O pânico começou a corroer no fundo do meu estômago quando a plataforma desapareceu de vista. Não tinha a confiança de dizer que sobreviveria ao impacto depois de bater no chão a esta velocidade. Pior ainda era o fato de que, na verdade, poderia acabar não batendo em nada. Sabendo que o éter estava envolvido na composição desse lugar, a possibilidade de continuar caindo eternamente era muito real.
Lembrei-me do vazio sem fim no qual me prendi antes de acordar nesta masmorra. A dormência pura e a escuridão que tinha engolido minha mente e minha alma era algo que trazia calafrios na minha espinha só de lembrar.
O impacto que senti nas costas, entanto, me trouxe de volta à realidade. Havia pousado em uma plataforma.
A superfície de outro mundo brilhava em um branco macio debaixo de mim. Enquanto minha mente tentava processar o que tinha acontecido, outra batida ressoou atrás de mim.
— Filho duma pu—
— Regis! Você está bem? — Perguntei enquanto meu companheiro voltava ao ar arrogantemente, pairando alguns metros acima da plataforma branca brilhante.
— Eu não sei… mas para alguém incorpóreo, com certeza tem merda pra caralho que pode me tocar nesse lugar dos infernos. — disse Regis.
Abri um sorriso, feliz em ver meu companheiro reclamar… e feliz por ter terra sólida abaixo de mim. No entanto, o que me incomodou foi o fato de que, atrás de nós, não havia outras plataformas. Assim como quando chegamos aqui.
Com pouca escolha a não ser subir a escadaria solitária adiante, atravessamos a plataforma e subimos os degraus para ver o familiar brilho de vermelho na plataforma à nossa frente.
Olhei perplexo para a vista adiante, golpeado com uma súbita sensação de déjà vu.
— Regis. Por favor, diga que você está pensando a mesma coisa que eu.
— Se você está pensando em um certo encanador italiano com bigode, e o que acontece com ele quando cai, então sim. — resmungou Regis.
— Deixando de fora a metáfora grosseira sobre um jogo de vídeo game antigo, acho que você pode ter razão. — respondi. — Mas vamos descobrir com certeza assim que nós pisarmos nela.
— Você quer dizer assim que você pisar nela. — Regis se atirou em minha direção, desaparecendo na minha mão.
Soltando um suspiro, pisei na plataforma. Quase imediatamente, senti a sensação de éter sendo sugado de mim enquanto a plataforma vermelha brilhante se estendia.
— Eu nem estou surpreso, murmurei, caminhando para a frente.
Coalesci éter da minha mão esquerda dessa vez, limitando a taxa em que o éter deixava meu corpo enquanto me aproximava da escada.
— Fácil — zombou Regis.
Parei alguns passos antes da escada.
— Espere, não. Por favor, não me diga…
— Onde mais eu vou encontrar outro ambiente que naturalmente puxa éter para fora de mim? — Perguntei antes de sorrir. — Além disso, você não acabou de dizer que foi fácil?
Apesar de ter experiência em lançar uma explosão destrutiva da palma da minha mão, a segunda vez não foi nem um pouco mais fácil. Na verdade, por eu ter me acostumado a juntar o éter na minha mão direita, tive um trabalho ainda maior com a esquerda.
Nem preciso dizer que subi a escada até a próxima plataforma com uma mão esquerda quebrada, um núcleo quase vazio… e um sorriso no meu rosto.
Regis me olhou com fogo nos olhos, seu tamanho mais uma vez encolhido de ter que injetar seu éter em mim.
— Masoquista.
Ignorando as potenciais repercussões psicológicas das minhas ações perigosas desde que acordei nesta masmorra, pisei na plataforma laranja.
Me esquivei da besta centauro invisível mais uma vez, mas ao invés de cometer o erro de matá-la e deixá-la desaparecer, a prendi e absorvi seu éter primeiro.
A melhor coisa sobre ter expandido minhas passagens de éter era que não estava mais limitado a consumir éter usando minha boca. Agora poderia absorver através da minha mão com dignidade e elegância.
Pisando na plataforma azul, recuperado e cheio de energia, resolvi pacientemente o quebra-cabeça da plataforma giratória.
Meu coração finalmente se acalmou depois de pisar na escadaria que leva à próxima plataforma. A memória do chão girando bem abaixo de mim e me mandando para um vazio tinha sido gravada em ambas nossas mentes.
— Por favor, que esta próxima seja a saída — rezou Regis, com seus chifres praticamente caídos.
Quando chegamos ao topo das escadas, não pude deixar de ficar ansioso.
A plataforma era quase duas vezes maior que as plataformas anteriores e emitia uma luz negra ameaçadora.
Deixei de lado minhas preocupações conforme minha mão subconscientemente se estendeu para a bolsa carregando a pedra de Sylvie. Apesar do estado em que ela estava, meu vínculo se tornou uma âncora para mim e um lembrete constante de quais eram meus objetivos.
Mantendo-me firme, pisei acima da plataforma negra com Regis me seguindo perto por trás. Assim que meus pés foram plantados na superfície negra brilhante, toda a plataforma começou a vibrar profundamente.
Meus olhos escanearam meu entorno, meus sentidos em alerta total para qualquer perigo vindo em nossa direção. O barulho ficou mais alto a um grau quase ensurdecedor até que, de repente, centenas de fios pretos dispararam de todas as quatro bordas da plataforma quadrada, cruzando-se uns com os outros para formar uma cerca que se estendia bem acima de nós.
Regis olhou para cima e ao redor.
— Isso não parece bom.
Uma camada grossa de éter agarrou-se uniformemente sobre o meu corpo quando pisei em direção ao centro. Vendo que estávamos impedidos de seguir em frente significava que precisávamos resolver algum tipo de quebra-cabeça… ou matar alguma coisa aqui.
Como se lendo meus pensamentos, o chão alguns metros à minha frente, começou a ondular quando um grande monte de preto brilhante começou a crescer a partir do centro dele.
A extensão do roxo ao nosso redor escureceu quando uma figura imponente crescia do próprio chão em que estávamos.
Olhei para o gigante sombrio que se aproximava de nós. A criatura bípede tinha pelo menos cinco vezes a minha altura e parecia estar usando uma armadura completa do mesmo material sombrio que o resto de seu corpo, juntamente com um capacete viking com dois chifres enrolados para cima. Quando deu um passo em nossa direção, fazendo toda a plataforma tremer, disse a única coisa apropriada para uma situação como essa.
— Olha, Regis. É o seu pai.
Meu companheiro me fitou por um momento, inexpressivo.
— Eu gostava mais de você quando estava deprimido.
O chão preto brilhante balançou furiosamente conforme me esquivava sem esforços do golpe violento lançado pelo sentinela de sombras. Seus movimentos eram lentos, mas sabia que ser atingido uma única vez poderia significar a morte.
— Regis. — estendi minha mão. — Forma de Manopla.
Quando Regis voou para minha mão e eu sifonei éter através dele, uma voz sinistra gritou comigo, perfurando meu cérebro.
— Mate ele. Trucide-o!
Eu me curvei pela surpresa e pela dor, mal conseguindo evitar o baixo movimento circular do braço do golem.
Sem tempo para me perguntar, apertei meu punho preto esfumaçado e golpeei sua perna.
Uma explosão silenciosa ressoou com o impacto, mas o golem cambaleou apenas um passo para trás.
O aperto firme que senti ao redor do meu núcleo me lembrou que o número de vezes que eu poderia usar isso era limitado, mas parecia que mesmo uma centena destes não seria capaz de matar a besta gigante.
O golem soltou um rugido ensurdecedor, aparentemente chateado por eu ter conseguido lhe causar um hematoma.
Fiz uma careta enquanto fechava meu punho coberto de sombras mais uma vez.
— De novo!
Canalizando ainda mais do meu éter através de Regis, deixei o poder destrutivo se formar. A aura preta esfumaçada de Regis começou a se espalhar, subindo lentamente em meu braço.
Enquanto isso, a voz que tinha perfurado meu cérebro na verdade começou a se acalmar. Sua exigência outrora desesperada se transformou em apelos abafados.
Você precisa de mim. Sou o único que pode te tirar daqui. Você não quer ver sua família de novo? Você não quer ver Tessia?
— N-Não. — disse através de dentes cerrados. Sua voz tentadora era realmente mais assustadora do que quando gritava suas exigências.
Lutei para me manter são, querendo que o que quer que esse demônio estrangeiro fosse, saísse da minha cabeça.
Um golpe forte que me tirou do chão e me jogou contra a cerca negra concedeu meu desejo… e também algumas costelas quebradas.
Tossindo com a boca cheia de sangue, caí de costas para ver Regis me encarando.
— Que diabos aconteceu? Você está bem? — A bola de sombra preta perguntou antes de virar. — Cuidado!
Saí do caminho, evitando por pouco o golem gigante que tentava pisar em mim.
Levantando-me enquanto o restante do éter no meu corpo me curava lentamente, olhei para Regis.
— Era você falando… na minha cabeça?
— Do que você tá falando? — perguntou, frustrado. — Ele te bateu na cabeça? Não tenho certeza se você notou, mas há um golem de sombras gigante tentando nos matar.
— Me bateu em todo lugar. — retruquei em resposta. Franzi a testa olhando meu companheiro. — A voz… não importa.
Sacudindo as dores persistentes do meu corpo, mesmo quando minhas costelas tinham sarado, o golem gigante e eu começamos a brincar de gato e rato. Com hesitações me impedindo de imbuir mais do meu éter, fui forçado a tentar atacar seus pontos fracos.
Acontece que não havia nenhum. Sua cabeça sem rosto era tão dura quanto sua virilha blindada e seu peito.
Sem opções, fiz a única coisa que podia fazer. Mantendo distância, comecei a reunir éter no centro da minha palma.
Quando uma fina camada de roxo começou a se espalhar do centro da minha mão, esperava que minha quantidade limitada de éter de alguma forma diminuísse o recuo da explosão de éter.
Mas enquanto me preparava para desencadear a destrutiva explosão de éter, não pude deixar de questionar sua eficiência. Era o momento e hora errados para ser introspectivo, mas não pude deixar de me perguntar como essa explosão bruta de energia surgia de éter.
Como mana, havia uma forma pura, sem afinidade, ou esse poder, como o fortalecimento do meu corpo, era uma ramificação de vivum? Entretanto, Lady Myre explicou vivum como sendo a influência sobre todos os componentes vivos.
Foi quando me ocorreu.
Estava no caminho certo com ambas a Forma de Manopla e a explosão etérica, mas eles eram meramente uma parte de um quadro maior.
Canalizei éter em minha mão mais uma vez. Mas desta vez foi diferente. A própria ação de revestir minha mão em éter pareceu mais fluida… mais natural e controlada.
De repente, uma dor insuportável envolveu minha mão, me fazendo parar no meio do caminho. Olhei para minhas mãos para ver o que pareciam runas se formando em suas costas. Elas permaneceram por menos de um segundo antes que desaparecessem de vista. No entanto, podia sentir as runas viajando pelo meu braço como uma bola branca de ferro quente antes de seguirem pelas minhas costas e pernas antes de retornarem para cima e pressionarem na base da minha coluna.
Apesar da minha crescente tolerância à dor, essa causada pelo o que quer que tenha acontecido quase me fez desmaiar. No entanto, por alguma razão, me senti tranquilo com o que tinha acabado de acontecer.
— …thur!
Saí do meu devaneio ao som da voz de Regis bem ao meu lado e percebi que estava no meio de uma luta contra um imponente golem de sombras.
Baixei minha cabeça e me preparei para um impacto que nunca veio.
— Arthur, olhe. — avisou Regis.
Levantando a cabeça, não podia acreditar no que eu estava vendo.
A sentinela negra, cuja figura se erguia por mais de trinta metros de altura, estava lentamente se afastando de mim.
Ele está assustado.
Podia ver Regis olhando para a visão em descrença também.
— O que você fez? — perguntou.
— Não tenho certeza. — Olhei para minhas mãos sem ver nada lá. No entanto, quando uni o éter em minha mão, uma sensação de calor se espalhou pelas minhas costas junto com uma inundação de conhecimento.
Cambaleei para a frente, quase perdendo o equilíbrio na sensação de agitação. Só durou uma fração de segundos, mas sabia que o conhecimento recém-descoberto agora enraizado no meu cérebro duraria para sempre.
— …truição. — eu murmurei, olhando para as minhas mãos vazias.
— O quê? — Regis perguntou, flutuando para baixo e olhando para mim. — Você está bem, Arthur?
Eu podia sentir meus lábios curvados em um sorriso.
— Estou melhor do que bem. Eu compreendo agora.
— Compreende o quê? — rebateu. — Você está me assustando, Arthur.
Levantando meu manto e camisa, mostrei ao Regis a parte inferior de minhas costas.
— Isso.
Os olhos do meu companheiro se abriram quando viu a runa branca prateada brilhando na minha coluna, logo acima do meu quadril.
— Você sabe o que esta runa diz?
Regis balançou a cabeça quando soltei meu manto e camisa, cobrindo minhas costas.
— Eu sei. — eu disse com um sorriso estampado no rosto. — E essa coisa também.
Aproximei-me do gigante cavaleiro sombrio, minha marcha calma e deliberada. Quanto mais me aproximava do golem imponente, mais podia ver sua forma se encolhendo, como se estivesse tentando se tornar menor na minha presença.
Ele sabia.
Eu não era mais aquele preso aqui com esta besta, a besta estava agora presa aqui comigo.
Levantando lentamente meu braço, canalizei éter na minha mão direita. O toque quente da runa esculpida nas minhas costas me tranquilizou e o éter se manifestou em uma pequena chama que brilhava como ametista pura.
A chama cor de ametista agarrou-se à minha palma como um recém-nascido. Não havia ferocidade selvagem ou calor emanando desta chama. Era fria, tranquila e silenciosa como o sopro de algo transcendente.
Ao ver esta chama etérea, o corpo de sombras do golem começou a tremer, mas nem um pingo de compaixão poderia ser guardado para esta besta.
Como um rato encurralado, atacou, batendo seus braços maciços para tentar me achatar.
Levantei meu braço, encontrando seus punhos gigantes com a minha mão direita. As chamas da ametista silenciosamente consumiam seus dois punhos inteiros, não deixando nem mesmo um traço de suas mãos sombrias.
A besta sombria gritou de raiva, desesperadamente balançando os braços para mim.
Usando seu braço como uma rampa, corri para cima e dirigi minha mão revestida de fogo em sua cabeça.
— Adeus. — disse baixinho enquanto via sua cabeça se deteriorar pelas chamas violetas e seu corpo afundar de volta para a plataforma negra.
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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