O Caçador Imortal de Classe SSS – Cap. 12 – A Vantagem Inicial (3)

— É… meio precário… mas entre, por favor. É muito precário… — A Química me conduziu desajeitadamente para dentro da loja.

Ela não estava sendo modesta. O interior da loja era uma bagunça caótica, como se um furacão tivesse passado por ali. Cacos de vidro estavam espalhados pelo chão e estantes derrubadas sobre pilhas de livros. As partículas de poeira no ar completavam o cenário.

— Uau. 

O Guardião bateu palmas.

— Antes de morrer, as pessoas sempre me diziam que eu deveria limpar mais, mas tenho que dar o braço a torcer para essa moça. Que higiene impecável. Zumbi, você realmente quer elixires feitos por essa mulher?

— Hã, você vai mesmo fazer um pedido de vinte mil ouros…?

O Guardião e a Química perguntaram ao mesmo tempo, como se tivessem combinado.

Sorri amargamente. 

— Posso pagar adiantado se for difícil confiar em mim.

— N-não precisa… — A Química parou de se remexer após um momento. — …Não, acho que pagamento adiantado é melhor, se possível.

Seu rosto estava vermelho como um tomate, envergonhada por fazer tal pedido. Parecia que sua situação financeira estava tão ruim que era difícil manter a dignidade.

— Você pode pegar quanto dinheiro precisar do meu cofre. Vou avisar os funcionários da AC.

— Quanto eu precisar… — a Química repetiu, atônita.

— Sim, mas meu dinheiro não é infinito. Agradeceria se mantivesse o orçamento dentro de vinte mil ouros — disse a ela.

— Ah, e-então que tipo de poções você quer encomendar…?

A Química parecia ao mesmo tempo feliz e nervosa por ter um orçamento tão enorme.

— Desculpe, mas não faço narcóticos. É uma questão de princípios, então… se você veio por isso, vou ter que recusar…

— Ah. 

Embora seja desajeitada em muitos aspectos, ela realmente será a Mestra Alquimista no futuro, pensei comigo mesmo.

Poucas pessoas recusariam um acordo que traria dezenas de milhares de ouros, especialmente se seu negócio estivesse à beira da falência, mas a Química bateu o pé quando se tratava de narcóticos. Ela parecia muito frágil, mas tinha orgulho do seu trabalho.

— Haha, são bem longe de narcóticos, não se preocupe.

— Ah… Q-que bom ouvir isso. — A Química sorriu timidamente. — Que tipo de poções você está encomendando?

— Hmm.

Olhei para o Guardião, que estava em silêncio e rabugento desde que entramos na loja. Só depois que lhe lancei um olhar ele suspirou e quebrou o silêncio.

— Phew. Tudo bom. Realmente não acho que essa moça seja uma Química habilidosa, mas vou te passar a receita.

Senti que ele poderia ter cedido antes e poupado todo mundo do trabalho.

— Escuta: precisa do fígado de um porco-coelho, olhos de gato-balão, casca de wyrm do deserto…

— Então, aqui estão os ingredientes: fígado de porco-coelho, olhos de gato-balão e…

— Ah, espera um momento! E-eu vou anotar! — A Química anotou os ingredientes e a fórmula.

Eram necessários vinte e três ingredientes. A expressão da Química ficou mais séria à medida que a lista crescia.

— Esse é o último ingrediente. Misturá-los depende das habilidades dela.

— Esses são todos os ingredientes necessários.

A Química mordeu as unhas enquanto examinava o que havia escrito em seu caderno. 

— Se você misturar isso… vai aumentar seus reflexos ao limite, mas acalmando seus nervos. É como se tencionasse eles. Não, acho que a descrição certa é despertando eles.

— Hein? — O Guardião virou-se rapidamente para olhar a Química.

— É uma fórmula de altíssima qualidade. — Ela continuou, murmurando. — Ah, posso estar enganada, já que só tenho os ingredientes… eles precisam estar o mais frescos possível e devem ser fervidos ao mesmo tempo, né? Não são secos ou refinados antes?

— Sim, isso mesmo…

Assenti. 

— Você está certa.

— Eu sabia! É muito fraco, mas as cascas de wyrm do deserto são venenosas. — Ela exclamou. — Uma maneira de neutralizá-las é consumir fígado de porco-coelho. Dependendo do método, o efeito é…!

A Química tímida e gaguejante tornou-se animada e falante, quase cantarolante. Descobri que ela era uma dessas pessoas.

Ela ainda está tropeçando nesse mundo, mas é boa no que faz.

Pessoas como ela davam tudo o que tinham ao campo que amavam e realizariam feitos notáveis algum dia. Eu gostava de especialistas como ela, mas tinha a sensação de que a conversa não terminaria nesse ritmo.

— Quanto tempo você acha que vai levar? — interrompi.

— Oh. — A Química piscou, percebendo lentamente que estava perdida no próprio mundo. Ela fez uma reverência rápida. — M-me desculpe! Faz tempo que não vejo uma fórmula tão bela como essa, então nem percebi o que estava fazendo…

— Tudo bem. Quantos dias levaria, no entanto? 

— Com dinheiro suficiente… q-quatro dias serão suficientes. Normalmente leva menos, mas tenho que comprar equipamentos e ferramentas novos…

— Posso esperar esse tempo.

Sorri. Antes da minha regressão, levava pelo menos um ano para conseguir uma poção dela. Esperar quatro dias nem contava como espera.

— Zumbi, ainda não posso dizer que estou de boa com isso. Muitos caras por aí podem ser bons de papo, mas não têm habilidades para sustentar. É por isso que tem tantos vigaristas. Ugh, tenho certeza absoluta que você jogou seu dinheiro no ralo!

O Guardião continuou resmungando mesmo depois que terminei de acertar as coisas e saí da loja.

— Então, onde você aprendeu essa combinação?

— Eu mesmo criei, bebendo todo tipo de veneno. É o melhor elixir que existe. Sem mim, você não conseguiria esse elixir por mais que tentasse!

Ri. 

— A Química chamou de alta qualidade, e bastou uma olhada para ela ver o verdadeiro valor, então confie nela. Ela pode não parecer agora, mas será a líder do Escritório dos Alquimistas em dez anos.

O Guardião franziu os lábios. Ele já parecia ameaçador, mas com os lábios franzidos, parecia um sapo gigante.

— Você estava falando mal de mim agora há pouco, né?

— Você vai apontar o dedo para qualquer um agora? — perguntei, fingindo inocência. Ele era irritantemente perspicaz.

Quatro dias passaram bem rápido. Enquanto isso, a Química não se conteve em pegar quanto ouro precisasse do meu cofre. Um funcionário da AC veio me perguntar se estava tudo bem, mas eu disse para deixar. Não importava quanto custasse se significasse conseguir os elixires da Mestra Alquimista.

— Zumbi, quer fazer uma aposta?

— O que é agora?

— Aquela moça vai simplesmente fugir com seu dinheiro. Estou certo disso. Não sei do resto, mas tenho um ótimo olho para pessoas. A moça tinha cara de ladra master! Só se mata, Kim Zumbi! Se mata quatro vezes para voltar quatro dias atrás!

Claro, um fantasma não poderia ter um bom olho para as pessoas.

No almoço do quarto dia, a Química veio ao meu quarto com caixas de elixires.

— M-me desculpe. Queria entregar antes, mas comecei a misturar umas coisas e demorou mais do que esperava.

— Não, tudo bem. Você disse que ia levar quatro dias, e aqui está você.

A Química trouxe três caixas de elixires no total. Se eu os tomasse três vezes ao dia, durariam trinta dias. No entanto, se eu tivesse ido à loja que o Guardião recomendou, teria conseguido elixires para apenas dois dias. Esse resultado era quinze vezes melhor do que seria com o plano original dele.

E vai ser mais eficaz que os elixires da outra loja. É assim que se usa dinheiro.

Sorri satisfeito.

— Hã…

— Sim?

— E-eu sei que é estranho te perguntar isso agora, mas por que fez um pedido tão caro com uma Química desconhecida como eu? — Os dedos da Química tremiam. — Q-quero dizer, posso garantir minha habilidade. Acredito que só eu e mais uma pessoa em Babilônia conseguem entender sua combinação e preparar poções baseadas nela corretamente… Mas as pessoas acham que sou só uma esquisita…

— Hmm…

O motivo de eu ter escolhido essa Química na minha frente para criar meus elixires era que ela era o gênio do século. Ela se tornaria a líder do Escritório dos Alquimistas, então eu também queria construir uma relação antes que isso acontecesse.

Mas não é o único motivo.

Antes da minha regressão de 4090 dias, quando o Imperador das Chamas incendiou a favela, a mulher na minha frente chegou ao local antes de todos. Ela usou seu título de Alto Rank a seu favor e assumiu o comando dos esforços de combate ao fogo. Enquanto me ajudava, a Mestra Alquimista expressou preocupações discretamente.

— …Eu não gosto do Imperador das Chamas.

— Algo não parece certo nele… 

— Embora eu saiba que não é educado falar mal dele, ainda acho que a Santa merece alguém melhor.

Ela reconheceu a verdadeira face do Imperador das Chamas.

Devia ter sido um pressentimento, não baseado em evidências.

Mesmo que fosse o caso, a Química tinha um olhar perspicaz o suficiente para reconhecer um psicopata. Ela era habilidosa e gentil o suficiente para correr imediatamente ao local de um acidente. Eu estaria perdendo se não me aproximasse dela.

— Você parece uma boa pessoa — disse.

— Hein?

— Te ajudei porque você parece uma boa pessoa. Bom, você teria conseguido sozinha sem minha ajuda, mas Caçadores bons como nós deveriam ter sucesso para que possamos nos ajudar no futuro. É injusto se só psicopatas malucos prosperarem. Não quero que isso aconteça, então vamos fazer nosso melhor.

Disse o que realmente sentia, sem uma gota de mentira. Na verdade, não poderia ser mais honesto do que estava agora. O resto dependia de como a Química interpretaria minhas palavras. 

Ela encarou meu rosto por um momento. 

—  …Você está certo. Sim, você precisa ter sucesso primeiro para mudar o mundo. Obrigada, senhor! Não vou desistir, como você me disse! — A Química disse, cerrando os punhos. Parecia que ela havia encontrado sua determinação. — Me chame quando precisar fazer outro pedido. Sempre vou priorizar eles!

— Fico feliz em ouvir isso.

Trocamos um aperto de mãos e um sorriso antes de nos despedirmos. Infelizmente, meu sorriso não durou muito.

— Faz tempo que não vejo um Caçador se chamar de bom. E é a primeira vez que vejo alguém que não disse nada sobre isso.  Ei, vocês dois são loucos? Tsc, tsc, tsc. Os dois tão fora de si.

— …Eu sei que foi meio vergonhoso, então vamos continuar com meu treinamento.

No dia seguinte, seguimos para um campo de caça. Minha mochila estava carregada com um saco de dormir e elixires. Uma diferença do usual era que eu estava no terceiro andar, não no segundo. O terceiro andar era um pouco alto para um Caçador Classe F como eu, porque goblins, orcs e outros monstros fortes demais para mim vagavam pela área.

Eu os observava de longe. 

— O que faço agora?

— Bebe um elixir primeiro.

Assenti e engoli o elixir da minha garrafa térmica sem questionar.

— Hmm… — Esperava que tivesse gosto de essência de ginseng, mas era bem comum. Tinha cheiro de limão e, na verdade, um sabor agradável de mel.

Eu ofeguei. 

Meu coração batia mais forte que o normal. A princípio, pensei que era engano, mas não era – minhas costas ficaram encharcadas de suor imediatamente. Era incrível… Eu podia sentir cada gota de suor escorrendo pelas minhas costas.

O quê? Franzi a testa.

Não era só o suor. Eu podia sentir a textura e a pressão do ar ao redor dos meus dedos, e até o chão onde estava pisando. Um piscar de olhos parecia durar trinta segundos. 

— Isso… é…

— É por causa do elixir.

Só a voz do Guardião soava normal, o resto do mundo se movia em câmera lenta.

— Ele desacelera sua percepção de tempo a um nível extremo. Bom, é mais fácil entender como algo que te dá tanto tempo quanto necessário. Odeio admitir, mas essa moça é bem habilidosa.

Era horrível. Eu podia sentir cada fio de cabelo no meu corpo, como se estivesse coberto por centenas de milhares de formigas. Até os movimentos das minhas veias eram claros para mim. Se eu não soubesse que era um elixir, teria confundido com veneno.

— Não está sentindo?

— Sentindo… o quê?

— Está se movendo ao redor do seu coração.

Havia definitivamente algo ali, fluindo. Nunca senti isso tão claramente na minha vida. Não era meu sangue. Era muito mais suave e fino que minhas veias, no entanto, era claro que estava circulando lentamente dentro de mim, centrado no meu coração.

— Isso é sua aura. Todo Caçador na Torre tem uma aura própria, mas eles apenas seguem com suas vidas diárias sem perceber que ela existe. O fator decisivo de uma luta é quanta aura um Caçador consegue acessar. — O Guardião disse.

Sua risada silenciosa durou mais de vinte segundos na minha cabeça. Embora ele provavelmente tenha rido por apenas uma fração de segundo, minha percepção de tempo a esticou. Era tão exaustivo que eu perderia a consciência se baixasse a guarda por um segundo.

— Normalmente, você se acostuma com o fluxo da sua aura meditando na posição de lótus ou treinando sozinho. Mas isso levaria tempo demais.

Entre o enxame de sensações, eu podia sentir que algo enorme se aproximava de mim.

Ouvi um passo, esticado de forma anormalmente longa, como a risada do Guardião. Quando consegui olhar para cima, vi um orc gigante caminhando na minha direção.

— Se uma pessoa não tem talentos como você, tem que compensar com dor.

Porra.

— Agora, acessa sua aura, a menos que queira se machucar, Kim Zumbi! Alguém como você tem que treinar em combate real! Você não fica morto mesmo se morrer, então quem liga se isso destruir seu corpo?

— Seu… fantasma desgraçado…!

— Hmm? Sabe, tenho dificuldade em ouvir um perdedor que nem consegue usar sua aura. 

Mais uma vez, o Guardião explodiu em uma risada maníaca. 

— Tá doendo? Você pode se matar se não quiser fazer isso. Ah, espera. Isso vai aumentar sua contagem de mortes. Com mais de quatro mil, o vovô Marcus vai ser muito mais gentil com você, né?

Ah, meu parceiro era um verdadeiro vilão.