A fortaleza necrosa no Território Gaslow do Continente Demônio era conhecida por ser a mais inexpugnável de todas. Nas profundezas de suas entranhas, nas masmorras pouco utilizadas, residia um prisioneiro.
— Grrrrr!
As mãos da prisioneira estavam presas por algemas e uma bola de metal presa aos seus pés. Ela até ganhou um pijama listrado de azul e branco para usar. Ela parecia lamentável.
— Grrrrr!
O rosnado baixo que ecoou contra as paredes não era a voz da garota. Era seu estômago vazio. Ele rosnou para expressar todo o seu descontentamento, concordando com a frustração que ela sentia diante das atuais circunstâncias. Então, novamente, talvez estivesse apenas vazio.
— Saia!
A porta de sua cela se abriu de repente para revelar duas figuras imponentes, escondidas em armaduras negras como a meia-noite. Eles a forçaram a ficar de pé e a arrastaram para fora. Ela não teve escolha a não ser ir com eles. Um som raivoso e desagradável reverberou pelo corredor enquanto ela arrastava a pesada bola de metal atrás dela. A prisioneira, entretanto, não se importou com o peso. Ela era mais forte do que parecia.
Liderada pelos cavaleiros negros, ela saiu das masmorras. O caminho os levou por um longo corredor e subiu um lance de escadas. Por fim, a viagem terminou na sala do trono da fortaleza.
— Anda logo. Se apresse!
Suas mãos espalmaram suas costas, empurrando-a para frente. Ela tropeçou no espaço circular, iluminado por candelabros roxos. Era o tipo de lugar onde se poderia esperar que a punição de um criminoso fosse executada. Quando ela conseguiu levantar a cabeça, avistou o trono à sua frente. Era um lugar que a prisioneira já havia ocupado no passado, mas agora era uma rei demônio que estava sentado nele.
— Atofe… — murmurou a prisioneira.
A rei demônio estava vestida com a mesma armadura negra da meia-noite que seus subordinados. No momento em que a prisioneira pôs os olhos em Atofe, as suas bochechas ficaram vermelhas de raiva.
— Qual é o significado disto?! — A prisioneira rugiu com toda a força que conseguiu reunir, sua voz irrompendo desde a base de sua barriga muito, muito vazia. Talvez tenha sido isso que lhe deu seu poder.
Em contraste, a rei demônio diante dela – a mais temida em todo o Continente Demônio – apenas ajustou sua postura e fez uma careta para sua prisioneira.
— Que lamentável — disse a prisioneira. — O falecido Necross lamentaria ver você assim!
— Papai me disse para viver como eu quiser! — Atofe gritou de volta.
— Só porque você é uma idiota que não escuta outras pessoas! Ele devia saber que essa era a única maneira de você viver. Ele desistiu de você!
— Eu não sou uma idiota!
A Rei Demônio Atofe ficou absolutamente furiosa, mas a prisioneira não recuou. Em vez disso, ela bufou com uma risada irônica.
— Sem dúvida, você é uma idiota. Uma idiota entre idiotas. Até você deve entender isso. Tudo o que alguém precisa fazer é mostrar algo promissor na sua frente, e você não tem cérebro para pensar duas vezes sobre isso.
Atofe balançou a cabeça vigorosamente.
— Isso não é verdade! Kal disse que eu era inteligente! Que aprendia as coisas rapidamente!
— Atofe, isso era… — A prisioneira fez uma pausa significativa, como se quisesse prolongar o momento. As próximas palavras que ela teria a dizer iriam cortar profundamente, e ela sabia que essas em particular eram aquelas que ela nunca deveria proferir à Atofe. — …apenas lisonja.
— Graaaaaah!
A raiva da rei demônio transbordou. Os cavaleiros negros ao redor voaram até ela, tentando prendê-la no lugar, mas ela os derrubou facilmente. Ainda assim, os cavaleiros negros não seriam dissuadidos. Eles adotaram uma formação semelhante a um scrummage de rúgbi e imobilizaram sua mestre.
O rei demônio agitou os punhos no ar, gritando:
— Sua fracote podre! Eu vou matar você! Vou rasgar você membro por membro! Vou fazê-la engolir essas palavras!
— Sim, sim. Se isso te incomoda tanto, aprenda a contar.
— Graaaaaah!
A provocação da prisioneira provocou o rei demônio a ponto dela reunir seu poder para forçar seus cavaleiros a recuar.
— Lady Kishirika, por favor, pare com essas provocações! Se você continuar provocando Lady Atofe, ela…
— Calem a boca! — Kishirika retrucou para eles. — Só vim com vocês porque vocês me prometeram guloseimas deliciosas, e olha como vocês me trataram! Não ficarei satisfeita até que tenha expressado plenamente minhas reclamações!
Sim, a prisioneira Kishirika foi realmente atraída para uma armadilha. Um deles tirou sua armadura preta, sua marca registrada, e a tentou dizendo: “Garotinha, nós lhe daremos alguns doces se você vier conosco”. Foi assim que ela se encontrou nessa situação.
Era verdade; Kishirika foi quem caiu na promessa de algo promissor sem pensar muito. Ela se apaixonou pela perspectiva de anzol, linha e isca, só depois percebeu que havia sido enganada. Pior ainda, os homens nem sequer cumpriram a promessa. Ela não recebeu nenhuma guloseima!
— Vocês nem me contaram por que me levaram cativa! O que vocês estão alegando que eu fiz de errado? Eu não… — Kishirika hesitou por um momento. — Eu não fiz nada de errado, fiz? — Ela começou a se mexer, esfregando as mãos. Havia muitas possibilidades para descartar. Kishirika se envolveu em todos os tipos de maldade — demais, pode-se dizer. Até ela tinha autoconsciência o suficiente para saber que a maior parte do que ela fazia com seu tempo eram coisas erradas. Não seria muito surpreendente se alguém estivesse com raiva dela por isso.
Para sua surpresa, o rei demônio declarou:
— Hmph! Você não fez nada de errado!
Demorou apenas alguns segundos para sua fúria diminuir. Atofe sabia como era fútil ficar zangada com aquela cativa em particular.
— Então me diga porquê! — exigiu Kishirika. — Não importa o quão irracional você seja, você não é tão malvada a ponto de me capturar sem motivo algum! O único momento que você faz algo assim é quando você tem uma ideia errada sobre alguma coisa, ou alguém te enganou a… — Sua voz foi sumindo quando a compreensão lhe ocorreu. — Então é isso. Alguém enganou você de novo!
— Não! Ninguém me enganou! — Atofe gritou de volta, negando o ataque de Kishirika.
— Isso é o que dizem as pessoas que foram enganadas! Tudo bem então! Se foi isso que causou tudo isso, conte-me tudo. Ainda há tempo. Posso salvá-la antes que seja tarde demais e você faça algo irreparável. Então por que você não remove essas algemas primeiro? — Kishirika estendeu as mãos à sua frente.
Atofe não estava olhando para ela. Ela olhou para longe, perdida em pensamentos.
— Engano é cometido através da conversa. Esse não foi o nosso caso. Lutamos. Lutamos um contra o outro e, no final, admiti a derrota.
— Sua mentirosa! Você quer me dizer que alguém tão ridiculamente competitivo quanto você admitiu a derrota?!
— Aquele que me forçou a admitir minha derrota… é aquele homem ali! — Atofe apontou o dedo na direção de um mago envolto em vestes cinzentas. Ele tinha uma expressão terrível no rosto. O tipo de bajulador e pervertido que se poderia esperar encontrar em um homem que mantinha três esposas esperando por ele em casa. Ou talvez fosse simplesmente porque ele estava se esforçando demais para sorrir.
— É… é você… — Kishirika gaguejou. — Rubeus!
— Perto, mas não exatamente.
— E-eu acho que seria possível, com essa quantidade ridícula de mana que você tem, ser capaz de… — Kishirika estremeceu de medo. Ela encontrou esse mago humano apenas duas vezes no passado. A primeira vez ela riu de quão estranha era a quantidade de mana que ele possuía. Na segunda vez, ela riu de sua habilidade mágica em ser capaz de afastar a Rei Demônio, Atofe.
Ela não estava rindo desta vez. Um homem que pudesse comandar Atofe e convencer a rei demônio a capturar Kishirika não era engraçado. Nem um pouco.
— Hehe. — Mesmo assim, o mago riu enquanto olhava para ela, seus lábios descansando em um sorriso perturbador. — Para dizer a verdade, há algo que quero lhe dar.
— O-O-O que poderia ser? — Kishirika exigiu, sua voz tremendo incontrolavelmente. — Algum tipo de extrema-unção?
— Hahaha, algo muito melhor que isso. — ele riu com vontade e seu sorriso se estendeu ainda mais.
— Eu-eu-eu não serei enganada! Vocês, homens, são sempre assim! Não tente me enganar com sua conversa doce! — Embora Kishirika tentasse resistir a ele, ela não tinha para onde correr. O tremor em sua voz traiu sua forte bravata. Ela começou a examinar a área, procurando algum método de fuga enquanto cruzava as pernas, tentando segurar a bexiga apesar do medo.
— Eu me pergunto se você ainda será capaz de dizer isso depois de ver isso? — O mago baixou a mochila que carregava. Sua mão desapareceu dentro, logo produzindo uma caixa preta.
— Eca! Kishirika gritou. Uma caixa preta?! — Seu terror aumentou só de imaginar o que poderia estar contido lá dentro. O que poderia ser? Não era uma caixa preta comum — Era uma caixa preta-preta. Preto como a meia-noite. Ela sabia que devia haver algo aterrorizante ali! Por que outro motivo seria um tom de preto tão forte?!
— Depois de ter isso, você vai querer fazer qualquer coisa que eu lhe disser.
— O-O que?!
Ele abriu a caixa. Contido confortavelmente dentro estava um objeto em forma de anel do tamanho de um punho. Era dourado com uma estranha camada branca e cremosa. Quase parecia mofo, ela pensou. Todos os pelos de seu corpo se arrepiaram. Por mais assustador que fosse sua forma e cor, ele emitia um cheiro doce e açucarado.
— O-O que é isso? O que… você pretende fazer com isso?
— Haha, isso é o que você faz com isso. — O mago pegou-o na mão e se aproximou, levando o objeto à boca dela. Ao mesmo tempo, dois cavaleiros negros que a flanqueavam foraçaram suas mãos em seus ombros. Não havia escapatória.
— Diga “aaah”.
— N-não… Pare… Paaaaaaaare!
POV RUDEUS
A Grande Imperatriz do mundo demônio, Kishirika Kishirisu, mordiscou o donut que eu trouxe para ela enquanto lágrimas escorriam por seu rosto.
— Algo tão delicioso realmente existe? Eu não posso acreditar nisso…!
Aisha me fez o favor de criar isso, com a ajuda dos ovos frescos e do açúcar que conseguimos no País Sagrado de Millis. Aparentemente, Nanahoshi havia contado a ela sobre isso; através do estudo diligente de Aisha, ela conseguiu recriá-lo. Foi simples reunir os ingredientes necessários, já que nossa casa fazia muitas frituras.
— Eu me esforço para entender isso… Talvez a razão pela qual nasci tenha sido para saborear o gosto desta criação deliciosa!
Já fazia muito tempo desde a última vez que vi Kishirika e, no início, ela estava de péssimo humor. Agora ela parecia perfeitamente bem. Ah, a magia dos donuts! Na verdade, eu pedi a Roxy para experimentar também antes de trazer um aqui, e foi incrivelmente eficaz. Acho que nunca a vi tão feliz antes. Infelizmente, isso significava que perdi para um donut.
Não, não, assegurei a mim mesmo, fui eu quem estabeleceu a rota para que essas mercadorias chegassem de Millis até aqui. Olhando por esse lado, fui eu quem criou aquele sorriso. Sogro, sogra, estou fazendo sua filha feliz, como prometi. Quero dizer, eles também eram donuts da Aisha, mas mesmo assim. A reação de Roxy provou que os donuts eram super eficazes contra demônios.
— Ah…
No entanto, assim como a mana é finita, a magia também era — ou melhor, o número de donuts. Ao comer doze deles, Kishirika me olhou com grande tristeza.
— Isso é realmente tudo que você tem…?
— Sim.
Houve um longo silêncio.
— Se você me der mais, eu lhe concederei qualquer coisa que deseje. O que acha?
— Essas são precisamente as palavras que eu queria ouvir. — abri um sorriso para ela.
Os olhos de Kishirika se arregalaram em choque. Ela passou os braços em volta do corpo de forma protetora.
— Khh… Então é o meu corpo que você quer, afinal. Não importa quão deliciosa seja a comida que você oferece, este corpo pertence a Badi, mas depois de me presentear com algo tão suntuoso, eu… Khh!
— Atualmente estou mantendo um voto de abstinência, então não há necessidade disso — falei a ela.
— Sério? Abster-se demais faz mal ao corpo, você sabe.
— Bem, se eu não conseguir resistir mais, vou pedir a uma de minhas esposas.
— Esposas? Ah, isso mesmo. Você já é casado. Que coisa, mas vocês, filhos dos homens, amadurecem rápido…
Independentemente disso, não vim até aqui para bater papo. Havia algo que eu precisava perguntar a ela. Corria o boato de que Kishirika daria uma recompensa àqueles que trouxessem comida para ela, e foi por isso que obtive esses donuts de Aisha.
— Primeiro, Lady Kishirika, peço-lhe que use seu poder para me dizer onde Geese está.
— Oh? Geese, você disse?
Eu concordei.
— Sim. Suas características mais marcantes são… — continuei descrevendo as características o melhor possível, incluindo o que eu acreditava ser seu verdadeiro nome. Pelo menos foi como ele assinou a carta para mim.
— Hum, sim, sim. Eu sinto que já ouvi falar dessa pessoa antes… Espere um momento.
Ela usou seu olho, enquanto o creme ainda manchava generosamente seus lábios. Seu olho girou no lugar, quase como uma máquina caça-níqueis, até mudar para aquele que ela pretendia usar, parando de repente. Este olho em particular era conhecido como Olho que Tudo Vê. Com isso, ela olhou para longe, franzindo o rosto.
— Oh? Hm… Isso é… Ah, sim, parece delicioso. — ela murmurou para si mesma enquanto continuava a examinar a distância até que finalmente congelou. — Encontrei ele.
Aquilo não demorou muito.
— Ele está no extremo leste dos Territórios do Norte, no Reino de Biheiril. Ali, nas profundezas de uma floresta, ele parece estar conversando com alguém. Que coisa, mas o homem tem cara de vilão — comentou Kishirika antes de rir. Ela se inclinou um pouco mais na direção em que o encontrou, compelida pela curiosidade. — Agora, vamos ver… com quem ele está falando… Hm? — Sua expressão instantaneamente ficou nublada. — Não consigo mais vê-lo.
A expressão de Kishirika de repente ficou mortalmente séria quando ela fechou os olhos. Ela inclinou a cabeça para trás, deixando os olhos descansarem por alguns momentos. Apenas alguns segundos depois ela finalmente os abriu novamente.
— Essa sensação… sim, eu conheço isso. Seu inimigo atual é o Deus-Homem… correto?
A atmosfera jovial e travessa que ela costumava ter desapareceu, substituída por algo mais solene e reservado. Ainda assim, respondi sua pergunta honestamente.
— Sim.
— E se você está lutando contra o Deus-Homem, isso deve significar que você se aliou com o Deus Dragão?
Eu hesitei por um momento antes de dizer.
— Sim.
— Hmm… — Kishirika cruzou os braços e abaixou a cabeça, fazendo uma pose pensativa. Depois de vários segundos, ela olhou de volta para o céu, como uma alma pensativa olharia diretamente para a lua. É verdade que estava um dia ensolarado, com nada além de algumas nuvens cruzando o vasto céu azul. — E Atofe, você se aliou com esse garoto?
— Sim.
— Então é isso. Suponho que isso deva ser o destino.
Kishirika não estava sendo a típica tola e brincalhona. Na verdade, ela parecia mais uma sábia. O que diabos estava acontecendo com ela? Alguém colocou algo suspeito naqueles donuts?
— Lady Kishirika, quer dizer que conhece o Deus-Homem? — perguntei.
— Sim. Nós dois temos um pouco de história. Falando francamente, gostaria de evitar me envolver com ele novamente.
Inclinei minha cabeça.
— Uma história?
— Nada tão notável. Só que há apenas 4.200 anos, ele manipulou a mim e Badigadi. Ele estava atrás da cabeça de Laplace.
Quatro mil e duzentos anos atrás…? Ela estava se referindo à época da Segunda Grande Guerra Humano-Demônio, certo?
— Se bem me lembro, foi quando o Deus Lutador lutou contra o Deus Dragão — falei.
— Claro que é. Badi usou a Armadura do Deus Lutador para me proteger e enfrentou o Rei Dragão Demoníaco, Laplace.
Fiquei boquiaberto.
— Espere… Badi como Sua Majestade, Badigadi?
Meu choque foi imensurável.
Isso significava que Badigadi era na verdade o Deus Lutador o tempo todo? Orsted nunca me contou nada sobre isso, embora eu sentisse como se já tivesse ouvido algo semelhante em algum lugar antes… Ah, Randolph, eu acho. Então o que ele disse era verdade? Na época, não consegui determinar se ele estava falando do mesmo cara ou não.
— Já faz muito tempo que ele perdeu a Armadura do Deus Lutador… Mas se Badi aparecer, é melhor ter cuidado. Ele ainda se sente em dívida com aquele Deus-Homem podre depois de todo esse tempo. Ele pode acabar sendo seu inimigo.
Depois de uma longa pausa, balancei a cabeça.
— Tudo bem.
Badigadi era um homem muito alegre e inteligente. Eu não queria lutar com ele se pudesse evitar. Ainda assim, tive que fazer uma anotação mental de que ele poderia acabar do outro lado. Se fosse possível, eu esperava que ele esquecesse qualquer dívida que sentisse e se juntasse ao nosso lado.
— Bem, já que você tem Atofe ao seu lado, duvido que Badi seja páreo para você no estado atual dele. No entanto, eu pediria que você poupasse a vida dele, se puder — disse Kishirika.
Badigadi era o irmão mais novo de Atofe e noivo de Kishirika. Família, em outras palavras. Os demônios eram bastante rápidos em deixar de lado os ressentimentos de acordo com minha experiência, mas não tão magnânimos a ponto de ficarem quietos enquanto sua família era assassinada.
— Muito bem — concordei. — Embora ele não seja alguém que possa ser morto facilmente em primeiro lugar.
— Não, ele não é. O ponto forte dos demônios imortais é a sua tenacidade. — Enquanto falava, Kishirika lançou um olhar furtivo para Atofe. Esta última adotou uma postura orgulhosa, mas tive a sensação de que Kishirika não a estava exatamente elogiando. — E também… chegue um pouco mais perto. — Ela me chamou com a mão.
Obedeci e me inclinei. Ela levou a mão à boca, provavelmente para sussurrar para mim.
— Aproxime um pouquinho seu rosto.
— O que foi?
— Aqui, pegue isso! — De repente, ela enfiou os dedos no meu olho esquerdo. Dor indescritível percorreu toda a órbita.
— Gaaaaaah! — gritei a plenos pulmões, tentando instintivamente me afastar. Ela me agarrou pelos cabelos, prendendo-me para que eu não pudesse fugir. Eu estava usando minha Armadura Mágica — a Versão Dois — então para onde eu poderia correr?! Essa maldita dor!
Oh, espere, eu sei o que é isso. Talvez seja bom não correr.
— Oh? Decidiu se comportar?
Eu de bom grado a deixei fazer seu trabalho. Foi doloroso, com certeza, uma dor latejante e lancinante atingiu todo o meu cérebro. Isso aconteceu sem aviso, e ela estava mexendo no meu olho, mas pelo menos eu sabia o que ela estava fazendo. Eu já tinha passado por isso antes com meu primeiro olho.
— Pronto, terminei — declarou ela, finalmente tirando os dedos.
A dor intensa e avassaladora permaneceu, e eu não conseguia ver nada no olho que ela havia mexido. No entanto, isso não era motivo para pânico. Eu sabia por experiência passada que isso não era permanente.
— É minha política pessoal recompensar uma pessoa com um olho sempre que ela me oferece algo delicioso — explicou Kishirika.
Eu não disse nada em resposta.
— Este será o seu segundo olho.
Pressionei a mão sobre meu olho esquerdo enquanto a dor diminuía lentamente e me ajoelhei na frente de Kishirika.
— Não estou nem um pouco preocupada com essa sua batalha, mas tenho algumas questões a resolver com o Deus-Homem depois do que ele fez. É por isso que estou dando isso a você como presente de despedida.
Tirei a mão do olho. Minha visão dobrou. Foi uma visão chocante, como se eu estivesse segurando a palma da minha mão sobre um dos olhos, dando-me duas coisas diferentes para olhar ao mesmo tempo. Rapaz, isso ia causar algumas dores de cabeça.
— É um Olho de Visão Distante. — Kishirika me informou. — Tudo o que isso permite é ver à distância, mas deve ser útil.
Um Olho de Visão Distante, hein? Eu testei fechando meu olho direito e concentrando mana no esquerdo. Funcionou da mesma forma que meu olho direito; ajustando a quantidade de mana que usei nele, pude olhar para um horizonte distante.
Olhei para baixo e minha visão passou pela fortaleza até a entrada, onde um dos cavaleiros negros havia tirado o capacete para coçar o topo da cabeça. Movi minha cabeça e concentrei mana no olho novamente. Minha visão brilhou, subindo pelo céu, olhando para longe. Era quase como uma câmera com função de zoom.
Em seguida, vi uma cratera com uma cidade aninhada no meio. No entanto, não consegui distinguir toda a cidade. Quando tentei olhar ainda mais longe, concentrando mais mana em meus olhos, descobri que minha visão não conseguia ir além de algumas montanhas. Pude distinguir os padrões detalhados nas rochas da montanha e uma Grande Tartaruga que ergueu a cabeça num bocejo, mas não mais longe. Se houvesse algo obstruindo minha visão, minha visão pararia aí.
Cortei o fluxo de mana para o meu olho e imediatamente ele voltou à minha visão normal. Este novo olho demoníaco apenas me permitiu ver mais longe. Não era incrivelmente poderoso nem parecia particularmente fácil de usar. Mesmo assim, já estava pensando em cenários onde isso poderia ser útil.
— Do jeito que você está agora, dois olhos demoníacos não devem ser difíceis para você lidar.
Eu disse a ela com sinceridade e gratidão.
— Obrigado.
— Sim, sim. Pois bem, Rudeus! Sinta-se à vontade para contar comigo novamente caso precise de mim! Desde que não envolva o Deus-Homem, ficarei feliz em ajudar! — Kishirika soltou agilmente as algemas de suas mãos e depois baixou a lateral da mão em um movimento cortante, removendo a bola e a corrente que pendia de suas pernas. Finalmente, ela arrancou o pijama listrado que foi forçada a usar, revelando sua roupa habitual estilo bondage.
— Adeus, então! Estou indo… bwah?! — Kishirika saltou no ar, com a intenção de escapar, mas caiu de cara no chão graças ao aperto firme que Atofe tinha em seu tornozelo.
— Espere — disse Atofe.
— O que você quer? Você tem coragem, interrompendo minha saída tranquila. Sangue escorria do nariz de Kishirika. Ela encarou Atofe com um olhar furioso.
Atofe olhou para ela, nem um pouco incomodada.
— Faça-me um favor também.
— O que você quer? Você me levou cativa sem motivo e me jogou na prisão. Não farei nenhum favor a você. Solte-me. Xô, xô! — Ela deu um tapa na mão de Atofe, usando a outra para limpar o rastro vermelho que escorria de seu nariz.
Atofe não era alguém que fosse rejeitada tão facilmente. Ela agarrou Kishirika pelo colarinho. O aperto de Atofe apertou ainda mais o top de couro, levantando-o levemente para revelar seus seios planos por baixo.
Ah! Eu balancei minha cabeça. Não, sou Rudeus, o Abstinente. Devo resistir a tal tentação! Ah!
— Diga-me onde estão Al e Alex. Rudeus precisa de lutadores fortes ao seu lado, certo? Esses dois seriam perfeitos para isso.
— O quê? — Kishirika franziu a testa. — Eu dei a recompensa a Rudeus há pouco e contei a ele a localização de alguém. Eu até dei a ele um Olho Demoníaco como um agradecimento especial. Não posso dar mais.
Al e Alex? Eu tinha certeza de que esses eram apelidos dos dois Deuses do Norte sobreviventes. As pessoas próximas a eles tendiam a chamá-los por esses apelidos. Não me lembrava de ter contado a Atofe que estava procurando aqueles dois, mas eles eram a família dela. Talvez ela não precisasse de nenhum estímulo para mencioná-los.
— Diga-me — exigiu Atofe.
— Eu já te disse, não!
Kishirika parecia pouco disposta a atender ao pedido de Atofe. Foi bom ter descoberto a localização atual de Geese, mas ainda não sabia nada sobre o que ele estava planejando. Eu precisava aumentar meu número de aliados, se possível. Precisávamos de toda a ajuda que pudéssemos conseguir.
Se for possível, hein? Uma ideia de repente me veio à mente. Isso mesmo. Eu tenho isto! De repente me lembrei do sinistro anel em forma de caveira em meu dedo, o anel de Randolph.
— Senhora Kishirika? Minha senhora, por favor, dê uma olhada nisso. — Pedi a ela.
— Hum? O que é isso? Sinto como se já tivesse visto isso em algum lugar antes… e isso me dá uma má premonição.
— Considere isso um pedido de Randolph.
— Hum… Randolph, hein? Eu me lembro agora. Esse era o anel dele! A expressão dela era quase teatral; toda a cor havia desaparecido de seu rosto. — Agora entendo, sim. O pedido dele, não é? Ele certamente cuidou de mim. Sempre me perguntei por que, cada vez que ele fazia isso, ele dizia: “Você pode me retribuir por isso mais tarde. Em algum momento no futuro, certo? Kehehe!” Tudo com aquela risada perturbadora. Cada vez que eu via aquele sorriso, tremia de medo, imaginando que coisa vil ele me pediria.
— Faça o que pedimos e você poderá considerar todas as suas dívidas com ele pagas.
Seu rosto se iluminou.
— Todas elas, você diz? Bem, acho que não tenho escolha! Sim, espere só um momento! — Mais uma vez, ela voltou os olhos para o ar vazio. Demorou apenas alguns segundos de busca antes que ela encontrasse o que procurava.
Ela é um mecanismo de busca útil, pensei.
— Eu não sei sobre Al. Ele parece estar em algum lugar de Asura, eu acho, mas a mana lá é espessa. Ou ele está usando algo para bloquear minha capacidade de vê-lo. De qualquer forma, está tudo embaçado. Alex está andando por uma estrada. Parece que ele está indo na direção do Reino Biheiril.
— Ele está agora? Perfeito. Rudeus, quando você for ao Reino Biheiril, procure um homem chamado Alexander. Ele deve poder lhe emprestar sua força — disse Atofe.
— Tudo bem.
Deus do Norte Kalman Terceiro estava indo para o Reino de Biheiril? O mesmo lugar que Geese estava? Eu tive que me perguntar se isso poderia ser uma coincidência. Não, conhecendo o Deus-Homem, ele perceberia que Kishirika iria rastrear Geese, certo? Então estava fadado a ser uma armadilha. Só poderia ser isso.
— Agora, isso é tudo, certo? Eu irei agora. Todos os meus membros estão livres, ninguém colocou as mãos em mim, certo? Bom então. Estou fora! Fwahahaha! Fwahahahahaha! Fwahaha! Fwahaha!
Atofe ficou ali com os braços cruzados sobre o peito. Kishirika desapareceu atrás dela, deixando-me contemplar todas as informações que ela me deu. Sua risada estridente ecoou continuamente, ficando cada vez mais fraca, até desaparecer completamente.
Tive a sensação de que ela se deixou apanhar de propósito. Ela realmente era como uma tempestade, entrando e saindo inesperadamente. Quaisquer que fossem os seus motivos, esta visita tinha sido frutuosa. Eu tinha um Olho da Visão Distante recém-implantado e algumas informações muito úteis.
Separei-me de Atofe e voltei para Sharia. Foi uma visita produtiva; Eu sabia a localização de Geese e sabia que o Deus do Norte Kalman Terceiro, uma das Sete Grandes Potências, também estava indo para aquele local. Estranhamente, nem a localização precisa do Deus da Espada nem do Deus do Norte Kalman II foi fácil de determinar.
Eu tinha um mau pressentimento sobre isso.
A verdadeira questão é: e agora? Se possível, eu queria diminuir meu número de inimigos e aumentar meu número de aliados. Se Geese sentisse minha presença em algum lugar próximo, suspeitei que ele fugiria. A única situação em que ele não o faria seria se já tivesse reunido uma quantidade substancial de força ao seu lado. Nesse caso, seria mais sensato eu correr.
Hmm… Talvez a coisa mais prudente seria explorar adiante. Eu poderia usar esse tempo para destruir sua rota de fuga, espalhar minhas próprias unidades e encontrar uma maneira de encurralá-lo.
Era uma pena que Kishirika tenha desaparecido tão cedo. Com ela eu poderia ter conseguido um relato mais detalhado da situação ali. Não há alguma maneira de convencer aquele pequeno e conveniente mecanismo de busca a permanecer no mesmo lugar por um tempo? Se eu fizesse uma fábrica de donuts e enviasse seus produtos diretamente para um esconderijo que preparei para ela, isso poderia funcionar.
Voltei para casa enquanto pesava minhas opções.
— Oh, bem-vindo de volta, miau.
— Nós mesmas estávamos voltando. Que coincidência.
Ao retornar, encontrei Linia e Pursena. Era raro ver as duas aqui assim. As duas estavam ocupando o sofá da minha sala, sentadas orgulhosamente como se fossem as donas do lugar.
Não, não são elas que parecem arrogantes, corrigi-me. Essa seria Eris. As duas mulheres-fera estavam descansando a cabeça no colo de Eris, deixando-a acariciar suas orelhas. Elas eram completamente submissas às suas carícias. Era como uma cena de harém.
— Bem-vindo ao lar — disse Eris. Ela continuou a acariciar as duas mulheres-fera, sem se incomodar com meu olhar.
— Chefe — disse Linia —, tenho um relatório para você, miau.
— São boas notícias — acrescentou Pursena.
Nenhuma delas tentou se desvencilhar. Na verdade, suas gargantas pareciam vibrar, ronronando com toda a atenção. Eris tinha as duas enroladas no dedo.
— Aqui está. — Pursena permaneceu na mesma posição enquanto me entregava uma única carta.
Não é um comportamento muito profissional, mas vou deixar passar, pensei.
— Chegou um relatório do leste, miau. Disseram que encontraram alguém exatamente igual àquela estatueta: cabelo verde, uma joia vermelha na testa. Um Superd. Pelo menos era isso que estava escrito, miau.
— Oh! Realmente?! — Peguei a carta com entusiasmo e revisei o conteúdo.
O relatório era incrivelmente preciso. Narrava a descoberta de um comerciante estrangeiro fazendo um acordo com um homem. O homem tinha uma arma: uma haste branca com um pano cobrindo a ponta. Ele usava uma faixa blindada sobre a testa e estava envolto em vestes grossas com um capuz puxado sobre a cabeça para esconder os olhos. Foi só graças a uma súbita rajada de vento que seu cabelo verde foi visto; também expôs as roupas humanas escondidas sob seu espesso casaco. O homem se movia discretamente, tentando evitar a atenção das pessoas enquanto comprava alguns remédios. Nosso informante não conseguiu confirmar qual medicamento havia comprado, mas a aparência do homem combinava muito com Ruijerd.
— O quê? — Engoli em seco ao ler a última linha do relatório.
Local da Descoberta: Reino de Biheiril, cerca de meio dia a oeste de sua segunda maior cidade, Irel, em um vilarejo próximo ao vale florestal da Serpente da Terra.
Reino Biheirel. Era a terceira vez que ouvi esse mesmo local em um único dia. Não importa o quão denso eu fosse, até eu percebi o que estava acontecendo aqui.
— Agora eu entendi…
Geese, Deus do Norte Kalman Terceiro e Ruijerd. Não havia como tudo isso ser uma coincidência. Algo estava definitivamente prestes a acontecer no Reino Biheiril. Não, isso não estava certo. Geese estava tentando fazer algo acontecer.
Era possível que esta carta fosse em si uma das armadilhas de Geese. Ele pretendia usar Ruijerd como escudo contra mim? Ele já havia conquistado Ruijerd para seu lado? Eu não tinha ideia de qual era, mas iria descobrir. Se houvesse a possibilidade de Ruijerd estar em perigo, então eu iria. Eu tinha que ir.
O tempo de preparação acabou. Era hora do confronto.
Tradução: Bucksius
Revisão: Míni
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