— Irmãzona… — O garoto finalmente parou de chorar. Esfregando os grandes olhos, baixinho, disse: — Estou com fome.
Zhu Yao afagou a cabeça dele. Ainda bem que não estava mais chorando. Ela, então, o colocou em suas costas.
— Vamos, a irmãzona vai encontrar uma comida boa para você.
Para criar a brilhante imagem de sua benfeitora para a vida, Zhu Yao o levou até o restaurante mais luxuoso da cidade e escolheu uma mesa repleta da comida mais cara. Como esperado, os olhos do garoto encaravam tudo aquilo com faíscas, porém, ele ainda olhou para ela, um tanto temeroso.
— Sinta-se à vontade, coma. Foi tudo escolhido para você. — Ela já não precisava mais de comida, então, naturalmente, não havia necessidade de se alimentar. E se fosse comer, acabaria tendo que ficar no banheiro por um bom tempo. Por isso, em silêncio, sentou-se ao lado e observou o garoto pegar tudo o que tinha na mesa.
Zhu Yao, então, pensou no que iria fazer para evitar que ele pisasse no caminho de um praticante Demoníaco. Ela poderia ser capaz de tentar mudar o seu destino ao lhe dar um pouco de dinheiro, o bastante para que conseguisse sobreviver, ou algo do tipo.
Com essa graciosidade de salvação como comparação, mesmo que Mu Meiyan reencarnasse no futuro e o salvasse novamente, não passaria de um detalhe. Ela não seria mais a luz em seu coração. Ou Zhu Yao poderia até mesmo usar essa boa-vontade para colocar alguns princípios nele, tais como: todos têm parte na proteção da paz mundial. Sim, isso seria muito necessário.
Zhu Yao formou uma ideia, e o garoto já havia terminado de comer, pois o seu estômago estava empanturrado. Mesmo assim, ele ainda olhava com desejo para os pratos semivazios.
Olhando para ela, um pouco hesitante, perguntou:
— Irmãzona, posso levar esses restos para casa… e comer mais tarde?
A sua expressão cuidadosa fez com que Zhu Yao sentisse uma corda sendo puxada em seu coração. Ela afagou a cabeça dele mais uma vez e disse:
— Claro que pode. Se não for o bastante, pode dizer à irmãzona. Posso pedir um pouco mais.
— Obrigado, irmãzona. — O garoto olhou para ela com um rosto repleto de gratidão. Após pegar o frasco sobre a mesa, disse que queria servir mais água para ela, mas percebeu que não havia mais dentro do frasco. Então, de maneira obediente, disse: — Vou pegar um pouco de água para a irmãzona. Espere por mim.
Zhu Yao assentiu e, de repente, se lembrou do Rabanetinho, que estava no Pico da Floresta de Jade. Se esse garoto possuísse uma veia espiritual boa, poderia levá-lo junto e criá-lo junto do Rabanetinho. Entretanto, pelos seus sonhos, ele parecia possuir veias espirituais triplas. Com um potencial destes, mesmo que entrasse na Seita Interna da Seita da Colina Antiga, ainda existiriam riscos. Além disso, ela sentia que não devia o levar ao mundo do cultivo.
Enquanto Zhu Yao pensava sobre isso, esperava pelo retorno do garoto. No entanto, aguardou por mais de uma hora, mas o que voltou não foi o garoto, mas sim uma senhora gorda, de aparência maldosa.
No momento em que a senhora gorda apareceu, disse, apontando para Zhu Yao:
— No segundo andar, perto da janela. É ela, se apressem e capturem-na. — Os dois homens atrás dela começaram a andar enquanto seguravam cordas.
Zhu Yao ficou perplexa, no entanto, como poderia um mortal, sem energia espiritual, conseguir se aproximar dela? Antes que pudessem chegar perto da mesa, foram impedidos pela energia espiritual que protegia o seu corpo.
— Você ainda se atreve a resistir. — A senhora gorda colou as mãos na cintura e, então, disse, apontando para ela: — Deixe-me te dizer uma coisa. O seu irmãozinho já te vendeu ao nosso Jardim da Primavera. Se for sensata o bastante, irá voltar comigo de maneira educada e atender os nossos clientes.
Irmãozinho? Atender clientes? Depois de pensar por um tempo, entendeu o que estava rolando.
Como assim! Aquele pirralho fedido. Ele a vendou a um bordel. O que aconteceu com a “gratidão por ter salvo a vida dele” que lhe prometeram? Aquele maldito moleque.
Zhu Yao estava bufando de raiva. A sua máscara de fria e orgulhosa se estilhaçou e caiu no chão. Maldito fedelho, quando eu colocar as mãos em você, com certeza vou bater nessa sua bunda até que ela exploda.
De maneira casual, usou uma arte mística de Esquecimento nas três pessoas que estava ali para capturá-la, fazendo com que se esquecessem desse assunto. Então, saiu do restaurante. Justo quando estava prestes a usar o seu sentido divino para procurá-lo, percebeu, do nada, que sua mão parecia vazia.
Ai, meus ovários. O pestinho roubou o anel de armazenamento que o seu mestre lhe deixou. Aquele anel tinha a marca do seu mestre, e, a princípio, ela ainda precisava colocar a sua própria marca nele antes que este pudesse ser considerado seu. Entretanto, esteve relutante em remover a marca do seu mestre, e pelo fato de já ser capaz de acessar os itens diretamente dentro dele, nunca lhe passou pela mente em fazer isso.
Mas não esperava que, por não possuir a sua marca, não percebeu quando uma criança mortal o roubou. A vergonha que sentia era enorme.
~*~
Zhu Yao usou o seu sentido divino e, no mesmo instante, encontrou a localização do garoto. Ele estava entrando em uma loja de penhores no momento. Como esperado, o seu plano era penhorar o anel.
Aos olhos de alguém que não possuía energia espiritual, aquilo não passava de um anel comum. Só um praticante seria capaz de reconhecer que era, na realidade, um artefato místico de armazenamento.
Zhu Yao novamente ficou oculta e, disposta, teleportou-se até a loja de penhor. Ela chegou bem a tempo de ouvir a voz suplicante daquela criança.
Ficou chocada então. Queria muito ver o que o pirralhinho queria fazer.
— Senhor, eu te imploro. Preciso muito mesmo de pratas. O meu irmãozinho está de cama há três dias, por favor, me faça um favor, deixe-me penhorar isso em troca dos seus tratamentos médicos.
Infelizmente, a pessoa atrás do balcão não ficou nem um pouco comovida.
— Sho, sho. Você ainda quer trocar esse anel desbotado. Nossa loja de penhor não é um lugar que aceita coisas quebradas. Agora se apresse e saia.
A expressão de Zhu Yao ficou sombria. Desbotado? Ao se lembrar dos artefatos místicos e tesouros dentro do anel, o seu mestre iria chorar.
O garotinho parecia realmente estar precisando muito de dinheiro, pois implorou várias vezes para a pessoa, mesmo assim, o lojista não concordou. No fim, começou a se sentir irritado, então pegou sua vassoura e expulsou o garoto.
O garoto acabou caindo no chão por causa dos empurrões constantes. A única coisa que podia fazer era se levantar com suas mãos machucadas e ir embora mancando, sentindo-se deprimido.
Zhu Yao o seguiu e o viu entrando em um beco fechado, então, ele foi em direção a um templo em ruinas. Respirando fundo, no rosto que antes havia um olhar desanimado, um sorriso apareceu no mesmo instante.
Ele gritou bem alto:
— Voltei.
Abriu a porta e entrou. Um garoto que usava roupas em trapos iguais às dele, mas que era mais alto, apareceu. Ele encarou o garoto de maneira cruel e disse:
— Ainda se atreve a voltar? Onde estão as pratas? Conseguiu alguma?
O sorriso do garotinho ficou rígido em seu rosto enquanto baixava a cabeça, como se admitisse o seu erro.
— N… Não.
— Você não disse que ia conseguir algumas? — O garoto maior ficou furioso — Então, o que vai acontecer ao Tigre? Ele já está doente demais.
— Eu… eu vou pensar em alguma coisa — explicou o garotinho.
O maior, no entanto, não lhe deu ouvidos, então gritou em alto e bom som:
— Não, já foi decidido que hoje era o dia limite. Já que não conseguiu trazer o dinheiro, não poderá mais ficar nesta casa.
— Grande Irmão Macaco, amanhã… eu com certeza vou trazer um pouco. — O garotinho ficou nervoso.
— Sho, sho. — Macaco o empurrou — Você vem dizendo a mesma coisa o mês inteiro. Desta vez, não importa o quanto implore, ainda será um não.
A discussão dos dois atraiu a atenção de todas as pessoas do templo. Dezenas de crianças apareceram em grupos do lado de dentro do templo, e havia meninos e meninas. Talvez fossem os companheiros do garotinho, e era bem provável que logo não seriam mais.
Pois, daquele grupo de pessoas, ninguém deu um passo à frente para defendê-lo. Não havia simpatia, nem pena. Eles apenas apontavam e falavam dele, parecendo sentir uma enorme raiva.
As palavras que as crianças usavam sempre eram mais diretas e ofensivas do as dos adultos.
O garoto não teve como argumentar. Ele simplesmente aguentou as lágrimas que não poderia deixar cair e olhava impotente para o grupo de companheiros, no qual esteve desesperadamente tentando entrar, e balançava a cabeça com nervosismo.
— Grande Irmão Macaco, eu o vi nas ruas hoje. — Um garoto que recém tinha entrado apareceu se espremendo entre os outros e disse enquanto apontava para o garotinho. — Ele roubou a bolsa do Tirano Zang Jian hoje. Por coincidência, vi os três correndo atrás dele.
— O quê!? — O rosto do Macaco ficou pálido no mesmo instante e repleto de medo — Você se atreveu mesmo a roubar a bolsa daquele tirano perverso.
— Eu só estava fazendo isso pelo Tigre…
— Cale a boca! — Macaco ficou ainda mais furioso, então pisou com força e disse: — Você só está nos trazendo problemas. Se apressem e façam com que ele dê o fora daqui. Devemos fazer com que o Tirano Zang Jian e a sua gangue vejam isso. Não podemos deixar que saibam que ele estava conosco, senão, isso irá nos prejudicar também.
— Isso mesmo, vamos colocá-lo para correr.
O resto das pessoas começou a responder, um depois do outro, enquanto empurravam o garoto para fora da entrada do templo. Não conseguindo se manter estável, ele caiu no bueiro do lado de fora, sujando toda o corpo de lama. Suas roupas, que eram feitas de tecido fino, ficaram encharcadas no mesmo instante.
No entanto, ele simplesmente se sentou lá, perplexo, sem se mover nem um pouco, como se tivesse ficado chocado com a maldade dos seus companheiros.
Ele ficou sentado por um longo tempo, antes de finalmente se levantar devagar. Como um fantasma perambulante, deixou o templo em ruínas. Enquanto caminhava, limpava as lágrimas que fluíam sem parar pelo canto dos olhos, mesmo assim, não gritou nenhuma vez sequer.
Zhu Yao o seguiu durante todo o tempo, e a sua raiva tinha diminuído bastante. Ela agora entendia por que ele não se atreveu a aceitar a sua boa-vontade e a vendeu. Era muito provável que ele tenha passado por muitas situações como essa, fazendo com que entendesse a frieza e o calor dos humanos, por isso não se atrevia a acreditar com facilidade nas pessoas. Afinal de contas, até os seus companheiros, com os quais convivia, o traíram, quanto mais uma pessoa que havia conhecido há pouco.
Zhu Yao o seguiu durante um tempo, antes de perceber que ele não tinha um destino claro, pois apenas vagou pela cidade, sem rumo. Quando chegou ao restaurante onde ela havia o levado antes, parou. Ao levantar a cabeça, olhou para o lugar, então continuou andando, em silêncio.
Moleque maldito, agora já sabe a dor que a irmãzona passou. Hmph, se eu não tivesse passado por essa mesma dor, você não saberia o que é bom para você.
Do começo ao fim, Zhu Yao não se revelou, apenas esperou até que ele pensasse por si só. Caso contrário, se ela aparecesse de novo, acreditava que ele com certeza seria capaz de fazer algo como vendê-la mais uma vez.
O garoto, trêmulo, caminhou dentro da cidade durante três dias. Talvez tivesse ficado com muita fome, pois parecia estar caminhando com uma fraqueza ainda maior.
Tremendo, ele foi em direção à casa de um fazendeiro. No entanto, atrás dele, algumas pessoas apareceram e bloquearam o seu caminho.
— Fedelho, finalmente te alcançamos. — O grupo era composto por um total de cinco pessoas, e todos eram homens adultos. Três deles lhe pareciam muito familiar. Eram as mesmas pessoas que deram uma surra no garoto naquele dia. A forma com que andavam, no entanto, era um pouco estranha.
As sobrancelhas de Zhu Yao se contorceram. Esse era o típico cenário onde os inimigos se esqueceram da dor depois que os seus ferimentos se curaram!
— Se você não tivesse roubado a minha bolsa, fedelho, eu não estaria neste estado, no qual não posso ter filho algum. Só espere para ver a surra que vou te dar hoje. — O Tirano Zang Jian olhou para os seus irmãozinhos, que estavam atrás dele, e eles correram e o cercaram. — Vamos ver que fantasma ou deus estará de passagem para salvá-lo hoje.
O garotinho deu um passo para trás, com medo, mas o seu rosto mudou drasticamente mais uma vez. Desesperado, olhou para as pessoas que já corriam até ele. Nem mesmo resistiu, apenas se deixou ser capturado. Desta vez, ninguém o salvaria. Também era provável que a sua morte pudesse ser um alívio.
O ódio deles, no entanto, não diminuiu nem um pouco ao estarem enfrentando uma criança. Em vez disso, o jogaram no chão e, com seus bastões de madeira erguidos, miraram com crueldade na direção do garoto.
Justo quando um dos bastões de madeira estava prestes a acertá-lo, algo estranho aconteceu. Os bastões de madeira escaparam de suas mãos repentinamente e voaram na direção oposta.
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