A casa estava silenciosa. Uma panela borbulhante oscilava sobre a lareira no centro do cômodo. Em frente a ela estava sentado um homem de cabelos verdes. Ruijerd. Sentei-me à sua frente, com a lareira entre nós. Não nos falamos. Entre nós, apenas o silêncio.
Não precisávamos falar. Ou talvez fosse mais preciso dizer que não tínhamos esse luxo. Agora, cada pensamento meu estava focado bem na minha frente. Eu não podia estragar tudo. Esperei pelo momento certo, mantendo um olhar atento na lareira.
E então chegou o momento. Estendi a mão lentamente… e apaguei o fogo da lareira. Ainda não havia terminado. Eu não podia apressar isso.
Por dez minutos, fiquei imóvel onde estava. Então, quando o tempo acabou, finalmente falei:
— Ruijerd, você está preparado?
— Estou pronto — respondeu ele. Com isso, peguei o objeto ao meu lado. Era perfeitamente branco e áspero ao toque, com o formato de um ovo, ou melhor dizendo, não, não tinha o formato de um ovo. Era um ovo de galinha.
Sem dizer uma palavra, quebrei-o em uma tigela, depois o bati com meus hashis. Fiz tudo isso em uma série fluida de movimentos, como se tivesse feito isso durante toda a minha vida.
A prática leva à perfeição, como diz o ditado. Você pratica andar de bicicleta até conseguir e então nunca mais esquece, não importa quantos anos passem. É a mesma coisa.
Só que eu nunca havia praticado. Talvez tenha essa habilidade desde que nasci. Por puro instinto.
A clara e a gema do ovo estavam agora combinadas.
Repeti o mesmo processo mais uma vez. Havia duas tigelas de ovo batido. Coloquei-as de lado e peguei a tampa da panela.
Levantei a tampa, olhei dentro e assenti:
— Tudo bem.
Os grãos brancos estavam completamente cozidos. Houve um “chiiii” enquanto a umidade escapava e o ar na sala ficava denso com o aroma de arroz recém-cozido no vapor. Eu me vi engolindo enquanto minha boca começava a salivar. O impulso de enchê-la de arroz naquele momento me tomou, mas me forcei a resistir, em vez disso. Soltei suavemente os grãos do fundo da panela. Peguei uma tigela e a enchi de arroz. Exatamente uma tigela cheia, de mais ou de menos, resultaria em desastre.
Em seguida, peguei meus hashis e fiz um buraco no meio do arroz. Nele despejei o ovo recém batido. O arroz branco ficou amarelo dourado e pegajoso, mas eu ainda não tinha terminado.
O que vinha depois era a parte do processo pela qual eu tanto ansiava desde que cheguei a este mundo. Peguei a pequena garrafa ao meu lado, lentamente inclinando o bico estreito e cônico sobre o arroz dourado. Um líquido escuro emergiu. Tão puramente escuro que poderia ser confundido com veneno: molho shoyu.
Eu o derramei em um movimento circular, uma vez ao redor. Duas vezes também seria bom, mas por enquanto, uma vez seria suficiente. Apenas isso já era o bastante para tingir a superfície do arroz dourado de preto. Era da mesma cor que um creme com calda de caramelo, o que fez meu estômago roncar.
Mantenha a calma, disse a mim mesmo. Você logo poderá comer.
Tinha cozinhado quatro xícaras de arroz para isso. Daqui para frente, poderia comer isso sempre que quisesse, a qualquer momento. Eu iria tornar cada momento desta primeira vez especial.
— Está pronto — anunciei por fim, passando a tigela para Ruijerd. Ele aceitou com um som de agradecimento, então esperou por mim. Imediatamente, passei pelos mesmos movimentos para produzir outra tigela com o mesmo conteúdo.
— Agradeço pela refeição — falei, juntando as mãos e inclinando a cabeça. Peguei a tigela com a mão esquerda e os hashis com a direita. Abri bem a boca e a enchi com uma porção generosa.
— Mm… hmmph!
Este sabor. Era isso. Perfeição. Havia espaço para melhorias, mas era isso. Este era o sabor que estava buscando durante todo esse tempo.
— Mm…hm…hmmph! — Comi um punhado, depois outro e mais um terceiro. Sem falar, apenas comendo, mastigando, engolindo, fazendo pausas ocasionalmente para exalar, depois inalando outro punhado de arroz na próxima respiração. Eu comi sem parar.
Antes que percebesse, minha tigela estava vazia.
— Obrigado pela refeição — disse, satisfeito. Meu momento de felicidade acabou num piscar de olhos. Fiquei satisfeito, mas também querendo mais. Antes de começar a segunda tigela, porém, olhei para o homem à minha frente. Ruijerd ainda estava comendo em silêncio. Ele nunca foi do tipo que conversa durante as refeições, mas parecia ainda mais taciturno do que o habitual. Claro, ele e eu éramos os únicos aqui. Não poderia esperar uma conversa se eu também não estivesse falando, mas ele não estava comendo devagar demais? Parecia que mal havia chego à metade.
Ok, talvez eu tenha sido muito rápido.
— Rudeus?
— Agh!
Norn estava sentada bem ao lado da lareira. Eu não a havia notado.
— Norn, quando você chegou?
— Agora mesmo. Eu disse alguma coisa quando você estava comendo, porém…
Ah, certo.
— O que é isso?
— Um prato especial. Quer um pouco?
Norn olhou para Ruijerd antes de responder.
— Acho que sim.
Imediatamente, servi arroz em uma tigela, depois bati um ovo, despejei sobre o arroz e cobri com molho shoyu. Todo o processo levou menos de dez segundos, mas eu podia afirmar com certeza que não haveria diferença de sabor. Isso era um trabalho artesanal.
— Coma! — Eu a encorajei.
— O que é isso mesmo?
— A culinária do meu povo.
Norn hesitou por um longo momento, depois pegou a tigela com um “obrigada” e começou a comer.
Eu esperei. Fiquei ali esperando os dois terminarem. Não terminaram ainda? Vamos, quero ouvir logo suas opiniões. Se não tiverem nada a dizer, tudo bem também, mas eu quero saber.
Ruijerd terminou de comer.
— É essa a comida que você me falou durante nossas viagens? — perguntou.
— É. O que você achou?
— Estava bom. — Isso era tudo o que ele tinha a dizer, mas foi mais do que suficiente para mim. Nos bons e velhos tempos em que viajávamos juntos, era isso que eu desejava. Agora estava comendo isso junto com meu antigo companheiro de viagem. Meu único arrependimento era que Eris não estava lá conosco.
— Obrigada — disse Norn quando terminou. Ela tinha acabado de começar; deve ter devorado.
— Vamos lá então, Norn. Isso é o que eu te falei lá em casa.
— Na verdade… estava muito bom. Esse sabor não se parece com nada que eu já tenha experimentado antes. É aquele tempero?
— Isso mesmo. O molho shoyu é incrível. Você pode colocar em qualquer coisa e vai ficar ótimo.
— Uau…
Recebi uma ótima crítica da Norn também. Eu faria isso para ela de novo em casa. Hoje foi um dia histórico que marcou o nascimento do tamago kake gohan1Tamago kake gohan é um prato de café da manhã japonês popular que consiste em arroz japonês cozido coberto ou misturado com ovo cru e molho de soja (shoyu). neste mundo.
— O único problema — acrescentei — é que comer ovo cru pode te deixar doente. Vou lançar magia de desintoxicação em você quando terminar.
— Você não pode dar algo que precisa de desintoxicação para uma pessoa que ainda está se recuperando! — Norn exclamou. Neste dia histórico, eu mereci uma bronca.
Dois dias se passaram. Os Superd gradualmente se recuperaram. Muitos ainda estavam de cama, mas aqueles com sintomas leves voltaram à vida normal. Com isso, decidi construir uma câmara escura em um canto da aldeia e plantar grama Sokas. Ainda não sabíamos se a praga era resultado do solo ou do Rei Abissal Vita, mas se eles viessem a apresentar os mesmos sintomas, tê-la faria toda a diferença. Se fosse aquele slime quem causou a praga, supus que com ele morto, não haveria chance de recorrência. Se fossem os vegetais, os Superd teriam que mudar seu estilo de vida, seja se mudando para mais perto da borda da floresta ou indo para a Vila do Desfiladeiro do Dragão da Terra para o plantio. Um ou outro. Seja qual fosse, eles precisariam da bênção do Reino de Biheiril. Movê-los para o Reino Asura também era uma opção, mas muitos dos Superd estavam inquietos ou totalmente contrários à ideia. Eles haviam vivido nesta terra por muito tempo e relutavam em deixá-la. Sem mencionar que a fé Millis tinha grande influência no Reino Asura. Os Superd podem ter se acalmado perto de Cliff, mas o medo da Igreja Millis era profundo.
E assim, parti para a cidade capital de Biheiril para negociar com o Reino. Eu tinha dois objetivos: primeiro, a aceitação do Superd; segundo, a dissolução do grupo de caça. Os Superd eram geralmente francos em suas interações e enfrentavam perseguição contínua, por isso ficaram um pouco isolados. No entanto, são pessoas de bom coração. Mesmo se o Reino Biheiril tivesse reservas, tinha várias maneiras de persuadi-los. A mais rápida seria ter alguém visitando a vila. Assim que vissem os Superd por si mesmos, confirmariam como eram desajeitados, mas calorosos. Quando pousassem os olhos nas crianças inocentes, saberiam que eram inofensivos… Pelo menos, era isso que eu esperava. Não podia contar com uma vitória antecipada. Os inspetores do Reino Biheiril poderiam ver crianças e pensar “Eles estão se reproduzindo?! Precisamos exterminá-los imediatamente!” como se fossem baratas.
Se isso acontecesse, eu apenas encorajaria a Tribo Superd a se mudar. Assentá-los no norte do Reino Asura significaria colocar outro fardo sobre Ariel, mas… Se tudo mais falhasse, pagaria a ela com meu próprio corpo.
Ficaria tudo bem. Por mais que pensasse, as crianças Superd eram todas tão doces e bonitas. Eu não queria acreditar que o Reino Biheiril estava cheio de idiotas que não se comoveriam nem mesmo com a visão daquelas crianças brincando com sua bola de couro de animal, a própria imagem da inocência.
— Então — concluí —, vou para o Reino Biheiril.
— Entendi.
— Cliff diz que vai ficar de olho no progresso das coisas, e Elinalise ficará com ele. Acho que Norn vai continuar cuidando do Ruijerd. O que você vai fazer, Senhor Orsted?
— Vou ficar aqui. Cliff Grimor está pesquisando a praga. Da próxima vez, talvez eu consiga curá-los. — Enquanto ele falava, uma bola veio em sua direção e ele a rebateu. Isso aconteceu em um piscar de olhos. Eu mal vi sua mão se mover. A bola voou de volta em um arco suave direto para os braços da criança.
— Minha presença não deve ser necessária para as negociações — continuou.
— Concordo. Mesmo com o capacete mantendo a maldição sob controle… — Outra bola veio voando e, de novo, ele a rebateu. — …isso não significa que tenha desaparecido completamente, não é mesmo?
— De fato. — Ele rebateu outra bola.
— Se precisar, apreciaria se você aparecesse, entretanto. Mesmo com a maldição, sua presença deve inspirar respeito neles.
— Muito bem.
Outra rebatida.
— Devo fazê-los parar com isso? — perguntei, olhando na direção das bolas que vinham em direção a Orsted, onde um grupo de crianças Superd estava lançando uma bola após outra. Eles não pareciam hostis, mas sim curiosos. Quem é o esquisitão? Vamos dar uma bolada nele! Algo do gênero. Sem o capacete, eles poderiam estar lançando pedras em vez de bolas…
— Não é preocupante. Disparos tão insignificantes não contam como um ataque.
— Se você diz… — Orsted, brincando? Não dava para dizer o que seu rosto aparentava por baixo do capacete, mas ele não parecia de mau humor.
— Você está se divertindo com isso?
— Não é tão ruim —, ele admitiu. Tudo bem, então.
— Ótimo. Voltarei em breve.
Orsted grunhiu sua aprovação e saí. Dohga e Sándor já estavam me esperando no círculo de teletransporte. Enquanto eu estava a caminho da capital, Sándor iria para a segunda cidade para fazer contato com o informante. Não foi como planejamos, mas decidimos que dividir em dois grupos seria mais eficiente. Dohga viria comigo para proteção. Nesta fase, eu não o via sendo de muita ajuda, mas suponho que era melhor tê-lo ali do que não.
— Ah! — No caminho, passei por Ruijerd. Ele estava cambaleante, apoiado no ombro de Norn para se sustentar. — Ruijerd, você consegue andar?
— Distâncias curtas — respondeu. Julgando pela expressão séria no rosto de Norn, ele não deveria.
— Estou indo para o Reino de Biheiril por um tempo para negociar com eles. Quando eu voltar, talvez tenha alguns soldados comigo. Se você puder ser o mais acolhedor possível, seria de grande ajuda.
— Muito bem. Vou avisar o chefe — disse Ruijerd, mas ele estava olhando para Orsted, que encostava-se em uma parede, com crianças jogando bola após bola nele. Você poderia pensar que estavam o intimidando, mas havia algo encantador nisso. Orsted desviava cada bola com precisão e as crianças sorriam.
— As aparências enganam — comentou Ruijerd.
— Com certeza — respondi, os cantos da minha boca se curvando em um sorriso.
Passei pelo círculo mágico no escritório de Orsted e depois fui para o Reino Biheiril. Naturalmente, quando passei por lá, verifiquei as pedras de comunicação. Zanoba relatou que estava tudo bem. Aisha e o Bando Mercenário disseram o mesmo. Ainda não havia nada de Sylphie, mas tudo bem. Ela estava bem longe e não deveria estar perto do círculo de teletransporte mais próximo. Roxy havia feito algum progresso. Ela não sabia onde se encontrava o Deus Ogro, mas circulavam rumores falsos de que os ogros se preparavam para a batalha em sua ilha. Também disse que Eris estava ansiosa para voltar para mim, pois queria ver Ruijerd. Aposto que estaria, mas eu precisava que ela aguentasse um pouco mais.
Também enviei mensagens para todos a fim de informá-los que os Superd se recuperavam. Tudo foi resolvido em poucos dias. Senti como se estivesse incomodando todo mundo ao chamar todos para a batalha e, em seguida, dispensando-os rapidamente, mas eles teriam que lidar com isso. Depois, coloquei meu anel de disfarce mais uma vez e entrei no círculo de teletransporte que levava à capital do Reino Biheiril.
Zanoba havia instalado o círculo de teletransporte em uma vila abandonada na floresta, a meio dia de viagem da cidade.
No momento em que cheguei, Zanoba se curvou e disse:
— Estava esperando por você, Mestre! — Julie e Ginger estavam com ele.
— Você estava me esperando? — perguntei.
— De fato. Vim imediatamente quando recebi a notícia de que você estava chegando.
Que diligente.
— Isso é perfeito! — Ele continuou. — Agora posso lhe contar o que tem acontecido sem me preocupar com ouvintes indesejados.
— É verdade. Tudo bem, vamos ouvir.
— Devo admitir que não tivemos muito sucesso —, Zanoba confessou. Ele me contou o que eles estavam fazendo. Primeiro, depois de chegar à capital e garantir alojamentos, instalou o círculo de teletransporte nesta floresta. Então começou a coletar informações na capital, onde descobriu que o reino estava organizando um grupo de caça; foi quando enviou seu relatório inicial via pedra de comunicação. Eu já sabia disso. Depois disso, descobriu que o Deus do Norte havia se juntado àquele grupo. Agora estava buscando notícias sobre Geese e fazendo reconhecimento para identificar o Deus do Norte. Isso resumia tudo.
— Então não sabemos nada — resumi.
— Peço sinceras desculpas. Ouvi dizer que o Deus do Norte Kalman Terceiro, era um homem notável, então pensei que o encontraríamos imediatamente, mas não tem sido tão simples…
— Não, não se desculpe. Não estávamos no Reino Biheiril há muito tempo. A equipe de Zanoba havia chegado à cidade, montado o círculo mágico e começado a trabalhar. Fazia apenas uma semana. Era muito cedo para exigir resultados.
— Estamos apenas começando — falei. — Vamos conseguir.
— Tudo bem — respondeu Zanoba.
O fato de o Deus do Norte ter se juntado ao grupo de caça era interessante. Se isso fosse verdade, adoraria entrar em contato com ele. Só que… um cara tão notável não estava em lugar nenhum? Isso me fez suspeitar que ele estava tramando algo. Talvez Geese já o tivesse recrutado. Quando Vita falhou, Geese provavelmente decidiu que o plano todo havia fracassado. Ele perdeu a vantagem e recuou com o Deus do Norte a reboque ou o Vita pode ter sido uma distração, pois caiu muito fácil.
As notícias sobre Vita talvez nem tenham chegado a Geese ainda, mas isso provavelmente era otimismo demais. De qualquer forma, eu ainda tinha o Ruijerd do meu lado. Isso era suficiente para nossa vinda ao Reino Biheiril ter valido a pena.
— Então Mestre, vamos partir? Vou levá-lo até a capital.
— Sim, por favor.
O que eu tenho que fazer não mudou, pensei enquanto partíamos para Biheiril.
A capital do Reino Biheiril me lembrou um pouco o Reino Shirone. Tinha a atmosfera de uma nação de tamanho médio no Continente Central. Este país possuía madeira em abundância, então quase todos os prédios eram feitos com ela. As árvores pontilhavam a cidade. Talvez tenham sido elas que proporcionaram sua atmosfera única. Era noite quando cheguei, o que também dava uma sensação particularmente aconchegante, mas grandiosa. Neste país, eles acendiam grandes braseiros na rua quando escurecia.
Fora isso, nada a diferenciava de qualquer outra cidade. Passamos por pousadas e vendedores ambulantes perto da entrada. À medida que nos aproximávamos do centro da cidade, ela se tornava cada vez mais extravagante, com casas de mercadores dando lugar a mansões da nobreza. Bem no meio havia um castelo construído no ponto de encontro de dois rios, semelhante ao Forte Karon em Shirone e exatamente como o Castelo de Sunomata em Gifu2É um castelo no estilo japonês construído na cidade de Gifu por Toyotomi Hideyoshi, um dos generais de Oda Nobunaga.. Atrás do castelo, do outro lado do rio, ficavam as favelas. Exatamente onde estariam em qualquer outra cidade.
— Certo, precisamos ver o rei.
— Você acha que podemos conseguir uma audiência? — perguntou Zanoba. A autoridade de Sua Majestade, a Rainha Ariel, não se estende a lugares como este…
— Hmm.
Zanoba e eu traçamos estratégias em um quarto que havíamos conseguido na pousada. Este não era o tipo de lugar em que aventureiros ficavam; era um estabelecimento chique que atendia a nobres visitantes das cidades provinciais. Eu não tinha certeza se deveria comentar sobre como as pessoas ricas viviam de forma diferente do resto de nós ou repreendê-lo por fazer algo que poderia chamar a atenção. Não que isso fosse tão evidente a ponto de estragar alguma coisa.
— E se entrarmos furtivamente no grupo de caça? Haverá uma cerimônia de partida onde o rei fará um discurso. Você pode se aproximar dele à força; assim, com certeza terá sua audiência.
— Isso será tarde demais. Se tentarmos pedir um tempo quando o reino já estiver com tudo pronto para partir e já tiverem recebido a ordem de seguir em frente, é possível que decidam prosseguir mesmo assim.
Havia uma ordem para esse tipo de missão. Você montava a equipe, reunia suprimentos de comida, armas e então partia. Se alguém aparecesse no último momento dizendo para você esperem um minuto! havia uma boa chance de não pararem. Não poderiam, afinal, a reputação do reino estaria comprometida com isso.
— Pode ser tarde demais agora, mas quero explicar a ele por que não há necessidade de atacar os Superd.
Eu diria ao rei sobre a existência da Tribo Superd, faria o reino garantir sua segurança e então o grupo de caça poderia capturar alguns Lobos Invisíveis ou o que quer que seja e voltar para casa. Até poderia cobrir uma porcentagem do dinheiro que gastaram com isso. Orsted pagaria uma quantia decente se eu pedisse.
Por isso que gostaria de encontrar o rei o mais rápido possível antes que o grupo de caça partisse. Transmiti isso para Zanoba enquanto eu tentava pensar em uma maneira de fazer isso.
— Vamos tentar ir lá diretamente primeiro. Pode chamar atenção indesejada, mas vou me apresentar como seguidor do Deus Dragão, mencionar o Reino Asura e, se a situação exigir, Perugius. Se isso não funcionar, podemos pensar em outra coisa.
Nenhuma outra grande ideia me veio à mente. Decidimos pedir uma audiência como todo mundo.
No dia seguinte, após o café da manhã, partimos para a área ao redor do castelo. Ele realmente se parecia com o de Shirone, desde o tamanho até a atmosfera… A principal diferença era o número de peças de madeira que esse castelo usava. Isso significa que ele era vulnerável ao fogo, não muito diferente do Zanoba.
— Provavelmente seremos barrados na porta — avisei.
— Tenho certeza de que o nome da Rainha Ariel pelo menos nos garantirá uma reunião.
— O Reino Asura não tem laços diplomáticos com este país… Será complicado se seguirmos os procedimentos adequados.
— Você não vai seguir os procedimentos adequados?
— Não posso segui-los.
Foi inesperadamente difícil conseguir uma reunião com o rei. No passado, eu sempre pulava a maioria das etapas para obter audiências reais. Normalmente, você aproveitava as conexões com a nobreza para conseguir um agendamento, pegava um traje e uma carruagem e entregava documentação para provar quem você era. Então você seria enviado a um funcionário do palácio que se certificava de que poderia ser digno de confiança. Depois disso, eles o colocam oficialmente na agenda do rei e você ia para a câmara de audiências. Esse era o processo. Era uma tarefa difícil se não tivesse as conexões. Isso não significava que era impossível fazer uma visita. Sendo importante o suficiente para que o rei quisesse vê-lo, mesmo um requerente aparecendo do nada poderia conseguir uma audiência. O único problema era que Geese nos encontraria se chamássemos muita atenção. Isso limitava nossas opções. Honestamente, eu provavelmente poderia assumir que fui identificado há muito tempo, já que matei Vita.
— Ok, Zanoba. Não vai adiantar se sairmos juntos, as pessoas certamente começarão a falar. Dohga e eu cuidaremos das coisas a partir daqui.
— Que a sorte lhe sorria na batalha — disse Zanoba. Nos separamos em uma rua movimentada, e fui com Dohga para um posto de guarda perto de um canal. Apesar da hora, os soldados estavam marchando agitadamente. Eles não iriam me prender como uma pessoa suspeita se aparecesse do nada e pedisse uma audiência, não é? Eu estava vestido como um nobre, pelo menos, mas não havia embaixada neste país. Não tinha ideia de qual era a vestimenta apropriada.
Espera aí. Isso não é um posto de guarda. Parece uma recepção.
— Com licença, posso ter um momento?
— Diga o que você quer. — Um homem com um magnífico bigode sentava-se atrás do balcão. Usava uma túnica de aparência oficial, então deduzi que não era um soldado. Precisava elogiá-lo pelos bigodes, já que… deixa para lá, ele só quer saber meu objetivo aqui. Eu deveria dizer a ele pelo que estava aqui.
— Bem, veja, eu estava esperando pedir uma audiência com Sua Majestade o rei…
— Quando?
— Hã? Suponho que hoje. O mais rápido possível, se estiver tudo bem… — Eu sei, sou eu quem está falando, mas esse processo parecia bem suspeito.
Não importa. Eu não tinha nada a perder, então era melhor aceitar que iríamos chamar atenção e seguir os procedimentos adequados.
O homem bigodudo me olhou, depois revirou uma pilha de papéis.
— Um ouro —, ele disse.
— Desculpe?
— Pela audiência. É um ouro. — Uma gorjeta, acho.
— Aqui está.
— Para ter certeza… hã? — O homem olhou intensamente para a moeda que eu lhe dei. Então ele a mordeu. Havia algum problema? Uma falsificação e eu não tinha percebido?
— Isto é dinheiro de Asura, não é?
— Hmm, é sim, este é quem eu sou — falei, mostrando-lhe a insígnia que Ariel me enviou. Ele não disse nada. Isso não era o ideal. Estava me olhando com suspeita agora. A autoridade do Reino Asura realmente não se estendia a essas partes, como Zanoba disse. Isso parecia ruim.
Porém, ele colocou a moeda de ouro no bolso, passou por sua pilha de papéis e preencheu algo, depois entregou a folha para mim.
— Preencha seu nome e o propósito da sua audiência.
— Hum, ok.
— Volte aqui quando o sino do meio-dia tocar.
— Hum. Está bem. Muito obrigado. — Apesar da reação ruim, parecia que minha gorjeta tinha funcionado. Ele passara meu pedido adiante. O dinheiro nos ajudou a superar o primeiro obstáculo. O ouro realmente fazia o mundo girar!
O meio-dia chegou e eu estava na sala de espera da câmara de audiência. Estava nervoso. Fui ao palácio pensando que não havia chance de conseguirmos uma audiência naquele dia, mas o bigodudo da recepção me passou para outro oficial. Eles me trouxeram aqui e, antes que percebesse, eu era o próximo da fila. Logo eles me chamariam para a câmara de audiência. Era como se eu tivesse passado do nível um e encontrasse o chefe final esperando por mim. Tudo estava acontecendo muito rápido. Minha mente estava em branco.
Pare com isso. Controle-se, disse a mim mesmo. Os outros que aguardavam sua audiência me contaram algumas coisas. Neste reino, o rei concedia audiências a qualquer pessoa durante as duas horas após o meio-dia. Havia algumas condições para “qualquer pessoa”, é claro. Primeiro, se quisesse uma audiência, tinha que pagar uma moeda de ouro Biheiril, que era aproximadamente o que uma vila inteira conseguiria juntar com muito esforço de todos. Cada um tinha quinze minutos. Apenas oito podiam entrar por dia. Qualquer pessoa que pudesse pagar poderia ter uma audiência com o rei, oferecer seus pontos de vista, fazer perguntas e pedidos, era a política deste país permitir que qualquer um que tivesse um problema viesse e fizesse sua petição. A taxa as impedia de virem com trivialidades. Suponho que o sistema seja justo. O Reino Biheiril não era um país tão ruim. Claro, provavelmente havia problemas reais em lugares que não podiam pagar uma moeda de ouro também. Por outro lado, se você pudesse pedir diretamente ao rei, qualquer um da rua estaria aqui. Mercadores sórdidos que nunca tiveram a chance de conversar com o rei e os ricos da cidade trariam suas queixas mesquinhas e buscariam ganho pessoal. De qualquer forma, quando chegamos, o rei já estava lotado. Não é sempre assim? A sorte estava do nosso lado, no entanto, e alguém havia cancelado. Que sorte a nossa. Aposto que aquela moeda de ouro de Asura, que valia dez vezes mais do que uma moeda de ouro de Biheiril, não fez mal algum. As pessoas não resistem ao ouro. De qualquer forma, por mais que isso tenha acontecido, as coisas estavam melhorando para nós.
A audiência durava quinze minutos. Não é muito tempo. Não havia necessidade de entrar em pânico, no entanto. Eu tinha apenas duas solicitações. Se revelasse minha identidade e expusesse meu caso de forma clara e concisa, o futuro se iluminaria para corresponder!
— Mestre Rudeus? Por favor, dirija-se à câmara de audiências.
— Eu já volto — falei para Dohga.
— …Uh-huh —, ele grunhiu. Respirei fundo, levantei-me e segui pelo corredor que levava à câmara de audiências. A câmara em si… acho que eu daria um “C”. Não era tão espaçosa, o tapete era sem graça e os oito soldados de pé pareciam entediados. Também não era ornamentada. Não era um lugar majestoso. No entanto, considerando que os plebeus entravam aqui todos os dias, talvez seja o ideal. Não posso culpá-lo pela praticidade. Três estrelas.
Entrei na câmara de audiências, fui para o lugar certo, então ajoelhei-me e abaixei a cabeça.
— É uma honra, Vossa Majestade — falei.
Depois de um tempo, o rei se dirigiu a mim.
— Vejo que você é um homem gentil. Levante-se e diga-me seu nome e objetivo ao vir aqui.
Fiz como ele disse e olhei para cima. O rei era um homem idoso. Parecia cansado, como se não estivesse mais para este mundo. Se me dissessem que ele estava doente, eu não ficaria surpreso.
— Meu nome é Rudeus Greyrat, seguidor do Deus Dragão Orsted, o segundo dos Sete Grandes Poderes.
— Oh, o Deus Dragão, você diz! — O rei não conseguiu esconder sua surpresa. Uma reação positiva. Isso era uma raridade. Acho que este rei sabia quem eram os Grandes Poderes. Talvez isso se deva à sua conexão com os ogros.
— Que negócio um associado dos Sete Grandes Poderes teria conosco… não, com este reino?
— Bem, Vossa Majestade, ouvi dizer que planejam caçar demônios na Floresta Sem Retorno. Estou aqui para solicitar que cancelem.
— Cancelar?
— Sim, Vossa Majestade.
— Por que você pediria isso?
— Porque as pessoas da floresta não são demônios malignos — falei. Depois, contei a ele sobre a Tribo Superd. Eles viviam na floresta desde muito tempo atrás, talvez até mesmo antes do surgimento do Reino Biheiril. Não eram da raça que comumente se acredita serem demônios. No passado distante, os Superd fizeram um contrato com uma aldeia próxima para caçar os monstros invisíveis e manter a área segura. Recentemente, todos eles contraíram uma praga, o que significava que os monstros invisíveis não estavam sendo contidos. Graças aos esforços do Deus Dragão Orsted, se recuperaram da praga e voltaram a caçar os monstros como antes.
Mantive minha explicação breve, mas fiz questão de destacar como os Superd eram boas pessoas.
— Uma raça de demônios, e agora monstros invisíveis também… — murmurou o rei. — Sua história é difícil de acreditar.
— Achei que poderia dizer isso, Vossa Majestade, e por isso vim com uma proposta. A única maneira de entender é ver com seus próprios olhos. Você consideraria enviar alguém, um de seus súditos, para ver a vila com os próprios olhos? — Eu lhes mostraria a vida secreta dos Superd, as mulheres cozinhando, os homens que ganhavam a vida caçando os monstros invisíveis, as crianças que se divertiam jogando bolas no Deus Dragão…
— Hmmm… — O rei acariciou o queixo, considerando. Então ele lentamente balançou a cabeça. — Mesmo se o que você diz é verdade, não posso cancelar o grupo de caça a esta altura. Muitas almas corajosas de todo o país já se reuniram aqui.
— Se Vossa Majestade apenas comunicasse a eles que o “Povo da Floresta” que habita além do Desfiladeiro do Dragão da Terra não são malignos, para que o grupo de caça não os ataque, isso seria suficiente. Os monstros invisíveis existem, por isso humildemente sugiro que eles possam caçá-los em vez disso. Estamos preparados para compensá-lo, caso o ouro seja uma preocupação.
— Hmmm.
Respirei fundo.
— Desde tempos imemoriais, os Superd mantiveram este país seguro em segredo. Mesmo agora, eles não estão pedindo tratamento especial. Apenas desejam ser deixados em paz em uma floresta num canto de seu reino, onde não incomodam ninguém… Se Vossa Majestade os recusar até mesmo isso, se não os quiser em seu reino, então farei os preparativos para a realocação deles pessoalmente.
— Você é um firme aliado desses Superd — disse o rei após uma pausa ponderada.
— Salvaram minha vida quando eu era muito jovem — respondi. O rei acariciou seu queixo. Pela visão periférica, notei um oficial olhando para o relógio. Meus quinze minutos devem estar acabando. Que droga. Isso passou mais rápido do que eu pensava.
— Seu tempo acabou. Por favor, saia da câmara de audiências.
— Imploro que considere meu pedido, Vossa Majestade! Prometo que seu reino não se arrependerá! — Respirei fundo novamente, então dei um passo à frente e me curvei.
— Galixon, Zander! — chamou o rei. Dois soldados deram um passo à frente. Um tinha um bigode grande com as pontas curvadas para cima, o outro um rosto comprido como um cavalo. Eu estava prestes a ser expulso. Pensei que tinha falado bem, mas aparentemente tinha sido rápido demais. Dessa vez, tinha feito besteira. Da próxima vez…
— Vão com este homem e confirmem a veracidade do que ele diz!
— Sim, Vossa Majestade!
Fiquei boquiaberto com o rei.
— T-Tem certeza, Vossa Majestade?!
— Estou enviando com você esses soldados. Saiba que se você mentiu para mim, eu pessoalmente vou liderar o grupo de caça no dia decidido.
Ok, entrei em pânico ali por um segundo, mas ele realmente estava enviando soldados para me acompanhar. Não estava me rejeitando de imediato. Tomaria sua decisão depois de confirmar os fatos. Gostei deste rei. Talvez ouvir petições dia após dia o tivesse deixado mais aberto a sugestões. A credibilidade do Reino Biheiril aos olhos da Corporação Orsted acabou de aumentar. Bom trabalho!
— Obrigado por sua compreensão, Vossa Majestade — respondi. Antes de sair, me curvei mais uma vez.
Tradução: NERO_SL
Revisão: Merovíngio
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