Nunca li uma novel murim. Eles nunca me interessaram, e o gênero já tinha virado coisa do passado na minha geração. Filmes antigos de murim às vezes apareciam na internet, mas, com seus efeitos especiais ruins, só viravam motivo de piada.
Minha geração ria de qualquer coisa séria, deixando um nicho minúsculo para as artes marciais e seus códigos de honra. O gênero estava em declínio.
E esse mundo em declínio estava nevando.
— …Está frio!
Nós, a equipe de expedição sem esperanças e sonhos, entramos com segurança no mundo do livro apocalíptico e fomos imediatamente recebidos por uma vasta planície de neve. Alguns sons fofos saíam enquanto pisávamos na neve, mas não tinha nada de fofo no frio que nos mordia.
— Pessoal! Usem sua aura para se proteger! — gritei.
O frio ia congelar todo mundo se não fizéssemos nada. O Viper logo liberou sua aura, mas a Química e o Rei da Medicina não podiam, por serem suportes.
— E-e-eu… não aprendi a usar aura…
—Atchim! Aaaaatchim! Vou morrer! Você vai matar este velho com esse frio!
Fazia menos de vinte segundos que tínhamos chegado ao mundo do livro apocalíptico, mas os rostos deles já estavam pálidos como cadáveres. Bem, eu tinha feito de tudo para aprender a usar minha aura, então era bem improvável que qualquer Caçador suporte soubesse usá-la.
—Tsc.
Reagi rápido para resolver a situação.
— Mestre da Seita, cuida do Rei da Medicina, por favor!
— Tudo bem. — O Viper pegou o Rei da Medicina. Ele podia ser o rei das light novels, mas preferia morrer a parecer fraco e ainda era um Ranker Alto feito para combate. Sua aura roxa envolveu o Rei da Medicina em pouco tempo.
O Rei da Medicina suspirou aliviado, como um velho se acomodando numa fonte termal.
— Assim está um pouco melhor…
Assenti e peguei a mão da Química.
— Você vem comigo.
— P-Perdão?
— Me dê sua mão.
Transferi minha aura pelas nossas mãos. Minha aura vermelha, que eu ainda não sabia se simbolizava sangue ou fogo, se espalhou calorosamente pela Química.
Ela fez uma reverência.
— Ah. O-obrigada, senhor Rei da Morte. Mas i-isso faz um pouco de cócegas…
— Sei que é estranho. Também acho, mas não é hora de se preocupar com isso.
Olhei ao redor. A nevasca que nos cercava era densa como neblina. A questão da temperatura corporal estava temporariamente resolvida, mas eu não tinha certeza para onde ir agora.
— O Bibliotecário Interno é uma Constelação, então usou palavras como livros e serialização descontinuada. Mas isso é um mundo, não um livro. E estamos aqui para salvá-lo. Sabem disso, né?
Os olhos da Química se arregalaram levemente.
— …Sim, sabemos. Talvez eu tenha levado isso meio na brincadeira. Vou dar o meu melhor.
— Só precisamos focar nos nossos papéis. Vou te proteger com minha aura, mas você e o senhor Rei da Medicina devem liderar quando for hora de acabar com a praga. Lembrem disso, por favor.
— Sim, senhor Rei da Morte.
A nevasca assobiava nos meus ouvidos. Semicerrando os olhos, tentei ao menos entender o entorno.
As últimas duas frases da Crônica do Demônio Celestial cruzaram minha mente: “Uma praga misteriosa eclode, matando o Demônio Celestial e dizimando o Culto do Demônio Celestial e as outras facções.”
Eram simples e curtas, sem mencionar o frio de congelar os ossos ou a neve até os joelhos. Só diziam que o mundo encontrou seu fim.
Agora, tínhamos que descobrir por que o personagem chamado Demônio Celestial ia morrer. E o que era essa praga que estava levando a humanidade daqui à morte?
— Ah! — A Química apertou minha mão de repente e apontou pra nevasca. — Olha lá, senhor Rei da Morte! Acho que vi pessoas!
Todos olharam para onde a Química apontou. Ela estava certa. Era difícil enxergar por causa da nevasca densa… mas dava para ver uma floresta de sombras humanas. Não eram só algumas pessoas – eram dezenas, talvez centenas.
— Beleza. Vamos para lá primeiro.
Tomei a frente. O vento continuava a chicotear a neve num frenesi. Por entre elas, as pessoas se reduziam a silhuetas vagas. Ficamos próximos para não nos perdermos.
— Zumbi, tem algo errado nisso. Não ouço nada vindo dali — disse o Guardião, olhando ao meu redor, servindo como um par extra de olhos.
É a nevasca?
— Talvez — semicerrou os olhos pras silhuetas. — Mas não é só o som… Eles não tão se movendo. Parece que são esculturas, não humanos.
Por sorte, a nevasca não durou muito. Quando diminuiu, ficou bem mais fácil enxergar. Esse foi o único lado bom – a visão que se revelou nos deixou sem palavras.
— …O que é isso? — sussurrou o Viper, suas palavras marcadas por nuvens de vapor. — Por que estão todos congelados?
Centenas de pessoas estavam congeladas na planície de neve.

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— …São humanos — disse a Química, estudando um dos congelados. Com luvas brilhantes, ela usou uma pinça para arrancar um pouco da poeira. — Segundo minha Habilidade Análise de Vida, já faz dois anos e três meses desde que ele morreu. Uma doença o matou, mas não está registrada no meu Hospital Móvel.
— Que estranho! — O Rei da Medicina colocou seu monóculo e examinou outro congelado.
Assim como um Caçador de combate usa Habilidades para lutar, a Química e o Rei da Medicina usavam suas Habilidades de Suporte para avaliar os humanos congelados.
— Todos morreram pela mesma causa, mas não foi o frio. A doença os matou, então deveriam estar no chão… mas estão todos mortos. Que estranho. Em tempos como esses, o Vale do Silício…
— É muito provável que alguém os tenha trazido para cá de propósito — interrompeu a Química. Depois da nossa conversa, ela parecia mais séria. — Embora todos tenham morrido pela mesma causa, o momento da morte varia muito. Ele morreu há duas semanas, e ela há três anos. A única conclusão possível agora é que alguém moveu os cadáveres para cá intencionalmente…
semicerrei os olhos.
— Um cemitério?
— Um cemitério, hein? De longe, parece até o exército de terracota. — Viper coçou o queixo.
Todos os humanos congelados em diferentes posições. Uma mulher abria os braços olhando para o céu. Outro homem mostrava os dentes como animal.
Olhei para o mais próximo. Mostrar a janela de personagem, pensei.
Nome: Jang Seongpa
Afeição: —
Gênero favorito: —
Gênero não favorito: —
Personagem favorito: —
Personagens não favoritos: —
Ponto de trama favorito: —
Ponto de trama não favorito: —
Estado de espírito: Luz.
Então era assim que a janela de uma pessoa falecida aparecia. Esse “Luz” no estado de espírito provavelmente era o último pensamento dele antes de morrer. O estado de espírito de um cadáver nunca mudava, como uma inscrição numa lápide.
Discutimos o mistério que enfrentávamos.
— Um cemitério… Por que está feito assim se é um cemitério?
— Não sei, mas todos têm armas na cintura.
— Tem algum lugar para nos abrigarmos? Está quente por causa da aura, mas…
— …Hahahahaha!
A risada súbita ao longe nos fez abaixar por instinto, mas quem quer que fosse não parecia ter notado nossa presença.
— A regra do Culto do Demônio Celestial acaba hoje! — gritou ele.
— Hah! Até um cachorro riria disso.
Na verdade, eram duas pessoas. As vozes eram bem distintas: uma era de um velho, e a outra, de uma mulher jovem.
— Enquanto eu estiver aqui, o Culto do Demônio Celestial será o mestre absoluto do murim. Buwolseon, está na hora de dar adeus ao seu sonho inútil de construir um Murim da Facção Justa — declarou a mulher, confiante.
— Bobagem! — berrou o velho. — A Unidade do Demônio de Sangue, que seu culto tanto se orgulhava, já perdeu a cabeça para o meu machado. Também cortei as cabeças dos seus Anciãos da Cabeça Demoníaca e os mandei para o outro mundo! Tenho quinhentos dos melhores do murim ao meu lado, então nenhuma arte demoníaca sua pode me deter!
— Ha. — A mulher riu baixo. — Para um velho, você fala bem. Não é forte o suficiente para matá-los, e meus Demônios do Sangue estão numa missão secreta, então estão fora agora.
Levantei o dedo e fiz sinal para os outros ficarem quietos. Eles piscaram.
— Vamos nos aproximar em silêncio, beleza? — murmurei.
Eles assentiram. Nos aproximamos lentamente da floresta de cadáveres, o cemitério congelado. As duas vozes foram ficando mais claras. Não demorou para vermos eles. A mulher usava um uniforme de artes marciais preto, o velho, branco.
— Preocupe-se com seu povo primeiro, Wolseon — repreendeu a mulher. — Você costumava ser o líder respeitado do murim, mas olha para você agora. Patético. Cadê todos os prodígios dos Clãs Prestigiados que você tanto falava?
— Ha! Não é da sua conta. Eles tiveram que cumprir uma missão secreta urgente, então se espalharam pelo mundo!
— Você dá muitas missões secretas.
— Porque você arruinou o mundo, mulher! Se não fosse pela regra idiota do Culto do Demônio Celestial, o mundo não teria acabado assim!
— Se eu e meu povo somos idiotas, o que isso faz de vocês? Vocês entregaram o murim para nós. São piores que idiotas.
— Sua vadia!
— Se tem problema com isso, lute comigo, velho.
Eles estavam numa briga bem suja. Pelo que parecia, o velho de branco era da Facção Justa, por outro lado, a mulher de preto era do Culto do Demônio Celestial. Eles apontaram suas armas um para o outro.
— Esquece. Não aguento mais ver uma líder de culto demoníaco como você se gabar! Vou cortar sua cabeça em duas. Uma metade será oferecida ao Imperador de Jade e a outra para Yama!
— Phew. Também quero acabar com isso. Hoje, vou finalmente eliminar o último sobrevivente da Facção Justa e mostrar ao mundo que a regra do Culto do Demônio Celestial ainda é absoluta.
Tinha um tom de conversa de rua, mas ainda era o início típico de uma batalha entre dois artistas marciais no murim. Agora, tudo que precisavam fazer era usar seu qi e trocar ataques de espada brilhantes. Aí, tudo ficaria perfeito.
Mas eu notei um grande problema.
— Zumbi — murmurou o Guardião, atônito. — Por que eles estão segurando gravetos…?
De fato, o velho e a mulher seguravam gravetos finos, do tipo usado para castigos físicos. Era isso que estavam usando como armas. As armas esplêndidas que sempre apareciam nos filmes de murim não estavam em lugar nenhum
O dois pareciam constrangidos apontando gravetos um para o outro, porque se encararam por um longo momento.
— …Buwolseon — arriscou a mulher de preto, cautelosa —, você perdeu seu Machado de Jade ou algo assim? Por que trouxe um pedaço de madeira? Você é só um capanga do Clã Namgung, e sua única força são seus golpes poderosos com o machado…
— C-cala a boca! — O rosto do velho ficou vermelho. — Eu poderia perguntar o mesmo de você! Cadê sua Espada Demoníaca de Sangue? Você tratava ela como se fosse sua filha! Jogou fora em algum lugar? Por que está segurando um graveto assim!
— Graveto? — A mulher desviou os olhos do velho. — Com licença. Pode não parecer, mas eu mesma esculpi essa espada de madeira. Ela contém a essência do Caminho Demoníaco Milenar. Dei a ela o nome de Sabre do Céu Demoníaco.
— Você realmente chamou um graveto de ‘Céu Demoníaco’?
— Não posso…?
Após um breve silêncio, o velho tossiu baixo.
— Ahem. É muito grandioso para um graveto. Por que não dá um nome mais comum e chama de bastão?
— Isso só significa que é um graveto…
— É um graveto, sua idiota!
A mulher assentiu, desanimada.
— Tudo bem. Já que você diz, vou me contentar com Bastão Demoníaco.
— Maldita! Demônio isso! Demônio aquilo! — O bigode branco do velho tremeu de irritação. — Por que vocês, cultistas, estão sempre tão ansiosos para nomear tudo de demônio? Só seus lacaios já são Demônios do Sangue, Demônios da Espada, Demônios do Fogo Fantasma e Demônios do Luar! Isso já são quatro tipos de demônios! Aí os capitães deles também são chamados de Quatro Reis Demônios! A primeira palavra que vocês aprendem é demônio?
— Não soa elegante…?
— Ahhhh! Não acredito que o murim caiu nas suas mãos, mesmo que por pouco tempo!
Enquanto isso, as nuvens escuras de neve engoliam a luz do sol aos poucos. Eram excepcionalmente densas, então o mundo ficou envolto numa escuridão profunda.
— Hup! — O velho engasgou. — D-Demônio. Não é hora de lutarmos entre nós!
Os dois imediatamente ficaram de costas um para o outro, como se nunca tivessem brigado.
Suor frio escorria da testa da mulher.
— Merda. As leis da natureza têm andado rebeldes ultimamente…
— Sua vadia! Você estava confiante que hoje ia ser um dia claro!
— Tem horas que minhas previsões erram. Como vou entender as leis da natureza? Só observei como o Rei Demônio do Fogo Fantasma faz.
— Pelo amor de Deus! Uma vidente de rua seria uma líder de culto melhor que você. Não acredito que caí na sua tentação e estraguei um evento tão importante!
— Cala a boca e se prepara para lutar, velho. Você está gastando o pouco de estamina que me resta.
A conversa deles deixou a mim e aos outros perplexos.
— O-o que acha que está errado com eles…? — sussurrou a Química.
— Bem, não sei ao ce…
Quando ia responder, ouvi um rosnado baixo. A princípio, pensei que era de alguém do meu grupo, mas então ouvi rosnados vindo gradualmente da esquerda, da direita, da frente e de trás. Percebi que estava gravemente enganado.
A Química engasgou de susto e agarrou meu braço, seu rosto pálido como lençol. O Viper e o Rei da Medicina pareciam igualmente preocupados, e eu tinha certeza que meu rosto estava com uma careta profunda.
Cerca de mil humanos congelados, que acreditávamos serem simples cadáveres, lentamente… moviam seus membros.
O cadáver congelado bem ao nosso lado rolou os olhos. Suas pupilas estavam dilatadas, e a maior parte de suas sobrancelhas tinha sumido. Parecia que partes dos olhos tinham sido devoradas, mas, apesar de tudo, o cadáver olhou diretamente nos meus olhos. Quando vi aqueles olhos, entendi o que estava acontecendo.
— Que inferno… — rangi os dentes.
A descrição da Crônica do Demônio Celestial dizia:
Crônica do Demônio Celestial
Gêneros: Murim, fantasia de fusão
Nível de dificuldade: B
Desafiantes necessários: 2~4 pessoas
※Serialização atualmente descontinuada.
Descrição: Este é o mundo onde as pessoas admiram, praticam e dominam artes marciais! O Demônio Celestial aparece e tenta unificar o murim liderando o Culto do Demônio Celestial. As outras facções se levantam contra ele e lutam pelo futuro do mundo… Bem, teriam feito isso se não fosse por uma super praga.
Razão para descontinuação da serialização: Uma praga misteriosa eclode, matando o Demônio Celestial e dizimando o Culto do Demônio Celestial e as outras facções. Fim.
Os cadáveres se moviam lentamente. Eram lentos, mas a visão deles se mexendo era o próprio horror. Agora eu sabia o que era a super praga misteriosa que trouxe esse mundo à condenação.
— A super praga é um vírus zumbi?! — gritei.
O cadáver abriu a boca e rugiu. O sol agora estava completamente encoberto, e cerca de mil zumbis avançaram contra nós.
Tradução: Rlc
Revisão: Pride
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