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Liberte Aquela Bruxa – Vol. 03 – Cap. 366 – Papel

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Após a neve começar a cair durante os meses dos Demônios, o Rio Vermelho se tornou o único caminho em toda a Região Oeste que ainda poderia ser utilizado.

Comparado ao pequeno veleiro que Petrov usou antes, o Coração de Leão era muito mais espaçoso. Tinha espaço para uma cozinha simples, de modo que, mesmo durante as viagens, os passageiros poderiam comer comida quente.

Seu quarto, naturalmente, era o único quarto na cabine, o mesmo utilizado pelo antigo duque, que ficava no tombadilho do barco. Tinha janelas que permitiam a Petrov ver as correntes e pedaços de gelo flutuando sob seus pés.

— Meu senhor, aqui está a sopa de ovo que o senhor pediu. — O cavaleiro trouxe consigo um pote de barro e tigelas de cerâmica para o quarto de Petrov.

— Obrigado. — Petrov assentiu e disse — Sente-se e tome uma tigela também para se aquecer.

Depois que Sua Alteza convocou todos os cavaleiros das outras quatro Famílias nobres para Vila Fronteiriça, a primeira coisa que esses nobres fizeram foi enviar as famílias dos cavaleiros também. Todas as terras vazias deixadas para trás foram usadas para solicitar novos cavaleiros, ou ficaram para os próprios nobres.

Apenas a Família Madressilva não sofreu muitas perdas nesta guerra, conseguindo expandir-se rapidamente depois que foram postos no comando de Forte Cancioneiro. Agora, eles estavam bem acima das outras quatro Famílias e ainda possuíam um pelotão relativamente completo de cavaleiros. Seth, o cavaleiro ao lado dele, era um membro desse pelotão. Embora ele não fosse tão conhecido como o Luz da Manhã, ele ainda era um dos jovens cavaleiros mais notáveis.

— Sim, meu senhor. — Seth sorriu, abriu a tampa do pote de barro e serviu uma tigela de sopa para Petrov — Mas… meu senhor, você realmente acha que está tudo bem?

— Você está falando sobre a bruxa?

— Sim. Mesmo que a igreja tenha sido incendiada, é muito fácil reconstruí-la, e a Igreja com certeza voltará para a Região Oeste algum dia. Se o senhor colocar toda a culpa no Príncipe Roland, a Igreja não poderá fazer coisa alguma com o senhor. No entanto, o senhor resgatou uma bruxa em público e prendeu os crentes da Igreja… — O cavaleiro hesitou e continuou — Isso é uma prova de que o senhor está publicamente se opondo a eles.

— Se fosse tão fácil reconstruir a igreja como você diz, por que aquele lugar ainda é uma pilha de escombros? — Petrov soprou a sopa de ovos que cheirava muito bem e continuou — A Igreja nunca mais voltará à Região Oeste.

Seth piscou confuso e não pareceu convencido.

Depois que a sopa de ovos esfriou um pouco, Petrov tomou um gole e suspirou satisfeito.

— Como representante administrativo, o meu dever mais importante é descobrir as verdadeiras intenções do meu superior. O verdadeiro propósito dos esforços de Sua Alteza para normalizar a educação no Forte, utilizando os soldados recém-formados de Vila Fronteiriça e organizando peças de teatro com mensagens óbvias, tudo isso foi feito para enfraquecer a influência da Igreja. Como eu sou basicamente o zelador do Forte sob o comando de Sua Alteza, preciso seguir à risca seu modo de governo nessa área, bem como saber suas intenções. Se eu não fosse capaz de perceber esses detalhes, Sua Alteza provavelmente já teria me substituído por outro. — Petrov deu de ombros — Evitar que a igreja seja reconstruída é tão fácil quanto erguer uma mão. Os pedreiros e carpinteiros já devem ter recebido advertências quanto a isso. Mesmo que os crentes queiram reconstruir a igreja por conta própria, os ratos não permitirão que esses artesãos trabalhem para eles.

— Mas a Igreja…

— Já que foi Sua Alteza quem fez isso, ele não tem medo da retaliação da Igreja, o que significa que ele está confiante de que pode se defender dela. Se eles conseguirem pisar na Região Oeste outra vez, isso significará que o Príncipe falhou. Se ele falhar, eu não mais poderei governar o Forte, e isso é indiscutível. Acredito que esse ponto você consegue entender.

— O senhor acha que o Príncipe Roland pode derrotar o exército da Igreja? — Seth perguntou.

— Quem pode saber com certeza? — Petrov balançou a cabeça, sorrindo — Um ano atrás, ninguém pensou que ele poderia se defender dos cavaleiros do Duque Ryan. — Ele se levantou e pegou o pote de barro com sopa — Vou ver a garotinha, ela pode estar com fome.

O nome da garota era Papel.

Não havia dúvida de que ela era uma órfã, pois apenas uma poderia ter um nome tão sem sentido.

Desde o momento em que ela embarcou no navio até agora, Papel manteve-se em silêncio dentro de sua cabaninha no convés. Apesar de suas mãos estarem bem frias e vermelhas e seu corpo tremer de frio, ela não deu um pio sequer. Por razões de segurança, Petrov ainda colocou em seu pescoço um medalhão com uma Pedra da Retaliação Divina. Embora Sua Alteza continuasse afirmando que as bruxas eram como pessoas normais, ele ainda não acreditava plenamente que alguém com poderes tão extraordinários pudesse ser uma pessoa normal. Até mesmo o menor movimento errado poderia acabar com alguém sendo ferido.

— Por que você não está deitada no cobertor? — Petrov apontou para a rede pendurada na cabine. O espaço da cabine era limitado, de modo que os marinheiros geralmente dormiam em redes suspensas e usavam cobertores de linho rústicos. Embora não fosse a coisa mais confortável, deixaria qualquer um aquecido.

— Vou sujar. — Papel sussurrou.

— Olha, os marinheiros não estão mais limpos que você. — Petrov encontrou um local relativamente seco e sentou-se — Esta viagem dura três dias. Você vai ficar assim o tempo todo? Estou preocupado que você vá morrer de fome antes mesmo de chegar em Vila Fronteiriça.

— Vila Fronteiriça? — Papel olhou em confusão.

— Eu não te falei? Você está indo para um lugar onde as bruxas podem viver sem problemas. — Petrov abriu o pote de barro — Beba um pouco de sopa quente e vá deitar na rede.

Desta vez, a menina não recusou. Era óbvio que ela estava faminta, pois ao pegar o pote, começou a beber diretamente sem nenhum medo de queimar a língua.

Petrov balançou a cabeça. Ela era tão magra quanto um cachorrinho vira-lata, seu cabelo estava coberto de sujeira, e havia buracos por toda a sua roupa, que ela provavelmente encontrou em algum lugar. De relance, ela não parecia diferente de nenhum dos outros órfãos do Forte.

— Quem é aquele garoto que estava te protegendo? — Petrov perguntou — Ele também é um órfão? É seu amigo?

— O nome dele é Dente de Cobra. Ele… um monte de vezes… trouxe comida… pra gente comer. — Papel engoliu a sopa, botou a língua pra fora pra respirar e murmurou — Se eu for com você, você não vai… prender ele, né? Ele não é… uma bruxa.

— Claro. — Petrov disse, sem expressão — Ele não é importante.

Petrov ficou um pouco surpreendido ao saber que o garoto levava comida para Papel e outras pessoas. De fato, havia poucas pessoas como aquele menino na periferia. Normalmente, a falta de comida levava as pessoas a roubar umas das outras. As pessoas que já estavam lutando para sobreviver raramente tinham energia para se preocupar com os outros. E o nome Dente de Cobra soava mais como o nome de… um rato.

Com esse pensamento, Petrov não pôde deixar de perguntar:

— Você disse “pra gente”, então existem outras bruxas além de você?

— Não. — Papel balançou a cabeça — Todos os outros são apenas órfãos.

Isso deixou Petrov um pouco mais aliviado.

— Então, me diga, o que aquela velha detestável quis dizer quando gritou que você estava usando suas habilidades para limpar a neve? Esta é a primeira vez que eu ouço sobre uma bruxa que usou suas habilidades em público.

— Foi ideia de Dente de Cobra. Ele disse que eu poderia ajudar os moradores a tirar a neve dos telhados em troca de comida, para que ninguém passasse fome. O teatro conta histórias sobre bruxas o tempo todo, então ninguém tem medo de bruxas agora. Daí, se eu quisesse, ele ia lá e negociava com os adultos.

Que beleza. — Petrov pensou enquanto sorria — Esse garoto é bastante interessante. Ele soube como aproveitar ao máximo seus recursos, mas subestimou a influência da Igreja. — Então, ele perguntou:

— Então você conseguiu comida fazendo isso?

— Uhum… — Papel disse baixando a cabeça — Eu limpei três telhados. Uma família me perseguiu, mas as outras duas famílias me deram metade de um pão e uma panqueca. Só que quando cheguei no quarto telhado…

Ela deu de cara com aquela velha detestável. — Petrov deu um tapinha na cabeça dela.

— Assim que você acabar de tomar a sopa, descanse um pouco, tudo bem? Vou mandar alguém para pegar você quando estiver na hora do jantar.

Três dias depois, o Coração de Leão chegou ao porto de Vila Fronteiriça.

 


 

Tradução: JZanin

Revisão: Kabum

 

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