Meu nome é Tomoe. Eu sou a filha adotiva do ex-casal real de Elfrieden, Senhor Albert e Senhora Elisha, o que faz de mim a irmãzinha adotiva do Irmãozão Souma e da Irmãzona Liscia.
Neste momento, eu estava em um quarto no castelo de Senhor Mathew, que governava o Ducado de Chima. Antes de saírem desse quarto, Irmãozão Souma e o Sr. Inugami me deram instruções:
— Certo, vamos deixar você sozinha por um tempinho, mas fique quietinha e espere por nós, está bem? Vou voltar assim que meu trabalho estiver terminado.
Deixada sozinha no quarto, eu fiquei sentada na cama balançando as pernas por um tempo, mas enjoei disso bem rápido, por isso pulei da cama. Então, me aproximando siileeeenciosamente da porta, espiei pela pequena fresta deixada pela abertura.
Não havia ninguém no corredor. Eram tempos de guerra, talvez não tivesse gente suficiente.
Saí do quarto, fechando a porta atrás de mim.
Irmãozão e todos os outros disseram para ficar no quarto e esperar, mas eu queria muito explorar o castelo.
Digo, enquanto a gente estudava, meu professor, o Sr. Hakuya, disse:
— As experiências que você vai ter como criança são um tesouro.
E eu respondi:
— Eu quero crescer para me tornar uma mulher que consegue ajudar meu Irmãozão e todo mundo.
A resposta gentil dele:
— Não há necessidade de ter pressa. Enquanto você for criança, com um coração de criança, você deveria observar e ouvir, e vivenciar muitas coisas. Quanto mais velha você fica, mais você perde sua liberdade de sentir. As coisas que você experienciar com os seus olhos e ouvidos agora sem dúvidas vão te ajudar quando crescer e se tornar uma mulher.
Depois de dizer isso, ele afagou minha cabeça.
Era por isso que eu queria ver todo tipo de coisa sozinha. Não enquanto eu era protegida pelo Irmãozão ou pelo Inugami. Queria explorar esses lugares desconhecidos por mim mesma.
Quebrar minha promessa com o Irmãozão me machucava, mas eu tinha certeza que se eu pedisse desculpas depois, ele aceitaria.
Após sair para o corredor, olhei em volta pelo castelo. Diferente do de Parnam, o castelo do Duque Chima parecia pouco refinado. Não tinha muitas janelas, era meio escuro mesmo sendo ao meio dia.
Talvez porque todos estavam lutando lá embaixo dele, mas parecia que a maioria das pessoas por quem eu passava eram empregadas, ou outras que não lutavam.
Hum, mas nossa empregada chefe: Serina, e uma das outras empregadas: Carla, sabiam lutar, não é? Talvez uma ou duas dessas também soubessem.
“Meu professor sempre dizia: Você não deve julgar as pessoas apenas pela aparência, afinal.”
Refletindo sobre isso enquanto andava, avistei uma empregada perto da janela que parecia estar dando uma pausa. Tentei perguntar a ela por que este castelo era tão rudimentar.
— Garotinha, acho que a razão pela qual você acha este lugar rudimentar é que este castelo existe puramente para fins defensivos — a empregada explicou de maneira gentil. — O Duque Chima geralmente realiza seus trabalhos oficiais em um prédio na cidade ao pé da montanha. Quando a guerra chegou então, ele se abrigou neste castelo enquanto esperávamos por reforços. Se primeiro enfrentarmos o inimigo nas muralhas da cidade e recuarmos aqui assim que eles as atravessarem, poderíamos continuar lutando, certo?
— Entendi…
Parecia para mim que um castelo espelhava seu país. O Castelo Parnam foi construído nas planícies e também era a face do país, por isso foi feito para ser chamativo, mas o castelo do Duque Chima foi erguido para defesa, então era bastante simples. Interessante como você podia ver as faces das pessoas que governavam um país dessa maneira.
“Ah, mas recentemente, o Castelo Parnam tem estado…”
Irmãozão transformou a maior parte de seu quarto em uma sala de costura, abriu um restaurante para servir pratos que ele e Poncho criaram e até instalou algo chamado “elevador”, que usava pesos para subir e descer os andares sem usar as escadas. Bastante ridículo.
Irmãzona Liscia deu uma bronca nele por isso, com uma cara emburrada.
No entanto, Roroa estava se acabando de dar risada enquanto assistia os dois…
Se a forma de um país se refletia em seu castelo, isso significava que o Reino atual de Friedônia era um país ridículo?
Hmm… talvez sim.
Havia a reserva dos rinossauros, o Exército Van Shoujou e até mesmo um ryuu negro voando por aí afim de contar a todos sobre o clima.
Exceto que eu também estava incluída quando se tratava de coisas bobas envolvendo animais.
Caminhei um pouco enquanto me preocupava com isso, depois parei.
— …Hein?
“Erm… Onde era este lugar mesmo… exatamente?”
A aparência bruta do castelo significava que não havia muitas decorações, então todos os corredores pareciam iguais. A mesma cor de tapete, o mesmo tipo de porta, o mesmo modelo de candelabro… tudo tão igualzinho. Eu estava envolvida em pensamentos enquanto caminhava. Perdi a noção do caminho por onde vim.
— O-Qu-Qu-Que que eu faço agora?!
Meus olhos se moviam freneticamente…
“Eu lembrava de ter subido uma escada… Ah, mas onde estavam essas escadas agora?”
Como as portas estavam espaçadas de maneira uniforme, não conseguia encontrar a certa novamente, mesmo olhando ao redor.
Caminhei a passos largos. Esperava que pudesse pedir por direções a alguém, mas quem diria? Não havia ninguém por perto quando eu precisava.
“I-Is-Isso não era bom.”
“Ahh… Vou acabar fazendo o Irmãozão e todo mundo se preocupar…”
Não conseguia imaginar nada além de seus rostos preocupados, e isso fez com que minhas orelhas se abaixassem. Só queria ampliar meus horizontes para poder ajudá-los, mas invés disso estava fazendo o oposto.
“Aahh… Onde estou, sério…? Hein?”
Chegando ao final do corredor, percebi que o ambiente ficou um pouco mais claro.
Parecia ser uma porta que levava para fora. A luz do sol se pondo estava escapando para dentro, talvez se eu saísse, alguém poderia me encontrar. Pensando nisso, saí.
“Fwah?!”
Apertei os olhos devido ao vento forte.
Olhando para cima, o céu se estendia distante. Olhando para baixo, havia paralelepípedos. Parecia que essas eram as muralhas do castelo.
“Ah, entendi… Eu tinha mesmo subido uma escada, não é?”
Podia até ser o lado de fora, mas isso não era o nível do solo. Parecia que, por não ser muito grande, o castelo do Duque Chima estava ligado às paredes que o cercavam.
Ao caminhar ao longo da borda das muralhas, vi algo incrível.
Olhando para o norte a partir deste castelo, que foi construído encostado em uma montanha, eu conseguia ver a cidade de Wedan abaixo, e fora das muralhas que a cercavam, podia ver claramente as forças da União das Nações Orientais lutando contra monstros. Lembrei-me de algo que o Sr. Hakuya havia dito na aula de história:
— Existem exceções a isso, mas ocupar o terreno elevado geralmente traz uma vantagem aos seus aliados. Porque poder observar com cuidado o que o inimigo está fazendo permite que você prepare contramedidas. Olhando para a história, há muitos exemplos em que o lado que ocupou o terreno elevado saiu vitorioso.
Pelo menos, era isso que eu achava que ele tinha dito.
Ao se trancar neste castelo, observando o inimigo enquanto lutava e aguardava reforços, o Ducado de Chima nunca havia caído. Isso era uma nova descoberta.
Então, notei alguém sentado na beirada da muralha.
— Hein? — disse, surpresa.
Aparentemente, era um garoto da minha idade.
O garoto magro, com cabelos castanho-avermelhados, continuava olhando para cima e para baixo. Quando me aproximei para ver o que ele estava fazendo, descobri que desenhava algo.
Havia uma folha de papel estendida sobre a prancha pendurada em seu pescoço. Ele continuava desenhando nela com carvão, levantando a cabeça, olhando através do telescópio ao seu lado e depois desenhando novamente, repetindo o processo várias vezes. Tão concentrado em seu trabalho que nem percebeu minha aproximação.
— Ãh, o que você está fazendo…?
— Uwah?! — O garoto ficou tão assustado que deu um pulo.
Ele colocou os óculos que havia deixado ao lado do telescópio e me encarou com força.
— Quem é você?
— Ah! Peço desculpas por te surpreender. Meu nome é Tomoe.
— Eu sou… Ichiha.
Ichiha? Ele parecia ter minha altura, talvez fosse um pouquinho menor. Tinha um rosto gentil e braços e pernas finos, de modo que acabei pensando que parecia um pouco com uma garota. Talvez fossem os óculos, mas também parecia ser bom em estudar.
— Poderia me informar se é nativo deste país, Ichiha? — eu perguntei.
— Uh, sim… Ãh, quantos anos você tem, Tomoe?
— Eu? Estou para completar onze anos neste ano.
— Eu tenho dez. Então você não precisa ser tão educada comigo…
Huh. Ele era um ano mais novo que eu. Seria mesmo esquisito ter uma garota mais velha sendo super formal com ele.
— Combinado, vou falar normalmente então — eu disse. — Você também pode falar comigo como quiser, Ichiha.
— Combinado… Tomoe.
— Então, o que você estava fazendo aqui, Ichiha? Parecia que você estava desenhando alguma coisa…
— Ah!
Quando tentei dar uma olhada em seu quadro de desenho, ele correu para escondê-lo.
— Ah! — Talvez eu estivesse sendo um pouco rude. — Desculpe. Você deve ter vergonha de que as pessoas vejam seu trabalho, certo?
— Ah! Ãh… eu não quero mostrar para você, ou talvez eu devesse dizer que é melhor se você não ver…
— Hm? O que você quer dizer com isso?
Se ele fosse fazer grande caso disso desse jeito, só faria com que eu quisesse ver ainda mais.
Encarei Ichiha nos olhos, fazendo-o perceber esse fato.
— Eu quero ver. — Abanei o rabo, mostrando o quão interessada estava.
Enquanto eu continuava encarando-o dessa maneira, Ichiha cedeu e entregou relutantemente seu quadro de desenho para mim.
— Já vou dizendo… Não é nada divertido de se ver, está bem?
— Eheheh. — Peguei o quadro de desenho e olhei para o papel nele. — Hein? Isto é…
Ao ver o que estava desenhado lá, inclinei a cabeça para o lado.
O desenho era muito melhor do que eu teria esperado de um garoto de dez anos, mas o que realmente me chamou a atenção foi o modelo. Havia uma criatura misteriosa desenhada lá.
Com traços rápidos de carvão, ele desenhou uma imagem realista de um cachorro de duas cabeças com asas parecidas com as de um morcego.
Pensando bem, Ichiha estava olhando através de um telescópio enquanto desenhava isso. O que aquele telescópio estava apontado para… era o campo de batalha.
— Isso é um desenho de um monstro? — eu perguntei.
— …É.
Havia várias camadas de desenhos no quadro, e ao folhear por eles, descobri que eram desenhos de vários monstros diferentes. Cada um deles estava bem feito e capturava as características únicas de cada criatura, mas… o que era isso?
Não tinha sentido nada em particular olhando para apenas um deles, mas com vários de seus desenhos diante de mim, parecia haver um tipo de foco especial aqui. Era como se ele não os tivesse desenhado apenas como hobby.
— Espera, Ichiha! Você só desenha monstros? — perguntei.
— Sim. — A voz de Ichiha soou muito seca. Seus olhos tremiam com… como eu deveria dizer isso? Uma espécie de tristeza solitária neles.
Enquanto ainda não conseguia encontrar uma maneira de falar com ele, Ichiha soltou uma risada auto depreciativa.
— Dá medo, não é? Que eu fique aqui apenas desenhando imagens de monstros.
— Um, isso na verdade não…
— Não precisa se forçar. Eu sei muito bem o quão estranho sou. Meu pai, meus irmãos e irmãs não precisam me dizer isso também.
Engoli em seco.
Ao ouvi-lo dizer isso, com sua solidão aparente, lembrei-me de mim mesma no passado.
Antes de ser descoberta pelo Irmãozão Souma, eu achava que não valia nada. Como refugiados, havíamos perdido nossa casa. Passava todos os dias pensando: “eu devo ser um fardo tão grande para a mãe.”
Foi por isso que eu…
Paft!
Eu segurei Ichiha pelos dois lados do rosto e olhei diretamente em seus olhos surpresos.
— Bweh! O que você está fazendo?! — ele gritou.
— Acho que são bons desenhos. Eu não sei muito sobre desenho, mas acho que você capturou tão bem os monstros que até eu consigo entender o que os torna especiais.
— V-Você não tem que mentir para me fazer sentir melhor… — As palavras de Ichiha estavam atrapalhadas porque eu estava pressionando suas bochechas.
— Não estou apenas te elogiando! Você tem uma razão para desenhar apenas monstros, não é? Tenho certeza de que meu irmão ficaria interessado em você!
Os olhos de Ichiha… Eles pareciam semelhantes aos do Irmãozão Souma, ou do Sr. Hakuya. Eram os olhos de alguém com a visão focada em algo diferente de todos os outros.
Isso me fez querer apresentá-lo ainda mais ao meu Irmãozão e ao professor. Porque senti que eles poderiam encontrar o valor neste garoto que eu não conseguiria.
Retirei as mãos das suas bochechas e o puxei pelo braço.
— E-Espera, por que você está puxando?! — ele gritou.
— Ichiha, eu quero que você conheça meu irmão mais velho. Quero que você mostre a ele esses desenhos. Se fizer isso… Sinto que alguma coisa vai mudar.
— O que você quer dizer com “alguma coisa”?
— Alguma coisa!
Caminhei enquanto puxava Ichiha pela mão… e então parei bem rápido.
— O-O que há de errado? — Ichiha me perguntou duvidosamente quando parei de súbito.
— …Agora que lembrei, eu estava perdida — admiti. — Me disseram para ficar no nosso quarto enquanto Irmãozão conversava com o Duque Chima, mas…
— Aahhh… — Ichiha suspirou e coçou a cabeça.
Ah! Aquele gesto! Aquilo me lembrava um pouco o Irmãozão também.
Ichiha se colocou à minha frente e, desta vez, me conduziu pela mão.
— Se você é um dos convidados do meu pai, deve ser a sala de recepção, eu acho. Vou te mostrar o caminho.
— Sério?! Obrigada, Ichiha!
Quando o abracei para mostrar minha gratidão, o rosto de Ichiha assumiu um tom vermelho claro.
— Espera, hein? — acrescentei. — Você acabou de dizer “pai”?
— Eu sou Ichiha Chima.
Enquanto eu o encarava sem entender, Ichiha explicou com um auto-desprezo óbvio:
— Eu sou o esquisitão… o mais novo dos oito irmãos Chima.
Ichiha estava me levando de volta para onde estavam o Irmãozão e os outros, passando por um corredor após o outro, quando de repente ele parou.
— Ah!
— Ichiha?
Olhei para a frente, me perguntando qual era o problema, e vi três homens grandes vindo em nossa direção. Eles eram tão musculosos que dava para perceber mesmo através de suas roupas, deixando claro que eram soldados.
O que me preocupou foi que todos eles pareciam feridos. Um deles tinha um ferimento na cabeça, com bandagens enroladas em torno da testa, enquanto outro parecia ter o braço quebrado, pois estava embrulhado em ataduras e pendurado no seu pescoço. O último talvez tivesse quebrado a perna, pois estava andando com muletas.
Os soldados também nos notaram.
— Hein? O que essas crianças estão fazendo em um lugar desses? — disse o que tinha o ferimento na testa, com um tom que fazia parecer estar de mau humor.
Olhando para nós de cima, ele começou a encarar.
— U-Um… — Eu disse nervosamente
Tinha um homem assustador nos encarando, e ele estava de mau humor, de maneira que minhas pernas começaram a tremer.
Ultimamente, só tinha pessoas legais como o Irmãozão Souma, o Sr. Hakuya e todos os outros ao meu redor. E mesmo antes disso, no acampamento de refugiados, todos os refugiados trabalhavam juntos para sobreviver.
Por isso, essa era a primeira vez que alguém me olhava com tanto ódio sem nem tentar disfarçar. Era muito assustador. Eu queria correr, mas minhas pernas não se mexiam.
Enquanto eu não conseguia dizer nada devido ao medo, o homem com muletas começou a me observar.
— Ela é um homem-fera do Norte? Ela está bem vestida, mas… aposto que é um daqueles refugiados.
— Tsc! Que coisa irritante. Uma pirralha refugiada não deveria estar vagando pelo castelo. — O homem com o braço enfaixado cuspiu essas palavras para mim com um olhar frio. — Nós estávamos lá fora lutando e nos machucamos nesse nível, enquanto uma refugiada aleatória fica de pernas para cima no castelo? Não está certo!
— Ei, ei, não precisa se irritar com uma criança — disse o outro soldado.
— Cala a boca! A gente devia jogá-la para fora do portão do castelo e usá-la como isca para os monstros. — Com isso, o homem com o braço enfaixado se aproximou de mim estendendo seu braço bom.
— N-Não! — Eu chiei.
— Calma lá! — Afim de me defender enquanto eu cobria os ouvidos aterrorizada, Ichiha deu um passo à frente. — Essa garota é uma convidada do meu pai! Pare de desrespeitar nossa convidada! Além disso, não é culpa dela que vocês se machucaram, não é?!
— Como é que é, moleque?!
Com os homens o intimidando, os braços e pernas de Ichiha pareciam tremer, mas ele ainda resistiu desesperadamente e encarou eles.
— Aposto que se machucaram tentando impressionar minha irmã, acertei? E agora, como não podem mais se destacar por causa dos ferimentos, estão descontando a frustração de perder a competição por ela nessa criança!
— Seu moleque…! Cuidado com o que fala! — O soldado com o braço enfaixado agarrou Ichiha pela gola com sua mão funcional.
Por ser apenas uma criança de dez anos, e uma pequena ainda por cima, aquilo foi o suficiente para levantá-lo no ar. Ichiha gemeu de dor.
Voltei à realidade e gritei:
— P-Para com isso!
— Ei, isso está indo longe demais — protestou um dos outros soldados.
— Pense no que vai acontecer se causarmos uma comoção aqui — concordou o terceiro. — Isso prejudicará nossa posição nas Forças Unidas.
— …Tsc.
Com os outros dois repreendendo-o, o homem com o braço enfaixado soltou Ichiha relutantemente.
Livre e com as mãos no chão, Ichiha tossiu alto.
Corri na mesma hora para o seu lado.
— Você está bem?! Desculpe ter feito você passar por isso…
Tossindo, Ichiha disse:
— N-Não é sua culpa, Tomoe. Eu me meti nisso sozinho. — Ichiha sorriu para mim, embora o sorriso estivesse um pouco fraco. — Além disso, se eu te abandonasse aqui, minha irmã ficaria brava. Ela acabou de me dizer para me envolver mais com outras pessoas, afinal.
— Ichiha…
— Espera, esse moleque, ele é o irmão mais novo da Casa de Chima, não é? — disse o homem com muletas, alarmado, olhando para Ichiha.
Quando ouviu isso, o homem com o braço enfaixado soltou uma risada de escárnio.
— O que, o irmão mais novo? O inferior? Dizem por aí que todos os outros irmãos e irmãs são super talentosos, mas que esse nanico aí não herdou nenhum dom, certo?
— É, ouvi dizer que é por isso que ele não faz parte da recompensa desta vez — disse o homem com bandagens na testa, concordando com a cabeça.
Enquanto os três homens riam zombeteiramente dele, Ichiha baixou a cabeça e cerrou os punhos, ficando parado ali, suportando. Ele devia estar frustrado com a humilhação, mas estava fazendo todo o possível para conter sua raiva.
Provavelmente pensou que eu estaria em perigo se a situação saísse mais do controle.
Talvez ele estivesse pensando que, contanto que fosse o único de quem estavam zombando, estava tudo bem. Contanto que não dirigissem seu desprezo para mim.
— Ha ha ha! Deve ser difícil para o Duque Chima, ter um filho inútil, — ridicularizou um dos soldados.
— Ele tem um rosto feminino também. É uma pena… aposto que se ele pelo menos fosse uma mulher de verdade teria alguém disposto a aceitá-lo.
— Guh… — Rangendo os dentes, Ichiha suportou o abuso verbal.
“Isso é o suficiente! Você não precisa passar por isso por minha causa! Eu pensei, e estava prestes a dar um passo à frente quando… aconteceu.”
— …Vocês têm algum assunto para tratar com minha irmãzinha?
Era uma voz calma, mas claramente cheia de raiva. Quando olhei para cima, Irmãozão Souma, Aisha e Mutsumi Chima, a mulher que tínhamos conhecido no pátio, estavam do outro lado dos três soldados.
Aisha e Mutsumi tinham rostos furiosos, enquanto o Irmãozão Souma fingia estar calmo, seus olhos não sorriam. Os três homens se viraram para os recém-chegados e tentaram reclamar.
— O quêêê? Você é o irmão dessa-Bwuh!
Antes que o homem com o braço quebrado conseguisse terminar suas palavras, Aisha se aproximou e segurou seu rosto com a mão direita. Pensei ter ouvido um som desagradável de algo esmagado.
— …Majestade — disse Aisha friamente. — Posso?
— Você tem minha permissão.
Foi uma troca curta, mas preocupante.
Assim Aisha, por mais incrível que pareça, levantou o homem com uma mão.
A força para erguer um homem adulto já era incrível, mas o fato de que ela tinha a firmeza para não soltar o rosto dele enquanto o fazia era impressionante.
O homem com o rosto sendo agarrado daquela maneira devia estar sentindo uma dor inimaginável.
Ele agitava os braços, lutando.
Aisha olhou para ele e perguntou:
— Como você se sente sendo levantado? Você não gosta? Seus pais nunca te ensinaram a não fazer às pessoas o que você não gostaria que fizessem com você?
Ah! Mas… quando o homem levantou Ichiha, ele o fez pela frente da camisa, não com um punho de ferro em seu rosto…
Os dois homens restantes ficaram furiosos.
— O quê?! Quem é essa elfa negra?!
— Como você ousa… Solte ele! — Eles estenderam as mãos em direção aos cabos das espadas em suas cinturas, tentando sacar as armas.
Quando o fizeram, Aisha avançou em direção a eles, usando o homem que ela tinha levantado como um escudo humano. Ver o primeiro homem gemer pareceu suficiente para fazer os outros dois hesitarem, incapazes de sacar suas espadas.
— Vocês dois, parem com isso! — Mutsumi ordenou.
Com isso, os homens recobraram a razão e tiraram as mãos das espadas.
Ah! Isso mesmo. Pensando bem, Ichiha tinha dito que esses homens tinham desistido da competição por Mutsumi. Em outras palavras, seria ruim para eles se ela passasse a odiá-los. Eles devem ter ficado tão agitados que não perceberam sua presença até agora.
— Aisha, você também… Acho que já fez o suficiente — disse o Irmãozão Souma, olhando para os dois homens que tinham se acalmado.
— Sim, senhor! — respondeu prontamente.
— Whoa… Ai!
Solto subitamente por ela, o homem com o braço enfaixado caiu de costas.
Enquanto os outros dois recuaram diante de Mutsumi, o de braço quebrado devia ainda estar irritado por ter sido humilhado, porque encarou o Irmãozão Souma sem dar sinal de se acalmar.
— Você, seu…! Quem você pensa que é, se intrometendo desse jeito?!
— Quem eu penso que sou…? Um rei, talvez? — Irmãozão Souma disse como se não fosse nada.
Ele só tinha dito a verdade, mas o homem aparentemente achou que era uma piada, porque a raiva distorceu seu rosto ainda mais.
— Acha que pode mexer comigo. Eu vou matar…
— Pare com isso! Você tem alguma ideia com quem está se metendo?! — Mutsumi disse, ficando na frente do Irmãozão. — Quem você acha que é esse homem?! Este é o Senhor Souma Kazuya, o rei da grande nação do sul, o Reino Unido de Elfrieden e Amidônia!?
Os três homens entraram em pânico de repente.
— O quê?! Então esse homem… digo, esse cavalheiro… é o Rei de Friedônia? — gritou um deles.
A julgar pela atitude deles, esses homens deviam ter um status significativo dentro da União das Nações Orientais. Talvez fossem governantes de seus próprios países ou tivessem confiados no comando de exércitos inteiros. Mas havia uma diferença avassaladora de poder entre um país na União das Nações Orientais e o Reino de Friedônia.
Irmãozão era alguém com quem essas pessoas não podiam se dar ao luxo de ficar irritadas. Agora que perceberam que estavam arrumando briga com ele, não sabiam o que fazer.
Quanto a ele…
— Acho que não tive que fazer essa coisa de Mito Koumon1“Mito Koumon (ou Kōmon) é um personagem de uma famosa série dramática de televisão homônima japonesa sobre um investigador que viaja pelas cidades corrigindo injustiças de oficiais corruptos. Geralmente as histórias dos capítulos encerravam com lutas entre os protagonistas e grupos de malfeitores.” faz um tempo…
…ele murmurou consigo mesmo com um sorriso irônico.
“O que é um Mito Koumon? Me perguntei.”
Seja lá o que fosse, os homens estavam completamente desiludidos enquanto Mutsumi gritava com eles.
— Madame Tomoe que você está vendo aqui é a irmãzinha do Senhor Souma! Se você está sendo rude com Madame Tomoe, significa que quer enfrentar o Reino de Friedônia?! Se pretendem criar um incidente diplomático com a grande nação do sul, os outros países da união não vão ficar calados!
— Não, senhora! Estamos sinceramente arrependidos! — Gritando ao mesmo tempo, os homens se ajoelharam no chão.
Eles curvaram as cabeças repetidamente, não apenas para o Irmãozão Souma, mas também para Ichiha.
Estava óbvio que eles pensavam que um incidente diplomático poderia colocar suas posições em risco. Estavam implorando de maneira desesperada por perdão.
Se ninguém fizesse nada, da maneira como estavam indo, parecia que poderiam começar a esfregar seus rostos nas botas dele a qualquer momento.
Isso parecia um pouco demais até mesmo para Irmãozão.
Ele suspirou.
— Isso é o suficiente. Sumam daqui!
Os três homens saíram, balançando freneticamente as cabeças enquanto iam.
— Sinceramente, que bando de arruaceiros! — Mutsumi disse indignada. — Ichiha, você está bem?
— S-Sim, irmã!
Caminhando até Ichiha, Mutsumi colocou uma mão em sua cabeça.
— Foi bom você ter protegido uma garota, mas não é bom ser muito imprudente. Tudo bem?
— …Sim. Me desculpe.
— Não estou brava. Estou feliz que você tenha mostrado sua masculinidade. — Com um sorriso suave, Mutsumi acariciou a cabeça de Ichiha. — Agora, Senhor Souma, parece que encontramos sua irmãzinha, então vou indo. Em relação àqueles três, vou pedir ao meu pai que faça uma reclamação formal aos países a que pertencem.
— Ah! Claro. Obrigado.
Mutsumi se curvou para nós antes de sair.
Enquanto eu estava aliviada por ter sido salva, de repente uma sombra caiu sobre mim.
Hesitantemente, me virei com olhos levantados, e lá estava o Irmãozão com uma expressão séria da qual eu não conseguia ler emoção nenhuma. Ao lado dele estava Aisha, que parecia querer me ajudar, mas estava se contendo.
Irmãozão se agachou, olhando nos meus olhos.
— …Tomoe.
— S-Sim?
— Você sabe o que eu quero te dizer, não é?
— Sim… Desculpe por sair sozinha e fazer você se preocupar comigo.
Quando me curvei silenciosamente, Souma soltou um pequeno suspiro.
— Fomos nós que te forçamos à posição de ser nossa irmãzinha. Então não vou te dizer para se “comportar de acordo com sua posição”, ou algo do tipo.”
Ele não estava gritando comigo, apenas falando calmamente. De certa forma, isso doía mais.
— Mas como sua figura de irmão mais velho, fico preocupado sempre que penso que algo ruim pode acontecer com você. O mesmo vale para Aisha. O motivo dela ter ficado tão brava foi porque parecia que estavam te assustando. Bem, acho que o motivo de eu não a ter impedido foi porque eu também estava irritado…
— Todos estavam preocupados, sabe? Tenho certeza de que o Senhor Inugami ainda está correndo por aí procurando por você. — A voz de Aisha estava cheia de preocupação, o que só me fez sentir pior.
Eu queria me tornar alguém que pudesse ajudar o Irmãozão e todos os outros, mas no lugar, acabei causando problemas para eles. Isso não era bom de jeito algum.
E ainda assim, mesmo depois do que eu fiz, o Irmãozão me disse:
— Se algo acontecer com você, não seremos só nós: Irmãzona Liscia, sua mãe Tomoko, seu irmãozinho Rou, e seus pais adotivos Senhor Albert e Senhora Elisha ficarão todos tristes.
— Sim…
— Daqui para frente, quando quiser fazer algo, traga alguém para te proteger, para garantir sua própria segurança. Você pode usar Inugami para o que quiser, então, por favor, você é uma criança. Conte com os outros para te ajudar. — Irmãozão olhou diretamente para mim.
Eu curvei a cabeça novamente, engolindo em seco.
— Está bem… Desculpe.
— Cuide-se daqui para frente… — ele continuou. — Ufa. Bom, pelo jeito dessa cauda e orelhas caídas, eu diria que você está refletindo de verdade sobre o que fez, então chega de sermão.
Irmãozão se levantou, colocando uma mão na minha cabeça.
— Bem, quando nos conhecemos pela primeira vez, você era tão tímida e hesitava em relação a tudo. Então, como seu irmão mais velho, vê-la tão ativa me deixa feliz.
— Irmãozão… — murmurei.
— Seria a influência da Irmãzona Liscia? Se for, bem, eu entendo por que você quer ser um pouco travessa, mas… tudo com moderação. Naqueles momentos em que realmente precisar fazer algo, conte com alguém. Entendeu?
— Entendi! — Eu disse energicamente.
O irmão mais velho me acariciou na cabeça.
Então ele se aproximou de Ichiha, que estava assistindo silenciosamente como as coisas se desenrolavam, e se ajoelhou para que seus olhos ficassem no mesmo nível.
— Desculpe — disse Souma. — Parece que minha irmãzinha te causou problemas. Obrigado por protegê-la.
— Ah, não… Eu era fraco demais para fazer qualquer coisa…
— Mas você a defendeu, certo? Sei como é assustador ficar na frente de homens com caras assustadoras quando você é fraco e incapaz de fazer qualquer coisa. Estou impressionado que você conseguiu fazer isso na sua idade.
Dito isso, Irmãozão se levantou e estendeu a mão para Ichiha.
— Eu sou Souma Kazuya, o irmão mais velho da Tomoe. Prazer em conhecê-lo.
— Ah…! Eu sou Ichiha Chima.
Ichiha timidamente apertou a mão dele, e eles se cumprimentaram.
O irmão mais velho, que era tão bom em encontrar pessoas que o chamavam de maníaco por recrutamento, estava apertando a mão de Ichiha, que parecia ter algo único que ninguém elogiava.
Vendo os dois apertarem as mãos, senti que algo estava prestes a começar a se mover, e meu coração bateu um pouquinho mais rápido.
O menino era magro, usava óculos e parecia um pouco frágil, mas tinha os mesmos traços atraentes da Madame Mutsumi. Seria o tipo de jovem bonito e letrado que deixaria as garotas doidinhas.
Ele usava um tipo de roupa sem mangas típico deste país, mas eu sentia que um kimono forrado e uma hakama de um escritor da era Meiji teriam combinado. No entanto, éramos de um país diferente, então eu não poderia fazer isso pelo garoto.
Talvez porque o conceito básico das roupas que usavam era o mesmo, quando ele ficava ao lado de Tomoe, pareciam um par de bonecas.
Aisha sorriu e disse:
— Ambos são tão fofos.
— Ãh, há algo errado? — perguntou o menino hesitantemente.
Pelo jeito eu estava encarando.
— Ohh, desculpe — eu disse. — Estava perdido nos meus pensamentos. Er, Senhor Ichiha… Espera, soa estranho chamar alguém da idade da Tomoe assim. Posso te chamar apenas de Ichiha, como ela faz?
— Uh, pode. Do jeito que preferir.
— Certo, Ichiha. Fora de eventos oficiais, você também não precisa me chamar de Senhor ou Majestade. Você pode se referir a mim da mesma forma que se referiria a Aisha.
— E-Está bem… Souma — ele disse hesitante.
Eu apertei a mão de Ichiha novamente.
O garoto parecia meio embasbacado com tudo o que tinha acabado de acontecer. Ele olhou para Tomoe, piscando.
— Você era uma princesa de Friedônia. Um… Desculpe. Talvez eu tenha sido rude com você.
— Princesa?! Não, não, de jeito nenhum! Eu não sou ninguém especial, então seria bom se você apenas agisse da mesma maneira que tem agido. Na verdade, é isso que eu quero.
— T-Tá. Tudo bem…
As duas crianças estavam tropeçando nas palavras de maneira desajeitada. Aisha e eu assistíamos aos dois com sorrisos carinhosos.
— A forma como eles interagem é meio fofa — eu disse.
—É, de fato — concordou ela. — Isso me deixa com uma mistura de sentimentos.
Eu coloquei a mão na cabeça de Tomoe.
— Então, Princesa Tomoe?
— Ah! Você também não, Irmãozão!
— Sua pequena aventura sem disciplina deu algum fruto? Você encontrou algo interessante?
— Ah! É verdade, Irmãozão! — Tomoe gritou como se tivesse lembrado de algo. Então, contornando Ichiha, ela o empurrou na minha direção.
— E-Espera, Tomoe?! — ele gritou.
Ichiha cravou os calcanhares para não ser empurrado para a frente, mas talvez porque Tomoe fosse um pouco mais velha, ou talvez porque as meninas eram um pouco mais fortes na idade deles, ele não conseguiu resistir e se aproximou cada vez mais de mim.
O que diabos essas crianças estavam fazendo? Era alguma forma exótica de luta livre?
Enquanto as observava com a cabeça inclinada para o lado, Tomoe assumiu uma expressão incrivelmente séria.
— Irmãozão, você poderia olhar as imagens dele?
— T-Tomoe! — o garoto exclamou.
— Imagens? — eu perguntei.
Agora que ela mencionou, Ichiha tinha uma prancheta pendurada no pescoço, e havia várias folhas de papel presas a ela.
Eu usava papel o tempo todo no castelo, mas neste mundo, a coisa era bem cara. A tecnologia para fabricá-lo estava estabelecida, e não estava fora do alcance das pessoas comuns, mas era caro o suficiente para que não desperdiçassem assoando seus narizes. Se ele estava recebendo papel para desenhar livremente, isso mostrava que ele era mesmo filho do chefe de um país, mesmo que fosse um pequeno.
Para evitar intimidar Ichiha, eu me agachei e ajustei o nível dos meus olhos ao dele.
— Então, uh… Essas imagens, posso vê-las?
Ichiha parecia envergonhado, porque ele balançou a cabeça para cima e para baixo, com o rosto voltado para o chão. Ele me entregou a prancheta. Aisha e eu olhamos de uma vez.
— Isso é… um desenho de um monstro? — eu perguntei.
— Ohh, está muito bem desenhado, não está?
O desenho era um esboço de um monstro feito com carvão. Era um cérbero com asas de morcego… não, havia apenas duas cabeças, então era um órtros. Estava desenhado de maneira altamente realista. Parecia capturar bem as diferentes partes do corpo da criatura. Era difícil acreditar que isso fosse obra de uma criança com algo em torno de dez anos.
Ainda assim, só era bom “para o trabalho de uma criança”.
Eu não tinha muita… na verdade nenhuma… educação em arte, mas eu conseguia perceber que, embora esse desenho não fosse uma obra de arte, ainda estava bem feito.
Apesar de ser desenhado em um estilo realista, não havia senso de movimento, como se eu estivesse olhando para uma imagem de uma enciclopédia. Se isso era tudo o que ele era capaz de fazer, havia muitas pessoas em nosso próprio país com esse nível de talento…
“Espera, que tipo de olhar era esse que eu estava usando para um desenho de criança?”
Talvez por causa da minha busca incessante por recursos humanos, eu acabei desenvolvendo a tendência de procurar por dons únicos nas pessoas assim que as conhecia. Essa mania era rude com a outra parte envolvida, então eu precisava corrigi-la logo.
Pensando nisso enquanto folheava as páginas…
— Huh?
Foi quando eu percebi algo.
Havia outra imagem de um monstro sob aquela primeira imagem; várias delas, na verdade. As imagens abaixo tinham vários quadros desenhados nelas. Olhando mais de perto, parecia que as partes dos corpos dos monstros estavam cercadas por quadros.
Voltando ao órtros com asas de morcego, havia outra imagem abaixo que provavelmente era um desenho de outro indivíduo. Nessa imagem, havia um quadro ao redor das asas, um ao redor do corpo e um ao redor de cada uma das duas cabeças de cachorro.
Na imagem abaixo, de um ogro com um corpo em decomposição (um ogro zumbi), um quadro envolvia todo o corpo, com linhas diagonais passando por ele. O ogro de duas cabeças abaixo daquele tinha um quadro envolvendo todo o corpo e depois um ao redor de uma de suas cabeças.
“Será que…?”
A velocidade com que folheava as páginas aumentou. Eu voltava de um desenho para o outro os comparando. Olhando para o desenho do órtros com quadros de antes, inspecionando com mais atenção, o corpo não era de um cachorro. Tinha cascos nos pés, então estava mais próximo de um serau. O corpo do órtros acima era canino, como era de se esperar. Ficou claro que eram indivíduos diferentes.
“Esses quadros… Sem dúvidas. Existiam regras por trás deles.”
Eu estava olhando tão intensamente para os desenhos que Aisha ficou preocupada.
— Um, Majestade? Há algo errado?
— Ohh, desculpe. Eu estava focado nas imagens.
— Alguma coisa nelas chamou sua atenção?
— Sim. Ei, Ichiha. Você tem mais desenhos de monstros como esses?
Ichiha piscou surpreso e inclinou a cabeça para o lado.
— Eu tenho um monte no meu quarto. Você quer ir ver?
E assim, no quarto para o qual Ichiha nos conduziu, meus olhos se arregalaram de surpresa mais uma vez.
— Uau…
As paredes estavam quase completamente cobertas por desenhos de monstros.
Intimidada pela visão, Tomoe abraçou minha perna com força. Era compreensível. Dependendo de como se olhasse para isso, poderia ser uma visão meio perturbadora. Neste momento, eu estava intrigado pelos desenhos.
Quadros quadrados haviam sido desenhados em cada um dos desenhos nas paredes, assim como nos que eu havia visto antes. Além disso, os das paredes foram classificados por tipo de parte do corpo.
Uma seção se concentrava em monstros com asas de morcego, enquanto outra apenas em monstros que estavam apodrecendo como zumbis.
Olhando para essa cena, eu fiquei confiante.
— Ichiha, você não estava apenas desenhando monstros, você estava os categorizando por suas partes do corpo e status, não estava?
Ichiha assentiu.
— É. Este país está próximo do Domínio do Lorde Demônio, então muitos monstros aparecem. Observando-os do topo das muralhas, percebi que alguns tinham partes do corpo semelhantes. Isso me fez pensar que eu poderia classificá-los por partes, então eu os desenhei.
“Eu sabia! Esses quadros estavam separando os monstros por partes.”
Se havia um órtros com asas de morcego, ele poderia ser dividido em quatro partes. Os quadros com linhas diagonais indicavam um indivíduo com carne em decomposição. O quadro dentro de um quadro no ogro de duas cabeças indicava uma parte desnecessária grudada em outro indivíduo.
Ichiha havia dividido os monstros por suas características únicas, criando um sistema de categorização a partir disso.
— Tomoe, foi errado da sua parte sair sem dizer nada, mas… encontrar Ichiha pode ter sido um grande feito — disse.
— Irmãozão?
Eu coloquei a mão na cabeça de Tomoe.
— Esta imagem aqui é um tesouro da humanidade.
— D-De jeito nenhum, você está exagerando. — Ichiha estava nervoso e balançou a cabeça, mas eu acreditava plenamente que essas imagens categorizadas tinham esse valor.
Pelos padrões deste mundo e de seus habitantes, monstros eram seres irregulares. Não importa como um monstro se parecesse, era como “um monstro deveria ser”. Ninguém pensava muito profundamente sobre sua irregularidade. Nem mesmo eu. Este era um mundo de magia, e de forma convencida, aceitava que não era tão estranho haver monstros.
No entanto, ver os desenhos pendurados nesta sala mudou minha maneira de pensar. Mesmo os que pareciam aberrações aleatórias, na verdade, seguiam um sistema de regras. Se eu estudasse as imagens nesta sala, talvez pudesse aprender quais partes de monstros vinham com quais habilidades. Se soubéssemos as habilidades de cada parte, poderíamos identificar quais deles podiam ou não voar, assim como o quão ágeis eram, só de ver a sua forma. Isso também não seria útil apenas para combate.
Aprendemos no Reino de Lastania que carne de monstro era comestível. Mais especificamente por exemplo, se soubéssemos quais partes eram comestíveis e quais partes eram perigosas ou tóxicas, poderíamos tomar decisões sobre quais monstros seriam ou não comestíveis. Isso ampliaria a variedade de monstros comestíveis além do tsuchinoko² voador.
As partes tinham usos além dos alimentares também. As invenções de Genia, a ultra cientista, frequentemente usavam partes destes. Partes de monstros tinham formas complicadas e estranhas, então até agora, tínhamos apenas o que acabava caindo em nossas mãos, tornando esses itens valiosos devido à sua raridade. No entanto, se conhecêssemos as aplicações de cada parte, a taxa de coleta após derrotar um monstro aumentaria.
Se aventureiros como Juno e sua equipe aumentassem a taxa de coleta de partes que anteriormente ficavam nos corpos mortos dos monstros nas masmorras, o fornecimento para o mercado aumentaria, e o preço cairia.
Seria bom divulgar esse conhecimento para a guilda dos aventureiros e para a guilda dos mercadores. Até agora, eles apenas coletavam partes cujo valor era óbvio, mas se tudo tivesse um preço, isso também ajudaria a encher os bolsos dos aventureiros. Por sua vez, lhes permitiria tomar a decisão de evitar atingir partes raras com seus ataques.
Basicamente, essas imagens que Ichiha desenhou em segredo abrigavam o potencial de influenciar muitas coisas neste mundo, incluindo a ordem pública, a cultura alimentar, a ciência, a tecnologia e a economia.
“Sério, isso é uma descoberta incrível…”
Era assustador apenas imaginar o quão valiosos esses desenhos categorizados poderiam ser.
Havia mais do que isso também. Aquele que desenhou essas imagens, e que tinha encontrado uma espécie de ordem na bagunça caótica dos monstros, era apenas um menino de dez anos. Isso era aterrorizante.
“Se eu o deixasse aos cuidados de Hakuya, que tipo de monstro ele se tornaria?”
Ele era o unicórnio da União das Nações Orientais. Eu só podia suspirar em admiração.
“Eu quero esse garoto para o nosso país. Eu o receberia com condições favoráveis se ele apenas se voluntariasse.”
Meu instinto para recursos humanos de qualidade estava gritando para que eu o comprasse antecipadamente e o recrutasse antes que ele amadurecesse por completo.
— Dizem que todos os filhos do Duque Chima são excelentes… e é verdade — eu disse. — Ichiha, é muito provável que você seja o melhor, de longe.
— N-Nada disso! Eu não sou contado como um dos filhos talentosos! — Ichiha parecia nervoso e agitava os braços loucamente.
— Não é? Então você não está incluído na recompensa?
— Isso. Porque eu sou fraco, e dizem que sou um esquisitão…
— Sério? — Eu disse incrédulo. — Como podem ser tão cegos?
Se pudesse ter Ichiha com base nas minhas contribuições para a guerra, teria empurrado aquele cara Fuuga para o lado e ido atrás da glória do primeiro lugar. E se isso não fosse reconhecido, poderia recorrer a usar meu privilégio como uma grande potência.
“Não, espera. Se ele não fazia parte da recompensa, isso não abria todo o espaço do mundo para negociações? Ah! Eu não tinha certeza sobre retirar uma criança tão jovem de sua família abruptamente, mas… ainda assim…”
— Majestade — Aisha interveio. — Você está franzindo a testa de maneira incrivelmente forte. Há algo errado?
Por estar resmungando e agonizando sobre a questão acabei fazendo ela se preocupar de novo.
— Ahh, não — eu disse rapidamente. — Estou bem. Estou ótimo!
Bem, preocupar-se com isso, aqui, não ia adiantar de nada.
Primeiro, eu tinha que estudá-los e ver se havia espaço para negociação.
— Ichiha, gostaria de lhe perguntar mais detalhes — eu disse. — Isso seria aceitável?
— Hã…? Uh, claro… Se você acha que vale a pena falar comigo…
— Ah, já sei! Vamos falar sobre isso extensivamente enquanto comemos os doces fritos que Poncho nos deu quando estávamos saindo! — Eu levei Ichiha para fora da sala alegremente.
Aisha e Tomoe olharam uma para a outra, sem ter certeza do que pensar sobre mim agindo de um jeito tão estranho por causa de minha animação com essa descoberta inesperada.
— Sua Majestade sempre parece mais animado quando encontra uma pessoa interessante, não é? — Aisha disse. — Isso me lembra a época em que ele descobriu Senhor Poncho pela primeira vez.
— Hee hee. Parece que eu tinha razão quando pensei que alguma coisa iria acontecer se eu juntasse o Irmãozão e o Ichiha.
— Você não é a Irmãzinha de Sua Majestade e a aprendiz número um do Senhor Hakuya à toa, não é? — Aisha fez carinho na cabeça dela.
— Tee hee hee! — Tomoe riu timidamente.
— Agora, vamos lá? — Aisha perguntou. — Eles estão nos deixando para trás.
— Certo!
Com sorrisos irônicos, as duas nos seguiram.
Aconteceu enquanto eu levava Ichiha de volta para o quarto que havia sido preparado para nós.
Vi uma figura pequena caminhando em nossa direção pelo corredor. Conforme nos aproximávamos, percebi que era uma garota com mais ou menos a idade de Tomoe, talvez um pouco mais velha.
Quando a garota nos notou, ela exclamou:
— Ah! — e correu em nossa direção. — Um jovem de cabelos pretos com uma guerreira elfa negra como sua guarda-costas. Exatamente como as informações diziam.
Ela tinha mais ou menos a mesma altura que Tomoe, então isso significava que ela tinha doze, talvez treze anos?
Vestindo roupas azul-claro no estilo nômade, seu cabelo azul profundo amarrado em dois rabos de cavalo, ela dava a impressão de uma garota forte com olhos cheios de energia vital. Se eu a comparasse a alguém que eu conhecia, talvez diria que era do mesmo tipo que Liscia ou Naden. Ela cresceria para ter um tipo de beleza diferente que Tomoe no futuro.
A outra coisa distinta sobre ela eram as asas que eu conseguia ver sobre seus ombros.
— Seria você o Sir Souma Kazuya de quem meu irmão estava falando? — perguntou a garota com os rabos de cavalo duplos, me olhando com olhos praticamente pegando fogo. Eles eram como os olhos de uma caçadora que havia encontrado sua presa.
O olhar me deixou desconfortável, e eu cocei a bochecha ao responder.
— Bem, sim, mas… Espera, irmão?
Foi aí que caiu a ficha. Aquelas asas, aquela cor de cabelo, será…?
— E você seria a irmãzinha do Fuuga? — perguntei.
— Meu nome é Yuriga Haan. Entendi… Você deve ser o Grande Rei de Friedônia.
Grande Rei, hein? Já fazia um tempo desde que me chamavam assim. Tanto a lula colossal quanto o isópode gigante tinham “Grande Rei” em seus nomes japoneses, isso me fazia lembrar de criaturas de aparência nojenta, coisa que eu não gostava muito.
Yuriga continuou me encarando.
— Você parece fraco para um “grande rei”. Meu irmão é muito mais forte — disse ela, sem fazer rodeios.
Era um fato, então eu não dei muita importância.
— Claro, se você for me comparar com Fuuga…
— Espere um segundo, Yuriga, certo? Você não acha que está sendo rude com Sua Majestade? — disse Aisha, parando na frente dela com um sorriso forçado.
Ah, ela podia até estar sorrindo, mas estava bastante irritada. Aisha devia ter percebido que seria imaturo ficar seriamente chateada com uma criança, contudo seu sorriso estava ficando mais tenso.
Sob a pressão do sorriso (raivoso) da guerreira mais forte de nosso país, Yuriga vacilou.
— Ah…! Um… É…
Para onde foi toda a coragem dela? Yuriga agora parecia completamente aterrorizada. Ela ficou tensa como um cervo diante dos faróis e não conseguiu dizer mais uma palavra.
Isso não parecia muito certo, não é? Se ela começasse a chorar, presumivelmente nos traria problemas.
— Aisha, ela é só uma criança… entendeu? — disse, tentando acalmá-la.
Eu não estava incomodado com o que ela tinha dito, e eu não queria começar uma briga com um parente de Fuuga só por estar preocupado com minha imagem como rei…
Fuuga apareceu de repente e deu um soco na cabeça de Yuriga.
— Você pirralha!
Bop!
— Aiiiiii!
O homem era um guerreiro que Aisha descreveu como mais forte do que ela, então ele deve ter se segurado, mas ainda parecia ter doído, porque Yuriga estava agachada segurando a cabeça com lágrimas nos olhos.
— Você deveria estar no nosso quarto! — Fuuga repreendeu. — Você está sempre fugindo.
— Aii… mas ficar no quarto é chato!
— Foi você quem decidiu vir junto! O que estava pensando? Contatar o rei de outro país por conta própria?! Não estamos na estepe aqui!
Fuuga então se moveu para ficar na minha frente, inclinou a cabeça e fez sua irmã fazer o mesmo.
— Desculpe por minha irmã. Ela é uma moleca problemática. Se ela fez algo para ofender você, peço desculpas. Vai, você também, Yuriga!
— Ah… Desculpe…
— Uh, não. Vocês podem levantar a cabeça — eu disse desconfortavelmente. — Ela não foi tão rude e é só uma criança. Minha própria irmãzinha estava aprontando o mesmo tipo de travessura de qualquer jeito.
— É um alívio ouvir você dizer isso — Fuuga disse, levantando a cabeça com um sorriso. Notando Tomoe atrás de mim, ele acrescentou:
— Essa é a irmãzinha na qual você falou?
— Eu sou Tomoe. — Tomoe mexeu a cabeça.
Vendo esse gesto adorável, Fuuga sorriu.
— Vejo que ela sabe se comportar, ao contrário da nossa baixinha atrevida. Ah! Já sei! Ei, Souma. Já que já estou te incomodando, tenho um favor para pedir…
— Um favor? Para mim?
— Sim. Mesmo que seja por pouco tempo, você poderia cuidar da Yuriga para mim? — Ele empurrou a irmã mais nova na nossa direção.
Indignada por ser tratada como algum um tipo de gato doméstico, Yuriga protestou alto.
— Espera, irmão?
No entanto, Fuuga riu, parecendo não se importar nem um pouco.
— O Duque Chima me pediu para passar por todos os acampamentos no campo de batalha, informando que reforços do Reino de Friedônia estão a caminho. Isso vai aumentar a moral.
— Entendi… — murmurei.
— Então, nesse caso, gostaria que você cuidasse da Yuriga enquanto faço isso. Parece que você tem alguém da idade dela com você. Será menos entediante para ela do que ficar no quarto sozinha.
— Eu não me importo, mas… não quer deixar um guarda-costas com sua irmã? — perguntei.
Fuuga afagou a cabeça de Yuriga.
— Ela é do tipo que dispensa os guarda-costas para fazer o que quiser. Como é minha irmã e tudo mais, todo mundo a mima. Acho que ela se comportará melhor se estiver com pessoas de fora. Além disso, Souma, você não parece ser do tipo que maltrataria uma criança deixada com você.
— Não é ruim parecer tão confiável, mas… você também é um rei, não é, Fuuga? Isso torna a Jovem Senhorita Yuriga um membro da família real. Não tenho certeza sobre assumir de repente a responsabilidade pela realeza de outro país…
— Não seja tão inflexível — disse Fuuga. — Estou apenas pedindo para você ficar um tempinho de babá, ou o que? Você é do tipo que tem pensamentos impróprios vendo crianças?
— De jeito nenhum!
— Ha ha ha! Ufa, que alívio. É só por um tempinho, tá certo? Estou confiando em você.
Sem nos dar tempo para responder, Fuuga saiu correndo pelo corredor.
“Ele aparece do nada, nos empurra sua irmãzinha, depois vai embora… igualzinho a uma chuva passageira.”
Não, se pensar no quanto ele costumava se exaltar, ele seria uma chuva torrencial repentina?
Eu olhei para Yuriga.
— Ele está sempre com pressa, né?
— Não dá para culpá-lo. É assim que meu irmão é. — Ela provavelmente estava acostumada com esse tipo de tratamento, porque Yuriga apenas deu de ombros.
Bem, agora que o cara que a deixou conosco tinha ido embora, não havia muito sentido em ficar parado no corredor para sempre.
— Devemos voltar para o quarto? — perguntei.
No quarto de hóspedes que nos foi designado, que parecia um pouco melhor mobiliado do que o resto, Aisha, Juna, Naden e eu estávamos saboreando os biscoitos de gengibre que Poncho nos deu enquanto ouvíamos a história de Ichiha.
— Oh, isso aconteceu…? (Crunch, Crunch.)
— Sim. Isso mesmo. (Crunch, Crunch.)
A Casa de Chima era uma família de nove pessoas, composta por um pai e seus oito filhos, com a mãe tendo falecido quando eram jovens. Os outros irmãos e irmãs eram talentosos em artes marciais, estratégia e magia, mas em comparação com sua fama, Ichiha, com seu corpo fraco, se sentia deslocado.
Ele não estava em termos especialmente ruins com seus irmãos. Tinha um complexo por ser comparado a eles. Também era considerado esquisito por passar o tempo desenhando imagens de monstros.
Parece que apenas Mutsumi tentava encorajar Ichiha, mas ela aparentemente não conseguiu entender seu talento.
— Não sei, parece um desperdício — eu disse decepcionado.
— Esta área é cheia de intrigas, então apenas aqueles com habilidade marcial ou pensamento estratégico são respeitados — explicou Ichiha. — Guerreiros que podem obter resultados no campo de batalha ou estrategistas que podem obter vantagens em negociações. Eu não tinha nada disso.
—Bem… valores mudam dependendo de onde você mora — admiti.
Foi por isso que ninguém percebeu o talento desse garoto, não é? Nem mesmo sua própria família.
Eu senti pena de Ichiha. Quando pensei que Tomoe foi a primeira a reconhecer seu dom, me senti orgulhoso dela. Deu vontade de contar para todo mundo o quão incrível era minha irmãzinha.
Claro, do ponto de vista do sigilo da informação, eu teria que manter a boca fechada sobre isso.
— Pare de sorrir desse jeito! — Naden disse. — Está mais do que óbvio o que você está pensando, tá?
Bati nas minhas bochechas. Estava tão fácil perceber assim?
Olhando para Aisha e Juna… elas desviaram o olhar descaradamente.
…Ao que parece, estava fácil assim. Bem, isso não era bom.
Então ouvi uma voz ousada.
— E, sinceramente, é por isso que meu irmão é incrível, não é?
— O-Oh, sim… entendi…
Ao nosso lado, Yuriga estava contando a Tomoe histórias sobre seu irmão.
— Então, depois que meu irmão partiu para o campo de batalha e matou na mesma hora aquele guerreiro corajoso da tribo inimiga, todos eles ficaram aterrorizados. — Yuriga continuou. — Eles imediatamente quebraram as fileiras e fugiram. A Cavalaria Temsbock os alcançou, é claro, então todos os comandantes inimigos perderam as cabeças.
—U-Uau… — Tomoe parecia um pouco desconcertada, enquanto ouvia com um sorriso educado, mas forçado.
Se alguém fosse se gabar sobre sua família sem pausa pra respirar, é, talvez era essa mesmo a expressão que ela faria.
Ainda assim, Yuriga não pareceu notar, então continuou contando a história com alegria.
— O tigre voador que meu irmão monta se chama Durga. Ouvi dizer que meu irmão o encontrou quando entrou sozinho no Domínio do Lorde Demônio. Quando o viu lutando contra um bando de monstros sozinho, meu irmão foi ajudar. Eles se tornaram amigos bem rápido e estão juntos desde então.
“Fuuga entrou sozinho no Domínio do Lorde Demônio, sem guarda-costas?!”
Não importa quão fora do comum fosse a sua força, não tinha como dizer que não era imprudente. Isso ultrapassava a coragem e caia diretamente na estupidez.
Além disso, o tigre branco que ele montava era chamado de tigre voador?
— Espere, era uma criatura do Domínio do Lorde Demônio? — Murmurei, olhando para Ichiha. — Não é possível que seja um monstro?
— Não sei. — Ele balançou a cabeça. — Nunca vi uma criatura assim antes. Mesmo que fosse um monstro, seria um tipo muito incomum. É a primeira vez que vejo uma criatura que pode voar sem asas.
— Mesmo? — Olhei para Naden. — Há uma mais perto de você do que você imagina, sabe?
Ela virou a cabeça irritada, como se dissesse: “Não olhe para mim enquanto diz isso.”
A princípio, pensei que ela estava emburrada porque eu a tinha tratado como uma criatura bizarra, mas então ela acrescentou, parecendo brava:
— Não me coloque no mesmo saco que um tigre que nem consegue assumir forma humana!
Será que ela estava sentindo um pouco de hostilidade em relação a Durga?
Então, com o canto do meu olho, avistei Yuriga beliscando a bochecha de Tomoe.
— Poxa, você só ficou sorrindo e concordando o tempo todo, Tomoe. Você está mesmo me ouvindo?
— Shtou oufindo, shtou oufindo!
Pela expressão no rosto de Tomoe, não parecia doer. Fiquei feliz por não estarem brigando.
Quando Yuriga soltou Tomoe, ela cruzou os braços e inflou o peito.
— Bem, acho que você ainda é jovem demais para entender a grandeza do meu irmão.
— Humpf… Quantos anos você tem, Yuriga?
— Treze.
— Você só tem dois anos a mais do que eu.
— É uma diferença enorme. Daqui um ano, eu vou poder (por pouco) me casar.
— Pft…
Parecia que a idade para casar era baixa neste mundo.
Embora, mesmo pelos padrões deste mundo, quatorze seria considerado cedo. Yuriga estava falando principalmente por vaidade, presumi. Além disso, se estavam competindo por idade, isso significava que ambas ainda eram crianças.
Olhei para as mulheres na sala.
— Ser velha o suficiente para casar é algo pelo qual as meninas competem?
— …Você está perguntando isso para a gente? — Naden perguntou incrédula.
— Treze ainda é um bebê — respondeu Aisha. — Nós, elfos negros, não podemos nos casar até os trinta.
Bem, elas eram de raças que viviam bastante, afinal.
E ambas teimavam em não me contar, então eu não sabia a verdadeira idade de nenhuma delas.
— O casamento é um evento importante na vida de uma mulher, afinal — disse Juna com um sorriso.
Conclusão: neste mundo, com uma ampla variedade de expectativas de vida, pouco importava comparar idades. Talvez as meninas ainda se preocupassem com isso.
Seja como for, em apenas um dia, Tomoe fez dois amigos (amigos?) com quem podia conversar casualmente. Como uma figura de irmão mais velho, eu tinha que ficar feliz por ela.
— Ele monta um tigre! — exclamou Yuriga. — Um tigre! Meu irmão é realmente especial, sabia?
— I-Irmãozão monta um ryuu!
— O que, você está tentando competir comigo?!
—Sim, estou!
Talvez elas estivessem ficando bravas, porque eu podia jurar que havia fogos de artifício estourando onde seus olhares se encontravam.
…Talvez eu precisasse ter uma conversa com Tomoe sobre escolher seus amigos com mais cuidado.
Era uma decisão difícil de se fazer.
Tradução: Shinpei
Revisão: Merovíngio (Lopez)
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