FOI O TÉDIO que fez Arus decidir sair sozinho. Quando chegaram à cidade, a primeira coisa que ele viu foi o conjunto de grandes torres.
Segundo a Mamãe Branca, eram implementos mágicos gigantes, e era graças a eles que Millishion era confortável para se viver o ano todo. Havia também o grande edifício prateado e brilhante. A Mamãe Vermelha disse que era a sede da Guilda dos Aventureiros, e a maioria dos aventureiros ia lá pelo menos uma vez. Arus realmente queria vê-los de perto.
Seu pai o teria levado se ele pedisse. Naquele mesmo dia, Arus pedira para ver o edifício dourado e brilhante, e seu pai sorrira e o levara até lá. No entanto, quando chegaram, ele não deixou Arus ir onde quisesse. Quando entraram, ele ficou curioso e quis correr para ver tudo, mas seu pai o segurou, dizendo “Não faça isso” ou “Você não pode entrar aí”. Arus achou as restrições frustrantes.
Sem que Arus soubesse, Rudeus estava sendo respeitoso com a sede da Igreja de Millis. Esta era a catedral da igreja, e não se podia entrar – especialmente no santuário interno – sem permissão. Não era um lugar onde se pudesse entrar com uma criança ansiosa para aprontar.
Arus ainda era uma criança e não sabia o quão importantes eram tais regras. Se ele pedisse para ir às torres ou ao edifício prateado, seu pai o levaria. Mas o pensamento dele era simples: se fosse com seu pai, haveria limites para o que ele poderia fazer, acabando por se sentir sufocado como antes.
Então, quando seu pai e os outros entraram no centro do edifício dourado junto com uma mulher de seios grandes e fortemente guardada, e as crianças foram instruídas a brincar no jardim interno até que voltassem, Arus viu sua chance.
Vou ver o edifício prateado e brilhante e as torres de perto. Quando pensou nisso, seus pais o impediram de fazer coisas a vida inteira. Não vá aqui, não vá ali, não ande pela cidade sozinho.
Sempre que ele saía para brincar, Aisha ou Leo sempre o acompanhavam. Quando era pequeno, aceitava obedientemente. Ele não ia se tornar um rebelde total assim de repente. Embora não entendesse totalmente as instruções de sua mãe, ele sabia que era importante segui-las. Ele não deveria sair sozinho porque havia muitos perigos no mundo. Geralmente não se importava de sair com Aisha, mas às vezes queria tentar fazer as coisas sem alguém o observando.
— Ei, Lara? Que tal irmos ver aquele edifício prateado e brilhante e aquelas torres?
Precisando de uma companhia, ele pediu a Lara para ir com ele.
Incomumente, Lara estava sozinha naquele dia. Leo havia saído para algum lugar – algo sobre conversar com a besta guardiã coruja branca que protegia a mulher chamada de Criança Abençoada.
Lara também viu isso como uma boa chance. Desde pequena, ela e Leo se davam super bem. Isso não mudou, na verdade, mas ela estava se cansando de como ele a seguia por toda parte, repreendendo-a por coisinhas.
Então, quando Arus lhe perguntou, os cantos de sua boca se curvaram para cima. Ela assentiu.
— Eu também estava pensando nisso.
Eles esperaram até que Aisha não estivesse olhando, e então os dois escaparam e colocaram seu plano em ação. Quando Chris chorou: “O papai foi embora!” e começou a chorar, eles usaram a distração para se dirigir aos arbustos. Em seguida, escondidos nas folhas, foram para a saída – apenas para serem vistos por Sieg.
— Onde vocês estão indo? — Ele perguntou.
— Estamos só saindo um pouco, Sieg — disse Arus.
Sieg franziu a testa.
— Vocês vão se meter em encrenca se saírem sem um adulto.
— Você é quem tem saído escondido ultimamente — apontou Arus. — Não pense que não sabemos.
— N-não, não estou…
Arus sabia de tudo. Sieg saía sozinho o tempo todo, e por alguma razão, era o único que não se metia em encrenca por isso! Ele presumiu que isso se devia ao fato de Sieg não ter Aisha ou Leo o vigiando. Isso o frustrava que seu irmão mais novo fosse o único autorizado a ir e vir como quisesse.
Na realidade, Sieg não estava sozinho. Sem que Arus soubesse – e o próprio Sieg também – quando Sieg saía sorrateiramente pela porta dos fundos sozinho, os mercenários Ruato estavam lá, vigiando-o das sombras. Eles estavam seguindo ordens do sempre ansioso Rudeus.
— Eu guardo seu segredo — disse Arus a Sieg —, então você fica de boca fechada sobre nós.
— Ok, tudo bem…
— Não é grande coisa. Vamos só ver o edifício prateado e brilhante e a torre gigantesca.
— Hã? Vocês vão para a Guilda dos Aventureiros? — Os olhos de Sieg se iluminaram. Alec lhe contara muitas histórias sobre heróis, nas quais a sede da Guilda dos Aventureiros aparecia com frequência. Desde então, ele desenvolvera um interesse especial por ela.
— Sim — disse Arus.
— Eu vou também! — respondeu Sieg.
Então Arus e seus irmãos saíram da Catedral de Millis, explodindo de curiosidade e com apenas um pouco de desejo de causar travessuras.
Arus abriu caminho pela cidade com Sieg e Lara a reboque. As casas, tão diferentes das de Sharia, e os edifícios, construídos em formas que ele nunca vira antes, fizeram seu coração disparar. Ele observava a cidade de dentro da carruagem, mas era muito diferente enquanto caminhava pelas ruas com seus próprios pés, embora não soubesse dizer por quê. Talvez fossem os padrões nas pedras do calçamento.
De qualquer forma, era emocionante andar por uma cidade que ele não conhecia, mas como um grupo de crianças sozinhas, eles recebiam muitos olhares curiosos – especialmente Sieg e seu cabelo verde. Arus não se importou. Ele se acostumou com as pessoas o encarando em Sharia.
— Lara, olhe para onde está indo — disse ele. — É perigoso.
— Mm — respondeu Lara, com os olhos brilhando enquanto olhava ao redor. Ela estava ainda mais fascinada pela cidade limpa e organizada do que Arus.
— Ei, por que não convidamos a Lucie para vir? — Sieg interveio. — Ela vai ficar brava por ter sido deixada de fora.
— De jeito nenhum a Lucie teria vindo.
Sieg estava sendo um medroso, como de costume. Ele melhorou muito na luta de espadas ultimamente graças ao seu treinamento secreto, então Arus não entendia por que ele ainda era tão tímido.
— Ei, Lara! O que é aquilo? — Arus apontou para um objeto misterioso. Era uma estátua em tamanho real de uma coruja, semelhante à grande coruja branca que viram mais cedo no edifício dourado e brilhante, mas obviamente não a coisa real. Era um pouco sinistra.
Lara olhou e disse com confiança:
— É uma fonte.
— Ninguém faria uma fonte tão estranha.
— Bem, é o que é.
— Vamos lá, de jeito nenhum é isso. — Assim que ele disse, a água começou a jorrar da coruja. — Uau, é mesmo! De jeito nenhum! Como você sabia?!
— Eu vi uma parecida na casa da Julie.
A fonte era um dos “subprodutos” de Rudeus, inspirada no Merlion de Singapura. Ele a modelou na besta guardiã da Criança Abençoada e a presenteou quando ficou pronta. Eles acabaram tendo dificuldade em encontrar um lugar para ela dentro da própria igreja – mais precisamente, a Criança Abençoada não gostou que parecesse uma coruja empalhada e não a queria perto dela. Eventualmente, ela encontrou um lar entretendo os transeuntes em uma rua perto da igreja.
— Uau…
Lara aceitou os olhares impressionados de Arus e Sieg com uma risada presunçosa enquanto os três atravessavam a ponte. Assim que chegaram ao outro lado, seus arredores mudaram drasticamente. Os edifícios ficaram menores e havia mais pessoas nas ruas. Muitas delas carregavam espadas e usavam armaduras, e Arus achou que mais delas eram musculosas e super ferozes. Isso significava que haviam deixado o Distrito Divino e entrado no Distrito dos Aventureiros!
— É mais normal por aqui, hein?
— Sim.
Para Arus e os outros, que viviam na Cidade Mágica de Sharia, este tipo de lugar parecia mais com sua casa. Mesmo os tipos musculosos de cara amarrada pareciam flores delicadas em comparação com os mercenários Ruato – e ninguém se comparava à Mamãe Vermelha.
— Ei Lara, para que lado fica o edifício prateado mesmo?
— Hmm. Para lá.
— Legal, então vamos! — Arus partiu com entusiasmo. Atrás dele seguiam Sieg, que parecia animado, e Lara, que parecia entediada apesar de seu sorriso.
— Uau, incrível! — disse Arus, enquanto Sieg o ecoava.
Na frente deles havia um edifício gigantesco que brilhava em prata. Eles haviam chegado à rua principal e se deparado com a Guilda dos Aventureiros. A rua levava diretamente a ela, então não era exatamente difícil de avistar.
— Vamos, Arus, vamos! — chamou Sieg, tão animado que começou a correr. Era difícil acreditar que ele fora contra a coisa toda alguns minutos atrás. O que quer que tivesse alegado, não conseguia resistir ao fascínio da Sede da Guilda dos Aventureiros, o cenário do início de tantas epopeias heroicas.
— Ei, espere! — disse Arus enquanto ele e Lara corriam atrás de Sieg, com os rostos iluminados de antecipação. Mal podiam esperar para ver o lugar de perto.
As pessoas ao redor que viram três crianças começarem a correr pensaram por um segundo que isso era um pouco perigoso. Crianças que de repente começavam a correr podiam esbarrar em alguém ou serem atropeladas pelas rodas de uma carruagem. Suas preocupações foram rapidamente dissipadas quando os três se esgueiraram pela multidão em um ritmo constante e controlado, bem diferente de outras crianças. Eles até se mantiveram do lado da rua onde as carruagens não passavam. Seu treinamento diário valeu a pena.
Sieg exclamou maravilhado novamente ao chegar aos degraus que levavam à entrada. Ele nunca vira um edifício tão grande e majestoso. Bem, na verdade, isso não era verdade. A universidade de magia na Cidade Mágica de Sharia também era grande, mas simplesmente não era a mesma coisa! A Sede da Guilda dos Aventureiros era prateada e brilhante, enquanto a universidade de magia era vermelha e marrom como uma batata.
— Esta é a Guilda dos Aventureiros, hein, Arus!
— Sim!
— Não é como a que fica perto da nossa casa!
— Sim, a nossa parece que vai cair!
— Ambas fedem, no entanto.
— Sim, cheira mal, hein?
Com essas observações rudes, os três empurraram as portas da Guilda, embora fizessem o possível para serem silenciosos. A Mamãe Azul lhes dissera que aventureiros idiotas tentariam arrumar briga com crianças que vissem entrando e saindo da Guilda. Arus teria gostado de uma briga, mas sabia que se tivesse uma depois de fugir sem permissão, a Mamãe Vermelha ficaria brava com ele. A Mamãe Vermelha era assustadora quando ficava brava! Ela lhe daria uma surra até seu bumbum ficar vermelho vivo. Se Sieg e Lara se machucassem, não seria apenas a Mamãe Vermelha. Se a Mamãe Azul e a Mamãe Branca também ficassem bravas com ele…
O pensamento fez um arrepio percorrer a espinha de Arus.
Por outro lado, o pensamento de que seu pai pudesse ficar bravo com ele o tentou a fazer isso de qualquer maneira. Seu pai muitas vezes o recompensava e o mimava, mas quase nunca repreendia Arus. Ele nunca vira seu pai realmente bravo.
— Uau! — disse Arus enquanto olhava ao redor. O interior da Guilda dos Aventureiros era tão espetacular quanto ele imaginara do lado de fora. A decoração era antiquada, mas imponente, e havia muitas mesas de recepção. Havia muito mais aventureiros do que em casa, e eles estavam vestidos de forma totalmente diferente também. A Guilda dos Aventureiros de Sharia estava cheia de magos novatos, guerreiros e curandeiros veteranos. Em Millis, era o oposto.
— Arus — chamou Lara por trás dele enquanto ele absorvia a visão. — Diz que vai até o quarto andar. — Ela apontou para um quadro de informações em frente à escada. Ela estava certa! No primeiro andar ficava a recepção e a área de espera, no segundo uma loja da guilda vendendo materiais junto com armas e equipamentos, no terceiro um restaurante oferecendo lanches leves, e no quarto ficavam salas de clãs para os clãs maiores.
— Vamos subir! — disse Arus, virando-se ansiosamente para a escada.
Nesse momento, uma sombra caiu sobre eles. Ele olhou para cima. Uma mulher com maquiagem pesada e seios grandes estava atrás deles.
— Isto não é um parquinho — disse ela. — O que vocês estão fazendo aqui?
— E-estamos passeando! — respondeu Arus rapidamente, repetindo o que seu pai ensinou para dizer. — Somos de Ranoa.
— Onde estão seus pais?
— É, hum, somos só nós.
— É mesmo? — disse a mulher. — Que tal eu mostrar a vocês? Não se deixem enganar pelas aparências, eu trabalho aqui, e saio do trabalho ao meio-dia. O que me dizem? — Ela lhes mostrou o emblema em seu ombro. Era o mesmo que as recepcionistas tinham.
— I-isso seria ótimo — disse Arus, sentindo-se sem fôlego. Arus amava seios grandes. Isso não queria dizer que ele não gostasse de pequenos, mas gostava mais dos grandes. A mulher na frente deles tinha seios tão grandes quanto os de Aisha – grandes o suficiente para fazer seu coração disparar.
— Ótimo, então eu cuido de vocês. Prontos? O primeiro andar é a área de recepção. — A mulher lhes deu um sorriso amigável e então começou seu tour. Os três a seguiram enquanto ela os guiava pela sede da guilda. Foram do primeiro andar para o segundo, depois o terceiro, e então o quarto. O tempo todo, a mulher foi educada e completa, como se fossem adultos.
Arus queria ir onde quisesse, mas acabaram fazendo um tour guiado. Embora não fosse o planejado, tudo o que viram era novo e emocionante. A sala do clã em particular era algo que a Guilda dos Aventureiros em Sharia não tinha, e era decorada com tanto luxo que era difícil de acreditar que era para aventureiros. Isso foi o suficiente para emocionar Arus e os outros.
— E este é o fim — disse a mulher depois de terem percorrido todo o edifício. Ela se inclinou sobre Arus. — Vocês se divertiram?
— Sim! Muito obrigado!
— Não precisa agradecer. — Ela respondeu. — Mas o que vocês vão fazer agora? Sua mãe ou seu pai virão buscá-los?
— Hum, não…
— Oh? Nesse caso, que tal eu levá-los para casa?
— Não, obrigado. Podemos voltar para casa sozinhos! — Arus ainda queria ir ver as torres. Ele poderia ter mentido e dito que seriam buscados, mas se tivessem começado a se dirigir para os arredores da cidade, a mulher teria notado. Arus não estava pronto para ir para casa antes de visitar mais um destino.
Com isso, Arus e seus irmãos deixaram a guilda. O plano deles deu um pouco errado, mas acabou sendo divertido de qualquer maneira.
— Certo, para o próximo! — declarou Arus, apontando não apenas para a torre, mas também para o sol, que, agora que o meio-dia passou, começou a mergulhar em direção ao horizonte.
Eles viram todo tipo de coisas a caminho da torre. Primeiro, havia uma rede complicada de canais com pequenos barcos se movendo por eles. Depois, viram carroças empilhadas com materiais feitos de monstros e grupos de aventureiros os guardando enquanto avançavam.
Os três irmãos soltaram suspiros de espanto sempre que se deparavam com algo novo, saboreando a experiência de ver tudo aquilo. No entanto, talvez por passarem tanto tempo vendo as paisagens, ou porque a torre que parecia tão perto acabou sendo inesperadamente longe, o crepúsculo já havia caído pesadamente quando chegaram à torre.
— Uau, isso é gigantesco também! — exclamou Arus.
De perto, à luz do sol poente, a torre deixou os três boquiabertos. Era um grande pilar tão largo que uma criança levaria vários minutos para dar a volta, e tão alto que eles tinham que esticar o pescoço para olhar para cima. Além do mais, quando se aproximaram, puderam ver os brasões gravados em sua superfície.
A torre em si não era realmente um implemento mágico. Em vez disso, tinha uma poderosa magia de proteção lançada sobre ela para guardar o implemento mágico que havia dentro. Arus não sabia disso, claro, mas achou que Lily ficaria satisfeita em vê-la. Ela gostava desse tipo de coisa.
— Não parece que podemos entrar, afinal — disse Sieg.
— Ah, certo. Que pena.
Sieg encontrara o que parecia ser a entrada, mas era flanqueada por dois soldados que não deixavam as pessoas entrarem. Arus não se surpreendeu. Ele gostaria de ter subido e visto a vista do topo, mas tinha bom senso o suficiente para desistir quando era impossível.
— Oh, bem. — Ele suspirou e disse: — Vamos para casa!
— Sim!
Assentindo alegremente, Arus partiu de volta pelo caminho que vieram, com Lara e Sieg caminhando atrás dele.
— Foi divertido, né, Lara? — perguntou Sieg.
— Sim, foi. Quero uma cabeça de dragão como a que eles tinham na parede da sala do clã.
— Tudo bem, quando eu for grande, vou pegar uma para você!
— Eu te ajudo a pegar.
Depois de verem coisas que normalmente nunca veriam, os três ficaram encantados. Sieg estava particularmente animado e tagarelava incessantemente com Lara. Mas enquanto Arus caminhava, de repente sentiu-se inquieto. E se…?
Não, não podia ser.
— Ei, Arus, sabe aquela espada grande que eles tinham na Guilda dos Aventureiros? Sabe o que é? — perguntou Sieg.
— Não…?
— É uma das quarenta e oito espadas mágicas.
— Hã. Você sabe muita coisa, Sieg.
— Acho que provavelmente é uma falsificação porque a tinham em exibição, mas o Alec me desenhou uma vez.
— Hã…
— Ei, Arus, espere!
Arus apressou o passo, mal ouvindo o que Sieg estava dizendo. Sieg, confuso com o silêncio repentino de Arus, conversou com Lara. A mudança de atitude de Arus também incomodou Lara, mas ela ouviu Sieg sem mencionar. Os três continuaram a andar.
O treinamento regular de Sieg o fortaleceu, então ele não reclamou que estava cansado nem parou de andar só porque seus pés doíam, mas enquanto observava Arus andando mudo na sua frente, ele também começou a ficar quieto. Eventualmente, parou de falar por completo.
Os três caminharam em silêncio, arrastando-se pelo crepúsculo. Logo, o sol se pôs.
Vinte ou trinta minutos depois, os três pararam em um beco escuro. Não havia sinal de mais ninguém por perto. Tudo estava quieto.
— Ei, Arus? — disse Sieg. — Quanto tempo falta para chegarmos?
— Não sei — murmurou Arus.
Não era isso que ele pretendia que acontecesse. Ele não se esqueceu de pensar em como voltariam para casa. No caminho, eles foram em direção à grande torre. Assim, quando voltassem, tudo o que tinham que fazer era caminhar em direção ao edifício dourado. Era enorme e dourado, afinal. Destacava-se por quilômetros, e eles só precisavam voltar pelo caminho que vieram. Seria fácil, assim ele pensou.
Então o crepúsculo caiu, banhando toda a cidade em uma luz amarela. Não apenas isso, mas as longas sombras projetadas pelo sol poente faziam as ruas parecerem diferentes. Todas as coisas que chamaram sua atenção no caminho para a torre tornaram muito difícil lembrar o caminho que seguiram.
— O que você quer dizer com não…
— Cale a boca! Eu disse que não sei porque não sei! — Arus gritou tão alto que Sieg recuou. Se seu irmão mais velho confiável estava gritando, eles estavam em apuros. Lágrimas começaram a brotar em seus olhos. Ele começou a treinar com Alec, mas ainda era apenas uma criança pequena. Como uma criança obediente, não estava acostumado que gritassem com ele.
— Arus — disse Lara, em voz baixa. Arus se virou com um sobressalto. Ele viu Sieg à beira das lágrimas ao lado de Lara. Ela estava com o rosto inexpressivo como sempre, mas ele percebeu por sua postura que ela estava com raiva.
— Sinto muito, Lara. Me perdi.
— Sim.
— Você sabe o caminho de volta?
Lara balançou a cabeça, desanimada.
— Não.
Vendo o quão desamparada ela parecia, quando geralmente era tão confiante e destemida, Arus sentiu o início do desespero. No entanto, ele não choramingou nem desabou em lágrimas. Em vez disso, cerrou os punhos.
— V-vai ficar tudo bem! Deixa comigo! — Arus os metera nisso, então ele consertaria. Ele pegou as mãos de Lara e Sieg e as apertou. Então, pensou bastante no pouco que sabia.
Uma vez, a Mamãe Azul lhe dissera: “Se você se encontrar em uma enrascada, não entre em pânico. Pense nas opções que tem.”
— Hum… Ok — disse Arus. — Se voltarmos para a rua principal, haverá pessoas lá que podemos pedir informações. Alguém tem que saber, não é como se houvesse muitos edifícios dourados e brilhantes. — A noite mal caíra. A rua principal ainda devia estar cheia de gente. Seria fácil encontrar alguém para perguntar.
Isso remetia a outra coisa que a Mamãe Azul lhe dissera: “Se houver algo que você não saiba, não tenha vergonha de perguntar.”
— E se eles forem maus? — disse Sieg, com os olhos marejados. — E se eles não nos disserem? — Seu pessimismo deixou Arus sem palavras. Alguém definitivamente saberia, mas ele não podia ter certeza de que lhe responderiam.
O conselho da Mamãe Azul não terminou aí. “Tenha cuidado, no entanto”, ela dissera, “porque as pessoas não necessariamente responderão a qualquer pergunta que você fizer, ou podem mentir para você.”
— Se isso acontecer — disse Arus a Sieg —, nós, hum… Oh, eu sei! O papai disse que se eu me separar da mamãe na cidade, devo encontrar uma igreja e mencionar o nome do Tio Cliff, e então eles me ajudarão. Um padre não mentiria, certo?
— Oh, boa ideia!
Padres eram muito capazes de mentir, mas Sieg estava imaginando o pai de Clive, Cliff. Ele não encontrou Cliff muitas vezes, mas Sieg sabia que ele era muito honesto.
— Podemos voltar para casa, então — disse Lara.
— Sim, vai ficar tudo bem. Então pare de chorar, Sieg. O Homem-Cheddar não choraria.
— E-eu não estou chorando — disse Sieg, com a força voltando ao seu rosto. Com isso, Arus se sentiu um pouco mais à vontade. Ele sorriu com confiança para Lara, que o ajudou a se acalmar.
— Tudo bem — disse ele. Eles tinham duas opções: a rua principal ou a igreja. Não havia sinal de ninguém por perto, mas se encontrassem alguém no caminho, poderiam simplesmente perguntar. Isso seria fácil o suficiente, pensou Arus. Ao fazê-lo, outra preocupação surgiu. Ele, Arus, fugira sem permissão, se perdera e arrastara Lara e Sieg com ele. Suas mães ficariam furiosas. A Mamãe Vermelha ficaria super brava. Até a Mamãe Azul e a Mamãe Branca ficariam bravas com ele. Geralmente, Aisha intervinha para mediar quando ele se metia em encrenca, mas desta vez, fora de Aisha que ele fugira. Ela definitivamente não ficaria do seu lado.
Ele fungou. Imediatamente, Lara se virou para olhá-lo de perto.
— Arus, você está chorando? — Ela perguntou. Arus enxugou as lágrimas que brotavam com a manga e fez uma careta para ela.
— D-de jeito nenhum, só entrou sujeira no meu olho! Fique perto, Lara! Se nos separarmos, estamos fritos!
— Mm. Entendi — disse Lara. — Eu acredito em você, Arus.
— Não seja assim. A culpa é toda minha.
— A culpa é minha também. — Lara deu um tapinha na cabeça de Arus. Ele corou um pouco, virando-se para olhar para a frente.
Era hora de se mover. Se ficassem naquele lugar escuro e vazio por muito tempo, ele ia chorar de verdade. Estava em apuros, mas seria corajoso. Aisha poderia até se voltar contra ele, mas ele lhe ofereceria um pedido de desculpas sincero.
Bem quando pensou isso, Arus virou a esquina.
— Opa! — Ele quase esbarrou em uma mulher. Uma mulher com seios fartos. O tamanho lhe trouxe uma lembrança, e sem querer, ele disse: — Oh!
— Ora, se não são vocês três de mais cedo.
A mulher era a que havia guiado Arus e os outros pela Sede da Guilda dos Aventureiros naquele dia.
— S-senhora? O que está fazendo aqui?
— Eu? Estou a caminho de casa do trabalho. E vocês? Já está escuro. Não vão se meter em encrenca se não chegarem em casa?
Arus sentiu uma onda de alívio por a pessoa que encontraram naquele momento ser alguém que conheciam. Como um Buda vindo a eles no inferno – bem, Arus não sabia o que era um Buda. De qualquer forma, ela era um raio de luz.
— Nós, hum, ou seja, nos perdemos. Você sabe onde fica a estrada principal… ou, na verdade, uma igreja, ou o edifício dourado e brilhante?
— O edifício dourado e brilhante? Você quer dizer a catedral?
— Sim, essa mesma! A ca-te-dral!
— Claro que sei. Todo mundo que mora em Millishion conhece a catedral.
Arus e Sieg se entreolharam. Mas então Arus se recompôs e pigarreou. Ele aprendera com a Mamãe Branca como se comportar ao pedir um favor a alguém.
— Então, hum, se não for muito incômodo, você poderia nos mostrar o caminho? Tenho certeza de que meu pai lhe dará uma recompensa.
— Bobagem. Vocês são crianças perdidas, não há necessidade de ser tão formal. Venham, me sigam.
Arus pensou consigo mesmo que a Mamãe Branca dissera que as conexões entre as pessoas eram importantes. Alguém que você mal conhecia poderia vir em seu auxílio quando você estivesse em apuros. Certamente, era isso que estava acontecendo agora.
Naquele dia, Arus cresceu um pouco.
— E aqui estamos!
Arus e os outros seguiram a mulher da guilda, e assim chegaram facilmente ao seu destino.
— Hã?
Ou, assim eles esperavam. Infelizmente, Arus em vez disso se viu olhando para as profundezas de um beco escuro. Não havia uma alma à vista. As paredes estavam rabiscadas com grafites obscenos, o chão estava cheio de lixo, e um mau cheiro pairava sobre todo o lugar. Escuro ou não, uma coisa era certa: este não era o edifício dourado e brilhante.
— Hum? Onde estamos…? Hã?
— Você devia saber melhor — repreendeu a mulher. — Seu pai não te ensinou a não seguir estranhos?
Arus ouviu passos e se virou. Vários homens estavam ali, olhando para eles com lascívia. Sequestradores! Mesmo depois de perceber isso, sua mente ainda estava toda confusa. Esta mulher trabalhava na Guilda dos Aventureiros, e até mesmo lhes dera um tour pelo lugar. Como ela podia ser má? Então, ele se lembrou. Ela disse que estava a caminho de casa do trabalho, mas esta manhã, disse que terminava ao meio-dia.
— Você mentiu sobre trabalhar na Guilda!
— Não fiz tal coisa. Este é meu trabalho extra. Uma maneira de ganhar um dinheirinho extra. Esta cidade está cheia de crianças como você: órfãos que sonham em se tornar aventureiros. Eles vêm para a Guilda, e depois vão embora sem realizar seus sonhos. Então, eu os sigo. Se a noite chega e eles ainda não foram para casa, acabam assim.
— Droga! — Arus pegou um galho do chão e entrou em posição de luta, pronto para proteger seu irmão e sua irmã.
— Arus? — Sieg se agarrou, tremendo, à barra de suas roupas. Lara estava inexpressiva como sempre, mas parecia um pouco pálida. Ele tinha que protegê-los. A culpa era dele. Ele tomou a decisão errada. Mas o que ele poderia fazer em um momento como este? O que sua mãe dissera? O que era…?
— Socorro! Tem alguém aí?! Estamos sendo sequestrados! Socorro! — gritou Arus.
Se algo acontecer, peça ajuda antes de lutar. Ou a Mamãe Azul ou a Mamãe Branca lhe dissera isso – ou foi a Aisha? Pode até ter sido seu pai.
— Chore e grite o quanto quiser. Ninguém virá — disse a mulher. Claro que não, pensou Arus, enquanto passava para a próxima lição. Esta era da Mamãe Vermelha.
Primeiro, observe cuidadosamente seu inimigo.
Enquanto Arus se preparava para uma luta, ele lançou um olhar nivelado ao redor deles. Eles estavam em um beco sem saída com uma pessoa na frente deles e duas atrás. Todos os três tinham espadas. Ainda assim, eram muito mais fracos que a Mamãe Vermelha. Não havia fogo ou sede de sangue em seus rostos. Sharia tinha muitos caras no nível deles – peixes pequenos que iriam se urinar e sair correndo se fosse a Mamãe Vermelha que estivessem enfrentando. Tudo o que Arus tinha era um galho que parecia que quebraria se ele batesse em alguém com ele, mas ele aprendera a lutar com as mãos nuas, e podia fazer um pouco de magia. Contanto que lutasse exatamente como praticou, poderia vencê-los. Ele tinha certeza disso. Quase certeza. Talvez.
— Arus, v-você vai lutar? — perguntou Sieg. — Eu vou l-l-lutar também.
— Você fica para trás! — ordenou Arus. Ele se decidira, mas suas pernas tremiam, e sua mão tremia enquanto segurava o galho. Sua respiração estava superficial, e lágrimas brotaram nos cantos de seus olhos. Ele ia lutar contra três adultos sob um véu de escuridão, e tinha que proteger seu irmão e sua irmã ao mesmo tempo. Nunca sentira tanta pressão antes.
— Ooo, que irmão mais velho corajoso você é — disse a mulher. — Mas revidar não vai te adiantar nada. Esses caras podem estar um pouco cansados para a aventura – verdadeiros fracassados – mas ainda sabem das coisas.
— Cale a boca! Não ouse tocar na Lara ou no Sieg!
A mulher suspirou e olhou para os homens.
— Não os machuquem muito. Pelo que parece, eles vêm de uma boa família. Vocês podem ganhar algum dinheiro.
Os dois homens murmuraram seu consentimento e depois se moveram. Sentindo uma sensação nauseante de aperto no estômago, Arus concentrou o máximo de mana que pôde em seu punho. Ele girou, pronto para desferir um golpe que os cegaria—
Clap, clap, clap.
De repente, o som de alguém batendo palmas quebrou o silêncio. Veio de trás dos dois homens. Todos congelaram. No mesmo momento, uma forma branca saltou sobre os homens para pular em direção a Arus. Deu uma volta ao redor dos três, cheirando Lara por um tempo particularmente longo para se certificar de que ela não estava ferida, e depois se virou para encarar os homens, com as presas à mostra.
— Grrrrr…
— Leo! — gritou Arus, grato por ver o cachorro. As palmas, no entanto, deviam ter sido de outra pessoa. Leo não tinha mãos.

— Ok, rapazes, a diversão acabou! — veio uma voz — uma que Arus conhecia muito bem. Não havia um dia em sua vida que ele não a tivesse ouvido pelo menos uma vez, em algum momento entre acordar de manhã e ir dormir à noite.
Uma mulher com cabelo castanho escuro e um canino pontudo e fofo saiu das sombras. Seu busto grande se projetava por baixo de seu uniforme de empregada, e ela segurava uma lanterna grosseiramente construída.
— Mana Aisha! — Arus gritou. Ela não era realmente sua irmã mais velha, mas ficava brava se ele a chamasse de tia.
— Olá, Arus. Sou o grupo de resgate. — Ela lhe deu um sorriso que fez Arus querer chorar. Mas ele e seus irmãos não foram os únicos que pareceram aliviados; os homens, vendo que era apenas uma empregada e um cachorro grande que saíram da escuridão, pareceram tão arrogantes como sempre.
— De quem você é empregada, hein? — rosnou um.
— Trabalho para a família Greyrat — respondeu Aisha. — Oh, dado onde estamos, talvez eu devesse dizer a família Latria. Como o Capitão Carlisle Latria dos Cavaleiros do Templo. Aqueles Latria. Vocês os conhecem, certo?
Quando Aisha mencionou os Cavaleiros do Templo, os homens recuaram. Nomes de nobres não significavam muito para eles, mas eles conheciam os Cavaleiros do Templo: o exército particular da Igreja de Millis, renomado por seu fanatismo religioso.
— Eu recomendaria que vocês desistissem de sequestrar e resgatar essas crianças em particular. Isso não vai acabar bem para vocês.
— N-nós não seríamos sequestradores se os Cavaleiros do Templo nos assustassem.
Oh, mas eles estavam com medo. Havia rumores sobre as torturas que os Cavaleiros do Templo infligiam a hereges. Eles os amarravam de pés e mãos e, começando pelos dedos dos pés, usavam um martelo para pulverizá-los lentamente. Teria sido mais compreensível se fossem meros sádicos, mas os Cavaleiros acreditavam de todo o coração que suas ações eram justas. Em resposta aos gritos de seus cativos enquanto suas pernas eram esmagadas até virar polpa, eles sorriam e diziam: “Seus gritos sinceros de intercessão certamente serão ouvidos por Deus. Isso significa que Ele os receberá ao Seu lado. Alegrem-se!” Era tudo bobagem, claro, mas esses homens acreditavam.
— Vocês não têm medo dos Cavaleiros do Templo? — perguntou Aisha. — Nesse caso, que tal do Bando Mercenário Ruato? Sua conselheira de contabilidade super gata garantirá que eles nunca parem de persegui-los. Quando eles os pegarem, vocês vão desejar estar mortos.
— O-o que o Bando Mercenário Ruato tem a ver com isso? — Um deles conseguiu dizer.
— O maior chefe deles é o pai dessas crianças! — Os dois homens olharam para Arus e os outros, boquiabertos.
— Isso mesmo, meu irmão mais velho – ahem, ou seja, Rudeus Greyrat, presidente do Bando Mercenário Ruato, braço direito do Deus Dragão Orsted e um mago de habilidade prodigiosa que tem amigos em todo o mundo. Geralmente, ele é um cara de temperamento brando. Você poderia derramar sua bebida na cabeça dele em uma festa e ele riria. Mas sua família é muito importante para ele, e sequestradores de seus próprios filhos indefesos? Não consigo imaginar o que ele faria com vocês.
— V-você está inventando isso.
— Tem certeza? Sabe, estou ficando um pouco entediada de tentar convencê-los.
— Hah — zombou um homem. — Nada disso importará se você estiver morta.
— Oh, sério? Ok, Leo, pega.
Assim, a grande besta branca desceu sobre eles como um tornado. Primeiro, ele mordeu a perna do homem à sua frente e o sacudiu com força. Os ossos estalaram com um crack alto, e então Leo o soltou, jogando-o contra a parede. O outro homem se virou para ver o que era o barulho, mas já era tarde demais. Ele nem teve tempo de sacar a espada antes que os dentes do cachorro se cravassem em sua mão com um crunch. A próxima coisa que ele soube foi que Leo o arrastara para o chão. Com suas mandíbulas, ele pegou o homem pela cabeça, o sacudiu até ficar inconsciente e o jogou contra a parede para garantir.
— Eep! — A mulher da guilda ficou sem ter para onde correr. Ela tentou escalar a parede no final do beco, mas Leo pegou seu traseiro em suas mandíbulas e, como os outros dois, deu-lhe uma sacudida antes de jogá-la contra a parede e nocauteá-la.
Arus observou tudo atordoado. Ele sabia que Leo era bem forte e entendia, mais ou menos, por que seu pai e suas mães lhe diziam para ficar com o cachorro. Esta foi a primeira vez que ele realmente viu. Além disso, ele podia dizer que Leo estava se segurando. Com tanto poder, o cachorro poderia ter arrancado suas cabeças. Mas não o fez. Em vez disso, ele os pegou como se estivesse brincando – pessoas de quem Arus tinha pavor – quebrou seus ossos, os girou e os jogou contra uma superfície dura para nocauteá-los.
— Vocês estão todos bem, certo? Ninguém se machucou? — disse Aisha, agachando-se ao lado das três crianças sem sequer olhar para as figuras inconscientes. Ela ergueu a lanterna e começou a examiná-los minuciosamente.
— N-não — gaguejou Arus. — Estamos bem.
— É mesmo? Vamos para casa.
Ainda confuso, Arus assentiu. Aisha lhe deu um sorriso que mostrou seu dente pontudo.
As estradas estavam escuras. Arus, Lara e Sieg subiram nas costas de Leo e, guiados pela luz da lanterna de Aisha, partiram. Os três sequestradores foram levados pelos mercenários Ruato, que apareceram do nada em resposta ao apito de cachorro de Aisha. Eles seriam entregues às autoridades. Enquanto caminhavam, Arus pensou em quantos problemas ele estava.
Por que você fugiu sozinho? Por que arrastou Lara e Sieg com você?
Isso poderia ter acabado muito mal.
Aisha quase nunca ficava com raiva, não importava o quão travesso ele fosse, mesmo quando causava problemas para outras pessoas. Ela apenas dizia: “Oh, bem”, e depois resolvia qualquer bagunça que ele tivesse feito. Mais tarde, ela o repreendia gentilmente, dizendo: “Você não pode mais fazer isso” ou “Aprenda com seu erro, ok?”
Mesmo que ela sempre cuidasse dele assim, ele a desconsiderou. Embora Aisha tivesse sido quem foi procurá-los, ele tinha certeza de que seus pais também estavam bravos com ela. Ela o perdeu de vista quando era seu trabalho ficar de olho nele até que seu pai e os outros voltassem. Depois de se meter em encrenca porque seus protegidos escaparam dela, até a tranquila Aisha devia estar muito brava.
Como era uma criança assustada, os pensamentos reais de Arus não eram tão coerentes, mas ele conseguiu adivinhar que Aisha devia estar com raiva.
Então, ele se desculpou.
— Mana Aisha, sinto muito.
— Hm? Pelo quê?
— Eu saí escondido sem te avisar, e depois coloquei todo mundo em perigo…
— Hmm? Não sei do que você está falando. — Para sua surpresa, Aisha sorriu e bagunçou seu cabelo. Sua linguagem corporal não dava sinal de raiva. Arus se perguntou se ela o perdoou. Mas… por quê?
— Olha, voltamos.
Arus percebeu com um sobressalto que haviam chegado aos portões da propriedade Latria. Olhando para a mansão, Ele engoliu em seco. Aisha podia tê-lo perdoado, mas suas mães definitivamente ficariam bravas. Elas o ensinaram a proteger seus irmãos e irmãs, e ele as decepcionou. Ele estava se preparando para uma surra da Mamãe Vermelha. Seu pai também poderia estar bravo, embora ele não conseguisse realmente imaginar como seria.
— Boa noite — disse Aisha ao porteiro. Eles a seguiram pela porta de serviço para dentro da casa, e depois por um corredor largo. Aisha abriu a porta do quarto onde a família estava hospedada. Lá estavam eles. Suas três mães e duas avós, sua tia loira e sua bisavó, cuja expressão era de pedra. Seu pai também estava lá.
— Voltei — disse Aisha, fazendo uma reverência. Com isso, os adultos olharam para Arus e os outros.
A qualquer segundo, as sobrancelhas da Mamãe Vermelha se curvariam para baixo, mostrando que ela estava com raiva. Ela definitivamente seria a primeira. A Mamãe Vermelha era sempre a primeira a ficar com raiva.
De alguma forma, quando ela falou, sua voz era despreocupada.
— Oh, vocês voltaram. Estão um pouco atrasados, hein?
— Vocês se divertiram na Guilda dos Aventureiros? — perguntou a Mamãe Azul, com brandura.
— Vocês realmente não devem andar por aí a esta hora. Mesmo com a Aisha e o Leo, é perigoso à noite.
— Com certeza. Aisha, só porque você está aí não significa que está tudo bem ficar fora até tão tarde. Não poderia tê-los trazido para casa mais cedo?
A Mamãe Branca e a Lilia foram um pouco mais ríspidas, mas nem elas estavam com raiva. Norn e Claire não disseram nada, embora seus olhos mostrassem que concordavam.
— Oh, bem, está um pouco tarde, mas podemos deixar passar, não podemos? Nem jantamos ainda. Viram algo interessante? — Como de costume, o papai foi brando.
A vovó Zenith estava em silêncio como sempre, mas Arus não teve a sensação de que ela o estava repreendendo. Ele conseguia perceber quando ela estava brava, mesmo que não falasse.
— Hum… — Arus, incapaz de entender o que estava acontecendo, lutou para pensar em como responder. Houve um breve silêncio.
— Havia uma cabeça de dragão na parede da sala do clã na Guilda dos Aventureiros — disse Lara de repente. O olhar em seu rosto fez Arus pensar que ela havia percebido algo que ele não percebera. Leo provavelmente lhe contara sem que ele notasse.
— Oh, papai, hum, então na Guilda dos Aventureiros! — Sieg interveio, com o rosto se iluminando. — Hum, eles tinham uma espada mágica! — Ele começou a tagarelar sobre a Guilda. Seus problemas anteriores já deviam ter saído completamente de sua mente.
— Tudo bem, esperem, vocês podem nos contar tudo sobre isso mais tarde. Por enquanto, vamos chamar a Lucie e os outros e comer alguma coisa.
A atmosfera na sala se aliviou. Era hora do jantar.
Quando o jantar terminou, Arus deixou a espaçosa sala de jantar e se dirigiu de volta ao quarto que lhe fora dado. Ele olhou para trás, para Aisha, que o seguia como se tudo estivesse bem.
Quando estavam sozinhos, a primeira palavra que saiu de sua boca foi “Por quê?”
Por que ninguém estava com raiva? Por que todos sabiam que ele esteve na Guilda dos Aventureiros? A única palavra carregava muitas perguntas diferentes.
A boca de Aisha se curvou em um pequeno sorriso.
— Você quer saber? — Ela disse.
— Sim.
Aisha parecia ter conseguido pregar uma peça, mas Arus estava mortalmente sério.
— Eu vi você e os outros saindo escondidos do jardim da catedral — explicou ela. — Pensei que vocês tivessem sucumbido ao tédio e estivessem determinados a aprontar, então disse aos outros que ia dar uma olhada rápida na Guilda dos Aventureiros e os segui.
Com isso, tudo se encaixou para Arus. Aisha viu através de seu plano. Em vez de se juntar a eles, deixou ele e seus irmãos fazerem o que quisessem. Ela estivera atrás deles, pensando que se algo acontecesse, ela se mostraria e resolveria.
— Não esperava que você fosse até a torre mágica, no entanto — acrescentou ela.
Aisha os vigiara o tempo todo. Mesmo quando ele estava perdido e prestes a chorar, em vez de intervir, ela ficou escondida.
— Então por que você não nos ajudou quando sabia que estávamos perdidos?
— Hmmm? Acho que você sabe a resposta para isso, não sabe, Arus? — Aisha respondeu, provocadora, fazendo-o ranger os dentes.
Ele sabia a resposta. Ela não ajudou porque ele era o responsável pela situação deles. Assim como suas mães o ensinaram, quando você se mete em encrenca, cabe a você encontrar uma saída. De fato, Arus não desistiu quando percebeu que estava perdido. Ele não desistiu mesmo com medo.
Percebendo que ainda não era hora de interferir, Aisha observou. Ela só se mostrou para resgatá-los quando parecia que eles poderiam se machucar. Se a mulher da Guilda não fizesse parte de um plano de sequestro e realmente lhes tivesse mostrado o caminho por bondade, Aisha talvez não tivesse se mostrado. Ele não podia se ressentir de seus métodos, porque a culpa era dele.
Aisha resolveu sua bagunça, como sempre fazia.
— Mana Aisha, eu… sinto muito… — disse ele.
— Apenas “sinto muito” não é suficiente. Pelo que você sente muito?
— Por ter saído escondido sem te avisar…
— Não, não é isso.
Arus se virou, surpreso. Não era do feitio de Aisha lhe ensinar coisas. Quando ele cometia um erro, ela dava de ombros e ajudava, mas nunca conversava sobre isso assim.
Quando ele se virou, Aisha estava olhando para ele com seu sorriso fácil de sempre.
— Arus, você estava irritado comigo e queria sair só com seus irmãos, certo?
— Eu… não acho você irritante… bem, talvez um pouco, mas… mas eu gosto de você, Mana.
— Oh? — Aisha riu. — Bem, obrigada. O Arus gosta de mim? Acho que estou corando. — Ela levou as mãos às bochechas e fez um show de se contorcer de vergonha. — De qualquer forma. Você pensou em sair escondido enquanto eu não estava olhando para ir ver a Guilda dos Aventureiros e a torre mágica, certo?
— Sim.
— Então você tinha que fazer isso.
— Hã? Mas eu preocupei todo mundo…
— Preocupar todo mundo não é bom, não é?
— Sim.
— Mas, Arus, a questão é: você não estava tentando preocupá-los, estava? Você não é uma criança que faria algo maldoso assim.
Arus assentiu. Ele não pensara bem, mas não pretendia preocupar ninguém.
— Você ia ver a Guilda dos Aventureiros e a torre, e depois voltar. Então, se eu perguntasse onde vocês estiveram, você, a Lara e o Sieg se olhariam inocentemente e diriam: “é um segredo”, e depois ririam. Esse era o plano, certo?
Era exatamente o que eles teriam feito. Arus não pensou nisso com tantos detalhes, mas ouvindo de Aisha, ele percebeu que esse era seu final ideal. Sair um pouco, se divertir e depois voltar antes que alguém tivesse tempo de se preocupar. Talvez Aisha tivesse se preocupado um pouco quando não os encontrou, mas quando eles voltaram rapidamente, ela respiraria aliviada e diria: “Meu Deus, vocês estavam aí o tempo todo!”
— A coisa que você fez de errado — disse Aisha, sem rodeios —, foi não ter se safado.
Arus estabelecera uma meta: ele queria ir à Guilda dos Aventureiros sem nenhum acompanhante como Aisha ou Leo. Deixando de lado a questão de por que ele então levara Lara e Sieg, essa meta nascera no momento em que ele sentira esse desejo. Aisha estava dizendo que se ele tinha uma meta, era melhor ir até o fim.
— Tudo bem — disse ele —, mas como você teria feito?
— Hmmm — ponderou Aisha. — Devo dizer que chegar à Guilda dos Aventureiros e à torre em um período de tempo tão curto teria sido complicado, mesmo para mim. Elas são muito distantes uma da outra. Eu teria feito a Guilda hoje, e a torre outra vez. Na verdade, você não percebeu que tinha tão pouco tempo, não é? Então eu teria perguntado qual era a programação ontem, e depois teria elaborado uma estratégia adequada com base nisso.
— Oh, bom ponto.
— Eu provavelmente também levaria uma arma e algo com que pudesse contatar as pessoas. Algumas coisas você simplesmente não consegue resolver sozinho, então você pode querer chamar ajuda rapidamente.
Ouvindo suas ideias expostas, Arus entendeu o que fizera de errado. Pensando com a cabeça fria, ele realmente fora muito descuidado e impulsivo, e não pensou nas coisas o suficiente. Não admira que se meteu em uma confusão.
Aisha era meio incrível.
— Entendi — disse ele. — Da próxima vez serei mais cuidadoso e tentarei não errar.
— Bom, bom. Esse é o espírito! Não seja tão cuidadoso a ponto de ter medo de errar, ou acabará não conseguindo fazer nada. Continue cometendo erros!
— Hã? Mas… mas e se acabar como hoje de novo…?
— Sem problemas! — respondeu Aisha, colocando a mão no coração. — Quando você errar, estarei bem ali!
Arus sentiu-se tímido por uma razão que não conseguia entender, mas sorriu para Aisha.
— Ok, entendi, Mana! Obrigado!
— De nada! Você não é tão fofo?
Aisha, tendo ouvido o que queria dele, o pegou nos braços. Ele se aninhou em seus seios macios enquanto ela bagunçava seu cabelo e refletia seriamente sobre os eventos daquele dia.
Tradução: Gabriella
Revisão: Pride
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