POV ARTHUR LEYWIN
A cidade de Chama Eterna parecia pequena em comparação com as colinas que se espalhavam consistentemente em direção à base do Monte Geolus. Embora eu já não pudesse ver o pequeno jardim do qual havíamos acabado de sair, ainda conseguia sentir a assinatura de mana de Tessia mesmo entre as milhares de auras mais potentes.
— Tome cuidado, Arthur — repetiu Sylvie enquanto eu acelerava, voando ao lado de Kezess.
O próprio Kezess não falou nada. Eu já havia experimentado seu tratamento silencioso antes e já tinha mostrado a ele que não ficaria simplesmente sentado esperando sua atenção como um de seus servos. Ele podia optar por manter Windsom esperando por horas ou até dias se o outro asura o irritasse, mas eu não era um de seus servos, um membro de seu clã ou sequer um asura. Eu não lhe devia nenhuma lealdade.
Com o Gambito do Rei parcialmente ativado, eu conseguia pensar melhor nos possíveis resultados da nossa conversa. Não podia ver o futuro, mas podia ler os pequenos movimentos de seu corpo — os tiques de seu rosto e sua assinatura de mana — e puxar da memória tudo o que sabia sobre Kezess, tanto de nossas interações anteriores quanto do que aprendi na pedra-chave, tudo ao mesmo tempo e com mais rapidez do que normalmente seria capaz.
E, no entanto, esse aprimoramento mágico das minhas habilidades cognitivas também serviu para enfatizar o quão perigosa minha situação era agora. Minha família, Tessia e Sylvie estavam sob o poder de Kezess, e era muito de seu feitio usá-los contra mim. Eu havia entregado seu maior inimigo e ameaça em uma bandeja de prata; ele não precisou levantar um dedo, apenas vir buscar o corpo inconsciente de Agrona. O maior perigo agora, porém, era o que eu sabia. O ciclo de manipulação e genocídio que os dragões perpetraram contra o meu mundo vinha desde antes mesmo dos asura o deixarem, e dado seu longo tempo de vida, parecia altamente provável que o próprio Kezess tivesse sido responsável pela destruição de mais de uma civilização.
— Que progresso você fez com Agrona? — perguntei para quebrar seu silêncio de pedra.
Ele me olhou de soslaio enquanto voávamos, sua expressão calculista. Sem dúvida estava considerando se deveria me responder ou não. No fim, porém, ele escolheu responder após uma pausa significativa.
— Ele continua mudo. — Houve uma breve hesitação, e pensei que ele pudesse voltar a me dar o tratamento silencioso, mas então ele perguntou: — O que você fez com ele, Arthur? Preciso de detalhes específicos. Isso parece…antinatural.
Considerei o que havia acontecido e o quanto eu poderia dizer a Kezess com segurança. Ou mesmo queria dizer a ele. Felizmente, O Gambito do Rei me ajudou a conter minha raiva e a prosseguir logicamente.
— Myre compartilhou o que eu disse a ela?
— Sim, ela o fez — respondeu, levantando uma sobrancelha com o uso casual que fiz do primeiro nome dela. Havia uma emoção mais profunda escondida por trás de sua máscara plácida, enterrada profundamente em seus olhos e visível apenas por sua ligeira dilatação.
Medo.
Registrei essa emoção sem pensar muito sobre ela. Haveria tempo para dissecar essa conversa mais tarde. No momento, concentrei-me em controlar meus próprios pensamentos e linguagem corporal.
— Receio não saber descrevê-lo agora melhor do que descrevi a ela dias atrás. Talvez trilhar o Caminho da Percepção possa nos ajudar a entender melhor.
Os olhos de Kezess se estreitaram, pouco mais que um tique. Ele não esperava eu me voluntariar para percorrer o Caminho tão prontamente ou tão cedo, o que eu havia previsto. Estávamos voando sobre um vasto campo de talos altos, semelhantes a milho, com bulbos dourados no topo, e ele observou os agricultores trabalhando por vários longos segundos antes de responder.
— Tenho certeza de que você aprendeu muito naquela última pedra-chave para compartilhar. Posso sentir a ânsia com que seu éter se ergue para fazer sua vontade.
Eu sabia que isso era uma alusão sutil ao fato de ter cancelado sua tentativa de nos teleportar de volta ao castelo mais cedo. Ele estava mostrando contenção, mas não acho que isso estivesse relacionado àquela centelha de medo que vi antes. Em vez disso, parecia mais provável que ele desejasse me manter confortável e confiante para que eu não hesitasse no Caminho da Percepção.
Ele também poderia estar sentindo o Gambito do Rei, uma ramificação dos meus pensamentos identificou. Windsom e Charon já lhe teriam contado sobre a habilidade da runa divina, embora só o tivessem visto quando totalmente ativado. Kezess saber que eu possuía tal ferramenta era uma coisa, mas não tinha dúvida de que ele consideraria um ato de hostilidade se eu a usasse abertamente contra ele.
— Sim, aprendi — admiti, não vendo benefício em negar meu progresso. — Não tenho dúvidas de que posso compartilhar insights suficientes para mantê-lo ocupado com sua pesquisa por bastante tempo.
O que não disse, é claro, foi que sabia que o controle dos dragões sobre o éter havia diminuído lentamente ao longo do tempo. Na última pedra-chave, aprendi que o éter era na realidade a essência mágica destilada de uma vida e até mantinha alguma consciência e propósito. Os dragões haviam colocado fim a tantas vidas que o reino etéreo agora estava repleto dos remanescentes de pessoas que odiavam os dragões, e, portanto, o éter tornava-se cada vez mais difícil de ser influenciado pelos dragões.
Como meu núcleo purificava o éter, isso criava um vínculo entre a energia e eu que os dragões não conseguiam replicar, então não sabia quanto do insight que eu fornecesse seria realmente útil para Kezess.
Espero que não muito, pensei de forma antagônica.
O Castelo de Indrath se erguia à nossa frente. Passamos por uma espécie de bolha invisível que ondulava sobre minha pele como água morna. Houve uma hostilidade inerente, como dezenas de olhos famintos voltados para mim do escuro, mas essa sensação desconfortável se assentou instantaneamente. Kezess nos conduziu até uma torre familiar.
As janelas em arco se abriam para olhar em todas as direções, algumas mostrando apenas os telhados íngremes do castelo, outras as colinas e campos distantes do domínio de Kezess. Estranhamente, achei que podia distinguir Chama Eterna ao longe, embora nunca a tivesse notado enquanto estive na torre antes.
O anel gasto no chão de pedra parecia ainda mais profundo do que antes, mas, logicamente, eu sabia que era só um truque da minha percepção.
— Mostre-me — disse ele simplesmente, gesticulando para o Caminho.
Olhei para a pedra erodida pensativamente, considerando a runa divina Gambito do Rei. Deixá-la ativa dentro do Caminho da Percepção aumentaria minha capacidade de controlar meus próprios pensamentos e lidar com qualquer magia que o Caminho carregasse, que puxava os insights diretamente da minha mente. No entanto, também havia o risco de revelar mais sobre a runa do que queria, ou até mesmo de meus pensamentos ramificados levarem ideias ao Caminho que eu não desejava. O fato de a runa divina ampliar minha consciência e me permitir pensar em várias coisas ao mesmo tempo poderia ser uma bênção ou uma maldição, dependendo de como o Caminho da Percepção funcionasse. Infelizmente, eu não sabia o suficiente sobre isso para tomar uma decisão consciente.
Preciso de toda vantagem, finalmente decidi, deixando-a parcialmente ativada enquanto pisava no Caminho. Meus pés se moveram por conta própria, e os ramos da minha mente se prenderam firmemente como uma armadilha de aço em torno das memórias do meu tempo na quarta pedra-chave.
Primeiro, caminhei pela pedra-chave em si, um fio de pensamento focando em sua mecânica e outro repetindo as memórias de quando eu os desenrolei. Não havia nenhuma versão desses eventos que pudesse tecer sem revelar o aspecto do Destino, então mergulhei nessas memórias, nas conversas que tivemos. Concentrei-me atentamente na insistência do Destino de que o reino etéreo era antinatural e precisava ser rompido. Com esses fios, contei-lhe cuidadosamente uma história que contornava o que o Destino havia revelado sobre os dragões e não revelava meu acordo com o Destino.
Entretanto, quanto mais tentava conter, contornar ou ofuscar, mais sentia uma força externa atraindo meus pensamentos, puxando-os em direções diferentes. De repente, estava pensando sobre as pedras-chave e os desafios que haviam sido necessários para reivindicá-las. Cortei esse fio, mas outro estava considerando a complexa chave necessária apenas para entrar na quarta pedra. Rapidamente podei esse pensamento também, concentrando-me na confusão do Destino sobre o cristal de memória que eu carregava em minha runa de armazenamento dimensional, o que resultou em minha rápida descoberta de sua tentativa de enganar. Esse pensamento se transformou em minhas memórias do próprio Destino, que se espalharam por todos os ramos da minha consciência aprimorada pelo Gambito do Rei, e por um momento lutei para controlar tantos pensamentos de uma vez.
Apoiando-me nessa força, segui o Destino até o fim, revivendo os momentos após ser liberado da pedra-chave, quando o Destino estava atrás de mim depois que reapareci na caverna de Sylvia para encontrar minha dimensão de bolso colapsada e a piscina de sustentação agora incrustada no chão da caverna. A força estava me puxando de volta, procurando por uma memória ou linha de pensamento diferente que eu ainda não havia focado. Soltei os ramos que exigiam mais luta e um controle mais feroz, e concentrei o restante em Agrona exigindo a vida de Sylvie, em Nico já perto da morte, e em Cecilia e sua recusa em obedecer.
Os caminhos alternativos de pensamento vieram mais rápido e lutei para desviá-los. Em vez de pensar nos eventos e como eu estava em sua confluência, deixei a força levar cada ramo de pensamento para o aspecto do próprio Destino. Em vez das conversas, do conhecimento compartilhado, da busca através de todas aquelas linhas do tempo futuras por uma solução viável para o problema do éter, foram aqueles últimos momentos que ficaram claros. Os fios dos meus pensamentos emaranhados se entrelaçaram na forma grosseira de um homem, assim como os fios do Destino formaram o próprio Destino. E no foco desse destaque, foi revelado como o aspecto do Destino me guiou, movendo-se através de mim como se eu fosse aquele mantido por cordas.
Chega, pensei, tentando retomar o controle sobre meus pés. Tropecei e quase caí enquanto meu corpo resistia a mim, minhas pernas ansiosas para continuar percorrendo o ciclo interminável enquanto o poder do Caminho sugava meu insight de mim. Cerrando os dentes, forcei contra a inclinação antinatural, e meu passo se acalmou. Fiquei respirando pesadamente ao lado do anel de pedra desgastado.
Kezess não estava olhando para mim. Seu olhar apontava para o nada, focando a uma certa distância em algo que eu não podia ver. Lentamente, como se acabasse de acordar, ele olhou ao redor sem realmente enxergar. Finalmente, uma faísca de vida e compreensão brilhou em seus olhos dourados, e suas sobrancelhas se curvaram para baixo como lâminas descendentes enquanto ele olhava para mim… para dentro de mim.
A torre desabou ao nosso redor. Canalizei éter, mas, pego de surpresa, não consegui conter o ataque do poder de Kezess. Além da torre, todo o castelo estava desmoronando em pedra, areia e poeira. O céu escureceu, e nuvens negras foram rasgadas por raios vermelhos. Estávamos em um precipício, um círculo irregular de pedra escura que se estendia da rocha negra e estéril sobre um mar de magma borbulhante. O calor e o cheiro sufocante queimaram minha garganta enquanto eu puxava uma respiração pesada.
Cambaleei, forçado a mudar meu equilíbrio para me manter em pé. Meus calcanhares escorregaram, e percebi que estava apenas mal ficando de pé na borda da esfera irregular.
Não era o poder de Kezess que me mantinha congelado, mas a amargura e frustração de sua raiva desenfreada enquanto ele dizia:
— Você não pode saber o que sabe, Arthur Leywin. Vivo, você representa um perigo grande demais. Agrona achou que poderia aprender a natureza do seu núcleo mesmo após a sua morte. Talvez eu possa fazer o mesmo. Você tem uma mensagem para minha neta antes de morrer?
Minha mente girava. Não posso saber o que sei? Mas o que…
Todos os pensamentos e memórias entrelaçados do meu tempo no Caminho da Percepção voltaram de uma vez, e percebi meu erro.
— Ela também sabe — falei, minha voz rouca pelo ar escaldante e a fumaça sufocante. — Você vai executar seu próprio sangue para manter seu segredo? — Embora Kezess tenha me pegado desprevenido, eu estava começando a me recompor. Havia uma turbulência caótica no éter aqui, mas o meu permanecia firme.
Ele balançou a cabeça.
— Quando você vai tão longe quanto eu fui para proteger seu povo, não há nada que você não faça para garantir que essa proteção continue. — Sua mão avançou, num movimento lento e implacável.
Éter liberado do meu núcleo, fluiu pelos meus canais e imbuiu as runas divinas Gambito do Rei e Realmheart. Minha visão mudou, trazendo ao meu alcance visual os pontos individuais de mana que sentia na atmosfera. Enxames vermelhos selvagens de mana do atributo fogo ondulavam na brisa criada pelos rios de rocha derretida, batendo contra o éter atmosférico espesso e criando a sensação de caos que eu havia notado antes.
Uma parede de pura mana bateu em mim. Uma luz radiante de ametista brilhou pela plataforma áspera em resposta. A divisão de éter e mana na atmosfera, duas forças pressionando uma contra a outra, delineou-se ainda mais quando as partículas roxas empurraram de volta contra as brancas e vermelhas.
Em vez de ser jogado para fora da plataforma, eu levitei no ar. O éter tremulou, mas o feitiço de Kezess se quebrou contra mim.
Todavia, não foi surpresa que vi no estreitamento dos olhos de Kezess, mas um cálculo frio. Sua mão caiu ao lado do corpo. A rocha derretida bem abaixo de nós chiava, estalava e borbulhava, alta para meus sentidos hiper-focados.
— Eu não pretendia que você descobrisse o que aprendi ainda — falei, minha voz amarga. — Calculei mal minha capacidade de resistir aos efeitos do Caminho da Percepção enquanto controlava meus próprios pensamentos entrelaçados e sobrepostos. Ainda assim, talvez seja melhor que não haja mentiras entre nós. O aspecto do Destino me mostrou o que os dragões fizeram a este mundo, mas você mesmo conhece apenas metade da história.
Seus olhos escureceram para um roxo tempestuoso. Embora ele estivesse casual por fora, cada músculo estava tensionado para entrar em ação e carregado de mana. Eu podia ver como ela se enrolava no dragão dentro dele, pronta para saltar e transformar sua carne.
— Nenhum dos que aprenderam o que você sabe e ameaçaram usá-lo contra mim permaneceu. Nenhum, exceto Mordain, que seus pensamentos traíram. Vi sua jornada até a pedra-chave e o papel dele nisso. Todos esses séculos, e não apenas ele sobreviveu, mas continua a trabalhar contra mim.
Senti o gosto de bile na parte de trás da minha garganta enquanto ele falava. Pior do que revelar o que sabia sobre as ações dos dragões, entregar Mordain e seu povo foi um resultado muito infeliz do meu tempo no Caminho. Eu teria que lidar com a ameaça entre Mordain e Kezess mais tarde, então deixei isso bem no fundo da minha mente.
— Uma vez — comecei —, seus ancestrais eram tão potentes nas artes etéreas que formaram um mundo inteiramente novo, uma dimensão dentro de uma dimensão, para abrigar seu povo, longe de um mundo que não podia sustentá-los. Agora, no entanto, você mal consegue sobreviver implorando ao éter para moldar seus desejos. Estou curioso, Kezess. Você ao menos sabe o que mudou?
Um brilho em seus olhos. Um aperto de sua boca. A mudança mais sutil de seus pés e o embranquecimento de seus nós dos dedos. Palavras que ele desejava dizer estavam presas atrás de dentes cerrados, e sua língua correu ao longo deles para empurrar as palavras para baixo.
— À medida que manter um certo equilíbrio se tornou essencial, também foi necessário reduzir a magia etérea dos dragões — continuei. Desci lentamente de volta para a plataforma. A pedra estava quente sob as solas de couro das minhas botas. — Você sabe que não pode desfazer o que foi feito simplesmente arrancando meu núcleo, assumindo que você seja capaz de fazê-lo. Meu núcleo sozinho não lhe daria meus insights, não apenas sobre as artes etéreas, mas também minha capacidade de atrair e purificar o éter. Para ligá-lo a mim. Nem minha capacidade de navegar livremente pelas Relictombs, onde repousa toda uma civilização de insights. Eu reivindiquei e usei as pedras-chave dos djinns, e conheci o próprio Destino. Só eu tenho o que você precisa, e somente enquanto eu viver e permanecer cooperativo você poderá ter acesso a isso. É por isso que esse pequeno estratagema nunca teve como objetivo me matar.
Os olhos de Kezess permaneceram sobre a coroa brilhante que eu podia ver refletida neles.
— O que te faz pensar que não estou disposto a fazer esse sacrifício?
— O fogo voraz queimando em seu peito.
Kezess balançou levemente a cabeça.
— Você realmente é incomensuravelmente arrogante, criança.
Outro fio do meu pensamento consciente prendeu-se a um detalhe. Embora Kezess tivesse sido muito cauteloso para não deixar suas emoções transparecerem, não havia nada que eu tivesse lido dele que achasse incomum, exceto talvez uma coisa. Kezess mostrou essa fachada de raiva porque meu conhecimento dos genocídios repetidos vazou para o Caminho da Percepção, mas não houve nenhum sinal de surpresa em relação aos próprios eventos. Ele sabia sobre todos aqueles outros genocídios também, desde o início.
— Acho que talvez devêssemos retomar sua caminhada outra hora, depois que ambos tivermos tido tempo de processar esta conversa — disse Kezess.
Olhei para baixo e me vi dentro do anel desgastado no chão da torre. Pela janela, pude ver o céu azul, nuvens brancas e colinas distantes. Porém, o cheiro de enxofre persistia no ar, e o calor ainda irradiava para as solas dos meus pés. Considerei o que havia dito anteriormente sobre as habilidades etéreas dos dragões. Kezess ainda tinha alguns segredos para mim.
Liberando Realmheart e diminuindo Gambito do Rei o suficiente para dissipar a coroa de luz, mas mantendo vários ramos de pensamento simultâneo ativos, saí do Caminho.
— Acho que talvez precisemos renegociar os termos do nosso acordo. Foi sua promessa defender meu povo, mas preciso de sua garantia de que esse acordo se estenda não apenas para Agrona e os alacryanos, mas também para o seu próprio povo.
Kezess zombou, um raro deslize de seu controle.
— Você busca renegociar depois que minha parte do acordo já foi cumprida?
Aproximei-me da janela voltada para Chama Eterna, que eu ainda podia distinguir a muitos quilômetros de distância. Inclinei-me na janela, com as mãos no peitoril.
— Considerando o que estou pedindo e o porquê, não vejo razão para você recusar.
Minhas costas estavam voltadas para Kezess, e fechei os olhos para me concentrar melhor em meus outros sentidos. Minha capacidade de hiperfoco era muito menor sem o Gambito do Rei totalmente ativado, mas meus sentidos imbuídos de éter ainda eram aguçados, e ainda tinha múltiplos fios de consciência funcionando em paralelo.
Kezess flexionou os dedos. Seu pulso batia irregularmente. Sua respiração era forçada, controlada demais. Ele lambeu os lábios antes de falar.
— Você nem sabe o que está pedindo, Arthur.
— Então me esclareça — falei calmamente.
Minha mente percorreu nossas conversas anteriores, mas mesmo com a runa divina, suas falas sobre equilíbrio e sua cautela em enviar mais asuras — asuras mais fortes — para o meu mundo ainda não faziam sentido completo para mim.
— Terminamos por agora — disse Kezess, sem emoção, ainda como uma estátua. — Vou considerar sua proposta. Agora, você prefere voar de volta para Chama Eterna ou posso nos teletransportar a distância?
Virei-me, recostei-me no peitoril e cruzei os braços.
— Esta conversa já durou tempo suficiente — respondi. — Não vou te impedir de me teletransportar.
Uma pequena elevação de sua sobrancelha foi o único sinal de sua irritação. Ele não perdeu tempo e não disse mais nada, mas o espaço se dobrou à medida que a torre se afastava, e de repente estávamos na sala de estar de nossa propriedade em Chama Eterna. Houve um momento de pausa, e então minha irmã, que estava sentada em uma cadeira ali, olhou para cima e soltou um grito assustado. Boo se ergueu ao lado dela, soltando um rosnado baixo e derrubando uma delicada mesa lateral de bronze.
Minha mãe entrou correndo na sala, mana já se formando ao redor de sua mão, mas ela parou ao ver Kezess. Seus olhos se voltaram para mim, depois para Kezess, e ela fez uma reverência rígida. Ellie, se recuperando rapidamente, levantou-se e fez o mesmo. A cortina para o quarto de Tessia se moveu, mas ela congelou na porta. Eu me afastei de Kezess para ficar ao lado de Ellie e coloquei uma mão em seu ombro, oferecendo-lhe apoio em silêncio. Para Tessia, dei uma piscadela rápida, dizendo a ela que estava tudo bem.
— Ah, Lorde Indrath — disse uma voz trêmula da cozinha, que se estendia da câmara central.
Lorde Eccleiah estava lá ao lado da ilha da cozinha, parecendo incrivelmente deslocado. Como antes, notei sua pele pálida e enrugada, as elevações que percorriam suas têmporas e o filme branco leitoso que cobria seus olhos. Seu rosto enrugou-se ainda mais profundamente enquanto ele sorria para nós. Ele não fez nenhum movimento para se curvar.
Ao lado dele, Myre fez uma respeitosa reverência para seu marido.
— Momento auspicioso — disse ela. — Lorde Eccleiah e eu estávamos discutindo uma… proposta interessante do resto dos Grandes Oito.
Myre, com o rosto juvenil e belo que combinava perfeitamente com o de seu marido, saiu da cozinha e se moveu de forma majestosa para o lado de Kezess. Seus olhos se encontraram, ambos de um tom impressionante de lavanda, e algo que não consegui ler passou entre eles. Considerei que eles tinham algum tipo de telepatia, assim como eu com meus companheiros.
Enquanto pensava em Sylvie e Regis, a cortina para a rua se abriu, Sylvie segurando-a para que Regis pudesse entrar primeiro. Ele evitou se aproximar Kezess enquanto circulava para o meu lado. Sylvie se encostou em uma parede, mantendo a distância.
Kezess se virou para ela, esperando.
— Ele espera que você o reconheça formalmente — pensei para ela.
— Eu sei — respondeu ela em um tom irritado. — Mas não lhe devo nenhuma fidelidade. Dicathen é meu lar, não Epheotus.
Eu me contive para não sorrir enquanto Kezess continuava esperando em silêncio.
Lorde Eccleiah, ou Veruhn, como ele havia solicitado que eu o chamasse, deu uma tosse áspera.
— Arthur Leywin e Lorde Indrath, ambas as pessoas com quem eu queria falar. Realmente um momento oportuno.
Kezess virou as costas para Sylvie, que permaneceu desafiadora.
— Talvez isso seja algo que deva ser discutido em ambientes mais oficiais, Lorde Eccleiah… — disse ele.
— Porque os outros estiveram discutindo, e chegamos à decisão de que nós — Veruhn se inclinou contra o balcão que separava a sala de estar e a cozinha, sorrindo em sua maneira hesitante que eu sabia ser uma projeção — gostaríamos de formalizar nossa crença de que Arthur Leywin representa não apenas os interesses humanos em Epheotus, mas que ele mesmo evoluiu, e agora é o primeiro membro de um novo ramo da família asura!
Os olhos de Veruhn brilharam enquanto ele olhava para cada membro do grupo agora na sala. O único som era um suspiro abafado e o sussurro da cortina do quarto de Tessia voltando ao lugar enquanto ela saía de vista.
— Gostaríamos de peticionar oficialmente para que essa nova raça asura seja reconhecida e que o Clã Leywin se torne seu clã fundador. — Um sorriso feliz tremeu em seus lábios enrugados. — Claro, uma nova raça exigiria um novo senhor ou senhora a ser nomeado, e um novo assento a ser adicionado aos Grandes Oito. Ou Nove, suponho! — O velho asura riu.
No centro da sala, o olhar ardente de Kezess permanecia sobre o lorde da raça leviatã, evitando cuidadosamente o meu. Ao seu lado, porém, Myre estava me observando com uma expressão feroz e terrível.
— Vamos ser realeza? — Regis e Ellie disseram ao mesmo tempo, Regis bem alto e Ellie em voz baixa.
— Duvido que seja tão simples assim — respondeu Sylvie.
Tradução: NERO_SL
Revisão: Crytteck
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