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Império Tearmoon – Vol. 01 – Cap. 59.3 – Pequena História Bônus: Princesa Mia… Semeia as Sementes (Literalmente)

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— Senhor Ludwig, chegou uma encomenda de Sua Alteza.

— Ah, muito obrigado.

Ludwig espiou o pacote enviado por Mia e uma ruguinha de preocupação surgiu em sua testa.

Este mês também?

Desde que Mia tinha ido para a Academia São Noel, ela andava mandando de volta uma boa quantia em dinheiro, todo santo mês. Até agora, o total já chegava a quase metade do que ela tinha recebido para suas despesas. Nunca vinha um bilhetinho junto com o valor, então Ludwig deduziu que ela confiava nele para dar um bom destino àquilo tudo. Ele agradecia, claro; um dinheiro extra nunca era demais. Embora viesse dos impostos do povo e, por isso, não deixasse o Império mais rico, essa verba não estava amarrada ao orçamento, e ele podia usá-la como bem entendesse. Desde ajudar regiões mais pobres até engordar os cofres do hospital construído em nome de Mia, o que não faltava era lugar precisando de dinheiro.

— Não há um dia sequer que eu não agradeça profundamente pelo cuidado e consideração da Princesa Mia… mas será que isso está certo mesmo?

Ele não conseguia evitar a pulga atrás da orelha. Claro, enquanto ela estivesse em São Noel, o básico nunca lhe faltaria. As refeições eram servidas no dormitório, então, a menos que quisesse dar um pulo na cidade para jantar fora, não precisava de dinheiro para comida. Já tinha um quarto para morar, e o material de estudo era todo fornecido pela academia. Para o dia a dia simples, não havia a menor necessidade de gastar em São Noel.

Contudo, Mia era uma princesa, e tinha toda aquela questão da imagem. A forma como ela era vista respingava diretamente na reputação do Império. Se o estilo de vida dela parecesse simples demais, ou, pior, deselegante, seria uma vergonha para toda Tearmoon. Por isso, era fundamental que ela organizasse um chazinho aqui, outro ali, e convidasse as princesas dos outros reinos. Ela também precisava marcar presença nos bailes noturnos. O custo para frequentar esses eventos podia muito bem ser considerado despesa diplomática e, portanto, era um gasto obrigatório. Normalmente, não deveria sobrar tanto dinheiro assim…

— Mas, quer dizer, estamos falando da Princesa Mia. Tenho certeza que ela já fez todas as contas e tem algum plano mirabolante na cabeça…

 

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Enquanto isso, contrariando todas as expectativas de Ludwig, Mia estava mais mão-fechada do que nunca.

— Não posso me dar ao luxo de esbanjar um tostão sequer!

Sem que ela pedisse, seu pai — o Imperador — vivia mandando rios de dinheiro, e ela, espertamente, desviava uma boa parte para Ludwig. Quanto à pequena fortuna que ficava com ela, fazia o impossível para não gastar nem um centavo. Muitas vezes, numa demonstração de economia que não condizia nem um pouco com seu status, sua mente era invadida por pensamentos do tipo: Será que consigo esticar o dinheiro deste mês para cobrir o próximo inteiro?

Dia após dia, Mia quebrava a cabeça buscando formas de economizar sem manchar a reputação do Império, sempre se equilibrando naquela corda bamba entre a poupança e o vexame. Era uma façanha impossível para meros mortais como Anne. Somente verdadeiras sumidades, como a Grande Sábia do Império, possuíam a astúcia e a sabedoria para encontrar esse ponto de equilíbrio tão delicado.

O último perrengue que tirava o sono de Mia era justamente aquilo que Ludwig também havia ponderado: uma festa do chá entre princesas. Para eventos desse porte, era óbvio que a anfitriã bancaria a conta toda. Desde a compra de chás caríssimos até o preparo de quitutes de dar água na boca, todas as despesas corriam por conta da dona da festa. As convidadas, claro, também precisavam levar um presentinho, mas eram coisas baratas o suficiente para que ela não se importasse em fazer isso quando ia aos eventos das outras. Na verdade, ela aceitava convites para festas com o maior prazer e ia toda feliz, presente em mãos. Só que ela não podia viver só de ir às festas alheias, né? Uma hora ou outra, teria que promover um chá da tarde super produzido para mostrar a pompa e o poder do Império para suas colegas. E aí é que morava o problema…

— Ai, o que eu faço…

Naquele dia, Mia se revirava na cama, lendo distraidamente as anotações que Anne havia deixado para ela. Virou de bruços, esbravejando baixinho e fuzilando o papel com os olhos.

— Sinceramente, não faço a menor ideia de como resolver essa encrenca…

Rabiscados na folha estavam os custos da tal festa do chá que ela tinha ido outro dia; com a ajuda de Anne, elas tinham calculado e anotado tudo. Durante a festa, ela saiu perguntando, na maior cara de pau: “Este chá é divino! Que tipo de folhas usaram?” e “Estes doces estão uma perdição! Queria pedir pro meu pai me mandar alguns. Onde foi que encomendaram?”, tudo para arrancar informações sem dar na vista. Quando ela somou os gastos todos…

— Isso dá quase três quartos da minha mesada… Não é um exagero gastar tanto só pra manter as aparências?

Sendo a princesa de um império podre de rico, uma festa do chá que devorava três quartos da sua verba mensal de uma vez só não era pouca coisa. Esse tipo de gasto era, definitivamente, um abuso. Ela ficou de queixo caído ao descobrir que essas festanças eram super comuns na academia. Aos poucos, a ficha foi caindo: as festas do chá em São Noel não eram só um passatempo… Eram verdadeiros campos de batalha onde o orgulho e o prestígio dos diversos reinos se estapeavam. Por trás dos sorrisos delicados das princesas e das filhas de nobres, escondiam-se egos afiados como navalha, que elas usavam com uma habilidade mortal numa guerra invisível de poder, riqueza e fama. O que aconteceria se Mia entrasse nessa disputa?

Todo aquele dinheirinho que eu suei tanto pra economizar vai evaporar num piscar de olhos!

A maior vítima dessa história, sem sombra de dúvida, seria sua carteira. Por exemplo, imagine que Mia usasse toda a sua mesada de um mês para dar uma festa do chá. Nesse caso, alguma princesa convidada, dominada pela competitividade ao invés do juízo, provavelmente tentaria superá-la e daria outra festa custando o equivalente a dois meses de mesada. E aí, para não deixar a imagem do Império cair na lama, Mia teria que cobrir a aposta e gastar ainda mais.

Seria um ciclo sem fim.

Inflamadas pelos egos gigantescos das princesas, as despesas iam disparar feito foguete. No fim das contas, seria igualzinho a uma corrida armamentista, só que em vez de disputar quem tinha mais cavalos de guerra ou soldados experientes, a briga seria pela qualidade da louça e pelo preço das folhas de chá e dos doces.

— Preciso manter a pose do Império, mas ao mesmo tempo me livrar dessa competição boba. Hmm… Isso vai exigir uma mudança de perspectiva radical, mas como…? — ela resmungava para si mesma, ainda esparramada na cama.

Bem nesse instante, Anne surgiu na porta. — Com licença, milady. Chegou um mensageiro da Senhorita Rafina com um convite para o chá da tarde dela.

— Da Senhorita Rafina, é? — respondeu Mia, lançando um olhar desanimado na direção de Anne.

Um chá com Rafina não era exatamente o programa dos sonhos de Mia, mas, pensando bem, também não era um convite que ela pudesse simplesmente ignorar.

— Que seja. Rumo ao território inimigo, então. Vou encarar como uma missão de reconhecimento — disse ela, decidindo que era melhor aproveitar a oportunidade. Afinal, ela andava quebrando a cabeça justamente por causa de festas do chá, e a proposta aguçou sua curiosidade. Decidida, ela se arrastou para fora das cobertas e trocou de roupa, colocando um vestido. O fato de ter ficado de pijama até o meio-dia era um segredinho que só Anne sabia.

 

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— Seja bem-vinda, Princesa Mia. A propósito, se importa se eu te chamar só de Mia?

— Oh, imagina! Pode me chamar como quiser! — respondeu Mia com um sorriso um tantinho exagerado no entusiasmo.

A festa do chá ocorreu num jardim nos confins da escola. Conhecido popularmente como o Jardim Secreto, diziam as más línguas que só entrava ali quem fosse convidado por Rafina. Desde que pisara em São Noel pela primeira vez, lá na outra vida, Mia morria de vontade de dar uma espiada, mas esta era a primeira vez que ela de fato colocava os pés lá dentro. Assim que entrou, um perfume de flores invadiu suas narinas.

Que lugar espetacular! Nem o Palácio da Lua Branca, lá em casa, tem um jardim desses, pensou ela, completamente enfeitiçada pelo aroma adocicado que a envolvia.

Flores de um tom rosa avermelhado dominavam a paisagem. Conhecidas como “rosas-princesa”, eram uma espécie rara, com uma fragrância forte e elegante, e famosas por serem um osso duro de roer na hora de cultivar.

— E então, o que achou? Gostou?

Sentada a uma mesa no centro do jardim estava Rafina, com um sorriso tão encantador quanto as flores ao seu redor. Mia virou-se para ela e fez uma pequena reverência.

— Sinto-me imensamente honrada com o convite para este chá, Rafina — disse Mia, retribuindo o sorriso. Ao olhar em volta, porém, o sorriso congelou em seu rosto. — Hum… Onde é que estão as outras convidadas?

— Hoje, minha única convidada é você, Mia.

— …Quê?

Seus lábios tremeram levemente, e ela sentiu um suor frio escorrer pelas costas. Esforçando-se ao máximo para manter o sorriso, perguntou: — S-Só eu?

— Sim. Nós nos tornamos amigas outro dia, não foi? Desde então, venho querendo sentar para conversar com você. Agora que está aqui, podemos conversar e nos conhecer de verdade.

Rafina continuou sorrindo, o que só serviu para instalar um pavor profundo na alma medrosa de Mia.

Depois que Mia se ajeitou, toda sem graça, em sua cadeira, uma criada surgiu com o chá.

— A Senhorita Anne não veio com você hoje?

— O-Oh, hm, não. É que eu pensei que haveria mais gente aqui.

Geralmente, ela não levava Anne para festas do chá. Na única vez que fez isso, a nobre que organizou o evento passou a tarde inteira fuzilando Anne com um olhar que dizia claramente: “Você não pertence a este lugar”. A expressão de Rafina ficou séria, e ela assentiu, compreensiva.

— Entendo. Peço desculpas por não ter sido clara antes. É verdade, ninguém gosta de ver alguém de confiança ser tratado com hostilidade. — Então, ela sorriu novamente e continuou, a voz ganhando um tom melodioso de empolgação: — Mas isso quer dizer que terei você só para mim, Mia! Ah, temos tanto para conversar! Vai ser divertidíssimo!

P-P-Pelas Luas! Sozinha? Com ela? É mais fácil eu mesma servir minha cabeça numa bandeja de prata!

Ela engoliu em seco, tentando disfarçar o pânico. Enquanto se esforçava para manter o sorriso amarelo, seu olhar caiu sobre a mesa à sua frente, onde uma xícara de chá repousava.

Hmm, esta xícara… é de Belluga. E não foi nada barata, pelo visto.

Um brilho surgiu em seus olhos. Ela se lembrou de sua missão: hora do reconhecimento! Em seguida, voltou sua atenção para o chá na xícara, mas parou ao notar a cor.

É… rosa?

— Espero que seja do seu agrado… — disse Rafina, convidando-a com um gesto para experimentar.

Ela levou a xícara aos lábios e deu um gole. Um calor gostoso se espalhou por sua boca e subiu pelo nariz, trazendo um aroma delicioso que misturava o frescor de ervas com a doçura das flores.

— Nossa… Que delícia!

Antes que percebesse, as palavras tinham escapado. Seu elogio sincero fez Rafina abrir um sorriso de orelha a orelha.

— Que maravilha ouvir isso!

— Tem um perfume tão diferente… Que tipo de folhas de chá você usou?

Ao ouvir a pergunta, os lábios de Rafina se curvaram num sorriso matreiro.

— É um chá de ervas exclusivo, uma mistura de ervas e flores. Aliás, talvez você ache um dos aromas da mistura bem familiar… — disse ela, olhando ao redor.

Enquanto Mia acompanhava o olhar dela pelo jardim, uma luz se acendeu.

— O cheiro das flores… Seriam… as deste jardim?

— Exato! Você tem um ótimo olfato, Mia. — Rafina deu uma risadinha antes de acariciar gentilmente uma das flores com as mãos. — Estas belezinhas aqui são minhas, sabia? Eu mesma cuido delas.

— Jura? Eu não sabia que jardinagem era um dos seus passatempos, Senhorita Rafina.

— Mas é claro que é! E não só flores. Cultivo todo tipo de ervas e até algumas frutas. Sempre que dou uma festa do chá, trago para minhas convidadas.

— Entendo, você mesma cuida de tudo…

Nesse exato momento, Mia teve um estalo, uma verdadeira iluminação divina.

É-É ISSO! Se a Senhorita Rafina gosta de jardinagem, então eu só preciso mostrar que também gosto!

Servir aos convidados chás feitos com flores cultivadas pela própria anfitriã podiam ser vistos, por um lado, como forçar seus gostos nos outros. No caso de Rafina, tudo bem, porque seus “produtos” eram de alta qualidade, um verdadeiro deleite. Mas era perfeitamente possível que outra pessoa servisse um chá feito com ervas de procedência duvidosa ou um bolo com frutas meio esquisitas. Nesses casos, dificilmente seria um agrado. Agora, se essa “outra pessoa” fosse ela…

Apesar de parecer uma arrogância sem tamanho, isso não mancharia a reputação de Tearmoon. Pelo contrário, seria uma atitude perfeitamente condizente com a princesa de um império poderoso.

Vão me chamar de metida, provavelmente, mas pelo menos não vão me chamar de pão-duro. Que ideia genial, modéstia à parte!

— As frutas, eu consigo conservar com açúcar e usar em bolos. Às vezes, espremo o suco e sirvo a polpa sequinha com o chá. No fim das contas, eu simplesmente adoro cultivar e cuidar de plantas.

— Que passatempo adorável você tem! — disse Mia, concordando com um sorriso que mostrava um pouco demais os dentes para ser totalmente sincero.

 

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No dia seguinte, Mia mergulhou de cabeça na pesquisa sobre ervas. Para sua sorte, São Noel era o lar da maior biblioteca do continente. Havia uma fartura de livros sobre botânica, e ela encontrou o que precisava num piscar de olhos. Com todo aquele conhecimento ao seu alcance, abriu um livro e devorou suas páginas. Aprendeu sobre ervas e flores usadas em chás, frutas para bolos, mas não parou por aí. De gramíneas comestíveis a cogumelos saborosos, os livros eram um tesouro de informações valiosas.

— Quanta coisa! E tudo tão fascinante… — ela divagou um tempo depois.

Quando estava fugindo do exército revolucionário, a fome tinha sido um sofrimento constante. Conseguir encontrar comida na floresta teria sido uma bênção dos céus.

— Pensei em tentar pescar ou caçar lebres, mas achei que seria muito complicado. Mas nunca me passou pela cabeça procurar por matinhos comestíveis…

A imagem do chefe de cozinha da capital surgiu em sua mente.

— Talvez eu dê um pulo lá quando voltar no verão… Ele era mestre em cozinhar tomates lua amarela, quem sabe ele não sabe como deixar uns matinhos selvagens gostosos também.

Enquanto continuava lendo, topou com uma informação que a deixou ainda mais boquiaberta.

— Propagação ilimitada de rabanetes-lua-foice?! Se uma coisa dessas fosse possível, não acabaria com a fome de uma vez por todas? Preciso investigar isso JÁ!

 

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— Hum… Deve ser mais ou menos por aqui…

Três dias depois, a mando de Mia, Anne se embrenhou pela cidade. A ilha onde ficava a academia era um formigueiro de gente e comércios, mas tudo girava em torno de São Noel. Lojas e barracas existiam basicamente para suprir as necessidades dos estudantes, com uma pequena parcela voltada para os funcionários da academia e os próprios comerciantes. A academia era o epicentro de toda a atividade local, transformando a ilha inteira numa espécie de cidade universitária. Por isso, não se via por ali o tipo de gente que se poderia chamar de agricultor. Verduras e frutas vinham todas de fora, de barco, então não havia necessidade de plantações locais. No entanto, jardinagem era um hobby surpreendentemente popular entre os nobres. A academia até tinha um clube de jardinagem, e nunca faltavam moças da nobreza suspirando de amores por flores. Onde há demanda, há oferta, então, naturalmente, a ilha contava com muitas lojas que vendiam artigos de jardinagem. Elas ficavam concentradas no distrito oeste da cidade, e era para lá que Anne se dirigia.

— Pelo jeito, Mia decidiu se aventurar na jardinagem —, falou ela, lembrando do entusiasmo com que Mia contara sobre a festa do chá com Rafina no outro dia.

Era um jardim tão espetacular! Ela disse que adoraria te levar lá também, então vamos juntas na próxima!

— O sorriso dela ia de orelha a orelha. — Anne deu uma risadinha discreta. — A Senhorita Rafina deve ter contagiado ela.

Como a Grande Sábia do Império, Mia era de uma sabedoria que não condizia com sua idade. Sua perspicácia e inteligência rivalizavam – não, superavam de longe – a da maioria dos adultos. A ideia de Mia, a própria encarnação da sabedoria, agindo como qualquer outra garota de sua idade, influenciada por uma espécie de irmã mais velha que ela admirava, trouxe um sorriso carinhoso ao rosto de Anne.

— Hmm, vejamos. Estas são rosas-princesa, e estas aqui acho que são ervas. E também… ué?

Ela arqueou a sobrancelha ao ler o bilhete que Mia lhe dera.

— Ué… Tenho quase certeza que isso aqui é aquela planta que minha mãe cultiva em casa. Lembro de ter comido isso…

O tipo de jardinagem que Anne imaginava para os nobres envolvia flores deslumbrantes, ervas aromáticas e um ar geral de sofisticação. Ela visualizava um passatempo refinado, mais arte do que propriamente uma atividade. A lista de Mia, no entanto, era bem pé no chão. Consistia basicamente em hortaliças. E não qualquer hortaliça; eram produtos “raiz” – do tipo que os agricultores plantavam em grande escala. Eram tão “raiz” que ela quase podia sentir o cheiro de terra neles. A procura por essas coisas era tão baixa que Anne nem sabia se conseguiria encontrá-las na loja.

— E o que é isso? Um único rabanete-lua-foice? E essa coisa que parece de cerâmica? Parece algum tipo de pratinho…

Por um instante, imagens de sua mãe cortando a parte das folhas do rabanete e mergulhando-a na água vieram à sua mente. Lembrava-se de como sua mãe esperava as folhas brotarem novamente para usá-las na cozinha. Era um pequeno truque caseiro que aprenderam com a avó de Anne.

— Haha, até parece! A Grande Sábia do Império não ia recorrer a truques da vovó.

Mal sabia ela que seu palpite estava certeiro.

— Ela deve precisar disso para alguma coisa… Algo muito sábio e de extrema importância…

Nem em seus sonhos mais delirantes ela imaginaria que a Grande Princesa Mia havia encontrado a solução para os problemas mortais do Império usando exatamente isso — sabedoria da vovó.

 

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— Milady, suas encomendas chegaram.

— Obrigada, Anne. Vamos nessa, então!

Todos os estudantes de São Noel que se dedicavam à jardinagem tinham pequenos canteiros reservados para seu uso. Ficavam num cantinho agradável do pátio, que recebia uma generosa dose de sol.

Vestida com um traje de jardinagem à prova de sujeira – uma blusinha de manga curta e shorts – Mia saiu toda animada. Anne já tinha organizado o equipamento que ela encomendara em fila. Havia uma pá, um regador, tesouras de poda – tudo novinho em folha – e uma variedade de sementes.

— Sinto muito, milady, mas não consegui achar sementes de hortaliças na cidade, e importar fica bem caro.

— Entendo. Já imaginava — disse Mia, concordando com a cabeça.

Poder cultivar suas próprias verduras permitiria que ela as usasse não só nas festas do chá, mas também nos almoços, então a notícia foi um pouco frustrante. Mas ela não ficou muito chateada. Nem ela esperava que fosse fácil assim cultivar hortaliças. Seu verdadeiro objetivo era outro…

— A propósito, Anne, você conseguiu achar um rabanete-lua-foice?

— Ah, sim, esse eu consegui fácil, fácil, mas… Hihihi — disse Anne, dando uma risadinha.

Mia a olhou, sem entender.

— Qual é a graça? Rabanetes-lua-foice remetem a alguma piada?

— Oh, não! É que minha avó costumava cortar a parte das folhas, sabe? Aquela que a gente normalmente come? Então, ela colocava essa parte na água, e as folhas começavam a crescer de novo! — contou Anne, compartilhando a sabedoria da avó. — Lembrei de como eu ria e chamava isso de “sabedoria da vovó”. Desculpe, não quis comparar com o que a senhorita vai fazer, mas me lembrou na hora…

— É-É mesmo…? — gaguejou Mia, as bochechas repuxando num sorriso forçado.

Descobrir que sua grande sacada para salvar o Império era, na verdade, conhecimento popular entre os plebeus foi um baque terrível. Sua mente deu um nó.

— E então, o que a senhorita pretende fazer com este rabanete?

— Hã? E-Er, bem, hm… Ótima pergunta! Na verdade… Ah, já sei! Vou curtir ele no mel! — declarou ela, lembrando da parte do livro que vinha logo depois da seção sobre propagação ilimitada.

— No mel? Fica gostoso?

— Se fica gostoso eu não sei, mas dizem que rabanetes mergulhados em mel lunar, coletado por abelhas lunares, são um santo remédio para resfriado. Aí pensei em tentar fazer uns…

Rabanetes curtidos no mel, convenhamos, também eram fruto daquele vasto conhecimento popular carinhosamente apelidado de “sabedoria da vovó”, mas enfim…

— Milady… — Por um longo segundo, Anne fitou os olhos de Mia. Então, sua expressão se transformou em pura admiração. — Eu sabia! A senhorita é um poço de sabedoria!

A julgar pelo espanto genuíno nos olhos de Anne, a avó dela não era bem a fonte de todo o saber que parecia. Com sua reputação salva por um triz, Mia voltou sua atenção para o jardim.

— Agora, preciso plantar estas sementes… Anne, por um acaso você sabe como faz?

— Hm, acho que a gente faz um buraquinho na terra com o dedo, assim, e…

Anne se agachou e começou a fazer pequenos buracos na terra, depositando algumas sementes em cada um. Mia se juntou a ela, enfiando o dedo na terra também. Para uma nobre comum, aquilo seria um ultraje, mas Mia, a veterana das masmorras, nem ligou. A sensação da terra cedendo sob seu dedo era estranhamente prazerosa, e ela achou aquilo até meio viciante.

— Sabe que isso é até divertido? Lembro do meu avô passando o dia inteiro fuçando no jardim dele, e eu ficava me perguntando qual era a graça…

O avô de Mia, o Imperador anterior, por uma dessas coincidências bizarras da vida, tinha o mesmo hobby que Rafina: rosas-princesa. Só para esclarecer, podar flores e cultivá-las do zero são atividades bem diferentes. O passatempo do ex-Imperador era do tipo “fino”, condizente com a imagem aristocrática: aparar galhos e pétalas rebeldes para manter a beleza do jardim. Definitivamente, não era o que Mia estava fazendo agora: cavoucando a terra com as mãos, parecendo uma criança na caixa de areia. Mia, no entanto, nem se deu conta dessa diferença e, sentindo uma conexão profunda com o avô, concluiu que seu entusiasmo era coisa de família. Depois de se divertir horrores plantando sementes, ela percebeu algo e franziu o cenho.

— A propósito, Anne, cadê as rosas-princesa? Se não me engano, as sementes que plantamos são todas de ervas.

— Ah, é mesmo! Acontece que, aparentemente, é um parto cultivar essa flor a partir de sementes, então eu trouxe isto aqui…

Anne foi até a beirada do jardim e voltou com um vaso de flor que estava por lá.

— Me disseram que a gente deveria começar tentando fazer essa aqui florescer.

Uma pequena muda sem flor despontava do vaso. Folhas lustrosas enfeitavam um caule grosso e verde, que parecia pronto para sustentar novos botões.

— Se a gente cuidar direitinho, dizem que floresce em mais ou menos um ano.

— Entendi. E como a gente cuida dela, então?

— Precisamos garantir que ela receba a quantidade certa de água. E, pelo visto, atrai muitos bichinhos, então temos que ficar de olho nisso.

— Só isso? Ora, mas isso é moleza!

Regá-la todo dia era tarefa simples, e se aparecessem insetos para devorá-la, era só levar o vaso para o quarto. Assim, os bichos não conseguiriam mais chegar perto.

— Vou buscar um pouco de água pra gente, então.

Mia observou Anne correr até o bebedouro antes de pegar o vaso com a rosa-princesa.

— Hehehe, isso vai resolver todos os meus problemas com as festas do chá… Mamão com açúcar.

Aninhando a mudinha como se fosse um tesouro, ela a examinou, admirando a força do caule, o brilho das folhas e como a pontinha de uma delas parecia estar… faltando?

— Ué, o que é isto…?

Mia tinha entendido tudo errado sobre o que Anne dissera. Quando ouviu “atrai insetos”, imaginou borboletas esvoaçantes vindo provar o néctar, ou algo do tipo. Ela não sabia que folhas oleosas como aquelas atraíam não borboletas ou mariposas adultas, mas suas crias – lagartas. Quando, distraidamente, virou uma das folhas e deu de cara com uma pequena criatura roliça e rastejante, enrolada como uma bola, seu corpo inteiro paralisou. Observou-a se contorcer, o movimento lento, alienígena e absolutamente nojento. Então, sem aviso, a criatura rastejou para seu dedo fino e, com aquele movimento ondulante pavoroso, começou a subir por sua mão.

— Aaargh!

A pele macia de seu braço se arrepiou na hora.

— AAAAAARGH! AHHHHH! AI! AI! A-Alguém! A-A-Anne! ISSO! Anne! Chegou a hora de mostrar sua lealdade! T-T-TIRA ESSE BICHO DE MIM! AAAARGH! Está subindo! Está subindo pelo meu braço! Anne! SOCORRO! ANNE!

Ela estava quase chorando, mas por mais que berrasse, Anne não aparecia. Então, uma terrível ficha caiu: Anne tinha acabado de ir buscar água, e o bebedouro ficava lá nos fundos do prédio! Não tinha como ela escutar!

— AAAAAAAARGH! Anne! Anne!

Totalmente alheia aos gritos desesperados de sua “anfitriã”, a lagarta continuava a subir calmamente por seu braço. Enquanto Mia via aquela cabeça bulbosa se aproximar cada vez mais, de repente sentiu uma leveza estranha, e o mundo inteiro girou em seu eixo antes de tudo escurecer.

 

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— Ouvi dizer que existem flores que comem insetos — soltou Mia, do nada. Alguns dias tinham se passado desde seu desmaio no jardim.

— Hã? É sério?

— Sim! Parece que quando os insetos chegam perto para pegar o néctar, ela simplesmente os devora! Tipo, NHAC! — Ela fez um gesto com as mãos. — Se eu plantar algumas delas atrás das rosas-princesa, será que elas comem todos os bichos para mim?

— Mas, milady, se o problema são os insetos, eu posso simplesmente…

— Não, Anne! Essa é uma tarefa horrível, e eu me recuso a deixar você fazer isso!

— Milady…

Anne a olhou com gratidão, tocada pela bondade de sua gentil mestra.

Não quero que a Anne faça nada nojento. E outra, não posso deixar que ela me sirva com mãos que tocaram aqueles bichos nojentos. Ugh, só de pensar já me dá um arrepio… Se um deles ficasse preso na roupa dela, e ela trouxesse para dentro, e ele acabasse na minha cama… AAAAAARGH!

Sua imaginação disparou e rapidamente se transformou num filme de terror. Movida pelo pavor de criaturas rastejantes invadindo seu espaço pessoal, ela correu para a biblioteca da escola para pesquisar sobre plantas carnívoras. Assim que encontrou a que queria, foi atrás das sementes. Eram bem raras, mas ela conseguiu comprá-las depois de desembolsar uma graninha. O que se seguiu, no entanto…

— Você viu as flores que Sua Alteza está cultivando?

— Vi! São tão esquisitas! Dizem que comem qualquer inseto que chega perto… Que coisas medonhas!

…Foi uma infâmia daquelas. Para piorar, seu experimento com rabanete e mel acabou se mostrando surpreendentemente eficaz contra resfriados comuns, o que gerou uma avalanche de boatos de que ela era, na verdade, algum tipo de bruxa. Justo quando parecia que as Crônicas de Mia terminariam numa fogueira em vez de na guilhotina, uma única declaração de Rafina colocou um ponto final na palhaçada.

— Todo mundo sabe que os reinos do sul são o lar de plantas carnívoras, e rabanete-lua-foice curtido no mel é um remédio caseiro usado há gerações. Como sempre, a vastidão do conhecimento da Princesa Mia nunca deixa de me impressionar.

No fim das contas, Mia conseguiu sobreviver à confusão toda inteira, tirando um leve arranhão em sua reputação; à sombra de noites sem lua, nos dormitórios de estudantes fofoqueiras, continuaram os cochichos sobre Grandes Sábias e sabedoria da vovó.

De qualquer forma, a habilidade de herbalismo de Mia subiu um pontinho, e é isso que importa! Eba!

 


 

Tradução: Gabriella

Revisão: Matface

 

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