POV CAERA DENOIR
O sol estava se pondo atrás de nuvens de tempestade turbulentas sobre o Domínio Central e o humor do céu espelhava o meu. Foram dias tensos e aborrecidos desde o final incompreensível do Victoriad.
O Alto Sangue Denoir estava, provavelmente, em alerta total depois do Victoriad. Eles imediatamente me retiraram do meu posto na Academia Central e providenciaram para que todos do sangue retornasse à nossa propriedade primária para uma reunião face a face. Durante dias, a propriedade estava repleta de primos de baixo escalão e senhores vassalos, mas Corbett e Lenora estavam me mantendo isolada até mesmo do nosso próprio sangue.
Parecia que não queriam que mais ninguém averiguasse a profundidade total da minha conexão com Grey até que tivessem estabelecido as bases políticas apropriadas.
Isso me servia muito bem. Não tinha conseguido falar com a Foice Seris desde o Victoriad e não tinha ouvido nada de Grey, não que eu esperasse, o que só levava a mais e mais perguntas, pra nenhuma das quais eu tinha respostas.
Eu me vi frustrada de uma maneira que não havia experimentado desde que eu era uma adolescente recém-despertada, forçada a esconder um poder que eu simultaneamente desejava não ter, mas também queria explorar e entender. Até que eu pudesse me encontrar com Foice Seris, no entanto, não via alternativa melhor do que simplesmente ficar quieta e seguir os desejos dos meus pais adotivos.
Um menino apareceu de repente nos pátios abaixo da minha janela, correndo com todas as suas forças. Não muito atrás, um menino um pouco mais velho estava perseguindo-o e tinha uma funda girando em sua mão. Com um movimento da mão, ele atirou um projétil, mas o menino mais novo mergulhou para frente, rolando sob ele. Quando se levantou, tomou um tempo para dar a língua pro seu perseguidor, depois desapareceu pra fora do meu campo de visão, ainda sendo perseguido pelo menino mais velho.
Sorri. Foi um sorriso débil e minhas bochechas resistiram a ele, mas era bom saber que havia alguém lá fora sem o fardo de tudo o que estava acontecendo. Mesmo que fossem apenas meus jovens primos, que eram ambos tão inteligentes quanto o cogumelo comum.
Um trovão sacudiu o vidro do painel da minha janela apenas um momento antes que as fortes gotas de chuva começassem a bater contra ele. Os meninos começaram a gritar quando foram encharcados pelo repentino dilúvio.
Mais perto, quase inaudível sob o barulho da tempestade, houve um barulho de tecido farfalhando.
Pegando um prendedor de cabelo de prata em minha mesa, me levantei e o brandi como uma arma, depois suspirei e abaixei a mão.
Meu irmão adotivo, Lauden, estava encostado no batente da porta do meu quarto. Sua figura muscular enchia a porta de uma maneira vagamente ameaçadora, embora o olhar em seu rosto fosse mais divertido do que hostil.
Ele arrastou seu cabelo verde-oliva cuidadosamente aparado para o lado, seu sorriso se alargando.
— Seus sentidos estão ficando embotados, irmãzinha. Se eu fosse um assassino…
— Então esse grampo estaria em seu olho e seu sangue estaria pegando fogo.
Disse friamente, levantando um pouco o queixo.
— E eu estaria livre de ter que ouvir suas lições de moral. O que você, ou melhor, o que Corbett e Lenora querem?
Lauden ergueu as mãos como um sinal de paz.
— Não há necessidade de punir o mensageiro, Caera. Sua língua é mais afiada e arde mais do que a de um sapo foice-do-sol. Papai gostaria que você estivesse pronta, isso é tudo. Vamos nos reunir em uma hora.
Coloquei o prendedor na mesa e me encostei nela.
— Dentro de uma hora. Mensagem recebida.
As sobrancelhas de Lauden se ergueram, mas não disse mais nada quando se virou e saiu dos meus aposentos.
— Talvez seja uma coisa boa meu irmão ser um idiota ignorante
Murmurei baixinho enquanto o seguia até a porta da suíte e a trancava.
Havia um embrulho de culpa em meu estômago; o que eu estava sentindo não tinha nada a ver com Lauden e ele, talvez pela primeira vez na minha vida, tinha feito um esforço genuíno para ser agradável desde o Victoriad. Claro, ele também me provocou várias vezes sobre o meu “namorado Grey”, que, como tínhamos visto, estava em algum lugar acima do nível de Foice em força, então pode ter sido o medo estimulando suas boas maneiras repentinas.
Movendo-me para a minha penteadeira, sentei-me no banquinho almofadado e olhei para mim mesma no espelho, minha mente permanecendo em Grey.
— Onde ele está agora?
Perguntei ao espelho, mas não houve resposta, exceto meu próprio rosto expectante me encarando.
O Victoriad havia mudado tudo para Grey e para mim, talvez até para toda a Alacrya. Ainda não sabíamos o quanto tudo havia mudado e em grande parte esse era o motivo da reunião para a qual eu deveria estar me preparando. Os eventos do Victoriad mostraram uma rachadura na infalibilidade percebida de Agrona. Sua mão direita havia sido desafiada e morta e quando Agrona chegou para mostrar o poder de sua nova maga de estimação, ambos haviam sido superados, deixando de capturar Grey no que só poderia ser visto como uma derrota impressionante.
Mas nem todos os Alacryanos entenderiam o que havia acontecido. E mesmo que o fizessem, a maioria poderia ser obrigada a esquecer em meio à ameaça de guerra com os outros Asuras, ou simplesmente continuaria a seguir a linha por medo dos Vritra.
Covardes, pensei, observando meu lábio ficar franzido.
Tomada por um súbito impulso imprudente, desabotoei o medalhão que sempre usava ao redor do pescoço e o joguei na penteadeira. No espelho, meus chifres simplesmente apareceram, não mais escondidos pelos poderes ilusórios do medalhão. Rosnei para o espelho, mostrando os dentes.
Essa sim seria uma aparência impactante para a reunião dessa noite, pensei antes de deixar a expressão desaparecer. O rosto que ficou no espelho estava frio, quase abandonado. Solitário.
Estava tão cansada de esconder quem eu era. De estar isolada das pessoas ao meu redor. Grey tinha sido algo para mim que eu nunca tinha tido antes: um colega, um confidente. Um amigo.
Imaginei novamente seu olhar arrependido nos momentos antes de desaparecer. Ele não queria me deixar para trás, eu me assegurei, mas…
Quão bem eu realmente o conhecia?
Suspirando, peguei o amuleto e o recoloquei atrás do pescoço. No espelho, os chifres desapareceram em um piscar de olhos. Levantando meus braços com calma, passei a mão pelos chifres invisíveis, sentindo as curvas, sulcos e pontos. Só porque eu não podia vê-los, isso não significava que eles realmente tinham ido embora.
Com eficiência praticada, me preparei para a reunião. Lenora queria que meu rosto fosse pintado, e Corbett já havia escolhido um vestido para mim. Eles esperavam que eu parecesse graciosa e elegante, mas não ameaçadora. Muitos Altos Sangue já haviam se devorado em circunstâncias menos terríveis do que o que os Denoirs agora enfrentavam.
E como uma estranha, uma Vritra adotiva, minha vida inteira foi uma lâmina de dois gumes para os Denoirs. Por mais que eu fosse um motivo para se orgulhar e um empoderamento em potencial, qualquer passo em falso relacionado a mim poderia facilmente leva-los à ruína. E por isso, eu tinha sido mantida em uma coleira por toda a minha vida, ela só ficava mais apertada a cada dia.
Tinha acabado de prender meu cabelo quando houve uma batida leve na minha porta.
De pé, girei o vestido dourado ao meu redor, observando a luz brilhar nas pedras azuis que combinavam com meu cabelo, que eu havia penteado em um coque ligeiramente bagunçado e fixado com um alfinete de ouro e rubi que serviria como lâmina, se necessário. Não esperava ser atacada em minha própria casa, mas… todo cuidado era pouco.
Com uma caminhada majestosa, atravessei a sala e abri a porta. Nessa estava esperando lá fora com Arian. Nessa estalou a língua, avaliando criticamente o meu cabelo com os olhos.
Seus dedos se contraíram quando ela disse:
— Lady Caera, o Alto Lorde e a Lady Denoir solicitam sua presença na sala de estar.
— Com certeza
Disse e ela se virou e começou a marchar pelo corredor. Segui um passo atrás dela e ouvi os passos suaves de Arian atrás de mim.
Nós nos cruzamos com apenas alguns outros Denoirs a caminho da sala de estar. Cada um deles parou o que quer que estivessem fazendo para me dar uma reverência rasa, mas pude sentir seus olhos queimando em minhas costas quando passei. Havia curiosidade lá, mas também medo, frustração e até hostilidade descarada.
Eles podem não saber qual era minha relação com o misterioso Grey, mas sabiam que era um farol chamando atenção indesejada para o Alto Sangue Denoir. Enquanto diversos sangues, altos, nomeados ou outros, estavam fofocando animadamente sobre eventos recentes, os Denoirs estavam em alerta máximo, incertos se sobreviveriam.
Embora eu tivesse certeza de que os Denoirs me culpariam, na realidade foi a insistência de Corbett e Lenora em envolver o sangue no negócio da Foice Seris que levou a esse ponto. Convidando Grey para jantar, encontrando-se com ele em público, fazendo perguntas intermináveis sobre ele ao redor de Cardigan e da Academia Central… eles tentaram estabelecer conexões entre si e Grey. E eles conseguiram, o que colocou todo o sangue em risco.
Não que eu os culpasse por isso. Qualquer que fosse sua motivação, eles deram uma chance a Grey e até mesmo proteção durante o julgamento. Isso quase me fazia temer o que estava por vir. Tinha sido incapaz de ler o humor de Corbett nos últimos dias.
Em vez de passar pelas portas principais que levavam ao salão, Nessa nos levou escada abaixo e através de uma alcova sombreada. Corbett, Lenora e Lauden já estavam lá, assim como o irmão de Corbett, Arden. Teagen e uma mulher que eu não conhecia, uma das guardas de Arden, presumi, estavam flanqueando as portas do cômodo.
A mão de Lenora foi para o braço de Corbett quando notou nossa entrada, interrompendo o que ele estava dizendo. Os dois me olharam com o mesmo ar crítico que Nessa, embora com cem vezes mais julgamento, mas Arden não lhes deu tempo para dizer nada.
Vendo a linha do olhar deles, se virou, sorriu e, em seguida, estendeu as mãos em um gesto de boas-vindas.
— Caera, minha pombinha!
Disse, sua voz mais profunda e um pouco mais rouca do que a de seu irmão.
— Tio.
Respondi, fazendo uma reverência cortês.
Sabia muito bem como me comportar, incluindo usar os títulos preferidos para meus pais adotivos e seus muitos parentes e vassalos, mas eu sempre chamei Arden de “tio”. Em parte porque ele insistiu nisso ao longo da minha infância e, à medida que eu crescia, eu não o via com frequência suficiente para quebrar o hábito, mas também porque eu sabia que isso irritava Corbett, pelo fato de eu não lutar contra o título familiar da maneira que fiz com “Mãe” e “Pai”.
— Em que tipo de problema você nos meteu agora, hein, passarinho?
Ele riu, movendo-se para me dar um abraço duro com um braço.
Apesar de ser o irmão mais novo de Corbett, Arden parecia dez anos mais velho. Ele era mais baixo e pesado, com uma barriga pronunciada e cabelo verde-oliva que estava se afastando de suas têmporas. Mas ele usava esses traços mais suaves em sua vantagem, escondendo uma mente afiada por trás de uma aparência nada imponente. Isso e uma potente regalia.
— Isso ainda iremos descobrir.
Disse Corbett, alongando as palavras para que permanecessem no ar.
Meu pai adotivo usava branco e marinho, como de costume, mas seu terno tinha um corte agressivo, de estilo militar, ele usava uma única ombreira brilhante que se estendia em uma gola estreita que envolvia seu pescoço. Sua lâmina fina também pendia de seu cinto, fazendo-o parecer que estava preparado para liderar uma investida em batalha.
Lenora, por outro lado, usava um vestido azul marinho macio e esvoaçante, que ondulava e emprestava curvas matronais à sua estrutura fina.
Açúcar e pimenta, pensei. Era uma apresentação que eles haviam aperfeiçoado durante seu longo casamento. Um intimidante, outra acolhedora. Na realidade, estavam mais para martelo e bigorna.
No entanto, nunca os tinha visto se envolverem nesses jogos mentais políticos com seu próprio sangue. Meu pulso acelerou. Isso me deixava nervosa.
— Traga o resto.
Disse Corbett em seguida.
Em vez de enviar um dos criados, Lenora foi sozinha.
Corbett acenou para eu me juntar a ele e Lauden. Arden ficou um pouco de lado. Nenhuma outra palavra foi trocada, senti que os três homens estavam cuidadosamente evitando olhar para mim.
Em segundos, Lenora voltou, seguida pela esposa de Arden, Melitta, que entrou com seus filhos, Colm e Arno, os dois garotinhos que estavam brincando tão grosseiramente debaixo da minha janela. Arno, o mais novo dos dois, ainda tinha as manchas de grama em suas roupas.
Os três se curvaram profundamente para o Lorde e a Lady, peguei Alden piscando os olhos para seus filhos quando eles passaram.
Lorde Justus Denoir veio em seguida. O tio de Corbett estava em seus sessenta anos. Seus cabelos já eram grisalhos, havia duas raias cinzentas em seu cavanhaque, mas se portava com retidão, portando-se como a nobreza que era. Corbett e Justus sempre tiveram um relacionamento difícil, já que Justus tinha a intenção de se tornar lorde quando o pai de Corbett, Corvus, morresse, mas o falecido lorde tinha planejado melhor que seu irmão e colocado Corbett no lugar dele.
Ainda assim, brigas internas e trapaças eram um caminho inevitável para ver seu próprio alto sangue desmoronar e então os dois homens obstinados mantiveram uma espécie de paz forçada entre eles nos últimos quinze anos.
Atrás de Justus estava a Lady Gemma Denoir, irmã mais velha de Lenora. Ela caminhava rigidamente, como se estivesse carregando uma espada no traseiro, demorando para entrar na sala. Seu cabelo branco estava cuidadosamente penteado e brilhava com pedras pretas que combinavam com seu vestido preto brilhante. O efeito fazia com que seus olhos azuis cristalinos brilhassem como diamantes.
Embora Lady Gemma sorrisse, havia um tom frustrante em cada movimento que fazia e sua reverência ao Lorde e à Lady foi mais rasa do que o apropriado. Quando seus olhos encontraram os meus, seu sorriso sumiu completamente, seu nariz se enrugou com desgosto, ela simplesmente passou.
E assim foi por um tempo. Os Denoirs foram arrastados sozinhos ou em pares, começando com os membros de maior classificação do sangue e continuando até os vassalos mais baixos. Havia outros que também eram tecnicamente considerados membros do alto sangue, mas que não tinham nenhuma posição de prestígio dentro dele, por isso não foram convidados para esta reunião.
Finalmente, quando o último do alto sangue se sentou e foi servido com bebidas por Lauden, Corbett gesticulou para que eu e meu irmão também nos sentássemos. A sala era grande o suficiente para acomodar tal grupo, mas pequena e privada o suficiente para dar à reunião um ar conspiratório.
Quando o atendente-chefe de Corbett fechou as portas, deixando apenas membros do alto sangue e alguns guardas de confiança, como Taegen e Arian, dentro da sala, a sensação se aprofundou.
— Como todos vocês certamente sabem.
Corbett começou sem preâmbulo.
— Os eventos da Victoriad recente não têm precedentes na história conhecida de Alacrya.
Lady Gemma bufou, fazendo com que Lenora levantasse a sobrancelha.
Apesar de ser a irmã mais velha, Gemma era um membro adotivo do sangue, adotada depois que seu próprio marido morreu e ela não tinha nenhuma posição ou autoridade além do que seu relacionamento com Lenora lhe concedia. Havia quase sempre uma ponta de amargura e uma superioridade entre as duas quando estavam juntas.
— É verdade, Alto Lorde.
Um dos primos mais velhos, Dereth ou Drothel, ou algo assim, tinha esquecido, disse amigavelmente, mas suas sobrancelhas grossas foram franzidas com uma carranca ansiosa.
— Mas o que isso tem a ver com os Denoirs? Você está confirmando que há verdade nos rumores de que nosso alto-sangue está de alguma forma envolvido com esse tal de Ascendente Grey?
Corbett olhou para onde eu estava recostada em uma cadeira grossa, com o rosto escondido atrás de um copo de vinho tinto brilhante que eu não estava bebendo. Esse tique sutil foi o único sinal de sua agitação, no entanto, quando falou novamente, suas palavras saíram claras e calmas.
— Antes de falarmos sobre o relacionamento do Alto Sangue Denoir com o homem chamado Grey, primeiro devemos compartilhar informações adquiridas muito recentemente.
Ele gesticulou para o irmão.
Arden se levantou, apertando as mãos atrás das costas para que sua barriga volumosa ficasse ainda mais para fora.
— Sim, exatamente. Obrigado, irmão.
Limpou a garganta.
— Ainda ontem, um grande destacamento de soldados Alacryanos, milhares de magos, retornaram de Dicathen.
Arden estava observando cuidadosamente o resto do sangue, provavelmente tentando descobrir quem mais poderia saber o que ele estava prestes a nos dizer. Pela maneira ansiosa que Gemma olhava para ele, e a taça de vinho em sua mão que parou de repente, ficou claro que ela, pelo menos, certamente sabia.
— Todos vindos da terra natal de nossos aliados anões. — continuou Arden.
— Darv, para aqueles de vocês que não seguem essas coisas. E com um número de anões Dicatheanos os acompanhando.
Isso causou um alvoroço. Me movi ligeiramente para frente na minha cadeira e abaixei minha bebida, mantendo minhas costas retas e minha expressão equilibrada.
Até agora, Dicatheanos só tinham sido trazidos até Alacrya para servirem como mostras públicas de punição, como aqueles no Victoriad. Não havia outra razão para que os prisioneiros fossem teletransportados do outro continente, e a nenhum aliado havia sido oferecido terra em nosso continente antes. Ou, se tivesse, estava muito bem escondido.
— A força que retornou representa quase setenta por cento dos soldados estacionados em uma cidade chamada Vildorial, a capital dos anões. — continuou Arden.
— E eles voltaram não sob ordem, mas porque foram derrotados.
Um coro de conversas incrédulas interrompeu Arden, alguns expressando perplexidade, outros até questionando a história dele. Ele fez uma careta e o Alto Lorde pediu silêncio.
— Algum membro de nosso alto sangue estava presente?
Justus perguntou, seu tom barítono profundo soando como um gongo sobre os remanescentes de conversas que lutavam para morrer.
— Se assim for, eles deveriam ter sido levados diante de todo o alto sangue para explicar sua covardia.
— Não.
Confirmou Arden, acenando com a cabeça para o homem mais velho. Ele demorou um momento para se recompor, depois continuou.
— A pequena força que colocamos em campo está posicionada em uma cidade chamada Etistin. Mas…
Arden fez uma pausa, e seu olhar agora pulava para mim de uma forma que fazia os pequenos cabelos do meu pescoço ficarem em pé.
— Mas consegui obter vários relatos em primeira mão do que aconteceu lá.
Arden começou a andar, usando a oportunidade para olhar nos olhos de várias pessoas diferentes, de alguma forma fazendo parecer que ele estava falando com cada uma delas individualmente.
— O ataque a Vildorial veio do nada. Não há nenhuma resistência real em Dicathen há meses e as maiores cidades já começaram a fazer a transição, construindo forjas e fundições maiores e mais novas para os Imbuidores.
— E assim, os pacificadores de Vildorial tiveram pouco aviso diante de um pequeno grupo de guerreiros de elite de Dicathen, as Lanças, como acredito que sejam chamadas, que atacaram os portões.
— Ah, eu li tudo sobre as Lanças!
O pequeno Arno se levantou, sua voz cortando a tensão eletrificada na sala. Houve algumas risadas surpresas, mas sua mãe o puxou para perto, silenciando-o.
— Receio não estar entendendo.
Perguntou um dos primos mais distantes, dando a Arden um sorriso envergonhado.
— Embora isso seja uma notícia impressionante, o que tem a ver conosco?
— O ataque a Vildorial foi liderado por um homem com olhos dourados. — disse Arden lentamente.
— Que, ao que parece, andava através de raios e conjurava chamas roxas de suas mãos.
Senti um frio repentino na barriga. Qualquer que tenha sido a reação do resto do sangue, não consegui ouvir por conta da pressão repentina em meus ouvidos.
Era uma descrição simples, mas havia apenas um homem em ambos os continentes que se encaixava nela.
— Grey. — falei sem fazer barulho.
Como uma única pedra que cai e começa uma avalanche, essa informação se encaixou em meio a tudo o mais que eu sabia sobre Grey. As estranhas perguntas nas Relictombs, sua falta de conhecimento básico, apesar de ser tão poderoso, sua magia incomum, sua falta de conexões de sangue, o interesse de Foice Seris nele, o fato de que lutou na guerra, mas nunca falou sobre isso… as informações se encaixavam ao meu redor.
Não fazia nenhum sentido. Grey não poderia ser um Dicatheano… poderia? Foice Seris o conhecia, aparentemente confiava nele, isso por si só era suficiente para eu fazer o mesmo. Mas deveria? Perguntei a mim mesma, de repente cautelosa.
— Você nos destruiu.
A voz de Justus trovejou sobre o tumulto, trazendo a cena ao meu redor de volta ao foco. Ele estava olhando para Corbett, o dedo apontando acusadoramente.
— Você sempre foi muito ganancioso e faminto por poder, Corbett, agarrando-se à Foice Seris Vritra como uma minhoca de sangue desde que ela foi forçada em nosso alto sangue.
Gritou, seu dedo acusador momentaneamente virando-se na minha direção.
A sala ficou quieta.
Embora alguns possam ter concordado com ele, ninguém teve coragem de se juntar às suas acusações e, na verdade, aqueles que estavam mais perto dele se afastaram, como se estivessem preocupados que ele pudesse entrar em combustão espontânea.
— E se o Ascendente Grey voltar, tio?
Perguntou Corbett, quebrando o silêncio desconfortável.
— Você prefere que estejamos em maus lençóis com um homem capaz de derrubar duas foices?
— Mas o que realmente nos liga a esse homem, Grey?
O mesmo primo de antes perguntou no silêncio, novamente fingindo constrangimento.
Lenora havia colocado o braço em volta da cintura de Corbett e, juntos, olharam desafiadoramente para o sangue deles.
— Fomos informados do intenso interesse da Foice Seris Vritra no Ascendente Grey há algum tempo.
Disse ela agradavelmente, seu tom tão simples e não de confronto como se estivesse discutindo o clima.
— E assim fizemos incursões para estabelecer um relacionamento com o homem. Ele se manteve um pouco separado dos círculos sociais normais de Cargidan1Acredito que o nome da cidade tenha estado errado até agora. Vou manter esse., mas por um feliz acidente já havia conhecido nossa filha, Caera.
Endureci um pouco quando todos os olhos saltaram para mim, e rapidamente para longe. Apenas Justus de rosto vermelho manteve seu olhar, com as sobrancelhas abaixadas de raiva enquanto eu olhava para ele, recusando-se a ser intimidada.
— Não poderia ser que esse “encontro acidental” fosse realmente Grey abrindo caminho para as boas graças do Alto Sangue Denoir?
Justus perguntou, de pé e copiando Ardent, andando por aí e olhando não para Corbett, mas para o resto do nosso sangue.
— Aproveitar-se de nós para se colocar no Victoriad, em posição de enfraquecer os líderes da guerra e envergonhar o Alto Soberano?
Só então Justus olhou para Corbett, um sorriso desapontado, estragando seu rosto.
— Um ato que, ao ajudá-lo, você nos fez cúmplices?
— Posso garantir que esse não é o caso.
Disse antes que Corbett pudesse responder. Quando todos os olhos se voltaram para mim, parei para tomar um gole lento do meu copo, reunindo meus pensamentos.
— É fundamentalmente impossível que nosso encontro tenha sido intencional, considerando que estávamos nas Relictombs na época e fui eu quem iniciou esse contato, não Grey.
Justus abriu a boca para me contrariar, mas falei por cima dele, mantendo meu tom calmo, mas firme.
— E antes que você se envergonhe fazendo acusações sobre as intenções minhas ou da Foice Seris Vritra em relação a Grey, saiba que a suposição de meus pais estava inteiramente correta. Ela viu o poder dele, o mesmo poder que todos vocês viram no Victoriad, e se interessou, isso é tudo.
Senti o olhar de Corbett em mim, mas não desviei o olhar de Justus. Embora suas feições fossem rígidas e irritadas, pude ver o medo nos movimentos nervosos de seus olhos.
A sala se transformou em várias camadas de conversa alta, cada voz lutando para ser ouvida uma sobre a outra.
— Quero dizer, ele derrotou uma Foice, faz sentido…
— … devemos nos jogar à mercê do Alto Soberano…
— … ser um contra-ataque? Talvez pudéssemos manter nossa reputação…
— … fogo puro, e para escapar da Victoriad aparentemente ileso…
— … isso significa para o Alto Sangue Denoir, Alto Lorde?
Corbett se concentrou em Melitta, a esposa de Arden.
— Uma boa pergunta, Melitta, obrigado.
Lentamente, a sala ao seu redor se acalmou novamente.
— Não estaríamos nos encontrando assim se a situação não representasse algum perigo para nosso sangue, mas Lenora e eu acreditamos que há oportunidade aqui também. Pois…
— Claro que vocês acreditam.
Justus murmurou, alto o suficiente para que todos ouvissem.
Um músculo perto do olho de Corbett se contraiu, mas ele continuou.
— No momento, externamente, não tomaremos nenhuma ação, apenas aguardando nosso tempo e observando.
Disse Corbett, concentrando-se em Justus.
— Se houver um inquérito oficial sobre o Alto Sangue Denoir, tenha certeza de que apenas estendemos nossas boas vindas e cortesia a um poderoso ascendente e membro da equipe de Caera.
— Loucura.
Disse Lady Gemma, inclinando-se mais para trás em sua cadeira e girando sua taça de vinho. Seu olhar predatório permaneceu em Arden.
— E o contra-ataque que já está sendo preparado? Pretendemos participar? Para compensar seu fracasso de julgamento?
Corbett e Lenora trocaram um olhar.
— Determinamos que é melhor manter nossa estratégia atual em Dicathen. — respondeu Corbett.
Justus zombou.
— Isso só nos faz parecer mais culpados.
— Nenhum inquisidor, nem mesmo as próprias Foices, encontrará algum indício de algo errado nas ações do Alto Sangue Supremo Denoir. — insistiu Lenora.
— Mas o vento está trazendo mudanças, Denoirs.
Lenora olhou ao redor da sala, magistralmente deixando sua expressão vacilar entre uma pequena carranca e um sorriso conspiratório.
— E, como todos sabemos, às vezes o vento sopra forte das montanhas. Precisaremos plantar os pés com firmeza para resistir.
Pisquei, sem saber se havia entendido as palavras de Lenora corretamente. Quase parecia que ela estava endossando Grey e Foice Seris caso houvesse algum tipo de luta de poder entre eles e o Alto Soberano…
O resto do sangue estava quieto e pensativo. Quando escaneei a sala, o pequeno Arno chamou minha atenção com um grande sorriso e um aceno.
Justus se levantou, os ombros para trás, o peito para fora, o queixo erguido. Seus olhos fixos cortaram Corbett e Lenora como adagas.
— Receio que essa linha de pensamento seja insustentável com o bem-estar contínuo desse alto sangue. Alto Lorde Corbett Denoir… sou forçado a pedir oficialmente que você se retire de sua posição. Implore pela misericórdia das Foices, até mesmo da Foice Seris Vritra, se for preciso. Assegure-lhes que seus erros são seus, e que a liderança do Alto Sangue Denoir descansará em mãos mais firmes. Eu vou—
As palavras sibilaram em silêncio quando Justus puxou sua espada para fora de sua bainha. Taegen estava ao lado de Lenora em um instante e Arian correu para ficar ao meu lado, com o aço nu de sua lâmina fina brilhando na luz suave enquanto olhava freneticamente em todas as direções ao mesmo tempo.
— Não haverá necessidade disso no momento.
Disse uma voz calma, atraindo todos os olhos para as sombras da entrada dos criados.
Um homem de pele cinza com uma armadura de couro escuro saiu das sombras. Ele era bastante bonito, com uma força inegável, apesar de como suprimia sua mana.
Fiquei de pé enquanto todos os outros, todos, exceto Justus, ajoelharam-se, curvando-se profundamente diante de Cylrit, retentor da Foice Seris e do domínio de Sehz-Clar. Seus olhos escarlates encontraram os meus e senti como se um raio passasse entre nós. Ele só poderia estar aqui por mim. Finalmente a Foice Seris estava me resgatando desses dias longos e sombrios de tédio e tensão.
— Faça como o alto Lorde e a Lady comandam.
Disse Cylrit a Justus, que de alguma forma conseguiu ficar pálido e corar ao mesmo tempo.
— O Alto Sangue Denoir não deve tomar nenhuma ação neste momento. Lady Caera deve vir comigo.
— O que você quer dizer?
Lenora gaguejou, com sua máscara de controle absoluto e confiança quebrando.
— Caera é…
— Deixe-os levá-la.
Disse Justus, embainhando sua espada com muito cuidado e se ajoelhando.
— Por favor, Lorde Cylrit, com sua aprovação, eu…
Cylrit sorriu, uma coisa sutil e perigosa e a boca de Justus se fechou.
— Lorde Denoir.
Disse o retentor lentamente, enunciando cada sílaba com cuidado.
— Faça o que lhe foi ordenado. Ou as coisas podem correr mal para você.
O que restava de cor deixou o rosto de Justus e um músculo em sua mandíbula pulsou.
Assim, Cylrit parecia dispensá-los completamente. Para mim, ele deu um sorriso mais suave e estendeu o braço.
— Por favor, Lady Caera. Foice Seris está nos esperando.
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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