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O Começo Depois do Fim – Cap. 357 – Potenciais

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POV ELEANOR LEYWIN

Os longos túneis entre a caverna do santuário e a pequena gruta da Anciã Rinia estavam vazios e sem vida. Já havíamos caçado os ratos das cavernas até a extinção, aparentemente. Haviam algumas centenas de pessoas para alimentar no santuário agora, e embora as bestas de mana tivessem gosto de gambá fedido, eram comestíveis, se você cozinhasse até quase queimar a carne e não pensasse muito sobre o que estava comendo.

Embora a Anciã Rinia tivesse dito que estava muito doente para receber visitas, não podia simplesmente ficar longe depois do que ouvi entre Virion e Windsom. Tinha que conversar com alguém, mas estava com muito medo pra contar pra qualquer outra pessoa. Já que Rinia já saberia, era uma vidente afinal, pelo menos eu não a colocaria em perigo ao revelar o que descobri.

Quando chegamos em frente à estreita fenda que servia de entrada para a casa de Rinia, cocei Boo embaixo do queixo e atrás da orelha.

— Você espera aqui, garotão. Já volto.

Havia um cheiro acre e terroso saindo da caverna, o que me lembrou de folhas de dente-de-leão.

Deslizei pela fenda na pedra sólida. Antes mesmo de colocar minha cabeça para dentro da caverna, uma voz cansada e rouca disse:

— Bem, entre, eu suponho.

Um fogo estava queimando na parede oposta, e Rinia estava sentada na frente dele em sua cadeira de vime, coberta por um cobertor grosso. A caverna estava sufocante, quente e densa com o cheiro amargo.

— Parece que me lembro de ter dito que não estava com humor para receber visitas.

Rinia murmurou, de costas para mim.

— E, no entanto, a maldição do vidente é que eu não posso nem ficar surpresa que você não me ouviu.

Olhei ao redor da caverna antes de responder. Além da alcova natural em que o fogo de Rinia ardia, tinha uma pequena mesa quadriculada coberta de pedras, um armário maciço em uma parede e uma mesa baixa de pedra coberta com ingredientes e plantas despolpadas, provavelmente para preparar o que quer que estivesse borbulhando na panela sobre o fogo. Uma pequena alcova continha sua cama e uma cômoda muito fina e muito deslocada.

— Sinto muito por incomodá-la, Anciã Rinia, mas eu precisava…

Hesitei, observando seu estado atual.

— Você está bem?

Por mais que quisesse falar com ela sobre Elenoir, não conseguia reprimir a sensação de que algo estava errado.

— Forte como um touro.

Brincou, puxando o cobertor com mais força ao seu redor.

Atravessei lentamente a sala e contornei a cadeira de Rinia para poder vê-la melhor. Sua pele estava murcha e seca, e as órbitas oculares fundas e escuras. Cabelo fino e branco caído sobre o rosto e mechas soltas agarradas ao cobertor, caindo de sua cabeça. O mais surpreendente, porém, eram seus olhos: eles encaravam o fogo, brancos como leite e cegos.

— Rinia…

Comecei, mas minha garganta apertou e eu tive que fazer uma pausa e me recompor.

— Por quê? O que você tem—

— Olhando, criança.

Disse, sua voz baixa e coaxando.

— Sempre olhando.

Fiquei de joelhos na frente dela e peguei sua mão com as minhas, inclinando-me para descansar minha bochecha contra ela. Sua pele estava seca como um pergaminho e desconfortavelmente fria, considerando o calor escaldante na caverna.

— Pelo que? O que poderia justificar esse sofrimento?

— Está tudo em jogo, agora. Minha casa… Elenoir…

Rinia parou, sua mão se contraindo fracamente contra minha bochecha.

— Foi só o começo. Dicatheanos, Alacryanos… humanos, elfos ou anões… queimando. Nossas casas, nosso mundo inteiro, vão queimar a menos que eu veja…

— Veja o quê?

Perguntei depois de uma longa pausa.

— O que você está procurando?

— Tudo. — sussurrou.

Ficamos sentadas em silêncio por um longo tempo, eu pensei por um momento que ela havia adormecido. Minha mente estava dormente e percebi que não tinha realmente acreditado quando Virion ou a própria Rinia me disseram que ela estava doente. Vendo-a agora… era como um fantasma de si mesma, mal se agarrando à vida. Não pude deixar de me perguntar o quanto ela deve ter usado seu poder para declinar tão rapidamente.

Nossas casas, nosso mundo inteiro, vão queimar…

Um arrepio percorreu meu corpo quando essas palavras ecoaram em minha mente.

— O que posso fazer?

Perguntei, minha voz apenas um pouco mais que um sussurro.

— Esteja no lugar certo na hora certa.

Rinia respondeu, me fazendo pular.

Afastei-me do fogo e sentei-me no chão com as pernas cruzadas, olhando para seu rosto enrugado.

— Onde é o lugar certo e quando é a hora certa?

— Essa é sempre a questão. — respondeu vagamente.

Meu coração estava martelando no meu peito. Odiava esses jogos, mas o que sentia era mais pena pela mulher idosa do que frustração. Estava mais claro do que nunca que ela realmente estava tentando ajudar.

— Isso tem algo a ver com o que Virion e Windsom estão escondendo, não tem?

Ela se virou, ajustando seu corpo sob o cobertor e causando uma sinfonia de estalos e rangidos.

— Não se envolva, criança. É uma situação… delicada. Seus instintos estavam certos: não se envolva. Independente da nossa opinião sobre o que foi feito, bater cabeça com o Virion agora só leva à catástrofe. Nós duas sabemos que você não precisava vir me ver para confirmar isso.

— Você…

Lutei contra o desejo de pressioná-la sobre o que ela sabia e quanto. Parecia que sempre acabava me sentindo amargamente desapontada. Mas a tensão cresceu dentro de mim até que as palavras meio que saíram.

— Você sabia o que aconteceria com Tessia, comigo, quando eu lhe perguntei sobre a missão?

Ela soltou uma risada estridente que rapidamente se transformou em tosse.

— Cada escolha, cada futuro, tudo levando a um único resultado. Sempre, sempre.

— O que você quer dizer? — perguntei, insistente.

— Estava destinado que Tessia cumpriria seu papel como recipiente para a arma de Agrona.

Disse, fechando os olhos e afundando de volta em sua cadeira.

— Tudo o que pude fazer foi tentar providenciar as circunstâncias mais positivas em que isso aconteceria.

— Você poderia ter dito. Você poderia ter me dito que Tess não deveria ir. Virion a teria impedido, ele—

— No futuro que você descreve. — retrucou.

— A caravana de escravos seria salva, mas Curtis Glayder opta por não ir a Eidelholm e resgatar o resto dos elfos detidos lá. Uma dessas jovens, enquanto implora a seu novo mestre para não a profanar, oferece informação, a única coisa que ela tem de valor: o nome de um homem que ajudou outros a escapar dos Alacryanos.

— Eles o encontram. Então eles nos encontram. Muitos de nós morremos. E Tessia é levada de qualquer maneira.

Rinia terminou amargamente.

— Então e quanto a Arthur? Por que dizer a ele para não deixar os Alacryanos ficarem com ela?

Perguntei, minha voz falhando um pouco quando disse o nome do meu irmão.

— Por que ele teve que… teve que…

Engasguei com a frase, afastando-me da anciã para esconder minhas lágrimas.

— Porque ainda não estava na hora. — suspirou.

A encarei, minhas lágrimas secando tão rapidamente quanto apareceram, quando a raiva rapidamente assumiu o controle.

— Mas ele morreu! — bufei.

— E eles a capturaram mesmo assim!

— Eu sei, criança.

Ela estendeu a mão trêmula em minha direção, mas me afastei alguns centímetros e, eventualmente, sua mão caiu lentamente.

— Eu sei.

— O destino dele era morrer? — perguntei baixinho.

— Isso tinha que acontecer?

Rinia estremeceu, um tremor lento que pareceu começar em seu peito e ir para fora até passar pelos dedos dos pés.

— Como diabos eu vou saber? Uma peça de quebra-cabeça que não cabe, é o que seu irmão era. Eu nunca pude realmente ver seu futuro, não como o de outras pessoas.

— É sempre um jogo com você. —

Murmurei com raiva, meu temperamento levando o melhor de mim.

— Arthur não era uma peça no tabuleiro. Ele era meu irmão!

Gritei, então imediatamente me senti culpada quando os olhos cegos de Rinia lentamente se abriram.

— Desculpe.

Ela balançou a cabeça.

— Não é fácil, criança. A nossa vida se resume em mover um pequeno graveto flutuando em um lago, de um lado para o outro da água. Mas você só pode movimentá-lo jogando pedras no lago e deixando que as ondas o levem. A questão é: você está com os olhos vendados. Às vezes, o vento sopra forte e sopra o graveto. Eu não sou diferente. Mas talvez eu esteja com um olho aberto, e possa ver todos os seus gravetos e as ondulações que os movem, mas todos estão sempre interrompendo o fluxo jogando suas pedras ao acaso, bagunçando ainda mais…

Trazendo meus joelhos até o peito, me enrolei em torno deles. Meus olhos ardiam, minha garganta estava inchada, mas não deixei mais lágrimas caírem. Cerrei meus dentes e me belisquei. As lágrimas reprimidas não eram pelo meu irmão, pela Tessia, ou mesmo por mim… eram por todos, por tudo. Uma tristeza vinda do meu âmago se apoderou de mim, fria e de alguma forma reconfortante, como um manto de neve. Senti como se a pressão, a motivação de fazer alguma coisa, de revidar e mudar as coisas, estivesse se esvaindo. Os problemas do mundo eram tão grandes que não havia mais nada que eu pudesse fazer para salvá-lo.

A percepção de que eu poderia simplesmente deixar tudo de lado me trouxe uma espécie de paz.

Mas não queria perder as esperanças. Não queria desistir, deixar todo mundo lutar para ter de volta nosso futuro enquanto eu me escondia, confortável em minha desilusão.

Mentalmente, chamei Boo, e um momento depois seu enorme vulto apareceu na caverna, logo atrás de mim. Ele preencheu o pequeno espaço e poderia facilmente ter destruído as coisas de Rinia, mas parecia sentir que eu precisava de conforto em vez de proteção; se deitou atrás de mim e eu me inclinei contra ele, deixando meus dedos brincarem em seu pelo.

— Bem, isso é novo.

Disse Rinia, o fantasma de um sorriso em seus lábios.

Uma onda de calor saiu do meu núcleo, limpando minha mente e queimando o manto frio da apatia.

— Me dê esperança. — disse suavemente.

— Por favor, Rinia. Em toda a sua procura, você deve ter visto algum vislumbre…

A velha empurrou o cobertor para o lado, deixando-o cair no chão. Eu teria jurado que podia ouvir seus ossos estalando quando começou a se levantar, mas quando me movi para ajudá-la, acenou para que eu sentasse. Uma vez livre da cadeira, deu alguns passos lentos e arrastados em minha direção, até que pudesse colocar a mão nas costas de Boo. Com muito cuidado, a velha vidente começou a se abaixar ao meu lado.

— Rinia, você não deveria—

— Não ache que você pode me dizer o que eu devo ou não devo fazer, criança. — retrucou.

Ajudei a guiá-la da melhor maneira que pude, até que estivesse descansando no chão ao meu lado, se recostando no Boo, assim como eu.

— Esperança nem sempre é uma coisa boa. — disse, ofegando ligeiramente.

— Quando perdida, pode quebrar o espírito de uma pessoa. Quando falsa, pode impedir as pessoas de cuidarem de si mesmas.

— Então, me dê esperança de verdade.

Disse, novamente pegando a mão dela e apertando suavemente.

Rinia se inclinou para o lado de forma que sua cabeça estava descansando no meu ombro.

— Há um lugar certo e uma hora certa. E eu sei quando e onde é.

 

Separador Tsun

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Fiquei com a Vovó Rinia por mais algumas horas, eventualmente ajudando ela a se sentar na cadeira, servindo uma tigela de sopa e relembrando a época em que mamãe, papai e eu tínhamos nos escondido junto dela em uma outra caverna secreta. Mas eventualmente o cansaço tomou conta dela, então a ajudei a ir para a cama e fui embora.

Estava esgotada. Tentar entender a conversa de vidente de Rinia sobre futuros potenciais e circunstâncias positivas exauriu minha mente, me fez sentir pequena e infantil. Mas então me lembrei que quando Arthur tinha quatorze anos e estava na terra dos deuses, treinando com divindades para lutar uma guerra que mudaria o mundo inteiro.

Eu dei um tapinha no lado de Boo enquanto caminhávamos silenciosamente pelos túneis sinuosos.

— Se importa se eu montar, garotão?

O urso guardião grunhiu afirmativamente e parou. Me coloquei de costas e me inclinei para frente para descansar minha cabeça em meus antebraços, apenas me deixando flutuar em cima de seu corpo largo.

— Aconteça o que acontecer, sempre vamos cuidar um do outro, certo, Boo?

Outro grunhido.

— Assim como Arthur e Sylvie, juntos até o fim.

Ele bufou com a comparação, me fazendo rir.

Boo não precisava de nenhuma orientação minha para encontrar o santuário, então fechei os olhos e repassei minha conversa com Rinia. Já devia ter passado muito tempo e eu estava feliz por ter saído de lá sem nenhuma desavença. Vê-la me fez perceber o quão pouco tempo ela provavelmente ainda tinha. Gostaria que pudesse ter me contado mais sobre esse “lugar certo e hora certa” de que sempre falava. Se ela se fosse antes que chegasse a hora… Eu só podia confiar que ela sabia quando o fim chegaria.

 

POV ANCIÃ RINIA

Assim que a criança Leywin e sua besta finalmente partiram, voltei ao meu trabalho.

Deitada na cama, encarei o nada, meus olhos físicos agora inúteis. Mas isso dificilmente importava. Apenas meu terceiro olho era necessário, aquele que podia ver além do aqui e agora para o que poderia ser.

Meu núcleo doeu quando ativei a mana e me esforcei para reunir força suficiente para lançar o feitiço. Maldito corpo velho, amaldiçoei a mim mesma. Mas sabia que, na verdade, meu corpo físico tinha resistido por muito mais tempo do que deveria.

Foi minha irmã quem aprendeu a poção que pôde fortalecer nossos corpos, mesmo enquanto nossa força vital se esvaia. Tarde demais para que ela mesma se beneficiasse, mas mesmo em meio a seus esforços ardorosos para salvar a vida de Virion, nunca se forçou como estou fazendo.

Enviei um agradecimento silencioso a ela, onde quer que seu espírito descansasse na vida após a morte. Ainda não tinha certeza se meus esforços fariam alguma diferença no final, mas ganhei meses para procurar graças à poção que ainda borbulhava em meu pequeno fogo.

Lançando Visão, me senti relaxar quando o terceiro olho se abriu em meu espírito. Por meio desse olhar metafísico, o mundo etérico tornou-se visível, revelando uma teia infinitamente complexa de fios entrelaçados que se estendem para o futuro. Mas só olhar não era suficiente.

Como meu mestre havia me ensinado, me projetei em direção ao Aevum… lentamente, hesitantemente, como alguém que se aproxima de um animal meio selvagem. Mas foi minha afinidade com o Aevum que me deu os poderes de adivinhação, e como havia acontecido milhares de vezes antes, o éter reagiu, vagando em direção ao meu terceiro olho e conectando minha mente à tapeçaria de futuros possíveis que foi colocada diante de mim.

Ignorei a maneira como todos eles se cortavam no mesmo ponto.

Agora, onde eu estava…

Escolhendo um fio, o toquei. Ele me arrastou, atraindo minha consciência ao longo da linha do tempo que representava.

Quando não gostei do que vi, encontrei um fio ramificado e me deixei levar.

Foi ainda pior.

Sabia onde precisava estar e quando. Mas havia mais do que apenas estar no lugar certo na hora certa, independentemente do que eu tinha dito a Ellie. A viagem era tão importante quanto o destino.

O que só tornava ainda mais frustrante saber que meu tempo estava acabando.

Dando um suspiro trêmulo, peguei o próximo fio, depois o próximo e o próximo depois disso.

 

POV ELEANOR LEYWIN

Acordei do meu cochilo com a sensação de cair, como tropeçar em um sonho.

O túnel estava enevoado e o ar tinha um cheiro forte e enjoativo que fez meu estômago apertar e minha cabeça girar.

— Boo?

Perguntei, minha língua arrastando pesadamente com o nome familiar.

— O que foi?

Minha mente estava lenta por causa do cochilo e estava com dificuldades pra me manter acordada, mas tinha certeza de que havia algo errado com Boo. Ele estava andando devagar, respirando fundo, bufando, com dificuldade…

Meu vínculo deixou escapar um choramingo nervoso. Dei um tapinha em seu pescoço e disse:

— Ei, é só neblina, Boo, estamos…

Cheirei o ar novamente. A neblina…

Fechando meus olhos, me concentrei na vontade da besta à espreita no meu núcleo de mana, que agora era laranja escuro. Focando dentro de mim mesma, cutuquei a vontade, acendendo-a e recebendo uma explosão de cheiros e sons de meus sentidos aprimorados.

Os túneis eram úmidos e com um leve odor de podridão. O aroma pesado de Boo estava em toda parte, assim como o cheiro fedorento deixado para trás pelos ratos das cavernas que costumavam viver aqui, mas a podridão da névoa dominava todo o resto. Os túneis estavam quase totalmente silenciosos. Em algum lugar abaixo de mim, podia ouvir o leve tamborilar de água pingando do teto de uma caverna e espirrando em uma piscina rasa, porém os únicos outros sons eram os passos desiguais de Boo e meu próprio batimento cardíaco lento.

Boo tropeçou mais uma vez, enviando uma sacudida desconfortável no meu estômago.

Tentei alcançar meu arco, mas não consegui tirá-lo das minhas costas. Uma das pernas de Boo cedeu e eu caí pesadamente no chão. Sabia que deveria ter doído, mas tudo que podia sentir era o desejo irresistível de fechar os olhos.

As poderosas mandíbulas de Boo se fecharam nas costas da minha camisa e ele começou a me arrastar, mas mesmo com meus sentidos nebulosos podia ouvir sua respiração difícil.

— Boo…?

Soltei uma risadinha estúpida ao som da minha própria voz, arrastada e boba. Sabia que deveria estar com medo, mas realmente, só senti vontade de… ir… dormir…

Boo me soltou, deixando escapar um grunhido de advertência. Mal consegui virar minha cabeça o suficiente para olhar para o túnel, onde pude ver duas silhuetas se aproximando. Seus rostos estavam cobertos… ou talvez fossem apenas meus olhos ficando embaçados.

— Calma, garotão.

Disse uma das silhuetas, com a voz abafada pelo pano.

Boo rugiu e se lançou, sua enorme pata embriagada golpeando as figuras. Eles se esquivaram, mas ouvi uma respiração sibilante e uma maldição.

— Você… pegue-os… Boooo. — engasguei.

Boo cambaleou para frente e tropeçou no chão enquanto balançava suas garras. Choramingando, soltou um grunhido baixo que pensei ser por medo, então tudo escureceu.

Através da escuridão, podia ouvir passos se aproximando.

— Não… mexa… comigo. — murmurei fracamente.

— Eu sou… uma…

Braços fortes me pegaram como se eu fosse um bebê.

— Leywin…

Uma voz suave e triste ecoou do nada escuro que me rodeava.

— Desculpe, Eleanor.

 

Separador Tsun

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Meus olhos se abriram, ou pelo menos foi minha impressão. Tudo estava cinza e confuso. Minha cabeça parecia estar cheia de teias de aranha, e minha boca e garganta estavam tão secas que doíam. Pisquei novamente várias vezes, lentamente.

— Mamãe?

Ri ao som da minha própria voz, que coaxou como um sapo velho e gordo. O barulho morreu instantaneamente quando minha respiração ficou presa no meu peito, percebi com clareza que algo realmente ruim havia acontecido.

— Mamãe? Papai?

Uma sombra se moveu pela minha visão turva e vozes distorcidas invadiram a teia de aranha dentro do meu cérebro. Não conseguia entende-las.

— I-irmão? Irmão!

As vozes falavam coisas sem sentido e uma das figuras se aproximou. Levantei minhas mãos para afastá-los e fiquei chocado com um tilintar metálico e a sensação de frio em meus pulsos.

— Irmão—

Tudo voltou de uma vez, forçando um suspiro sufocado. Meu pai e meu irmão estavam mortos. Rinia, o gás… Boo!

— Boo!

Gritei, sem tentar esconder meu pânico. Ele deveria estar comigo, sabia. Ele deveria se teletransportar para mim, estar bem ao meu lado.

— O que você fez com o Boo?

Comecei a soluçar.

Mãos fortes pressionaram meus ombros. Um rosto estava bem na minha frente, embaçado no início, depois vagamente familiar, então—

— Albold…?

— Por favor, acalme-se, Ellie.

Disse ele com firmeza, soltando meus ombros.

— Boo está ileso, embora eu não possa dizer o mesmo de nós. Nós o deixamos nos túneis. Eu teria preferido fazer isso de uma maneira diferente, mas devemos saber o que você sabe.

— Nós… o quê?

Balancei minha cabeça, tentando limpar a última das teias de aranha.

— Você… você me atacou!

Olhei para ele acusadoramente.

Uma segunda figura apareceu para descansar sua mão no ombro de Albold. O capuz do elfo magro ainda estava levantado, mas o pano que cobria seu rosto havia sido removido.

— Precisamos da verdade, Eleanor. Não pensamos que você nos contaria, a menos que não tivesse escolha.

— Feyrith, você… seu… seu idiota!

Vociferei. Inclinando-me para trás, gritei:

— Boo! Boo, socorro!

Albold se ajoelhou na minha frente e agarrou as algemas que prendiam minhas mãos. Ele deu um puxão forte que torceu meus ombros e cotovelos de forma desconfortável. Seus olhos, incolores na caverna escura, me prenderam como flechas.

— Chega, Ellie. Tomamos medidas para garantir que sua besta não pudesse nos seguir. Aquelas algemas de supressão de mana devem—

Pop!

Um rugido como terra e pedra sendo rasgada explodiu bem ao meu lado, e Albold foi arremessado para trás da caverna, batendo com força na pedra dentada. Uma parede peluda se moveu na minha frente, respirando pesadamente e rosnando de raiva e medo.

Uma barreira espessa de água apareceu com um whoosh e dividiu a caverna ao meio, separando Boo e eu de Albold e Feyrith, embora eu só pudesse ver as bordas ao redor do enorme corpo de Boo.

A voz de Feyrith foi abafada quando gritou:

— Eleanor, por favor, ouça! Não vamos te machucar, só precisamos conversar.

— Você tem um jeito engraçado de conversar.

Retruquei. Boo se virou para me olhar, certificando-se de que eu estava bem. Levantei as correntes. Com um bufo irritado, ele as mordeu, esmagando os elos de metal encantados como se fossem ossos velhos. A magia supressora desapareceu e eu senti meu núcleo ganhando vida novamente.

— Nós… nós precisávamos ter certeza.

Feyrith disse desesperadamente.

— Com tudo que está em jogo, não poderíamos arriscar que você nos ignorasse ou nos dissesse que não poderia discutir isso.

Me levantei e balancei meus braços e pernas, que ainda pareciam meio adormecidos. Quando tive certeza de que não cairia, contornei Boo e caminhei até a parede de água, encarando os elfos do outro lado. Boo se moveu como uma sombra ao meu lado, seus dentes à mostra.

Albold estava se limpando, notei que sua calça estava rasgada e ele tinha uma bandagem em volta da perna, encharcada de sangue. Ambos os elfos estavam observando meu vínculo com cautela. Dei um tapinha no ombro de Boo.

— Não acredito que estou tentando encontrar você há semanas.

Resmunguei, encarando Albold. Ele fez uma careta, mas não desviou o olhar.

— Idiotas, o que vocês querem? Vocês têm uma chance. E não pensem que Boo não vai comer vocês se me atacarem de novo.

Boo rosnou ameaçadoramente.

Feyrith liberou seu feitiço e a parede de água caiu, drenando para o chão e deixando pedra seca para trás. Suas mãos estavam levantadas em um gesto de paz quando deu um passo à frente.

— Nós sabemos que Virion está mentindo, Eleanor. Sua história não faz sentido. E sabemos que você falou com o Asura, Windsom, e que visitou a velha vidente.

Suas mãos caíram para os lados e agarraram as pontas de sua capa desesperadamente.

Albold rangeu os dentes audivelmente.

— Não tenho ideia de por que uma menina de doze anos está tão envolvida em tudo isso, mas precisamos saber o que você sabe.

— Quatorze!

Disse indignada, cruzando os braços sobre o peito.

— E tudo o que Virion disse a você, é para o seu próprio bem.

Lembrei-me das palavras de Rinia.

— Ir contra ele só levará à catástrofe.

Albold franziu o rosto com raiva.

— Isso não é o bastante. Nós, todos os elfos, merecemos saber a verdade. Se Virion está trabalhando com o inimigo…

Eu dei a língua, agindo como a idade que pensavam que eu tinha e atraindo olhares chocados de ambos os elfos.

— A verdade é uma merda! Sabê-la não ajuda, confie em mim.

Albold tinha uma expressão séria e desesperada, mas Feyrith parecia estar se encolhendo.

— Você não é uma elfa, Eleanor. Você não tem como saber como é isso.

Abri minha boca para responder que sabia o que era perder pessoas, mas as palavras morreram na minha garganta.

O que Rinia disse mesmo? Me perguntei, tentando não vacilar enquanto vasculhava meu cérebro estressado procurando pelos detalhes da nossa conversa. Não se envolva. É uma situação delicada…

— Eu sei que você também perdeu pessoas, Eleanor…

Feyrith disse, dando meio passo à frente, mas congelando quando Boo soltou um rosnado baixo.

— Não conhecia seu pai a fundo, mas… Arthur Leywin era meu maior rival e um amigo próximo. Sua perda afetou a todos nós.

A voz de Feyrith estava tremendo.

— Mas eu perdi todo mundo, você entende? Minha…

O elfo cedeu, seu rosto se contorceu enquanto as lágrimas corriam por suas bochechas e soluços chacoalhavam seus ombros. Ele pressionou a mão sobre os olhos, curvando-se ainda mais. Em meio aos soluços, disse:

— Minha família inteira… eles… eles se foram.

Ele afundou no chão, e Albold ajoelhou-se desajeitadamente ao lado dele, sua expressão ilegível.

Feyrith enxugou o rosto com a manga e respirou fundo, trêmulo.

— Tentei salvá-los… mas fui pego… nem cheguei perto. Deixei-os contra a vontade deles para frequentar a Academia Xyrus… para ser mais do que apenas o quarto filho de uma família nobre, mas falhei com eles, entende? E agora eles… se foram…

Albold estava pálido como um fantasma ao lado do Feyrith de rosto vermelho. Seus olhos focavam no vazio, sem olhar para seu companheiro ou para mim.

— Nosso rei e rainha se foram. Nossa princesa se foi. Nossa casa, nossa cultura se foram. Nossos amigos e familiares, professores, amantes, rivais… todo o nosso mundo se foi.

Só então ele me olhou nos olhos.

— E nem conseguimos entender o porquê.

Eu não conseguia desviar o olhar de seus olhos penetrantes. O que eu poderia dizer para amenizar uma perda tão completa e amarga? Se soubessem o que realmente aconteceu em Elenoir, isso realmente os faria se sentir melhor, ou apenas mais desamparados, sem esperança, como eu? Além disso, raciocinei comigo mesma, Rinia me disse para ficar fora disso.

Mas não me disse para não contar a mais ninguém. Não achei que a verdade traria algum tipo de catarse aos elfos, mas não a mereciam mesmo assim?

Me inclinei contra Boo, correndo meus dedos pelo seu pelo e ouvindo seu coração martelando em meus ouvidos, mais alto do que o som de meus dentes rangendo.

— Ok. Vou dizer.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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