Fortaleza Flutuante, quinquagésimo andar do subsolo. Imediatamente após sair da escadaria, encontramos um amplo hall de entrada e, no meio dele, um círculo mágico.
O círculo de teletransporte.
Embora fosse semelhante a qualquer outro círculo de teletransporte que eu pudesse lembrar, algo nele parecia estranho.
Para começar com o óbvio, era enorme. Provavelmente cinquenta metros de diâmetro e cerca de um metro de altura. Era composto por lajes de pedra com aproximadamente um metro quadrado de área e dez centímetros de espessura. Em qualquer ponto do círculo, havia dez delas empilhadas uma sobre a outra, formando o contorno do círculo.
Um enorme arco se estendia sobre ele, e a parte inferior havia sido gravada com marcações apertadas. Estas presumivelmente faziam parte de um círculo mágico. Era, notavelmente, um círculo mágico tridimensional. O nome bidimensional já não se encaixava mais. Era mais uma espécie de dispositivo ou aparelho mágico.
— Cliff ficaria perturbado se visse isso…
Essa foi a opinião de Zanoba. Eu havia voltado e o trouxera, já que envolvia círculos mágicos. Isso estava muito além do que Zanoba ou eu poderíamos desenhar. Seria difícil até mesmo para Roxy, que recentemente se dedicara a estudar tudo o que podia sobre círculos mágicos. Talvez Cliff pudesse… mas ele não tinha experiência em desenhar algo dessa magnitude.
— Uma obra de arte — comentou Perugius. Ele erguia a cabeça como se o próprio tivesse construído o aparato.
Talvez não tenha sido totalmente egoísta. Deve ser muito gratificante ver alguém que você ensinou criar uma obra-prima. Sem mencionar que Perugius provavelmente esteve envolvido com o design e a construção.
— O que você diz, Orsted? — perguntou Perugius.
— Isso é um grande progresso… Estou surpreso.
Orsted estava de volta novamente do nada. Quando ele tinha chegado aqui?
Um círculo mágico tridimensional composto por vinte e cinco mil lajes de pedra. Isso era algo que nem mesmo Orsted, em todas as suas vidas, jamais tinha visto antes. Os autômatos deixados para trás pelo Rei Dragão Maníaco eram compostos por talvez cinquenta peças no máximo, nenhuma delas muito grande. Nanahoshi construiu este círculo mágico como se as limitações de tamanho não fossem levadas em consideração.
— Como eu suspeitava. Olhe para cima, na direção daquele arco.
— Isso faz parte do círculo? Não parece conectado.
— Oh, mas é. Aquilo é um dispositivo para confirmar um teleporte bem-sucedido. Você está ciente de que círculos de teletransporte deixam pequenas quantidades de mana para trás após o uso, não está?
— Sim.
— Bem, isso muda com base no tipo de círculo de teletransporte. Ao mensurar essa mana, podemos avaliar se o teleporte para outro mundo foi bem-sucedido.
— Você pode fazer isso?
— Hmph, e pensar que chegaria o dia em que eu teria algo para ensinar a um estudioso como você.
— Você me superestima. Eu aprendi tanto com você quanto ofereci.
— Hum. Lisonjas. Você sabia de tudo desde o momento em que te conheci.
Perugius e Orsted estavam tendo uma conversa amigável. Perugius parecia estar se vangloriando por finalmente superar Orsted, mas Orsted soava como se estivesse relembrando os velhos tempos – talvez com apenas um toque de dor em sua voz.
— Rudeus.
Nanahoshi virou-se e veio até mim.
— Começaremos enviando coisas simples. Depois, vamos examinar os traços de mana do círculo de teletransporte para verificar se houve teleporte para o outro mundo. Se isso funcionar, passaremos para teletransportar animais vivos e, finalmente, eu. Entendido?
— Claro, mas eu não quero causar outro incidente de deslocamento, tudo bem?
— Vai dar certo. Confie em mim, ficaremos bem.
Nanahoshi repetiu que as coisas ficariam bem duas vezes, o que não era reconfortante. Ela me entregou um relatório detalhado antes, mas o número de páginas era tão grande que eu nem conseguia dar uma olhada rápida. Era reconfortante saber que Nanahoshi havia conduzido experimento após experimento para garantir que outro incidente de deslocamento não ocorreria. Sylphie e eu até ajudamos em alguns.
— Tem certeza?
— Afirmativo.
Bem, a determinação dela parecia firme o suficiente.
— Tudo bem, vamos fazer isso.
— Certo. Primeiro, começaremos com uma maçã…
Nanahoshi deve ter preparado isso antecipadamente. Ela pegou uma maçã de uma cesta no canto da sala. Em seguida, subiu no aparato, foi até o meio e colocou a maçã bem no centro.
— Lorde Perugius, se você puder.
— Muito bem.
Perugius se moveu para o lado oposto do círculo mágico. Ele não estava sozinho; seus servos se espalharam para cercar o perímetro, espaçados uniformemente. Sylvaril dirigiu-se para a base do arco.
— Rudeus, aqui.
Segui as instruções de Nanahoshi e fiquei em um ponto exatamente oposto ao de Perugius. Lá, vi dois espaços em forma de mãos que supus serem destinados a mim.
— Quando eu der o sinal, comece a injetar mana. Tanto quanto puder.
— Pode deixar.
Fiz como me foi dito e coloquei minhas mãos dentro. Algo em tudo isso era estranhamente emocionante. Olhei para Sylphie e a encontrei encarando com admiração o enorme aparato e conversando sobre algo com Zanoba. Ela tinha um conhecimento superficial de círculos mágicos, então devia estar interessada.
Eris não participava da conversa deles; em vez disso, olhava confiantemente para o arco em sua pose habitual. Acho que ela gostava de coisas grandes. Atrás dela, Orsted permanecia imóvel.
— Lorde Perugius! Por favor, assuma sua posição!
— Muito bem.
Ah, ops, preciso me concentrar. Quer dizer, não é como se eu estivesse fazendo muito além de injetar mana, mas ainda assim.
— Agora… Comecem.
Perugius e seus servos colocaram suas mãos no círculo mágico ao mesmo tempo. A borda do círculo começou imediatamente a piscar. Apenas a borda, no entanto. Os detalhes finos da borda do círculo mágico se iluminaram intensamente, mas a área perto do centro permaneceu escura. Seria isso um fracasso?
— Rudeus.
— Certo.
Após ouvir isso, comecei a injetar mana das minhas mãos. De repente, minha mão direita parecia estar grudada no aparato. Senti que estava sugando uma enorme quantidade de mana. O que eu não entendia era por que isso só acontecia com a minha mão direita. Estava fluindo também da minha mão esquerda, mas era uma sensação muito mais fraca. Eu deveria fortalecer o fluxo da minha mão esquerda?
No momento em que essa ideia cruzou minha mente, a quantidade de mana que estava sendo sugada pela minha mão esquerda aumentou drasticamente. Por outro lado, a quantidade da minha mão direita diminuiu. Direita, esquerda, direita, esquerda. A intensidade com que sugava mana alternava. Se eu me concentrasse na sensação, conseguia perceber como a saída de mana diferia para cada palma e ponta dos dedos.
Não parecia mecânico; eu podia sentir algo humano na extração. Quem estava controlando… Perugius, huh? Sua expressão não mostrava, mas eu acho que havia mais em seu papel do que apenas inicializar a coisa. Ele também dirigia seus assistentes. Essa máquina mágica não era automática depois de ser inicializada; precisava ser operada.
As linhas do círculo mágico começaram a ganhar vida lentamente. Elas mudaram de cor de azul para verde e depois para branco, à medida que sua luminosidade dominava a sala. Logo, estava tão brilhante que não consegui mais manter os olhos abertos. Será que era apenas o círculo mágico iluminando a sala assim? Eu nunca tinha visto algo assim…
Não. Eu tinha. Uma vez. Isso era exatamente como o incidente de deslocamento…
Blip.
Com aquele som, a luz desapareceu.
Mas nem toda.
O arco. Apenas o arco continuou a iluminar fracamente a sala e a área diretamente abaixo dele — o centro do círculo mágico. O lugar onde a maçã estava. Lá, algo permanecia. Algo azul-pálido. Pontos azuis-pálidos flutuavam para cima do círculo como bolhas antes de desaparecerem no ar.
— O experimento foi bem-sucedido — disse Sylvaril.
— …
Ninguém respondeu. Ela continuou seu trabalho como se isso fosse completamente normal. Ela anotou algo em um pedaço de papel próximo.
— Agora começaremos a analisar a mana residual para aprimorar nossa precisão em relação ao outro mundo. Já temos dados sobre esse assunto, então duvido que isso leve muito tempo.
Enquanto ouvia a explicação de Nanahoshi, eu retirei minhas mãos do dispositivo mágico.
— Rudeus, você está bem?
A pergunta me fez lembrar da sensação de minha mana sendo sugada. Aquilo… foi apenas uma ativação e esgotou aquela quantidade de mana em apenas um ou dois minutos. Mais algumas sessões como aquela me deixariam completamente drenado.
— Estou bem, mas não consigo fazer muitas vezes.
— Entendo… Bem, bom trabalho. Estamos planejando seguir a um ritmo de uma ativação a cada dia ou dois, então você pode descansar hoje.
Nanahoshi me agradeceu com uma reverência e correu até Perugius. Ela fez anotações enquanto consultava a equipe de pesquisa. Provavelmente, ela iria compilar os dados em um relatório e aplicá-los ao próximo experimento.
O sistema de teletransporte entre mundos em si estava funcional. Tudo o que restava era completar o arco, analisar esses traços de mana e, aos poucos, avançar em direção a objetos que fossem mais fisicamente parecidos com Nanahoshi.
Essas etapas finais deveriam levar cerca de um mês. Perder tanto tempo enquanto Geese estava à solta não era ideal, mas era o que era. Eu pensei nisso como começar do zero para compensar por não ter feito de Perugius um aliado mais sólido anteriormente.
Duas semanas se passaram. Eu ia e voltava entre minha casa e a fortaleza flutuante para ajudar nos experimentos.
Gastei muita da minha mana para esses testes, a ponto de duvidar se conseguiria recuperar tudo até o dia seguinte. Decidi limitar o uso diário da minha mana o máximo possível, conservando-a para os experimentos caso fôssemos atacados inesperadamente.
Com minha decisão de levar as coisas com calma, tudo… ficou bem mais tranquilo.
Isso não quer dizer que eu não tinha nada para fazer. Conversei com Zanoba sobre a gestão das vendas de bonecos; falei com Roxy sobre potenciais melhorias para a Armadura Mágica. Troquei informações com colaboradores ao redor do mundo por meio de um tablet. Planejei estratégias com Orsted sobre planos que ainda não havíamos consolidado. Várias coisas. Eu não estava ocioso. No entanto, comparada a correria contínua do último ano e meio, era como um passeio no parque.
Vários pedidos para minha contribuição na gestão do Bando Mercenário ou nas vendas de bonecos – seja o que for – chegavam até mim através do tablet de contato, mas aqui eu tinha mais especialistas com quem podia consultar. Eu não precisava decidir sozinho. Além disso, não estava perdendo tempo viajando, então conseguia ver meus filhos antes de todos irem para a cama. Conversava sobre meu dia com Zenith enquanto ela lia minha mente, falava com Elinalise sobre Cliff sempre que ela aparecia, ajudava a ensinar Lara a falar, auxiliava Lucie nos estudos, fazia Arus chorar e trocava as fraldas de Sieg.
Isso devia ser o que um workaholic crônico sentia ao tirar suas primeiras férias prolongadas em anos. Eu estava começando a entender por que Orsted tinha ficado perto de Sharia ultimamente.
Havia momentos em que eu me preocupava por não estar fazendo o suficiente, mas todos precisam de um descanso. Talvez a melhor maneira para me preparar para os desafios à frente fosse dar uma pausa.
A única coisa que teria tornado esses dias melhores seria participar de um pequeno deleite antes de dormir, mas eu era um bom garoto. Tinha um objetivo que exigia resistir a esses desejos, então eu superei.
Um mês completo passou, e os experimentos chegaram ao fim antes que eu percebesse. Todos ocorreram da forma mais suave possível. Conforme os experimentos avançavam, passamos de enviar frutas ao outro mundo para enviar animais vivos. Enviamos animais progressivamente maiores, sendo necessário ajuste após ajuste para o círculo mágico em cada caso.
Eventualmente, enviamos um cavalo, facilmente três vezes o tamanho de Nanahoshi, para o outro mundo. Verificamos os resultados registrados pelo arco. Dizia que o cavalo foi enviado “para o outro mundo em uma massa de terra entre dez e trinta metros acima do nível do mar”.
Uma massa de terra entre dez e trinta metros acima do nível do mar. Isso era um alvo que estávamos definindo do nosso lado. Não era como se pudéssemos dizer em que fronteiras nacionais enviamos o cavalo a partir da mana residual. As únicas configurações dos círculos mágicos deste mundo que poderíamos aplicar ao outro mundo eram se o destino era mar ou terra e a altitude do destino. Mesmo assim, essas configurações por si só realmente diminuíam as chances de você morrer instantaneamente ao chegar lá.
Embora o chamássemos de “outro” mundo, não sabíamos se era o mesmo mundo que Nanahoshi e eu conhecíamos. Claro, estávamos invocando coisas como garrafas plásticas de lá, então a probabilidade era bastante alta. Mas isso não era uma garantia. Ainda era possível que esse outro mundo fosse completamente diferente daquele que conhecíamos, apenas se assemelhando a ele.
Mesmo que fosse o nosso mundo, a configuração vaga de “massa de terra entre dez e trinta metros acima do nível do mar” ainda tornava mais provável que o destino seria outro país. Além disso, a viagem de volta seria a pé. Se alguém fosse teleportado com bastante comida, água, equipamento para o frio e coisas que pudessem trocar por dinheiro, então seria possível chegar ao Japão… mas seria uma jornada brutal.
E ainda assim, Nanahoshi parecia disposta a tentar. Sua mente já estava decidida há muito tempo.
O próximo passo era a coisa real, o momento esperado após longos testes. Estaríamos enviando a própria Nanahoshi. Para me dar tempo para descansar, marcamos a data final para daqui a três dias.
Dois dias após a conclusão do experimento final, Nanahoshi veio até minha casa.
— Quero tomar um banho na sua casa uma última vez. — Ela disse. Imaginei que isso fosse apenas uma desculpa.
— Bem, que tal fazermos uma festa de despedida enquanto você está aqui?
— Não, obrigada.
Com isso, Nanahoshi desapareceu no banheiro, sozinha.
Eu não sabia o que Nanahoshi queria. Ela queria uma mudança de ritmo antes do grande dia, ou apenas dizer adeus? Ela queria uma última noite de paixão para lembrar deste mundo? Se sim, talvez eu devesse invadir o banheiro… não, definitivamente não era isso. Isso era apenas uma fantasia provocada pela minha atual abstinência. Sylphie ficaria chateada se eu realmente fizesse isso, também. Vão embora pensamentos mundanos!
Ouvi dizer que ela tinha se despedido de todas as pessoas que estavam em Sharia, então fazia sentido vir aqui pelo mesmo motivo. Era sua última noite neste mundo. Ela estava escolhendo passá-la se despedindo da minha família.
O mínimo que eu poderia fazer era dizer uma palavra tranquila a Aisha e Lilia para que elas pudessem preparar uma festa digna desta última noite. Algo bem focado em batatas. Norn também estava voltando hoje, então, por menor que fosse o gesto, íamos enviá-la com um sorriso no rosto.
— Ei! Volte aqui!
— Eu não quero!
Isso me trouxe de volta à realidade. Enquanto cuidava de Sieg com Sylphie, Lucie irrompeu na sala. Nua. E agora, pulou no meu colo.
— Papai, me ajude!
Acho que tinha uma missão paralela nas mãos.
Uma jovem nua, implorando por socorro. Pensar que minha pequena Lucie havia se tornado uma garota tão travessa… Ainda assim, um homem que a recusasse não seria um homem de verdade. Fique atrás de mim, senhorita! Seja um deus dragão ou um deus demônio, vou bater em qualquer um que ouse ameaçá-la!
— Rudeus!
O monstro apareceu: um deus demônio de cabelos vermelhos.
Ela também estava sem a parte de cima. Oh, não, abstinência, a fraqueza do Rudeus. Acerto crítico! Minhas esperanças de vitória diminuíram.
— Rudeus, pegue Lucie para mim. Ela está fazendo birra para tomar banho. Lucie, você estava acabando de dizer que precisava de um depois de suar durante a prática de espada!
Peguei a Lucie.
Minhas desculpas, Lucie. Você realmente tem que tomar banho depois do exercício.
— Eu não quero! A Mamãe Vermelha é muito bruta!
— Bruta? Eris… sei que eu posso aguentar, mas você não deveria bater nas crianças.
— Rudeus. Claro que eu não estava batendo nelas! Lavar o cabelo… não é o meu ponto forte, só isso.
Ahá. Olhei para Lucie. Ela estava inflando as bochechas, reclamando que a Mamãe Vermelha fazia seus olhos doerem quando lavava o cabelo dela.
Agora tudo fazia sentido.
Desculpe, Eris. Eu deveria saber que nem você bateria em crianças.
— Tudo bem, Lucie. Que tal finalmente ensinarmos você a lavar o cabelo sozinha?
— O papai não… Tudo bem…
Lucie começou a dizer algo, mas parou no meio. Ela seguiu Eris de volta para o banheiro.
— Talvez ela só quisesse que você desse banho nela, Rudy.
— Sim, talvez…
Mas Nanahoshi estava tomando banho agora, então eu não poderia entrar de jeito nenhum.
Espera.
Isso mesmo, eu não tinha contado para Nanahoshi. Talvez ainda houvesse tempo para invadir… Não, ela provavelmente sabia. Minha casa tinha o costume de deixar grupos entrarem no banheiro desde que foi construída. Era tarde demais para reclamar das pessoas invadindo.
Roxy e Norn voltaram para casa algum tempo depois, trazendo Lara para o banho com elas. Nanahoshi, Eris e Lucie saíram para dar espaço. Elas emergiram fumegantes. O longo banho as deixaram bem vermelhas também.
— Ei, papai! A Senhorita Nanahoshi me ensinou a lavar o meu cabelo!
— É mesmo? Obrigado, Nanahoshi.
— De nada.
Nanahoshi cuidou de Lucie. Ela também deve ter conseguido conversar com Eris lá dentro. Elas pareciam bastante relaxadas uma com a outra. Ah, banhos realmente são magníficos. Ficar nu junto é o primeiro passo para a paz mundial.
Finalmente, Sylphie e eu levamos Arus para o banho e, depois de nos lavarmos, era hora do jantar. O cardápio da noite era carne, legumes e arroz. Além disso, batatas. Batatas fritas e chips. O melhor tipo de junk food.
Nanahoshi era um pouco mais reservada em comparação com o caos da minha família, mas não hesitou em se esbaldar nas batatas, mesmo que pudesse ter todas as batatas que quisesse quando chegasse em casa. A garota das batatas tinha um apetite a ser considerado.
— Essa comida está mesmo deliciosa — comentou. Ela não se contentou apenas com as batatas; também se serviu animadamente de arroz.
— Eles têm arroz na Fortaleza Voadora, não têm?
— Sim, mas esse arroz é mais gostoso… talvez.
— É mesmo?
Nosso arroz era arroz Aisha cultivado em Sharia. Talvez eu pudesse mudar o nome da marca para “Hot Maid” ou algo assim. Ah, uma empregada virgem ainda na adolescência cultivando os arrozais (usando os homens musculosos que ela contratou) para criar minha própria iguaria pessoal. O que mais poderia satisfazer o apetite japonês?
— Essa é a última comida deste mundo que você vai poder comer… Certifique-se de mastigar, está bem?
— Você é minha mãe ou algo assim?
Depois de responder, Nanahoshi comeu em silêncio por um tempo.
— …
Em algum momento, o olhar dela se fixou não em mim, mas na minha família. Lucie tagarelava animadamente sobre suas últimas aventuras enquanto Norn ouvia atentamente. Roxy conversava com Sylphie sobre tudo relacionado a círculos mágicos. Eris alimentava Lara, Aisha alimentava Arus, e Lilia e Zenith cuidavam deles.
Era uma visão mais animada do que o antigo eu poderia ter imaginado. Nanahoshi observava tudo vorazmente. Deve ter lembrado de sua própria família.
Enquanto eu pensava sobre isso, o jantar chegava ao fim. Nanahoshi brincou um pouco com as crianças depois. Lucie havia se aproximado rapidamente dela, provavelmente por causa de sua interação anterior nuas. Arus passou um tempo enterrando o rosto nos seios de Nanahoshi e estava sorrindo de orelha a orelha como resultado. E Lara era… bem, a mesma de sempre.
— Nanahoshi, você deveria passar a noite aqui.
Atendendo à sugestão de Sylphie, ela passou a noite. Um fim natural para a noite. Infelizmente, o quarto de hóspedes agora estava cheio de crianças. Sem lugar para um hóspede dormir, acabamos emprestando o quarto de Sylphie para ela.
Naquela noite, conversei com Nanahoshi. A casa estava quieta. Todos os outros estavam profundamente adormecidos. Sentamos frente a frente na sala de estar, iluminados apenas pela luz da lua e da lareira, enquanto saboreávamos taças de vinho.
Mantivemos a conversa leve. Hobbies de Perugius, o quão dedicada Sylvaril era a ele, coisas assim. Como Orsted e Perugius não estavam em ótimos termos, mas pareciam se reconhecer. Mal passava de um bate-papo de vizinhança. No meio da nossa conversa descontraída, Nanahoshi mudou para algo mais sério.
— Rudeus, você realmente se tornou um homem admirável.
— Eu?
— Você parecia uma criança do ensino fundamental quando nos conhecemos. Na vez seguinte em que o vi, você era meio que um estudante do ensino médio. Houve um momento em que pensei que era mais novo do que eu… Mas agora, você é um verdadeiro adulto. Casado, com filhos e tudo mais.
— Qual é, essas coisas não fazem de alguém um adulto.
Eu não entendia muito bem essa coisa de “criança” e “adulto”. Na minha última vida, eu tinha sido uma criança crescida em um corpo de adulto.
— Sim, mas ultimamente, você parece mais adulto do que eu.
— É mesmo?
— Sim. Você pensa em todas essas outras coisas, como seus filhos, sua família… Em comparação a você, eu mal cresci…
— Isso não é verdade.
Nanahoshi havia mudado bastante de como costumava ser. Antes, ela não permitia que as pessoas se aproximassem. Ela era a invencível Setestrelas Silente.
— A antiga Nanahoshi não teria brincado com meus filhos.
— Talvez… Mas parte disso é porque você me ajudou. Até então, eu não sentia nenhum desejo de me envolver com as pessoas deste mundo.
— Você teria cuidado de crianças pequenas no seu antigo mundo?
— Hmm… provavelmente… não. Eu acho que teria pensado que elas estavam atrapalhando meus estudos. Os vestibulares estavam chegando na época.
— Vestibulares e provas, huh? Essas palavras têm um toque nostálgico.
— Eu me pergunto quantos anos se passaram por lá…
— Ugh, eu não quero pensar nisso…
— Oh, desculpe.
Já se passaram cerca de quinze anos desde que ela veio para cá. Se quinze anos se passassem lá, seria como o conto folclórico de Urashima Taro1É um conto onde um homem salva uma tartaruga e ela o leva para o palácio do dragão e que ele poderia voltar quando quisesse. Após passar 3 dias (alguns contos dizem 3 anos), ele pediu para voltar e levou de volta como presente, uma caixa, com a advertência de nunca abri-la. Chegando lá, descobriu que já haviam se passado 300 anos e em seu desespero, acabou abrindo a caixa, fazendo com que ele envelhecesse e chegasse ao fim da sua vida.. Talvez Nanahoshi envelhecesse quinze anos instantaneamente no momento em que se teletransportasse de volta.
— Honestamente, tenho a sensação de que não passou muito tempo lá.
— Por quê?
Expliquei meu raciocínio embriagado para ela.
— Você e eu fomos atingidos por aquele caminhão no mesmo dia, certo? Mas eu cheguei a este mundo quase dez anos antes. Talvez o tempo flua de maneira diferente entre aqui e lá. Você ficará bem, tenho certeza.
— Huh. Você acha isso?
Nanahoshi parecia, por um momento, estar pensando em algo.
— Espera… espera um segundo. O que você quer dizer quando diz que fomos atingidos por aquele caminhão no mesmo dia?
Oops.
— Você está dizendo que estava lá?
— Ah, bem…
— Calma aí. Espere. Eu preciso de um minuto…
Nanahoshi pressionou os dedos na têmpora e fechou os olhos, como se estivesse se esforçando para lembrar. De repente, seu rosto se ergueu.
— Aquele gordinho…
Ah, aaah… O que eu fiz…?!
Deve ter sido por causa do álcool. E depois de ter sido tão cuidadoso até agora… Além disso, rude! Quem você pensa que é para chamar alguém de gordinho? Quero dizer, é verdade, eu posso até ter sido gordo, mas…
— Ufa, então era isso. Aquele era você. Pensar que aquele cara se transformou em Rudeus… Espera, então você realmente ficou atraente, huh?
Nanahoshi colocou a mão no queixo enquanto seus olhos se abriram bem. Ela estava completamente acordada agora. Eu pensei que ela ficaria enojada, mas agora parecia meio feliz.
— Hum, perdão, senhorita Nanahoshi… Mas uh, você poderia, bem, manter isso em segredo dos outros? Eu apreciaria.
— Por quê?
— Quero dizer… não acho que alguém ficaria comigo se soubesse.
— Eu não acho que todos escolheram você pela sua aparência…
— Ainda assim, tenho coisas que prefiro manter em segredo.
— Hmm… Justo.
Nanahoshi sentou-se novamente no sofá. Eu não tinha certeza se ela realmente entendeu ou se estava apenas preocupada que eu não cooperasse amanhã se insistisse no assunto.
— Porque, ao contrário de mim, você é uma reencarnação.
— Sim.
Isso mesmo, eu era uma reencarnação. Eu não poderia voltar a ser o que era antes. Eu não pretendia enterrar tudo sobre o meu passado, mas certamente não iria falar sobre isso se não fosse necessário. Além disso, meu antigo eu era constrangedor. Ser aquele pedaço de merda no passado foi o que me tornou a pessoa que sou hoje, mas isso não me faz sentir orgulho dele.
— Entendi. Vou guardar isso para mim.
— Obrigado… por fazer isso.
Isso me lembrou de mais uma coisa sobre minha antiga vida.
— É mesmo, eu quase esqueci.
— O quê?
— Porque você conhece minha identidade secreta… Bem, não por causa disso, mas de qualquer maneira, gostaria que você entregasse isso para minha família no meu antigo mundo.
Com isso, coloquei um único envelope sobre a mesa. A carta um tanto volumosa continha tudo o que eu tinha a dizer aos meus irmãos.
Já se passaram vinte anos desde que cheguei aqui. Eu já passei por muita coisa. Senti que poderia manter a cabeça erguida e dizer que era diferente da pessoa que era naquela época. Ênfase em “diferente”, veja bem. Eu não me considerava respeitável de forma alguma. Enchi a carta com desculpas pelos meus erros, lembranças dos tempos que compartilhamos, o que estava fazendo agora e muito mais. Poderia soar como algo sem sentido se Nanahoshi aterrissasse diretamente no Japão depois de menos de um dia ter se passado naquele mundo…
Bem. Eu poderia viver com isso. A carta não era só para eles, era também para mim e para o que eu precisava dizer.
— Entendido — disse Nanahoshi enquanto a colocava carinhosamente no bolso. — Vou garantir que chegue lá.
— Obrigado, estou contando com você.
Não havia garantia de que ela se teletransportaria para o Japão ou voltaria ao país após o teletransporte. A viagem pode levar anos. Pelo que sabíamos, meus irmãos poderiam ter se mudado e seria impossível encontrá-los.
Ela assentiu apesar das incertezas.
— Além disso, isto… — Eu disse, entregando-lhe mais uma carta, muito mais fina que a anterior. — É apenas para o caso de anos terem se passado naquele mundo, e se você não tiver para onde ir e ninguém em quem confiar… Escrevi esta carta para dizer aos meus irmãos mais velhos para cuidarem de você. Mesmo que seja só por um tempinho.
— …!
Nanahoshi aceitou a carta com as mãos trêmulas.
— Mas eu não poderia…
— Bem, ei, eu não passei de um incômodo lá, então eles podem simplesmente recusar você logo de cara… mas você sabe.
— Você era um incômodo?
— Sim, um sanguessuga desempregado.
É melhor ouvir isso de mim. Se ela se encontrar com meus irmãos, eles falariam para ela.
Nanahoshi olhou profundamente em meu rosto como se estivesse inspecionando-o em busca de sinais de que eu era um perdedor.
— Meio difícil de acreditar nisso.
Talvez essa descrença fosse a prova do quão duro eu trabalhei. Não era um pensamento feliz?
— Bem, se você está oferecendo, ficarei honrada em aceitar — disse Nanahoshi, segurando a carta contra o peito e baixando a cabeça. — Não posso agradecer o suficiente por tudo que você fez.
Nanahoshi voltaria para casa amanhã.
Os experimentos correram perfeitamente. Não houve o menor erro naquele círculo mágico. Mas mesmo assim, uma ansiedade envolveu meu interior, da qual não consegui me livrar.
Fizemos todos os preparativos possíveis e todos os cálculos que pudemos. Nanahoshi parecia confiante. Nem uma alma pensaria que iria falhar.
Ainda havia um último motivo de preocupação. Um que eu não tinha intenção de divulgar ainda mais, ousando citar em voz alta. Uma que, em seu coração, Nanahoshi certamente conhecia. Um assunto sobre o qual, se ela soubesse, também não falaria. Talvez ela já tivesse tudo sob controle.
Então, deixei por isso mesmo.
— Amanhã… vamos enviá-la para casa.
— Sim.
Se suas convicções fossem suficientemente fortes, todo o resto seriam apenas detalhes.
Tradução: Bucksius
Revisão: Pride
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