Uma fileira de carroças atravessava uma cidade nos arredores do Principado Sagrado de Belluga. Elas carregavam diversas mercadorias que a Companhia Comercial Forkroad pretendia vender, juntamente com quatro itens maiores que definitivamente não se destinavam à venda — Mia e seus três co-conspiradores estavam escondidos na parte de trás de uma das carroças.
Três dias haviam se passado desde que se juntaram à caravana, e um silêncio sufocante havia se instalado sobre o grupo. Mia olhava fixamente para o chão da carroça, seu rosto um pouco pálido. Ela estava sentada com os joelhos apertados contra o peito. A blusa de montaria e os shorts que usava haviam sido escolhidos pela facilidade de movimento, mas essa função estava limitada no momento.
Às vezes, ela soltava um suspiro fino, fazendo Tiona olhar preocupada em sua direção.
Princesa Mia… Ela deve estar tão preocupada, pensou Tiona ao considerar a perspectiva de Mia. Abel, seu príncipe amado, estava atualmente ilhado em território perigoso. Pensamentos sobre ele provavelmente enchiam seu coração de dor. Preciso fazer tudo o que puder para protegê-la e levá-la ao lado do Príncipe Abel.
Seus dedos se apertaram em torno do punho da espada fina em sua cintura.
Por favor, Príncipe Abel. Fique seguro.
Ela fechou os olhos e murmurou uma prece silenciosa.
Keithwood, enquanto isso, tinha uma visão diferente da cena.
Bem, então, parece que nem mesmo a Princesa Mia é imune ao nervosismo.
Eles estavam indo para o Reino de Remno, que era certamente um território perigoso. Embora a ordem pública ainda estivesse amplamente intacta, as áreas com revoltas ativas representavam um risco inegável para sua segurança. As pessoas estavam furiosas com a realeza de Remno, e o vetor de sua raiva poderia ser facilmente redirecionado para os governantes de nações estrangeiras. Se suas identidades fossem reveladas, esta missão poderia muito bem se provar fatal. E Mia sabia disso, ela tinha que saber. O risco era tão óbvio que parecia inconcebível para alguém conhecida como a Grande Sábia do Império tê-lo ignorado. Não havia dúvida em sua mente de que ela estava ciente do perigo e superara seu medo para estar aqui.
Tenho que dar crédito a ela. Ela não é apenas inteligente, mas sabe ser criteriosa com sua coragem; ela é corajosa quando importa.
Ele contraiu os lábios, pensativo, enquanto a estudava, tornando-se cada vez mais ciente de que alguma parte dele não se importaria de ver uma união entre Mia e seu mestre.
Finalmente, vamos mudar a perspectiva para a pessoa em questão e descobrir o que Mia estava realmente pensando durante tudo isso…
U-Ugh… Eu… estou enjoada…
Ela estava… simplesmente enjoada da carroça. E muito enjoada, por sinal. Afinal, ela só andara em carruagens destinadas ao uso da família imperial, que eram obras de artesanato excepcional que maximizavam o conforto de seus passageiros. Tendo se acostumado com a facilidade de viagem que tais veículos luxuosos proporcionavam, as carroças dos comerciantes se mostraram terrivelmente desagradáveis. A madeira dura do chão roçava dolorosamente em seu delicado traseiro, e a trepidação implacável da estrada acabou com seu sistema vestibular.
De vez em quando, ela forçava algumas respirações na tentativa de acalmar a náusea, mas estava perdendo lentamente a guerra contra seu estômago, que enviava onda após onda de sucos acres por sua garganta. Para seu crédito, ela estava ciente de que parecia bastante rude dar a seus três amigos o tratamento do silêncio depois de pedir que a acompanhassem em uma jornada como esta. No entanto, toda vez que tentava puxar conversa, era assaltada por uma crise de enjoo que fazia sua cabeça girar.
Posso vomitar se abrir a boca…
Ela também não podia dizer isso em voz alta. Enjoada ou não, ela ainda era uma princesa e tinha uma imagem a manter. Nenhuma princesa com um pingo de orgulho diria abertamente às pessoas que ia vomitar. Então, ela manteve a cabeça baixa e aguentou, lutando desesperadamente contra a vontade de esvaziar o conteúdo de seu estômago no chão da carroça.
Em nenhum momento questões como suas verdadeiras identidades serem expostas às massas rebeldes passaram por sua mente. Nunca sequer lhe ocorrera que tal coisa seria um problema. Ela estava preocupada com Abel, claro, mas seu mecanismo de enfrentamento para essa preocupação em particular era… evitar pensar nisso.
Está tudo bem. Quando fui capturada, demorou um pouco até me matarem. Chegaremos a tempo.
Apesar de sua racionalização, no entanto, ela não podia deixar de esperar que ele estivesse seguro. Por um breve momento, ela ergueu os olhos, mirando esta prece saudosa de uma amante desafortunada para o céu… Apenas para engoli-la de volta quando outra onda de náusea ameaçou enviar mais do que apenas uma prece para fora de sua boca.
Não consigo pensar… Estou tão enjoada…
Ela cobriu o rosto com as mãos, sentindo que seu limite estava se aproximando rapidamente.
— Estamos quase passando pela fronteira. Aguente firme, pessoal. Só mais um pouco — disse Sion, que fora à boleia para dar uma olhada. Ele se juntou a eles na carroça.
A primeira barreira para alcançar o Príncipe Abel era a fronteira. De acordo com informações que obtiveram de antemão, o Reino de Remno estava atualmente em estado de alta segurança. Entrar e sair do reino era fortemente restrito, com apenas um punhado de companhias mercantes recebendo isenções.
— Não que seja surpreendente. Era de se esperar que eles apertassem o controle da fronteira em um momento como este. A instabilidade interna é exatamente o tipo de coisa que as nações vizinhas tentarão aproveitar, enviando seus próprios agentes. Eles podem oferecer assistência a qualquer facção em troca de favores futuros, ou podem usar o caos como parte de uma tentativa de golpe. A força militar de Remno também os torna um alvo especialmente atraente, já que nenhum governante mediano deixaria passar a oportunidade de enfraquecer um poderoso exército estrangeiro.
A explicação objetiva de Sion foi recebida com acenos de cabeça de Keithwood e Tiona. Mia os observou, seu olhar tornando-se ligeiramente distante.
Humm… Será que eles foram assim quando o império passou por sua revolução também?
— Ainda assim — continuou Sion —, tenho que admitir que isso está indo mais tranquilamente do que eu esperava.
— Graças ao plano brilhante da Senhorita Chloe. E, claro, a esta rota que nossa equipe de agentes secretos traçou para…
Keithwood parou e inclinou a cabeça um pouco, franzindo a testa. Logo depois, ouviu-se um grito da boleia.
— B-Bandidos! Estão vindo atrás de nós!
— Bandidos?
Sion e Keithwood trocaram olhares de soslaio.
— Isso é estranho. Uma caravana deste tamanho não deveria…
A caravana Forkroad era razoavelmente grande, consistindo em dez carroças. Um grupo deste tamanho seria acompanhado por mercenários particulares, o que deveria tê-lo tornado um alvo arriscado demais para os bandidos apostarem.
— A ordem pública pode estar em decadência no momento, mas ainda assim, há algo de suspeito nisso.
Os dois pularam de pé simultaneamente.
— Princesa Mia, por aqui!
Um puxão súbito em seu braço a fez tropeçar em direção à frente da carroça.
— Bleugh— — Suas mãos foram à boca e ela engoliu em seco, mal conseguindo evitar um desastre gastrológico. — Ugh! O-O que foi isso?!
Ela estava prestes a gritar mais indignação com o impertinente puxador de seu braço, apenas para as palavras ficarem presas na garganta quando ergueu os olhos e encontrou Sion, seus lábios apertados e seus olhos duros. Ele estava olhando para além dela. Ela seguiu seu olhar e se virou.
— Quem—?!
Ela ofegou quando a cobertura da carroça foi aberta e um homem de corpo esguio entrou. Ele estava envolto em tecido preto da cabeça aos pés. Até seu rosto estava coberto com um pano preto. Ele olhou para os quatro e sacou sua espada. Parecia um pouco mais curta do que as espadas comuns que a maioria dos cavaleiros carregava.
— U-U-Um… Um bandido?
O brilho ameaçador da lâmina enviou um arrepio por sua espinha que fez sua voz tremer.
— Ora, ora, sem modos, não é? Olha, você está assustando as damas — disse Keithwood com um inclinar de queixo.
No instante seguinte, Keithwood estava a meio caminho da carroça, espada na mão. Seu súbito avanço foi acompanhado por uma estocada afiada. Com habilidade e poder que rivalizavam com os de Sion, ele mirou sua espada diretamente no braço dominante do homem. Houve um clangor quando metal encontrou metal, e a espada de Keithwood se desviou de seu caminho. Ele fez uma careta e saltou para trás enquanto a lâmina de seu inimigo cortava o ar a uma polegada de seu rosto, apenas para chutar o chão ao aterrissar, impulsionando-se para a frente para uma segunda estocada. Seu ataque fora de ritmo continuou, atingindo seu oponente com um ritmo sincopado que desequilibrava o tempo regular das trocas de lâminas. O homem de vestes pretas, no entanto, não era um novato e aparou habilmente seus ataques para a esquerda e para a direita. Suas lâminas dançaram uma ao redor da outra em arcos afiados que cortaram diretamente a lona da carroça, e o tecido rasgado começou a flutuar descontroladamente ao vento.
— Lutando de igual para igual comigo, hein… Cuidado, milorde. Este homem não é um mero bandido.
— Concordo. Seu movimento é praticado — disse Sion com um aceno de rosto sério. — Quem é você? Um assassino de algum tipo?
— Bem, quer dizer, se ele fosse, provavelmente não lhe diria seu nome, então— Uou!
A espada curta do homem atacou novamente enquanto trocavam farpas. Keithwood aparou a lâmina que se aproximava e trocou golpes enquanto recuava. Seus passos eram suaves e deliberados, fluindo de um para o outro em uma sequência graciosa que parecia mais dança do que batalha.
— Tsc tsc, interrompendo as pessoas enquanto estão falando… Vocês, assassinos, com certeza são um bando de mal-educados, não são? — ele zombou.
Sua provocação teve pouco efeito sobre o homem, que continuou a se aproximar lentamente deles.
— Tentando diminuir a distância, é? Bem, dois podem jogar esse jogo.
Desta vez, Keithwood partiu para a ofensiva. Empregando um estilo que evitava golpes largos em favor de estocadas, ele não foi impedido pelo espaço confinado da carroça. Cada ataque, mesmo que bloqueado, fluía suavemente para o próximo, criando uma corrente perfeita que — embora incapaz de desferir um golpe fatal — era mais do que suficiente para manter o homem ocupado. Enquanto continuava sua barragem, começou a franzir a testa.
— Algo não está certo… Este cara não é amador. Ele não está chegando a lugar nenhum e sabe disso, então por que não está indo embora? O que ele está tramando— Espere, m—
Ele rosnou e se virou para os outros.
— Milorde! Cuidado! Ele tem reforços!
O silvo de várias espadas começou antes que sua frase terminasse. A lona danificada foi cortada em farrapos quando dois homens adicionais de vestes pretas pularam na frente da carroça.
E-Estamos presos!
Os olhos de Mia dispararam para a esquerda e para a direita em busca de uma rota de fuga, em vão. Eles tinham Sion, mas certamente, nem mesmo ele conseguiria lidar com duas pessoas ao mesmo tempo.
De repente, havia um perigo muito real para suas vidas, e ela foi dominada por uma sensação que há muito esquecera — o medo primordial da morte. À beira das lágrimas, ela choramingou e olhou para o príncipe, cuja expressão só podia ser descrita como o oposto polar da sua.
— Uau, vocês com certeza se deram a muito trabalho só para prender algumas crianças em uma carroça.
Calmamente, ele se virou para os recém-chegados, o movimento lento, mas régio, e sacou sua arma. Ele fixou os dois agressores flanqueadores com um olhar, brandindo não a espada em sua mão, mas as lâminas em seus olhos. Uma tensão palpável emanava dele, fazendo o cabelo de Mia se arrepiar. Seus olhos se arregalaram em reconhecimento, pois ela conhecia bem essa sensação. Era a aura mortal que Sion emitia quando olhava para alguém que decidira matar.
Na linha do tempo anterior, fui eu quem recebeu aquele olhar terrível.
Ela olhou para sua figura intrépida e se sentiu tranquilizada. Afinal, o poder assustador que outrora ameaçara sua vida agora estava sendo usado para protegê-la do perigo. O pensamento foi suficiente para acalmar seus nervos e até mesmo inspirar um pouco de confiança.
Ufa, parece que vamos ficar bem! Graças às luas pelo Príncipe Sion! Aposto que ele mata bandidos como estes o tempo todo! Isso vai ser moleza para ele!
À medida que ficava cada vez mais otimista, a gravidade da situação começou a diminuir, e ela até considerou torcer por ele como se faz em um jogo esportivo de um amigo.
— Tudo bem. Qual de vocês gostaria da honra de ser a primeira vítima de minha lâmina?
Vamos, Si-on, vamos— Espere, o quê?! A primeira?!
Toda a confiança que ela construíra derreteu em um instante.
O-Ok, talvez devêssemos assistir a isso de uma distância mais segura… Só por precaução…
Ela começou a engatinhar em direção à borda da carroça de quatro. Nesse exato momento, uma das rodas atingiu um trecho irregular do chão, e toda a carroça saltou no ar.
— …Quê?
Seguiu-se uma estranha sequência de sensações. Primeiro, houve um breve período de ausência de peso. Então, ela sentiu o tapa do tecido contra suas costas. Finalmente, houve um impacto surdo em seu lado, seguido pela sensação vertiginosa de rolar.
A carroça estava bem no meio da travessia de um grande rio que corria ao longo da fronteira. Ela abriu os olhos e se viu mergulhando em direção a um tapete de água tão vasto que parecia um oceano. Correntes poderosas o atravessavam, levantando grandes borrifos ao se chocarem ruidosamente contra quaisquer obstáculos em seu caminho.
— Hyaaaaaaaaaaah!
Ela soltou um grito bastante indigno enquanto mergulhava nas profundezas aquáticas.
— Droga! Princesa Mia! Estou indo!
A última coisa que ela ouviu antes do mergulho final foi a voz em pânico de Sion…
E assim, a princesa de Tearmoon e o príncipe de Sunkland desapareceram no rio.
Tradução: Gabriella
Revisão: Matface
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