Cedo na manhã seguinte, juntamos todas as nossas coisas e saímos da cabana. O sol ainda não havia nascido e a floresta estava escura e silenciosa.
— Certo, então, sigam-me.
Triss liderou nosso grupo enquanto nos aprofundávamos na floresta. Sem o sol como guia, era difícil dizer em que direção estávamos indo, mas o chão começava a se tornar íngreme, então provavelmente estávamos nos movendo em direção às montanhas. Nos movemos em silêncio, sem nenhuma conversa desnecessária.
A floresta era densa, e parecia se estender infinitamente. Mas então, abrimos caminho através de um último trecho denso de arbustos…
— Ooh.
…e nos encontramos de repente olhando para um lago de tamanho considerável, com a floresta atrás de nós.
Algumas pessoas poderiam ter chamado de lagoa, já que não parecia muito profundo, mas lago parecia mais apropriado. Era semicircular, cercado por todos os lados por altas falésias e florestas, e sua superfície era de um brilhante tom de azul. Ao que parece, não fazia parte de um sistema fluvial; talvez a água viesse do subsolo.
— Isso nem estava em nosso mapa — murmurei.
— Sim, está posicionado para que não possa vê-lo à distância — respondeu Triss. — E isso tudo é nosso território, então você não o verá em nenhum mapa.
— Hum…
Seguimos a curva do lago até o penhasco do outro lado. À primeira vista, parecia uma face rochosa escarpada, quase inexpressiva, bem na beira da água. Tinha uma única placa de pedra que estava próxima de nós. Quando Triss fez algum tipo de encantamento na frente dela, parte do penhasco derreteu e uma caverna apareceu diante de nossos olhos.
— Por aqui — chamou. — É fácil escorregar e cair, então tomem cuidado.
Ela liderou o caminho mais uma vez, pisando com cuidado no lago, que continuou na caverna do penhasco. Aparentemente, a água era muito rasa. Só chegava até os joelhos.
— Vamos, Rudeus! — disse Eris, seus olhos brilhando com entusiasmo. — Vamos lá!
Mesmo aos vinte anos, ela não havia perdido o entusiasmo pela aventura. Estava claramente ansiosa para explorar esta misteriosa caverna escondida. Sendo sincero, eu também estava entusiasmado, do meu próprio jeito. Nunca superei meu amor por roupas íntimas usadas.
— Só não se mova tão rápido, para que o cavalo não escorregue na água, certo?
— Sim, eu sei!
Com um sorriso que sugeria que meu aviso tinha entrado por um ouvido e saído pelo outro, Eris entrou rapidamente na água, puxando nosso cavalo Matsukaze junto. Matsukaze estava relutante em entrar no lago e resistiu, mas ela conseguiu arrastá-lo bem rápido. Era como assistir a um kappa1Kappa é um youkai aquático do folclore japonês. Como este: Kappa. trabalhando.
Hmm… Eris provavelmente seria boa em luta de sumô. Gostaria de saber se ela gosta de pepinos2Para saber mais sobre a relação do Kappa com o pepino clique aqui.. Eu não acho que ela tenha muitas comidas favoritas, mas nunca se sabe…
— Devemos tentar acompanhar, Rudy — disse Sylphie.
— Certo.
Com Eris à frente do grupo, formamos uma fila única e conduzimos nossos cavalos cuidadosamente para dentro da água. Estava surpreendentemente frio, dada a época do ano. Nem queria pensar como seria passar por isso no inverno. Os cavalos não morreriam de hipotermia? Hum… o lago provavelmente congelaria, na verdade. Isso pode realmente tornar a viagem mais fácil.
Felizmente, depois da entrada, a caverna levava para cima, então em pouco já tínhamos saído da água.
— Tudo bem então — chamou Triss. — Sigam-me e tentem não ficar muito para trás. Vocês não querem se perder aqui, confiem em mim. — Com sua tocha acesa em uma mão, ela partiu confiantemente mais fundo na caverna sombria. Eu tinha tomado um momento antes para convocar um espírito de luz a fim de ter um pouco de iluminação adicional.
Olhando para trás para ter certeza de que os outros estavam seguindo, fiz contato visual com a princesa Ariel, que estava contemplando suas calças encharcadas com uma expressão preocupada.
— Vamos esperar até mais tarde para secar isso, Sua Alteza.
— Ah, sim, claro — respondeu Ariel, de alguma forma conseguindo revelar um sorriso alegre.
Na noite anterior, a maioria do nosso grupo se convenceu de que era pura coincidência Triss e Ariel se conhecerem. Todos ficaram muito impressionados com a princesa por conquistá-la “no calor do momento”, com a possível exceção de Eris, que ficou um pouco irritada com todos os olhares de admiração para Ariel.
Tirando isso… é muito bom ter a princesa do meu lado agora. Parecia que ela estava falando sério sobre me apoiar.
Eu estava estudando o rosto de Ariel por um longo momento quando Sylphie falou ao meu lado.
— Hum, Rudy?
— Pode falar, Sylphie, minha amada esposa.
— Não olhe muito para a princesa Ariel, ou eu vou puxar suas orelhas.
— Entendido, querida. Você quer que eu olhe para você constantemente, correto?
Sylphie respondeu puxando minha orelha.
Por alguma razão, ela parecia se opor a eu ficar muito amigo da princesa Ariel. Ela não se opôs ao meu casamento com Roxy ou Eris, mas acho que Ariel estava em uma categoria diferente. Me lembro dela dizendo que estaria tudo bem se fosse a Nanahoshi…
Hum. Era difícil dizer exatamente o que contava como “traição” em sua mente.
Em retaliação por seu ataque, deslizei atrás dela e lambi a parte de trás de sua orelha.
Não tinha ficado óbvio na entrada, mas o chão dessa caverna era bem ladrilhado. Aparentemente, este túnel foi feito pelo homem.
— As coisas ficam muito sinuosas e complicadas daqui em diante, então fiquem bem perto — disse Triss logo à frente. — Mantenham-se alerta também. Não têm muitos monstros aqui, mas às vezes eles vagam pelos túneis mais profundos. Ah, e não saiam vagando se vir uma luz à distância, agora estamos no território do Wyrm Vermelho.
Neste ponto, o túnel tinha um teto alto e era relativamente largo. Mas, assim como Triss disse, estava sempre fazendo curvas, e havia passagens laterais e ramificações frequentes no caminho. Parecia que estávamos nos movendo por uma parte de um labirinto gigante feito pelo homem.
— Este lugar é realmente incrível, Rudy — murmurou Sylphie baixinho. — Não é algum tipo de labirinto, certo?
— Hum? Sim, tenho certeza que não.
— Como você acha que fizeram túneis tão enormes pelas montanhas?
Eu fiz uma careta pensativa.
— Hum… Bem, os Wyrms Vermelhos tomaram conta desta área quatrocentos anos atrás. Talvez houvesse anões vivendo por aqui até então, ou algo assim?
— Ah, isso faz sentido. Acho que esses podem ser alguns túneis de mineração realmente antigos, então…
Mais à frente, Eris curiosamente cutucou uma estranha passagem lateral após a outra, apenas para ser arrastada de volta por Ghislaine. Para o bem ou para o mal, parecia que ficar a noite passada sob um teto nos ajudou a relaxar um pouco.
— A propósito, Rudy…
— Hum?
— Desculpe, não é nada.
Sylphie ficou em silêncio, mas lançou um rápido olhar por cima do ombro.
Ariel, Luke e as atendentes estavam nos seguindo a uma distância decente. Nossa formação estava meio solta… provavelmente nos espalhamos um pouco demais. Não parecia que havia muitos monstros à espreita nesse caminho, mas a última coisa que precisávamos era que a princesa se perdesse.
Nós estávamos andando pelos túneis por um bom tempo. Era difícil dizer quanto tempo exatamente. Quando você não consegue ver o sol, isso atrapalha sua percepção do tempo; até você se acostumar a andar nessas condições, uma única hora pode parecer três. Mover-se por terrenos escuros e desconhecidos também tende a ser mais cansativo. Eu aprendi tudo isso nos meus dias de aventura, caminhando por florestas densas e cobertas de vegetação, onde a luz do sol nunca chegava ao chão. Ariel e suas atendentes estavam claramente ficando cansadas. Eu estava começando a ouvir alguns comentários como “Parece que estamos caminhando há dias”, e já não estávamos mais nos movendo tão rápido quanto antes.
Mas antes que alguém pudesse jogar a toalha, Triss finalmente parou no que parecia ser um beco sem saída. Uma tabuleta de pedra semelhante à que vimos na entrada estava discretamente colocada no chão próximo.
Quando Triss ativou este dispositivo, a parede de pedra à nossa frente se abriu… e piscamos quando a luz do sol atingiu nossos rostos.
Como em um passe de mágica, estávamos de volta ao lado de fora.
Apertando os olhos enquanto se ajustavam ao brilho repentino, olhei ao redor da área. Tínhamos entrado em outra floresta, dada a aparência ao redor. Era densa, mas não crescida o suficiente para esconder o céu de vista.
A posição do sol me disse que já passava um pouco do meio-dia. Saímos muito cedo naquela manhã, então, ao todo, estávamos andando por cerca de oito horas.
Triss deu alguns passos para fora, depois se virou para nós enquanto estávamos piscando e semicerrando os olhos.
— Bem-vindos ao Reino Asura — anunciou, um sorriso brincalhão se espalhando por seu rosto.
Afinal, tínhamos atravessado a fronteira em segurança.
A saída para a qual Triss nos guiou ficava um pouco a sudeste do posto de controle da fronteira. Se nos dirigíssemos para o sul a partir daqui, chegaríamos à região de Donati. Fittoa estava a sudeste. Nosso destino final, a capital real, ficava mais ao sul de Donati.
Depois de uma longa pausa, seguimos em frente, tentando sair da floresta. Triss estava ansiosa para nos colocar em movimento. Havia uma boa razão para isso: do amanhecer ao anoitecer, essa rota era usada para contrabandear pessoas para dentro de Asura; à noite, era usada para contrabandear para fora. Sempre que dois grupos indo em direções opostas se chocavam, o chefe daquela gangue de bandidos tendia a ficar muito chateado. Isso parece explicar a razão de ele ter nos deixado esperando naquela cabana durante a noite.
Precisamos fazer várias pausas ao longo do caminho, mas conseguimos sair da floresta no mesmo dia e depois retomamos nossa jornada para o sul pela região de Donati.
Naturalmente, ficamos fora dos principais caminhos, aderindo a estradas secundárias tranquilas e menos percorridas. Só para deixar claro, não eram trilhas difíceis cheias de ladrões ou monstros perigosos. Embora sempre fosse mais simples pegar as estradas diretas que ligavam várias cidades e vilas, Asura tinha muitas outras que eram usadas principalmente pelos moradores daquela região específica. Estas geralmente eram largas o suficiente para uma única carroça, no entanto, e a carruagem da princesa atraiu alguns olhares curiosos.
Essas estradas não estavam em nossos mapas, mas Triss as conhecia como a palma de sua mão, então avançamos em direção ao nosso destino com bastante firmeza. Graças a ela, ficamos um passo à frente de Auber… bem, supondo que ele estivesse nos perseguindo neste momento. Era perfeitamente possível que o Deus-Homem e seus aliados soubessem exatamente onde estávamos e tivessem simplesmente decidido concentrar suas forças na capital ou no palácio. Não havia como dizer se era o Deus-Homem ou Darius quem estava dando as cartas sobre essas coisas, mas independentemente, precisávamos agir com muito cuidado.
Em nossa jornada para o sul, passamos pela região de Fittoa.
Alguns anos se passaram desde que o esforço de reconstrução começou a sério; campos de plantações estavam espalhados aqui e ali em sua paisagem. As pessoas que viviam na área pareciam ter recuperado um pouco de espírito também. Ainda assim, estava muito longe dos intermináveis campos de trigo dourado que eu lembrava. Provavelmente levaria mais uma década antes que Fittoa recuperasse esse nível de prosperidade.
Eris e Sylphie pararam, seus cavalos lado a lado, para olhar a planície gramada com seu punhado de campos. As expressões em seus rostos contrastavam nitidamente: Sylphie parecia nostálgica, e Eris franziu a testa, carrancuda.
— Há muito mais campos de trigo do que da última vez que passamos por aqui — disse Sylphie.
— Se você diz — disse Eris. — Não me lembro.
— Espero que eles reconstruam tudo em breve.
Eris sacudiu a cabeça, parecendo ainda mais mal-humorada do que antes.
— Hmph. Não poderia me importar menos.
— Vamos, não diga isso. É o lugar onde nascemos e crescemos, certo? Não estou dizendo que gostaria de voltar lá para sempre, mas… tenho certeza de que você tem alguns velhos amigos morando lá, certo?
— Na verdade, não. Todo mundo em casa me odiava.
— Hmm. Acho que também não era muito popular, na verdade… — Sylphie fez uma pausa, sorrindo levemente enquanto se lembrava do passado.
Isso me colocou em uma espécie de humor sentimental também. Ambas foram solitárias quando crianças, mas por razões muito diferentes. Sylphie foi intimidada implacavelmente, e recuou em seu casco como uma tartaruga; Eris pulava em qualquer um que tentasse se aproximar dela, assustando-os com suas explosões selvagens. Se elas tivessem se conhecido naquela época, talvez pudessem ter se equilibrado.
Nah, não parece muito provável. O único resultado que eu podia imaginar era Eris batendo em Sylphie até ela chorar. A mulher estava sob controle nos dias de hoje, mas naquela época, era basicamente um animal selvagem. Se tivesse colocado as duas juntas quando crianças, a vida de Sylphie provavelmente teria se transformado em um pesadelo infernal. Estou falando dos níveis de bullying de Gian versus Nobita aqui.
Mas se a Sylphie do presente fosse enviada, poderia se transformar em uma situação mais do tipo co-bullies. Ela ficou muito mais forte ao longo dos anos.
— Olha, Sylphie — disse Eris depois de um momento. — Só vou dizer uma coisa.
— O que seria?
— Eu não poderia ter feito nada de útil para Fittoa, mesmo que ficasse lá.
— Hum…? — Sylphie inclinou a cabeça, se parecendo como um esquilo incerto. Adorável. — Oh, certo. Você era a filha do lorde, não era? Uma espécie de princesa! Isso meio que fugiu da minha mente.
— Hmph. Eu era apenas uma boneca estúpida.
— Bem, você está muito imponente hoje em dia. Aposto que seria uma governante muito convincente se quisesse.
— Você acha?
O elogio de Sylphie pareceu deixar Eris com um humor melhor. Dentre qualquer coisa que pudesse dizer sobre ela, uma era que a garota não era difícil de acalmar.
— Bem, tanto faz. Não é como se eu quisesse governar Fittoa. Não há como eu lidar com um trabalho tão complicado.
— Hmm. Parece que você nasceu para ser um mestre espadachim, eu acho.
— Exatamente!
Uau, Sylphie está realmente se esforçando hoje…
— Ainda assim, você poderia facilmente ter passado toda a sua vida como uma nobre asurana, hein?
— Sem chance.
— Aposto que Rudy teria ficado por perto para ajudá-la e acabaria governando das sombras. Ele provavelmente teria feito de você a chefe da família Boreas em pouco tempo.
Senhorita Sylphiette? Tenho certeza que você não está falando sério, mas… você não está falando sério, está?
— Então ele teria me seduzido e aberto seu caminho para o círculo íntimo da princesa Ariel. A família Boreas a apoiaria para o trono, e acabaríamos lutando contra Darius ou Grabel juntas.
Sylphie me deixou “seduzi-la” nesse cenário? Como isso funcionaria, exatamente? Provavelmente nem teríamos nos encontrado…
Certo, não vamos pensar demais em um jogo de faz de conta.
— Parece que as coisas acabariam exatamente da mesma forma — disse Eris duvidosamente.
— Mas você seria a governante da região de Fittoa, e Rudy seria seu fiel ajudante! Aposto que vocês dois seriam o assunto de todo o reino…
— Tudo que eu quero é lutar com minha espada e fazer bebês com Rudeus. Não desejo mais nada.
De alguma forma, Eris tinha proferido isso sem um pingo de vergonha. Foi o suficiente para me fazer corar, e nem fui eu quem disse isso.
— Você não está satisfeita com as coisas do jeito que estão, Sylphie?
— Ah, com certeza. Às vezes, a coisa toda parece boa demais para ser verdade, para ser honesta.
— …
— Sabe, quando nos casamos, Rudy e eu costumávamos fazer isso como animais, todas as noites. Quando não havia mais ninguém na casa, ele me levava para o quarto com um olhar faminto no rosto! E, claro, eu estava tremendo de antecipação o tempo todo… err… Desculpe, eu provavelmente não deveria estar falando sobre isso em público.
Eu certamente apreciaria se você parasse, sim. Os olhos de Eris estavam se estreitando com o que parecia ciúme, e eu estava começando a pensar que poderia ser arrastado para os arbustos esta noite para fazer sexo selvagem. Era uma ideia atraente, mas agora precisávamos conservar nossa energia para a tarefa em mãos.
— De qualquer forma — disse Sylphie —, acho que essa é a razão pela qual é divertido pensar em como as coisas poderiam ter acontecido. Porque estou muito feliz com a forma como elas aconteceram.
— Imagino se também vou me sentir assim quando tiver um filho.
— Hmm… se você e Rudy tiverem um filho, provavelmente será um verdadeiro libertino…
— O que isso deveria significar?
Sylphie tinha razão. Qualquer um que herdasse metade dos meus genes provavelmente terminaria pelo menos moderadamente pervertido. O que me deixou um pouco ansioso sobre como Lucie poderia ficar. Sylphie não era muito pervertida, relativamente falando, mas ela tinha Elinalise como avó. E se esses genes quentes adormecidos tivessem sido ativados por combinação com os meus? Poderíamos acabar com uma filha que andava por aí chupando jovens inocentes a torto e a direito.
Isso exige medidas de precaução. As lições secretas de moralidade começarão imediatamente.
— Espero conseguir um logo — disse Eris depois de um momento.
— Ah, não vai demorar muito. Você é um humano de sangue puro, lembra? Você é um par muito melhor para Rudy do que eu.
Isso parecia uma escolha desnecessariamente negativa de palavras. No mínimo, Sylphie e eu combinamos perfeitamente na cama. Mesmo agora, a fera dentro de mim estava esperando vigilantemente por sua chance de começar com o bebê número dois.
— De qualquer forma, isso vem depois — disse Eris. — Neste momento, o mais importante é mantê-lo seguro.
— Sim, você está certa.
As duas continuaram conversando. Elas especularam sobre o que Roxy estava fazendo no momento, então falaram sobre como a comida era boa em Fittoa. Sylphie prometeu ensinar Eris a cozinhar algumas refeições assim que voltássemos para casa. Esse tipo de coisas. Sylphie ostensivamente foi quem mais falou. Eris não era a melhor nesse tipo de conversa casual, e às vezes havia pausas constrangedoras.
Ainda assim, o som de suas vozes criava um agradável ruído de fundo enquanto caminhávamos. Foi muito relaxante sentar naquele cavalo com meus braços em volta de Sylphie, ouvindo a conversa delas. Não havia como saber quando o inimigo poderia nos atacar, mas naquela tarde foi um desafio ficar vigilante.
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Após cerca de dez dias na estrada, paramos em um lugar chamado Rikket. Esta era uma cidade perto do extremo sul da região de Donati e um centro de comércio com a região Real.
A maioria dos mercadores aqui estavam indo rumo ao sul para trazer suas mercadorias para a Região Real, e não o contrário. Por causa disso, as ruas estavam cheias de representantes e chefes de aldeias de toda Donati, aqui era o lugar para enviar sua colheita para o sul e comprar as colheitas de que seu povo precisava no amplo mercado. Este era claramente um local de grande importância econômica para Asura como um todo. Também era maior do que toda a Cidade Mágica de Sharia, embora fosse realmente apenas um posto comercial gigante e uma parada para descanso. Esse é o Reino Asura.
Queríamos chegar à capital de Ars, se possível, sem a nossa presença ser notada. Reunimos informações nas aldeias ao longo do caminho, mas não encontramos pistas sobre os movimentos de nossos perseguidores. Uma cidade tão grande ofereceria a eles todo tipo de lugar para se esconder, e montar emboscadas, é claro.
Por outro lado, também nos ofereceu a chance de passar despercebidos… pelo menos em teoria. Infelizmente, nosso grupo meio que se destacou na multidão. Ariel ainda estava mantendo seu anonimato, mas isso não importava, uma vez que ela estava andando por aí com um monte de guarda-costas chamativos como Ghislaine, Eris e Sylphie. Luke era uma figura bem conhecida em Asura por mérito próprio.
No entanto, não havia como contornar esta cidade. Triss conhecia todas as estradas em Asura, mas não conseguia fazer novas aparecerem do nada. E as pessoas geralmente só faziam estradas para os lugares que queriam ir. Infelizmente, a única estrada que levava de Donati para a Região Real passava por esta cidade.
Rikket era um ponto de estrangulamento, assim como a fortaleza da fronteira. Havia uma boa chance de nossos inimigos estarem esperando por nós. Para minha surpresa, porém, os guardas no portão não nos pararam, e não havia fileiras de soldados blindados nas ruas do lado de dentro.
Triss rapidamente nos guiou para uma pousada que era adequada para grupos que procuravam manter um perfil discreto. Parecia um lugar normal do lado de fora, mas na verdade era administrado por pessoas intimamente ligadas à sua gangue de bandidos. Eles também possuíam os prédios em todos os lados e tinham túneis subterrâneos para permitir fugas de emergência. Era como algo saído de um antigo filme de ninjas. Ariel estaria se trancando dentro da pousada enquanto Triss saía às ruas para coletar informações. O resto de nós ficou na estalagem para guardar a princesa.
Ghislaine e eu ficamos de guarda na escada do primeiro andar da pousada, com Eris e Sylphie guardando Ariel em seu quarto. As duas atendentes se disfarçaram e saíram para comprar mantimentos. Luke estava deitado no quarto de Ariel. Isso me deixou um pouco ansioso, mas eu tinha que confiar que ele não perderia a cabeça de repente e tentaria atacar a princesa. Se ele perdesse o sentido, eu esperava que apenas se jogasse em cima dela, ou algo assim…
Sufocando um bocejo, olhei para Ghislaine. Ela estava parada em silêncio ao lado da escada, olhando para a entrada com as orelhas em pé.
Nós dois não conversamos muito desde que essa jornada começou. Acho que ela era mais profissional em seus deveres como guarda-costas do que eu jamais seria; sempre que eu tentava conversar com ela em turnos sem intercorrências como este, ela me cortava, dizendo que estava atenta ao perigo. Uma parte de mim estava começando a se perguntar se ela realmente me odiava. Mas ela também não estava falando muito com Eris. Ela provavelmente estava falando sério acerca da sua ativa atenção ao perigo.
Hoje, no entanto, acabou por ser uma exceção. Ela realmente começou uma conversa pela primeira vez.
— Rudeus?
— Sim?
— Obrigada por sua ajuda mais cedo.
Eu pisquei, tentando descobrir a que ela estava se referindo.
— Quero dizer, com a armadura de Wi Taa.
Oh. Isso era sobre aquela batalha lá atrás na floresta?
— Não precisa agradecer. É meu trabalho apoiar todos vocês.
— Você sempre foi rápido em pensar em truques inteligentes como esse, não é? Desde os velhos tempos.
Os velhos tempos, ela quer dizer… dez anos atrás, provavelmente? Senti como se tivesse mudado muito desde então, mas talvez eu ainda fosse o mesmo pirralho atrevido para Ghislaine.
— Acho que sim. No entanto, eles não são muito eficazes contra os inimigos muito mais fortes
— Para os mais fortes, você pode pedir a Lady Eris para fazer o trabalho pesado.
Fiquei um pouco surpreso ao ouvir isso vindo de Ghislaine, honestamente. Ela sempre pareceu mais do tipo “encontre uma maneira de lidar com isso”…
— Essa é a maior razão pela qual ela treinou tanto por todos esses anos.
— Sim, você está certa.
Em meu coração, eu queria que Sylphie e Roxy ficassem em casa onde fosse seguro. Mas por alguma razão, eu não sentia o mesmo em relação a Eris. Provavelmente tinha algo a ver com todo o esforço que ela fez para lutar ao meu lado. Os anos que passou no Santuário da Espada realmente valeram a pena.
Por outro lado, era impossível imaginá-la esperando pacientemente em casa enquanto eu saía em alguma aventura.
Pensando bem… a mulher disse que queria ter um bebê, mas era realmente capaz de ficar parada durante a gravidez? Um pensamento meio assustador…
— …
A conversa parecia ter parado. Droga. Não temos mais nada para conversar? Uh, talvez os bons velhos tempos? Ahhh…
— A propósito, Ghislaine, você ainda está praticando sua leitura e escrita?
— Sim. Eu pratico como você me ensinou quando tenho algum tempo livre. Não gostaria de perder uma habilidade que me tomou tanto tempo para aprender.
Que atitude admirável. Eris, por outro lado, parecia ter esquecido quase tudo que ensinei a ela.
— Sabe — disse Ghislaine com um sorriso —, os outros no Santuário da Espada não acreditaram em mim quando eu disse que tinha aprendido a escrever.
— Você não poderia provar escrevendo algo para eles?
— Eu fiz isso, mas a maioria deles não sabe ler. Disseram que eu estava rabiscando um monte de bobagens e riram na minha cara.
— Haha… — Eu meio que desejei ter estado lá para ver isso acontecer.
— E você, Rudeus? Ainda pratica com a espada?
— Um pouco. Quando tenho algum tempo livre em casa, pratico as formas que você me ensinou e faço um monte de balanços como parte do meu treino diário.
— Sério? Você é um mago com plena capacidade agora, então imaginei que tivesse parado anos atrás.
— Até os magos precisam ficar em forma.
Eu não estava tentando melhorar minha habilidade com a espada, é claro. Tornar-me igual a Paul tinha sido meu objetivo uma vez, mas ele se foi agora. Eu só usei seus conhecimentos quando estava ensinando Norn. Neste mundo, não poderia ir tão longe como um espadachim sem o uso da Aura de Batalha.
— Ah, isso me lembra — disse Ghislaine. — Você se lembra daquela promessa que você me fez, quando era apenas uma criança?
— Uhm… que promessa foi essa?
— Você esqueceu. Você disse que ia fazer outra estatueta de mim.
Oh, certo. Eu disse algo assim, não disse? Quando foi isso, meu décimo aniversário? Isso realmente me leva de volta ao passado…
— Ouvi dizer que você ainda está fazendo essas estatuetas até hoje em dia, certo? Faça-me outra algum dia, se tiver tempo.
— Com certeza.
— Obrigada. Não entendo muito de arte, mas gosto muito do seu trabalho.
Isso foi bom de ouvir, não me entenda mal, mas por que todo mundo neste mundo ficava constantemente dizendo coisas assim com uma batalha se aproximando? Isso me deixou impaciente. Espero que não estivéssemos definindo nenhuma death flag3Death flag: Um termo normalmente usado por personagens de isekai, que possuem conhecimento de histórias de fantasia (LN, manga, etc) para se referir a falas ou gestos em momentos críticos/importantes que precedem algum acontecimento trágico…
Não. Eu poderia entender isso, na verdade. Eu ainda tinha minhas memórias de filmes bregas da minha vida anterior, então senti que falar sobre o futuro logo antes de uma batalha significava que sua morte estava quase garantida. Mas provavelmente era o contrário. Lembrar-se das razões pelas quais queria sobreviver tornava mais provável que sobrevivesse.
— Hmm?
De repente, as orelhas e o nariz de Ghislaine se contraíram. Levantei meu cajado e me preparei para a luta; mas ela estendeu a mão para me parar.
— Não se preocupe. Está tudo bem.
Um momento depois, Triss entrou na pousada com sacos em ambas as mãos. Ela empurrou a porta com o ombro, então caminhou até nós e estendeu uma das sacolas.
— Ei. Trouxe um pouco de comida para vocês.
— Obrigado.
— Eu não sou legal? Certifiquem-se de saborear com gratidão.
Havia várias frutas duras, parecidas com pêras, dentro do saco. Peguei uma e joguei para Ghislaine, que imediatamente começou a roer, casca e tudo mais.
— Tudo bem então, pessoal. Vou deixar isso para vocês.
Triss acenou vagamente com a mão e subiu as escadas em direção ao segundo andar. A mulher havia passado apenas dez dias conosco, mas parecia que já havia encontrado seu lugar no grupo. Basicamente, se enquadrava na mesma categoria que Ellemoi e Cleane, uma verdadeira crente na justa princesa Ariel. Ela tinha uma boca suja, mas parecia uma pessoa decente.
Minha única reclamação real era que sua roupa tornava difícil manter meus olhos em lugares adequados. Quer dizer, acho que a roupa de Ghislaine não era menos reveladora… mas é mais fácil apreciar a beleza muscular do corpo de um guerreiro em um nível puramente artístico.
— Triss parece estar de bom humor hoje — comentou Ghislaine.
— Você tem razão. Imagino se algo aconteceu.
Peguei uma pêra para mim, esfolei-a com a faca e dei uma mordida. A coisa estava meio crocante por algum motivo, e seu sabor era mais azedo do que doce. Por alguma razão, muitas frutas neste mundo não têm um sabor tão bom por conta própria. Mas era comestível o suficiente.
— Espero que ela tenha ouvido alguma informação útil — disse Ghislaine. Descobrir algo valioso sempre deixa esses tipos de pessoas de bom humor. Geese era do mesmo jeito.
— Hmm, aposto que você está certa.
A princesa Ariel havia encarregado Triss de explorar a cidade e reunir todo tipo de informação. Descobrir o paradeiro dos soldados de Auber e Darius era naturalmente nossa principal prioridade, mas ela também queria saber muitas outras coisas. Ela disse a Triss para relatar qualquer coisa que parecesse possivelmente relevante; Ariel então selecionou algumas daquela enxurrada de informações, escolheu os tópicos mais importantes e as discutiu comigo. Já que Ariel estava escolhendo quais informações compartilharia comigo, havia uma chance de eu perder a oportunidade de ouvir algo crucial. Mas, neste ponto, decidi apenas aceitar o risco. Não era como se eu fosse capaz de controlar os eventos perfeitamente, de todo modo.
Agora, meu trabalho era considerar as poucas informações que Ariel passava com o maior cuidado possível.
— Isso me lembra — falei. — Geese não disse algo sobre ir para Asura? Acho que podemos esbarrar com ele em algum lugar.
— Ele provavelmente vai nos ver primeiro, se ainda estiver por perto.
Sim, isso soou como Geese. Eu podia vê-lo nos observando à distância, depois planejando e encenando algum tipo de reunião dramática.
— Mas conhecendo-o — continuou Ghislaine —, ele provavelmente perdeu todo o seu dinheiro jogando e se mudou para algum outro país anos atrás.
— Mas Geese não é um jogador muito bom?
— Só quando está quebrado.
Pelo que Roxy me disse, o Reino Asura não era um ótimo lugar para se viver se fosse um aventureiro como Geese. Não havia muitos monstros para matar em geral, e o governo designava cavaleiros para proteger aldeias específicas. Além disso, os Magos Reais e seus colegas cavaleiros eram periodicamente despachados em caçadas em larga escala, que também funcionavam como missões de treinamento.
Como resultado, os trabalhos de caça aos monstros eram raros. As grandes organizações Asuranas tendiam a ter suas próprias operações dedicadas à coleta de recursos, então também não havia muitos pedidos de matérias-primas. E dado o quão seguro era o Reino, a demanda por guardas temporários também era limitada. As tarefas postadas eram principalmente coisas tediosas e demoradas, como achar pessoas desaparecidas e entregas. Em certas épocas do ano, provavelmente poderia encontrar trabalho ajudando na fazenda de alguém, mas simplesmente não havia muita aventura real a ser feita, em comparação com outros países.
Isso era ainda mais presente nas regiões mais próximas da capital, Ars. Sempre havia um certo número de jovens que decidiam se tornar aventureiros de qualquer maneira, mas, à medida que aprimoravam suas competências, geralmente iam para Fittoa ou Donati e, eventualmente, mais para o norte ou para o sul. Aqueles com habilidades notáveis ou pelo treinamento extensivo às vezes podiam encontrar postos fixos como tutores ou guarda-costas, mas essa era uma barreira alta a ser superada. E não precisava ser um aventureiro para garantir esses empregos. Havia especialistas profissionais em Asura que podiam lidar com a maior parte do trabalho que precisava ser feito, então as pessoas não sentiam muita necessidade de confiar em um monte de freelancers4Trabalhador que realiza seu serviço de forma independente, ao invés de ser um empregado registrado de uma empresa. fedorentos e rudes. Por isso que a sede da Guilda dos Aventureiros estava localizada em Millis.
— Hm?
Enquanto Ghislaine e eu conversávamos sobre tudo isso, notei suas orelhas se contraindo mais uma vez. E desta vez, a expressão em seu rosto ficou um pouco severa. Talvez o problema finalmente nos encontrou. Larguei o saco de frutas, agarrei meu cajado com as duas mãos e olhei cautelosamente para a porta.
Mas Ghislaine não estava olhando para a entrada da pousada. Seu olhar foi direcionado para o segundo andar. Quando escutei com atenção, pude distinguir o som de pessoas discutindo.
Do que se trata tudo isso?
— Vou dar uma olhada, Ghislaine.
— Certo.
Subi lentamente as escadas. Sylphie e Eris ainda estavam do lado de fora do quarto de Ariel, mas ambas observavam a porta com preocupação. Nós temos um problema real em nossas mãos aqui?
— Ei, Sylphie.
— Ah, Rudy! Triss acabou de entrar alguns minutos atrás, mas agora parece que a princesa Ariel e Luke estão discutindo sobre alguma coisa…
Ariel e Luke estavam brigando? Isso soou… sinistro. Ela não tinha essa situação sob controle? Supostamente?
Bem, talvez tudo isso fosse parte do plano. Às vezes, a argumentação acalorada pode ser necessária.
— Sou eu, Rudeus. Perdoe-me, mas vou entrar.
Bati na porta apenas por educação, mas depois a abri sem esperar resposta. Lá dentro, encontrei Luke de pé, pálido e abalado, Ariel sentada em uma cadeira com uma expressão serena e Triss com um olhar sem jeito.
— Ah, Sir Rudeus — disse Ariel sem nem piscar. — Exatamente o homem que eu queria ver.
— Aconteceu alguma coisa, Vossa Alteza?
— Sim. Triss acaba de nos trazer algumas informações intrigantes.
— Sobre o quê, se eu puder perguntar?
— Diz respeito ao Lorde Sauros Boreas Greyrat.
Sauros? Essa informação pode ser muito importante, pelo menos para Ghislaine. Talvez isso fosse algo que Ariel havia pedido especificamente a Triss para investigar…
— Por acaso, muitas vezes é mais fácil aprender sobre as intrigas da corte real asurana nessas cidades regionais do que na capital — continuou Ariel. — Aqueles que sabem demais tendem a colocar alguma distância entre eles e Ars, onde certos nobres afoitos podem matá-los.
Isso era novidade pra mim. Mas acho que faz sentido.
— De qualquer forma, descobrimos o principal culpado por trás da queda de Lorde Sauros.
— E… quem seria?
O rosto de Luke se contorceu em uma careta alarmante. Ariel, por outro lado, parecia tão sem emoção quanto uma máscara.
— Receio que era um membro da minha facção, agindo por iniciativa própria. Alguém que também tinha um rancor pessoal contra Lorde Sauros…
Ariel fez uma pausa, mas apenas o suficiente para respirar.
— Pilemon Notos Greyrat.
Ah. Então foi o próprio Pilemon quem fez isso.
Isso parecia plausível, infelizmente. O clã Notos tinha sido o principal patrocinador de Ariel entre a aristocracia, enquanto a família Boreas favorecia Grabel. Eles eram inimigos na época. Além disso, parecia que Pilemon odiava Sauros por motivos pessoais. Ele provavelmente só estava à espera de uma chance para derrubar o velho.
Isso não era uma boa notícia. Mas também não foi uma grande surpresa. Apesar das circunstâncias da época, Sauros ainda era o suserano de toda uma região de Asura. E mesmo com seu território devastado, ele tinha aliados entre a facção do Primeiro Príncipe. Apenas outro nobre poderoso e influente poderia realmente ter orquestrado sua queda.
— O que você pretende fazer, Princesa Ariel? — perguntei.
— Vou permitir que Ghislaine tire a vida dele, assim como prometi a ela.
Luke mordeu o lábio com força com essas palavras.
Isso certamente explicava sua explosão de raiva. Fiquei honestamente surpreso que Ariel estivesse sendo tão franca sobre isso, sabendo o quanto ele se importa com sua família. Quase parecia que ela estava escolhendo publicamente Ghislaine em vez dele.
— No entanto, isso só vai acontecer se Pilemon… e a família Notos… realmente nos traíram. Ainda não temos nenhuma prova conclusiva disso.
— …
— Supondo que seja verdade, pretendo que Ghislaine o execute e depois nomearei Luke como o novo chefe da família Notos.
— E se ele realmente não te traiu?
— Vou convencer Ghislaine a se contentar com os outros.
— Os outros? Oh…
Ela disse que Pilemon era o principal culpado. Isso implicava que havia outros conspiradores. Então, nesse cenário, ela pouparia seu aliado, mas mataria todos os outros. Não soava muito como justiça, mas era assim que as coisas aconteciam às vezes. No momento, eu não conseguia angariar muita simpatia por um bando de aristocratas assassinos que nunca conheci.
— Está entendido, Luke? — disse Ariel, olhando em sua direção.
— Não há provas de que nada disso seja verdade.
A expressão de Luke era de dor. Eu poderia dizer que ele entendia a perspectiva de Ariel, mas não queria aceitá-la em um nível emocional. Ainda assim, ele estava relativamente calmo, já que estávamos discutindo a possível execução de seu próprio pai.
— É perfeitamente possível que alguém esteja nos manipulando…
Hmm. Ele, quando terminou de falar isso, atirou um olhar em minha direção?
— Luke, por favor, tenho certeza, como expliquei anteriormente, Rudeus não estará usurpando o controle da família Notos Greyrat.
— Sua Alteza! Não deveríamos estar discutindo isso na frente dele!
— Acho que é o contrário, na verdade. Eu gostaria de deixar isso bem claro para ele e todos os outros envolvidos. — Ariel fez uma pausa para respirar, então continuou com uma voz firme e clara. — Não importa o quanto ele contribua para nossa causa, não tenho intenção de conceder a Rudeus um posto na nobreza Asurana.
Isso estava bom para mim. Eu não teria aceitado mesmo se ela tivesse oferecido. Mas por alguma razão, Luke estava olhando para mim com hostilidade indisfarçável. Eu não tinha certeza de como deveria reagir a isso. Parecia que as próximas palavras que eu dissesse, ou mesmo uma ligeira mudança na minha expressão facial, poderiam determinar o curso de ação de Luke.
Ele iria se voltar contra nós, afinal?
Enquanto eu hesitava, Ariel interveio.
— Então, Luke, acho que devemos continuar esta discussão por nós mesmos. Você não se importa, não é, Rudeus?
— Claro que não.
Ariel tinha me dito que poderia lidar com isso. No momento, ficar completamente fora disso parecia minha melhor opção. Observei em silêncio enquanto ela e Luke saíam da sala juntos.
Naquela mesma noite, Ariel voltou para me informar. Em sua conversa particular com Luke, finalmente o convenceu a se abrir e ser completamente honesto com ela.
Para encurtar a história, nossas suspeitas estavam corretas. O Deus-Homem estava lhe dando conselhos.
Aparentemente, isso só tinha acontecido uma vez até agora. Enquanto nos preparávamos para nossa jornada, o Deus-Homem havia alertado Luke para “estar pronto para a traição de Rudeus”. Sua alegação era que eu me aliei secretamente a Darius para que eu pudesse assumir o controle da casa Notos Greyrat. Nesse cenário, fui motivado por uma sede de poder, desejo por Ariel e simples ganância. Sylphie não tinha ideia de minhas intenções; tudo estava acontecendo pelas costas dela.
Durante o dia, eu fingia ser aliado de Ariel, mas cuidadosamente a conduzia para as armadilhas do inimigo. E à noite, eu saía para me encontrar com os espiões de Darius e contava a eles tudo o que sabia. Na verdade, eu orquestrei secretamente todos esses eventos, depois de muitos anos de intrigas. Até meu casamento com Sylphie era supostamente apenas mais um passo no meu plano de mestre.
Esta versão de Rudeus soava como um cara ridiculamente meticuloso e inteligente. Era uma pena que eu não poderia tê-lo tomando as rédeas. Minha vida provavelmente seria muito mais suave.
A princípio, Luke achou tudo isso implausível. Era particularmente difícil para ele acreditar que eu tinha algum interesse em me juntar à nobreza. Senti como se ele nunca tivesse confiado tanto em mim, mas acho que ganhei o benefício da dúvida, pelo menos.
No entanto, eventos recentes como a destruição dos círculos de teletransporte e a traição da família Notos se desenrolaram exatamente como o Deus-Homem havia previsto. Isso foi o suficiente para acabar com a fé de Luke em mim. E uma vez que ele começou a me olhar com suspeita, encontrou razões para acreditar na história do Deus-Homem.
Parecia que ele ainda suspeitava de mim, mesmo agora.
Ariel me disse que a melhor maneira de provar minha inocência para Luke era através de minhas ações. Ela também prometeu que o impediria de fazer qualquer coisa imprudente nesse meio tempo.
Ouvir tudo isso foi um alívio. O Deus-Homem não tinha feito nada tão inteligente, então não seria tão difícil quebrar seu controle sobre Luke. O fato é que eu nunca tinha conhecido Darius, não tinha vontade de assumir a casa de infância do meu pai e não estava interessado em dormir com Ariel. Luke poderia suspeitar de mim a fim de confortar seu coração em ruínas pelos eventos recentes, mas eu simplesmente não iria traí-los.
Pelos padrões do Deus-Homem, isso parecia um trabalho meia-boca. Ficou bem claro que ele nunca esperou obter muito de Luke.
Ainda assim, Luke nunca se abriria desse modo para mim. Foi uma coisa boa Ariel ter intervido para lidar com a situação. Ela era muito mais adequada para o trabalho do que eu.
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No dia seguinte, partimos para o sul de Rikket.
Luke constantemente olhava para mim agora, e fazia o seu melhor para garantir que eu nunca estivesse sozinha com Ariel. Ele provavelmente pensou que eu poderia matar a princesa e mandar sua cabeça para Grabel, agora que ela declarou publicamente que eu nunca seria um nobre.
Eu realmente não me importei. Neste ponto, eu sabia o que estava acontecendo na cabeça de Luke, e Ariel o tinha na coleira. Era uma coisa a menos para se preocupar. Não sei se Ariel previu alguma coisa disso, mas fiquei impressionado com a rapidez com que aliviou a carga em meus ombros.
Uma outra coisa que vale a pena mencionar aconteceu naquele mesmo dia. A princesa contou pessoalmente a Ghislaine e Eris sobre as coisas que descobrimos sobre a morte de Sauros.
— Então, em suma, parece bastante provável que os membros da minha facção tenham desempenhado um papel fundamental na queda de Lorde Sauros.
— Entendo…
— Hmph.
Ghislaine ouviu a explicação de Ariel com raiva fria em seus olhos. Eris fingiu parecer desinteressada, mas podia ver através disso com bastante facilidade. Ela estava apertando o punho de sua espada com tanta força que todo o sangue foi drenado de seus dedos.
— Você vai passar por cima da minha decisão, Ghislaine? — Ariel perguntou calmamente.
— Não. Vou matar os inimigos que você me oferecer.
Ghislaine não parecia muito obcecada em assassinar Pilemon em particular. Eu esperava que isso exigisse alguma persuasão, mas acho que ela pensou nisso à sua maneira.
Eris não disse nada por um momento, mas então assentiu levemente.
— Entendo. Estou disposta a matar qualquer um que possa causar problemas a Rudeus.
Nunca mude, Eris.
Agora nosso objetivo era chegar à capital e ter nosso confronto com o inimigo. Ao longo de vinte dias, fizemos nosso caminho lentamente para o sul ao longo das estradas secundárias, e finalmente chegamos a Ars, a joia da coroa de Asura.
Tradução: Bucksius
Revisão: Nero_SL
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