Os atores estavam animados.
— Todos os assentos especiais estão esgotados!
— Algo assim já aconteceu desde que entramos para a trupe?
— Não. Em um dia bom, conseguíamos encher metade dos assentos…
— Acham que vamos ficar famosos?
— Nossa chefinha é nossa joia! Ugor
Todos estavam alegres pelos assentos especiais de um teatro de terceira categoria, localizado em um beco, estarem esgotados. No entanto, ao ouvirem o plano para a próxima apresentação, suas expressões ficam sérias.
— Vamos atuar sem dizer uma única fala?
— Como…
— Pessoal, pensem assim. — Eu disse. — Não sei se vocês sabem, mas as peças de Fogo da Caverna nem sempre tiveram falas. Também não havia roteiro. Controlar o fogo com a aura do ator era como as peças de Fogo da Caverna costumavam ser.
— É-É verdade?
— Mhm.
Os atores apertaram os lábios com tanta força que o lábio inferior quase tocava o filtro nasal, claramente sem acreditar no que eu dizia. Bem, supus que suas reações faziam sentido. Eu mesma tinha visto as peças originais de Fogo da Caverna, mas eles não.
Isso foi há novecentos anos.
Talvez mil anos, arredondando. Não havia como os Terras de hoje saberem como eram as peças de Fogo da Caverna naquela época. Nesta era, só eu tinha certeza de como as tradições antigas eram praticadas.
— Pessoal, vocês sabiam que você e os outros Terras têm uma habilidade adormecida de sentir tristeza só de olhar para o fogo? A sensibilidade de vocês é incrível. Acredito que podem despertar esse sentido novamente. Diálogos só atrapalham. Vocês não são ruins em atuar porque são péssimos, são ruins porque tratam a peça de Fogo da Caverna como a história de outra pessoa!
Olhei para cada Terra, um por um. Um tinha apenas um olho, outro apenas um braço, e o último, uma orelha só. Todos tinham algo em comum: haviam perdido algo.
— Todos vocês carregam joias brilhantes em seus corações, mas elas estão enterradas bem fundo. Quando uma joia e uma pedra estão soterradas na areia, não há diferença entre elas. Vou tirar toda a areia das suas mãos e ajudá-los a se apaixonarem de verdade pela atuação.
— V-Você diz coisas constrangedoras sem nem piscar.
— Porque falo sério — assenti e canalizei minha aura na mão, gravando o número sete na parede do teatro. — Durante uma semana inteira, ensinarei vocês a usar a aura sem dormir um segundo.
A primeira aula começou naquela noite.

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Fiz um gesto para os atores no palco.
— Sentem-se da forma mais confortável possível. Tudo bem estender as pernas. Ótimo. Alguém está com os ombros tensos? Se alguém estiver se sentindo mal, por favor, me diga. Posso fazer uma massagem para ajudar. Todos estão bem? Certo. Vamos começar.
“As pessoas costumam dizer coisas vagas, como se a aura estivesse estritamente ligada ao estado mental. ‘Manifeste sua vontade’, ‘Desperte sua mente…’ Dizem todo tipo de coisa difícil de entender. Tentem manifestar sua vontade e liberar sua aura.
— Uh…
Apesar da leve confusão, os atores liberaram suas auras. Sem forma ou direção, a aura deles se movia como miragens flácidas. Comparados a Uburka, o maior guerreiro de todos os tempos, era seguro dizer que eles não tinham nenhum talento para dominar a aura. Estavam claramente envergonhados.
— Não é fácil, né?
— U-um, às vezes funciona bem…
— Sim, todos temos esses dias. Quando você se sente bem, pode controlar suas emoções livremente, abrindo uma autoestrada para sua aura. Mas isso não é suficiente.
— Se isso não é suficiente…
— De agora em diante, precisam ser capazes de liberar a aura quando quiserem.
— Ugor.
Os atores riram desajeitadamente. Embora adorassem que isso fosse possível, a resignação tomou conta deles e se enraizou em seus sorrisos.
Eu sorri de volta.
— Sabem de uma coisa? Vamos evitar a palavra “vontade” aqui. A aura se move de acordo com a vontade, mas vocês não a liberam usando vontade.
— Hmm?
— A aura é ativada pela memória, não pela vontade.
Essa foi a conclusão que cheguei e a verdade que aprendi na Crônica do Demônio Celestial, o mundo da Mestra.
— Vocês pegariam nuvens mais rápido do que seguir conselhos vagos como cultivar uma forte força de vontade. Precisam aprender a melhor forma de evocar suas memórias.
— Evocar nossas memórias…
— Sim, e fazer isso da forma mais vívida possível. Imaginem um mar — disse aos Terras.
Os atores fecharam os olhos.
— Hmm.
— Estão imaginando?
— Sim.
— Certo. Me deixem adivinhar. Pensaram num horizonte amplo e azul, bem bonito. Como um desenho no papel, né?
Os atores assentiram em uníssono.
Sorri.
— Essa é a memória mais básica que poderiam ter invocado. Esse método mnemônico deve ser evitado ao usar a aura.
— Uger?
— O que vocês pensaram agora não é o mar. É a palavra “mar”. Com memórias de tão baixa qualidade, sua aura nunca florescerá completamente — bati palmas. — Agora, levantem, por favor!
Os atores se levantaram desajeitadamente.
— Imaginem pisar numa praia de areia dessa vez. A água chega até seus tornozelos. Swoosh. O mar flui entre seus dedos dos pés e os engole até os tornozelos antes que elas recuem. Qual é a cor do mar? É azul?
— Não, é transparente.
— E a água entre os dedos dos pés? Está quente?
— Está fresca.
— Como é a água? limpa?
— Não, está um pouco turva por causa da areia.
— Sim, as ondas tocam a areia, levando-a embora. Ótimo. Imaginem a areia grudada entre os dedos dos pés. Tem areia nos tornozelos também.
— Mhm.
— Não gosto muito dessa sensação. É áspero. A areia está coberta de água salgada, então é meio pegajosa.
— Você está certa.
— Você entrou no mar, e suas panturrilhas estão molhadas. O sal é incômodo. O que vai fazer? — perguntei.
— Vou procurar um poço e lavar os pés.
— Já vim até o mar mesmo, então vou nadar.
— Vou procurar por mariscos.
Beleza.
— Essa é uma memória muito mais forte. — Eu disse. — Seniores, de agora em diante, quando tentarem pensar em algo, nunca comecem pela palavra em si. Pensem em texturas, como mergulhar os pés no mar. Então, suas memórias cuidarão do resto.
Olhei para o Terra de um olho só.
— O que você pensou quando imaginou o mar pela primeira vez? Era apenas azul, né? Como um desenho simples no papel.
— Ugor.
— Mas como ficou depois que mergulhou os pés? Era transparente, certo?
— Certo.
Eu sorri.
— Não só é transparente, mas você também pode pensar na textura incômoda. Você até pensou no que faria em seguida e como agiria. É exatamente isso.
Pensar na textura mais específica, como a sensação de grãos de areia grudados nos dedos dos pés, era a maneira correta de evocar memórias. Quando uma pessoa conseguia fazer isso com facilidade, sua aura naturalmente se tornava mais feroz.
— Se vocês têm memórias de quase terem sido queimados até a morte…
Whooosh.
O fogo acendeu na minha mão.
— Então seria possível criar um inferno com sua aura. Memórias de estar à beira da morte se enraízam à força na mente. Provavelmente há pessoas que nasceram com talento para serem atores. Elas podem expressar tristeza espontaneamente e atuar como se realmente estivessem no meio de um campo de batalha. Vocês teriam inveja delas. Querem saber o segredo de como essas pessoas conseguiram seu talento?
Tornei o fogo que florescia na minha palma ainda maior.
— Elas têm memórias.
Traumas, para ser exato.
— Como um ator pode representar corretamente estar no meio do inferno? Simples: eles passaram por isso. Sempre foi assim. A sombra das memórias se agarra a eles, e é impossível se livrar delas, não importa o que o ator faça.
O mesmo valia para Uburka. Ele sofria de albinismo severo. A luz do sol era uma bênção para os outros, mas para ele, era como a espada de um inimigo. Caminhar sob o sol era, por si só, uma questão de derrotar seu inimigo. Ao ter o sol como adversário, ele aprendeu naturalmente a se envolver com aura.
— Dança da Espada de Fogo Selvagem, que apresentaremos na próxima semana, é uma peça em que Kekerukker fica desapontado e com raiva do Imperador das Chamas. Vocês não são Kekerukker e nem o Imperador das Chamas, mas nunca ficaram decepcionados com alguém?
Olhei para os atores, um por um. Um olho. Um braço. Uma orelha. Todos estavam quebrados de alguma forma.
— Nunca decepcionaram alguém?
Eles permaneceram em silêncio. Apaguei o fogo na minha mão.
— Duvido muito. Todos nós fomos idiotas em algum momento da vida. Qualquer um de vocês pode se tornar Kekerukker. O Imperador das Chamas… Ah, esse desgraçado é um pouco difícil. Sua existência inteira é um desafio. Eu assumirei o papel do Imperador das Chamas na próxima apresentação.
Não importava o quanto de tutoria especial eu desse, o tempo era essencial. Eu era a única que podia retratar Yoo Soo-Ha com precisão. Os três atores restantes me olharam.
— Então, quem… vai interpretar Kekerukker?
— Darei o papel à pessoa que fizer mais progresso esta semana — respondi. — A pessoa que foi ou está mais decepcionada com os outros interpretará o papel principal.
Os atores ficaram sem palavras.

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O nome do ator de um olho só era Ilric.
— Meu pai era viciado em jogos de azar. As pessoas diziam que ele era assim desde que eu era bebê. Quando jovem, ele trabalhava numa forja até se tornar o chefe, mas aprendeu a jogar com um colega. Acontece que meu pai também tinha talento para isso.
Em alguns casos, pessoas com talento eram mais miseráveis do que aquelas sem ele. Um desses casos era apostas.
— Havia dias em que ele ganhava uma montanha de moedas de ouro em um único dia. Quando isso acontecia, comprava uma vila e me deixava morar lá. Também contratava um tutor caro e uma governanta. Eu comia e fazia o que queria.
— Quanto tempo o dinheiro durava?
— De três dias a dois anos, mas geralmente dois meses — murmurou Ilric. — Se ele ganhava muito dinheiro, começava um empreendimento. Também gerenciava um negócio de hospedagem para jogadores e emprestava dinheiro aos bons. Às vezes, as coisas iam bem, mas quando não iam…
Negócios sempre têm altos e baixos. Se aproveitar o fluxo nos bons momentos é um dom, ter paciência nos momentos ruins é uma habilidade. O pai de Ilric simplesmente não tinha essa habilidade.
— Ele sempre tentava compensar as perdas com jogos de azar. Ele estabelecia a meta de vendas diárias em três moedas de ouro. Era bom se conseguisse atingi-la, mas, se não conseguisse, jogava. Sempre foi assim. Segundo meu pai, isso também era negócio e uma maneira inevitável de mantê-lo funcionando.
Ilric suspirou.
— Não tenho uma casa. Não há um lugar onde eu tenha ficado tempo suficiente para chamar de lar, apenas vilas e pousadas. Vivíamos na cidade com a maior cena de jogos de azar. Quando o negócio do meu pai falhava, nos mudávamos para uma cidade com uma cena de jogo menor, e assim por diante…
Ele enterrou a cabeça nas mãos.
— Um dia, uma mulher veio à pousada. Meu sono era uma bagunça, então eu estava dormindo bem depois do meio-dia. Depois de um tempo, a mulher bateu na minha porta. Com uma careta, acabei abrindo a porta para ela.
Você é o senhor Ilric?
— Eu sabia que algo estava acontecendo. Talvez ela trabalhasse para a pousada, mas pensei que meu pai estivesse em apuros novamente. Pessoas que emprestavam dinheiro a ele às vezes apareciam.
Seu pai está aqui?
Não.
— Eu tinha acabado de acordar, então estava com uma aparência horrível. Meu rosto não poderia estar pior. Segurei a maçaneta da porta da pousada, sugerindo que não hesitaria em fechá-la a qualquer momento.
Quem é você?
— A mulher não respondeu minha pergunta. Após alguns momentos de hesitação, ela deixou a pousada. Fechei a porta, achando o encontro estranho. À noite, contei ao meu pai sobre a mulher que veio naquele dia. Foi quando soube que era minha mãe. Ela deixou a casa quando eu tinha três anos, então não a reconheci.
Embora a maior parte do rosto de Ilric estivesse coberta pela mão, uma de suas sobrancelhas franzidas aparecia entre os dedos.
— Não me importo com o resto, mas não consigo parar de pensar na expressão que fiz naquela hora. Eu estava irritado e não escondi isso da mulher. Nem soltei a maçaneta. Não gosto disso. Não sei por que agi assim.
Ilric olhou para o chão com seu único olho.
— Mas por que minha mãe me chamou de senhor Ilric? Por que “senhor”? Não consigo entender. Ouvi que meu pai e minha mãe escolheram meu nome juntos, então por que o senhor. Ilric? Queria saber. Porra. — Ele murmurou.
O ator de um olho só saiu, e o ator de um braço só entrou em seguida. As tatuagens brancas em seu torso paravam no ombro direito, onde seu braço havia sido cortado de forma limpa. Seu nome era Yumar.
— Eu era traficante de drogas.
Tradução: Rlc
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