isso sim. Mentiroso de merda.
Ela riu, fazendo-me rir também. Ela não precisava me dizer que eu estava mentindo. Nem estava realmente ali. Apenas uma alucinação de uma mente quebrada.
Cynthia inclinou a cabeça, como se estivesse lendo meus pensamentos. Seu sorriso suavizou, tornando-se triste. Ela olhou pela janela. Eu pisquei. Ela tinha desaparecido.
— Falta muito? — perguntei, quase gritando para o condutor, de repente inquieto para sair da carruagem. Estava começando a escurecer, e as luzes de uma pequena vila podiam ser vistas ao longe.
Ele estalou a língua para as bestas de mana equina que puxavam a carruagem, e elas desaceleraram até parar.
— Você tem um bom faro, senhor. — Ele saltou da parte dianteira da carruagem e abriu a porta com um gemido. — O sujeito que está procurando me pediu para deixá-lo bem aqui. — Indicou uma pedra vertical que marcava uma abertura no emaranhado de arbustos que separava a estrada da costa rochosa. — Não faço ideia de para onde ele foi a partir daqui.
Chutei uma pedra. Ela quicou duas vezes antes de desaparecer nos arbustos.
— Viemos de longe juntos, amigo. Talvez nosso relacionamento tenha tido altos e baixos, mas gosto de pensar que construímos certa confiança nas últimas horas. A maioria das pessoas leva anos para chegar ao nível de silêncio confortável que compartilhamos.
Impulsionei mana nas minhas runas, deixando-a emanar como uma intenção ameaçadora, sem conjurar um feitiço. — Seria uma pena estragar isso agora.
— Ah, que se foda — resmungou. — Não vou morrer por um sujeito que nem conheço. Meu primo tem uma cabana lá na praia, do outro lado da vila. — Ele deu de ombros, derrotado. — Meu primo trabalha em um navio mercante que faz rota pela costa norte até Dzianis, não é? Então ele quase nunca está em casa. Disse a esse sujeito que ele podia ficar lá por um tempo.
Considerei forçá-lo a me levar direto até a porta. Sua aparição na vila poderia alertar meu alvo, no entanto. Além disso, eu tinha quase certeza de que ele estava dizendo a verdade.
— Dê o fora daqui. — Apertei o pagamento em sua mão. O suficiente para garantir que ele não faria nada além de voltar correndo para Onaeka. — E venda logo esse cinto, ou alguém provavelmente vai abrir sua barriga por ele.
O cocheiro coçou a barba enquanto lutava visivelmente para encontrar palavras, então grunhiu, saltou de volta para o assento e estalou a língua para as suas bestas de mana. As criaturas cuidadosamente manobraram a carruagem em uma curva, esmagando os arbustos do outro lado da estrada, e logo partiram apressadamente.
O cocheiro, pálido na luz tênue, olhava fixamente para frente.
Uma brisa fresca soprou do mar. Ajustei meu manto, levantei o capuz e comecei a caminhar em direção à vila. A estrada principal virava à esquerda, enquanto um caminho separado seguia à direita, cortando o centro da vila. Algumas casas de fazenda cercadas por pequenos campos de colheitas sofridas marcavam a borda externa do lugar. Um fazendeiro, ainda trabalhando ao crepúsculo, parou para se apoiar em um ancinho e me observar passar.
A vila em si estava bastante quieta. No centro, havia uma pequena praça delimitada por um armazém que cheirava a peixe, uma estalagem sem placa na entrada e uma casa senhorial deslocada, que presumi ser algum tipo de prefeitura ou talvez a residência de algum Sangue Nomeado em dificuldades.
Algumas barracas de mercado se alinhavam na praça, mas todas estavam fechadas. O som abafado de conversas embriagadas vinha da estalagem, junto com o cheiro de carne assada, ervas, especiarias e cerveja velha.
Avistei dois homens armados enquanto dobravam uma esquina além da estalagem. Sem querer ser pego respondendo perguntas de guardas ansiosos de uma vila pequena, me escondi na sombra da estalagem e esperei. Os guardas passaram sem sequer olhar na minha direção.
Cuidadoso para não colocar o rosto diretamente na janela, onde a luz de dentro poderia me destacar para todos verem, espreitei pela estalagem, procurando por um homem que correspondesse à descrição do Instilador. Muitos dos moradores estavam fora para beber e jantar tarde, provavelmente tendo voltado recentemente de um longo dia de pesca, mas nenhum deles tinha a aparência de forasteiro, e ninguém correspondia à descrição que eu tinha recebido.
Contornando a pousada, segui pelo vilarejo até que ele se transformasse em uma praia rochosa. O som do mar acariciando a costa era mais que suficiente para encobrir qualquer ruído que eu fizesse enquanto avançava pela costa pedregosa em direção ao norte.
Assim como o cocheiro havia dito, encontrei uma cabana malcuidada a alguns minutos da cidade. Ela estava encostada em um pequeno penhasco que separava a praia das terras selvagens atrás dela. Um píer instável flutuava cerca de dez metros mar adentro, sustentado por boias que o permitiam subir e descer com a maré. A própria cabana estava erguida sobre pilares, mantendo-a acima da marca da maré alta. Os pilares estavam verdes de algas e podres. Um deles havia afundado um pouco, inclinando toda a estrutura.
Um traço de assinatura de mana suprimida era quase imperceptível dentro da cabana.
Embora eu tivesse conseguido aprender bastante sobre esse Instilador enquanto o rastreava de Cargidan a Aensgar, depois a Itri, e finalmente a Onaeka, ele fora cuidadoso em não deixar escapar seu nome, mesmo enquanto cruzava metade do continente. De qualquer forma, saber o nome dele provavelmente não me ajudaria; apenas o alertaria de que eu sabia exatamente quem ele era.
Aproximando-me cautelosamente da rampa que levava à porta da frente, escondi minha própria assinatura de mana o melhor que pude, atento a qualquer indício de que ele tivesse canalizado uma runa.
De repente, o vento soprou na direção errada. Virei-me para o sul, atônito, esquecendo-me de ser silencioso. Esquecendo-me até do que estava fazendo.
Garras familiares e congelantes rasgaram meu interior, agarrando a mana em meu núcleo. Engasguei, caindo de costas. A madeira desgastada pelo mar da moldura da porta estilhaçou-se, e eu atravessei a porta, aterrissando de costas em um tapete manchado. Olhei para cima, sem reação, para um homem empunhando uma lâmina em chamas.
A espada curta escorregou de suas mãos enquanto ambas iam para o peito. A ponta cravou-se no assoalho a centímetros do meu rosto, as chamas chamuscando minha barba no instante em que persistiram antes de se apagarem.
Percebi vagamente o homem se apoiando. Seu peso derrubou uma pequena mesa, que caiu no chão. Ele a seguiu um momento depois.
Meus olhos se fecharam com força contra a dor de ter toda a minha mana arrancada mais uma vez. Um grunhido agonizante escapou por entre meus dentes cerrados. Perto, o Instilador arfava e soluçava, suas tentativas de formar palavras falhando em seus lábios ou nos meus ouvidos, não tinha certeza.
Por trás das minhas pálpebras fechadas, nossas manas se misturavam com um brilho fraco enquanto escapavam de nós.
Próximo, no chão, o Instilador arfava. Cada respiração entrecortada vinha acompanhada de uma tosse úmida.
— Porra… — Foi tudo que consegui murmurar. Eu precisava me mover.
Comecei virando-me de lado, usando o braço direito como alavanca, estendendo-o sobre o peito. O cheiro de mofo e água salgada era forte.
Uma vez de lado, abri os olhos. O Instilador estava a poucos centímetros de distância, olho no olho comigo. A espada curta erguia-se do chão entre nós como um aviso. Seu corpo tremia, e, a cada tosse, ele se curvava, apertando o peito. Sangue escorria livremente do nariz e de um lábio profundamente rachado.
— Sou… amigo — falei, ainda tentando recuperar o fôlego. Completei o movimento, virando de bruços e me apoiando nos joelhos. — Estou aqui para ajudá-lo.
Agora completamente em posição fetal, com o rosto distorcido em uma careta de dor, ele balançou a cabeça.
Com mãos trêmulas, puxei a lâmina do chão e a joguei para o lado. O Instilador estremeceu ao som do metal batendo na madeira.
Minha lucidez finalmente voltou, e usei a pequena porção de mana restante em meu núcleo para ativar meu artefato de armazenamento extradimensional, retirando dois pequenos frascos cheios de líquido suavemente brilhante. Elixires. Arrancando a tampa de um, bebi tudo em um único gole. A mana percorreu meu corpo, e a dor que apertava meu núcleo desapareceu imediatamente. Era como uma brisa fresca soprando por meus músculos, ossos e até minha mente.
Soltei um suspiro aliviado.
— Aqui, um para você também. E nem vou dizer que me deve uma.
O homem resistiu quando aproximei o elixir de seus lábios, mas não tinha força para lutar. O líquido encheu sua boca, que fechei com minha mão livre. Seus olhos se arregalaram e suas narinas se expandiram desesperadamente enquanto ele lutava para não engolir. A natureza e a física trabalharam contra ele, e em poucos momentos ele consumiu o líquido restaurador de mana.
— Viu? Não foi tão… — Minha voz morreu ao observar sua reação ao elixir. Apesar da mana preencher rapidamente seu núcleo e se espalhar por seu corpo, ele não estava relaxando. — Pelos testículos de Vritra, o que…
Talvez finalmente percebendo que eu estava tentando ajudá-lo, não matá-lo, o Instilador agarrou a bainha do meu manto. Seu rosto estava pálido e esverdeado, os olhos vermelhos e desesperados.
— P-peito… não consigo…
Deitei o homem de costas e então senti sua cabeça, pescoço e peito. Mandíbula cerrada, suor frio escorrendo, parecia prestes a vomitar…
Os sinais eram consistentes com um colapso, mas o elixir deveria ter aliviado isso imediatamente. Já tinha visto homens se esforçarem além do que o coração podia suportar mais de uma vez, e todos morreram exatamente assim.
Minha prioridade mudou. Aquilo já não era mais uma missão para encontrar e trazer de volta um recurso potencialmente hostil.
— As imagens gravadas. Aquelas de Agrona, de Dicathen. — O homem parecia confuso, seus olhos lacrimejantes vagando pela cabana escura. Pressionei seu peito e eles voltaram para mim. — Você viu a gravação. Sabe como acessá-la.
Houve um lampejo. Ele sabia.
— Não temos muito tempo. Diga como podemos contornar o bloqueio de mana, e então eu te levo para o vilarejo. Com certeza eles têm um curandeiro que pode te ajudar. — Peguei-me acrescentando rapidamente: — Dragoth está morto. Agrona foi capturado, você viu isso pessoalmente. Você é um homem livre depois disso. Só preciso da sua ajuda.
— N-não… não posso… — Ele engasgou com a própria língua e tossiu sangue sobre minha manga.
— Podemos provar para todo o continente que Agrona se foi — falei, enfatizando minha voz como um apelo. — Você detém a chave para uma era completamente nova para Alacrya.
Um espasmo de dor sacudiu o Instilador, e ele desviou o olhar.
— É lealdade, então? — Não consegui conter a amargura na minha voz. — Ainda desesperadamente agarrado aos pelos curtos de seu deus-rei, disposto a fazer qualquer coisa para manter sua posição nesse mundo quebrado…
— Não! — O Instilador fez uma careta, depois me encarou com um olhar cheio de ódio. Tentou continuar falando, mas algo estava errado com sua mandíbula e sua língua. Ele simplesmente não conseguia formar as palavras, mas o olhar em seus olhos dizia tudo.
Segurei sua mão com ambas as minhas e apertei.
— Não sei o que você está tentando me dizer. Ajude-me a desbloquear a gravação. Dê-me uma chance de descobrir isso.
O Instilador se desvencilhou da minha mão. Virando a cabeça, ele cuspiu um bocado de sangue no chão. Tremeu violentamente enquanto tentava escrever no sangue, mas sua mão não estava mais sob seu controle do que sua boca. Depois de vários segundos de fracasso, durante os quais ele conseguiu nada além de espalhar sangue pela madeira rústica, deixou a cabeça cair de volta no chão.
Outro espasmo o tomou. Não ia durar muito tempo.
De repente, ele levantou ambas as mãos acima de si. Mana começou a vazar dele em uma série de pulsos. Talvez fosse a fadiga e a reação, mas não compreendi imediatamente. Ele abriu os olhos, me encarou, então repetiu a sequência.
A compreensão me atingiu como um tijolo na nuca.
— O bloqueio de mana se abre a uma sequência específica. Me mostre de novo!
Seus braços tremiam agora. A mana oscilava mais do que da primeira vez, mas agora que percebi o que estava vendo, segui com facilidade e guardei na memória.
— Obrigado, amigo. Você é corajoso para caralho.
— A-ajuda… — Ele disse, seus braços caindo, dedos enfiando-se em seu peito e pescoço.
Retirei outro frasco do meu anel dimensional. Este era maior, selado com uma rolha de cera. O líquido dentro era claro. Descasquei a cera e destapei o frasco com cuidado, sem querer me sujar.
— Aqui. Isso aliviará a dor. Depois te levarei ao vilarejo.
Com os sentidos roubados pela dor e pelo medo, ele abriu a boca e engoliu o veneno sem questionar.
Mesmo com meu tempus warp, sabia que não conseguiria levá-lo a um curandeiro a tempo. O melhor que podia oferecer era um fim rápido para seu sofrimento.
Ele soltou um suspiro aliviado enquanto seus sistemas desligavam. O pobre coitado ainda sorria, seus lábios começando a mover em agradecimentos. Morreu antes de formar as palavras.
Minha mente se concentrou na chave do bloqueio de mana, repetindo-a incessantemente para guardá-la na memória. Mesmo enquanto erguia o cadáver surpreendentemente leve e o carregava para fora da cabana, pensava apenas no que a gravação representaria para as pessoas de Alacrya. Prova.
Deixei o corpo na beira do vilarejo, onde os guardas o encontrariam em breve, fazendo parecer que ele havia viajado até ali por conta própria. Eles presumiriam que ele morreu devido ao pulso de mana, o que era verdade, de certa forma. Provavelmente o enterrariam no mar, o que era melhor do que apodrecer naquela cabana por uma semana ou duas antes do dono retornar.
Depois, encontrei uma rua escura onde não seria observado, retirei meu tempus warp e me preparei para retornar a Cargidan, onde Seris e Caera aguardavam notícias.
Tradução: NERO_SL
Revisão: ***
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