Minha história pessoal começou com uma conversa, e acho que até lembro como foi.
— Parabéns por passar no exame de habilidades práticas, Elaina.
— Você se tornou a mais jovem bruxa noviça de todos os tempos. Isso é incrível! Estamos orgulhosos de você! — Quando voltei para casa com um broche de corsage no peito, os dois ficaram visivelmente felizes por mim. Mas, ainda agora, lembro que meu estado de espírito estava estranho naquela época.
Provavelmente suspirei bem fundo e disse algo como: “Mas não me sinto muito realizada.” Não estava escondendo meu constrangimento, acho; tenho certeza de que era assim que realmente me sentia. Não me sentia como uma vencedora – a coisa talvez nem parecesse real.
Resumindo, não estava lá muito feliz.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou meu pai.
— Todas as outras eram fracas demais — respondi. — Então foi meio que decepcionante. Agora, suponho que virar uma bruxa vai ser só questão de tempo.
— Ah…
— Ora, ora…
Acho que não sabiam nem o que dizer.
Tenho certeza de que foi com aquela conversa que tudo começou, e o que aconteceu depois foi, pelo menos em parte, culpa do meu próprio orgulho e arrogância. Essas duas coisas me levariam a algumas situações complicadas.
Mas, depois de tanto tempo, essas coisas não passavam de memórias.
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Isso aconteceu há cerca de quatro anos.
Eu ainda tinha quatorze anos de idade e não usava meu chapéu pontudo nem meu robe preto de agora. Naqueles tempos, costumava usar uma blusa branca com uma saia preta.
Depois de passar no exame prático de magia na minha primeira tentativa, decidi que começaria a estudar na mesma hora e virar uma bruxa de verdade. Porém, por vários motivos, não poderia pedir ajuda para nenhuma das bruxas que viviam em minha terra natal, no País Pacífico de Robetta. Bem, para ser mais específica, até pedi ajuda, mas todas negaram.
Então decidi usar um truque secreto… Bem, tudo que fiz foi ouvir as fofocas. E, de acordo com os rumores…
— Ouvi dizer que há uma mulher misteriosa chamada Bruxa do Pó Estelar morando na floresta perto de Robetta.
Assim que ouvi isso, decolei na minha vassoura. Se ela não for de Robetta, então talvez me aceite como sua aluna, pensei.
De acordo com os rumores, a Bruxa do Pó Estelar vivia nas profundezas da floresta; era uma andarilha que se instalou por conta própria em uma casa abandonada acima das árvores. Eu só acreditava um pouquinho na sua existência, e foi por isso que fiquei bastante surpresa quando encontrei uma bruxa de verdade na floresta.
— Oh-ho-ho… ah-ha-ha…
— …
Seu cabelo era tão preto quanto o escuro da meia-noite, usava um robe preto e um chapéu pontudo, que combinavam muito bem, e usava um broche em forma de estrela no peito. Eu poderia dizer, só pelas roupas dela, que a mulher vivendo isolada na casa na árvore da floresta era uma bruxa, mas não conseguia imaginar a sua idade.
E ela estava brincando com as borboletas que voavam sobre a grama.
Pensei seriamente em voltar para trás, mas de todas as bruxas que poderia procurar, a pessoa estranha diante de mim era a única que restava.
Finalmente, após pensar bastante, a chamei.
— Um…, com licença?
Ela me notou e inclinou a cabeça para o lado, ainda sorrindo.
— Oh-ho-ho… Hein? O que é isso? Será que você seria… a Elaina?
Fiquei surpresa. Nunca tínhamos nos encontrado; como ela sabia o meu nome?
— Você sabe sobre mim?
Considerando com quem estava falando, eu já imaginava qual seria a resposta e, infelizmente, meu palpite estava correto.
— Sim, você é bastante famosa. Você é a pirralha atrevida que superou a competição e passou no exame prático de magia mesmo tendo só quatorze anos, não é?
— …
— Claro, na minha opinião isso não é grande coisa. Sinto muito se te magoei.
— Não, já me acostumei…
Como o exame era muito rígido e só permitia que uma pessoa passasse de cada vez, como a pessoa mais jovem a ser aprovada, recebi muita atenção – atenção negativa.
Depois de dar um jeito em um monte de magas mais velhas que eu, sem nem suar, não consegui me dar muito bem com as bruxas que viviam na minha terra natal. Depois que todas recusaram meus pedidos de aprendizado, tive que fazer isso: depositar minhas esperanças em uma bruxa misteriosa que vivia na floresta.
Mas se os boatos já chegaram tão longe, ela de forma alguma me aceitaria. Já estava até começando a desistir.
— Bem, e então, o que você quer?
— Nada… — Comecei a dar meia volta. Eu já tinha certeza de que seria impossível.
Mas ela me disse:
— Será que veio até aqui para pedir um pouco de aprendizado? Se for isso, então não me importo. Estou com bastante tempo livre.
— Ah. — Fiquei chocada… tanto que nem consegui entender o que ela disse.
— Ficou surpresa? Ah, você tinha vindo pedir outra coisa?
— Não, definitivamente queria pedir para virar sua aprendiz, mas…
— Ora, ora. Então tá bom. A partir de hoje, você é minha aprendiz.
— Ah, mas… um, hein? — Meu cérebro ainda não estava conseguindo acompanhar esse desenvolvimento inesperado. Eu esperava que, se ela soubesse sobre mim, me recusaria, assim como as bruxas de Robetta.
— Você parece estar sentindo algo complicado quanto a isso. Sei no que está pensando, mas pode relaxar. Não sou como aquelas bruxas fraquinhas da sua cidade. Não me importo se minha aprendiz for uma pirralha atrevida ou não. — disse ela decisivamente.
Mesmo agora, ainda lembro como suas palavras tocaram meu coração. Ah, finalmente consegui encontrar alguém que pode me reconhecer por minhas verdadeiras habilidades, pensei.
— Bem? Você vai virar minha aprendiz? Ou vai rastejar de volta para aquelas bruxas fracas?
Me curvei para ela.
— Não voltarei para casa… Por favor, faça-me sua aprendiz.
E foi assim que conheci a Bruxa do Pó Estelar – minha professora, Senhorita Fran.
Vários dias se passaram desde que comecei meu treinamento.
O treinamento normal de uma bruxa noviça envolve aprender feitiços com sua professora e fortalecer suas habilidades técnicas. Naturalmente, pensei que era isso que iria fazer.
Mas meu relacionamento com a Senhorita Fran era meio incomum.
Não, era muito incomum… Naquela época, um dia típico era mais ou menos assim:
— Bom dia, Elaina. Estou com fome, por favor, faça algo para comer.
— O que você quer…? — Preparar as refeições da Senhorita Fran virou uma de minhas lições diárias.
— Vejamos… Estou com vontade de comer bife.
— Isso não é muito pesado para o café da manhã?
— Nesse caso, aquelas ervas daninhas ali vão servir.
— Não acha que sua vontade mudou demais?
Por fim, decidimos comer o pão que havíamos assado no dia anterior. Então, eu estudaria magia sozinha até a hora do almoço. Quanto à minha professora, ela faria algum tipo de pesquisa estranha ou sairia para coletar plantas silvestres comestíveis, ou simplesmente faria o que bem entendesse.
— Hoje eu realmente queria aprender um pouco de magia… — costumava dizer.
— Ah, desculpa, não posso parar o que estou fazendo agora, então que tal cuidarmos disso mais tarde? — Mesmo quando eu pedia ajuda, ela acabava se desviando dos problemas. Nunca me ensinou nenhum feitiço.
Na verdade, encorajava a fazer o oposto.
— Elaina, você vai se cansar se estudar muito. Que tal se divertir um pouco de vez em quando?
As condições que uma bruxa noviça deveria cumprir para se tornar uma bruxa eram estabelecidas pela própria professora, mas exatamente o que eu tinha que fazer para obter a aprovação da Senhorita Fran não estava lá muito claro. Ela nunca me contou.
Tudo que eu podia fazer como sua aprendiz era dar o meu melhor. Mas em quê, quer saber? Tudo, pelo visto.
Concluí que ela poderia não estar me ensinando magia como uma forma de promover minha independência, então parei de fazer perguntas mesmo quando aparecia algo que não conseguia entender. Mas as exigências da Senhorita Fran ficaram mais e mais extremas.
— Elaina, não temos comida. Vá comprar alguma coisa.
— Elaina, vá para a floresta e pegue cinco lagartos. Preciso deles para continuar a minha pesquisa.
— Elaina, o jantar já está pronto?
— Elaina, há uma aranha no banheiro. Extermine-a. Isso me assusta.
— Elaina, massageie meus ombros.
Disse a mim mesma que essas coisas também eram necessárias para me tornar uma bruxa e, dia após dia, atendia aos pedidos ridículos da Senhorita Fran, parecia até uma criada. Agora, olhando para o passado, acho que suportei bem a situação.
Às vezes duvidava dela, me perguntava se não queria simplesmente me usar como uma serva. Mas, mesmo tendo minhas dúvidas, não poderia fugir. Poderia tentar ir para casa, mas ninguém por lá aceitaria me ensinar.
Paciência, paciência.
Me dediquei apenas ao estudo e à prática.
Uma noite, antes de ir para a cama, fiz uma pergunta à Senhorita Fran.
— Por que você não está me ensinando nenhuma magia?
Ela bocejou e então me respondeu com indiferença:
— Porque não há necessidade de te ensinar.
Naquela hora não entendi o que isso significava.
Suportei dia após dia e, antes que percebesse, já tinha passado um mês inteiro como sua aprendiz.
Aquilo aconteceu enquanto eu estava passando por minhas lições diárias e sem sentido, usando magia do vento para derrubar e cortar árvores para fazer lenha, depois queimá-la com magia de fogo e, finalmente, apagar o fogo com água.
— Ora, ora. Você é bastante imprudente, não é?
A Senhorita Fran estava bem atrás de mim. Pelo que me lembro, foi a primeira e última vez que ela ficou por perto enquanto eu praticava o uso de magia. Parei o que estava fazendo e corri em sua direção. Achei que ela, talvez, tivesse finalmente decidido me ensinar alguma coisa.
Entretanto, minha pouca esperança foi destruída em um instante.
— O que você quer? Sabe, eu realmente não tenho nadinha para te ensinar.
No final, ela realmente não tinha intenção de me ensinar nenhuma magia, e ficou lá atrás de mim só para me ver praticando.
Tem que haver algum significado por trás disso, disse a mim mesma várias vezes, entoando essas palavras em meus ouvidos como se fossem um encantamento, e continuei me aplicando àquela rotina absurda.
— Em pouco tempo, vai chegar a hora… — pensei ter ouvido ela resmungando.
Na tarde do dia seguinte, a Senhorita Fran me deu um tapinha no ombro e disse:
— Agora vou te testar.
Fiquei surpresa com este anúncio repentino e fiquei me perguntando o que é que isso significava. Porém, mais do que confusa, me senti feliz. Aposto que se me sair bem neste teste, ela vai me ensinar um pouco de magia, pensei.
A Senhorita Fran me levou até uma campina. A linda e exuberante grama verde balançava seguindo a brisa, e ia até onde a vista alcançava. De pé na minha frente, ela agarrou sua varinha e sorriu como sempre fazia.
— A partir de agora, você e eu vamos começar a batalhar.
Fiquei perplexa. Contra alguém como eu, ela seria invencível. Estava certa disso.
— Isso é sério…?
— Ora, ora. Você acha mesmo que eu iria brincar com uma coisa tão séria?
Você não me ensinou nada de magia e agora vamos batalhar? Que absurdo.
— Mas, Senhorita Fran, não importa como você olhe para isso, isso é…
— Certo, vamos começar.
Minhas pífias objeções foram prontamente ignoradas.
Ela bateu palmas para dar o sinal de início e imediatamente avançou pela distância entre nós, e então começou a disparar uma enxurrada de feitiços à queima-roupa.
Fui pega totalmente desprevenida e em pânico.
O teste repentino, os ataques deliberados a curta distância – parando para pensar nisso, a Senhorita Fran devia ter feito tudo de propósito para me tirar da minha zona de conforto.
Essa era uma tática desleal.
— Eek…! — E a Elaina daqueles tempos foi completamente dominada por aquelas táticas desleais.
Um feitiço depois do outro cruzava o ar, cada um representava um perigo mortal. Bolas de magia. Correntes de calor. Lâminas de vento. Chuvas de pedras. Raios.
Naturalmente, eu estava em desvantagem na batalha, e tudo o que podia fazer era me defender. Alguns de seus feitiços me fizeram rolar pela grama, outros me atiraram no ar, mas o tempo todo eu só observei e esperei pela minha chance de contra-atacar.
— Algo de errado? Isso é o melhor que consegue fazer? Pensei que você tinha superado todos no exame prático. Isso não é lá muito impressionante. — Fran falou com gentileza, revelando seu sorriso de sempre, mesmo enquanto continuava com seus ataques implacáveis. Aquilo foi muito, muito assustador.
Parece até que ela gosta de me atormentar, pensei. No final, essa mulher e aquelas bruxas da minha terra são exatamente iguais… Ela me deixou ser sua aprendiz apenas para que pudesse me esmagar mais tarde, não é? Não me ensinou nada e me negligenciou, não foi?
Durante o mês anterior, mantive dúvidas em meu coração o tempo todo, mas as ignorei de propósito. Ela é diferente. Posso acreditar nela, disse a mim mesma para poder perseverar.
— …
Então, tudo ficou escuro.
Quando acordei, estava estirada no chão, atordoada. A Senhorita Fran parou seu ataque e zombou de mim.
— Ora, ora. Só isso?
Essa foi a gota d’água. Um monte de emoções confusas brotaram dentro de mim, não pude mais contê-las: desespero por sua traição à minha confiança; frustração por não conseguir acertar um único ataque na bruxa; tristeza por ser rejeitada, evitada e ignorada, apesar de todo o meu esforço, só por ser muito jovem. Não pude evitar que tudo isso fluísse e sufocasse meu senso de razão. Não aguentava mais nada disso.
— Urgh… uwaaaaaahhh… — chorei. Me amuei ali onde estava mesmo e comecei a soluçar. Limpei e enxuguei meus olhos, mas as lágrimas não paravam de escorrer. Tentei morder o lábio para não chorar e soar ainda mais patética, mas não sabia como parar. Só fiquei lá, sentada na campina, chorando. Tenho certeza que foi algo bem chato de se assistir.
— Eh? Hein? Um… — A Senhorita Fran olhou para mim enquanto eu chorava, seus olhos buscando ao redor com surpresa e confusão. Ela cautelosamente se aproximou de mim. — F-f-foi mal! Eu não imaginei que você ia começar a chorar…
Ambas suas mãos estavam inquietas enquanto ela falava.
— Waaaaaahhh…
— Ahhhhhh…
Eu não queria que ela me visse chorando, então escondi meu rosto com as duas mãos. Claro, isso não serviu para impedir as lágrimas. Desta vez, mordi os lábios com ainda mais força, mas continuei tremendo. Nada do que eu tentava funcionava; continuei chorando, apesar de todos os meus esforços para parar.
E quanto à Senhorita Fran – quem sabe o que ela estava pensando – começou a procurar por qualquer meio que fosse de conter minhas lágrimas.
— C-certo…! Ei, olha aqui, Elaina. Eu fiz uma daquelas borboletas que você ama! — Fran conjurou um pouco de gelo, esculpiu-o na forma de uma borboleta e me mostrou. Mas nem sou eu quem gosta de borboletas.
Continuei chorando.
— Hein…? Não funcionou…? Então, que tal isso? Uma coroa feita de ervas daninhas! — Com um único movimento, ela cortou as ervas daninhas que cresciam ao nosso redor usando magia do vento, as enrolou e as transformou em uma coroa para mim. Tentou até colocar a coroa em cima do meu chapéu pontudo, mas fiz o possível para evitar que isso acontecesse.
— N-não serve…? Então, que tal isso? Olha, uma bola de fogo! — Eu não fazia ideia do que ela queria com isso. — Estou ficando sem opções… Vou fazer caretas engraçadas! Olha aqui, ei! Ei!
A ignorei.
— Um, bem então… nesse caso… Ah, já sei! — Finalmente, depois de tentar todos os métodos possíveis, ela me abraçou. Parecia uma medida desesperada, algo que só faria se não houvesse mais nada para tentar, mas teve um efeito instantâneo. Tanto minhas lágrimas quanto emoções desenfreadas começaram a se acalmar na mesma hora.
— Mnnn… — Tentei empurrá-la para longe com todas as minhas forças.
— Calma, calma. Acalme-se, Elaina.
— Pare com isso…! O… o que você está tentando fazer…?!
Ela provavelmente pensou que eu estava envergonhada, mas não era nada disso. Estava rejeitando seu abraço porque ela me odiava. Mas seus braços estavam me envolvendo, me apertando com uma força surpreendente. Não tinha nem como escapar.
— Sinto muito, muito mesmo. Exagerei um pouquinho, não é?
— Não brinca…! Você estava se divertindo bastante enquanto me intimidava, e agora quer pagar de legal? Você nunca teve a intenção de me ajudar a me tornar uma bruxa!
— Me divertindo? Eu nunca…
— Me solta…! Odeio isso! Odeio todo mundo! Todas as bruxas de Robetta, e até você! Vocês são todas iguais. Ugh, e eu acreditei em você quando disse que era diferente das bruxas lá de casa!
— …
— Você nem sabe o quanto eu trabalhei! Só viu o resultado final e ainda ficou zombando! Por que ninguém consegue me ver como eu sou?! Eu… eu só… só queria ser aprovada, mas…
Seus braços me apertaram com ainda mais força.
— Realmente sinto muito, Elaina. E entendo muito bem como você se sente. — Ela alisou meu cabelo. — Você conseguiu suportar tudo muito bem.
— Já disse para você parar com isso…! Está tentando me enganar de novo, não é? — Minha voz estava vacilando.
— Não, vou parar de te enganar. Vou te contar tudinho. Também não aguento mais — disse ela, colocando as mãos nos meus ombros e olhando nos meus olhos. Seu sorriso de sempre estava, desta vez, tingido de tristeza.
E então ela abriu a boca, sem pressa, para falar.
— Fiz isso porque seus pais… me pediram.
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Depois que voltamos para a sua casa na floresta, a Senhorita Fran me contou tudo.
— Conheci seus pais há cerca de um mês. Me fizeram esse pedido, e também me deram um bom tanto de dinheiro. “Por favor, coloque nossa filha em um treinamento extremamente rígido”, disseram.
“Eu não tinha absolutamente nenhuma ideia do que eles estavam tentando dizer, então tentei perguntar. Seus pais me disseram que estavam preocupados com o que você faria daqui para frente. Temiam que, se seguisse em frente como estava, sem nunca ter fracassado, no caso de acabar se desviando do seu caminho em algum momento, poderia começar a ter problemas de verdade.
“Seus pais merecem algum crédito; quero que você entenda que não criaram esse plano porque queriam que eu te intimidasse, viu?
“Eles tiveram seus próprios motivos para levar seu plano até alguém como eu. Sua cidade natal, se não me engano, é no País Pacífico de Robetta, certo? As bruxas de lá ficaram intimidadas com as suas habilidades. Ouvi dizer que todas disseram que não poderiam ensinar uma garota como você. Afinal, aquele país é muito, bem… pacífico, então não tem nenhuma bruxa de alto calibre por lá…
“Então seus pais previram que todas as bruxas de seu país te rejeitariam e vieram até mim. Para encurtar a história, disseram que você era muito cheia de si e, por isso, elaboraram um plano para fazê-la passar por algumas dificuldades, ao menos no começo. Eu relutantemente concordei.
“E depois você apareceu. Seus pais me passaram a impressão de que você era uma pirralha atrevida e medíocre, então meu plano era ser rígida até destruir a sua força de vontade.
“Mas, quando começamos a passar algum tempo juntas, percebi que você não era nada do que imaginei. Você não hesita e se esforça tanto quanto for necessário para alcançar seus objetivos, e tem uma mente brilhante e insaciável. Além da capacidade de corresponder às suas ambições. Eu podia ter te aprovado na mesma hora.
“Mas, já que está aqui comigo, desisti de tentar ensinar sobre o fracasso para a “Elaina Arrogante”. Tenho certeza de que seus pais queriam que eu te ensinasse a lição de que “às vezes as coisas não acontecem como você espera”, mas percebi que isso seria inútil.
“Não importava quantas vezes eu te fizesse falhar; já conseguia ver o resultado. Você, todas as vezes, continua lutando e nunca desiste. É capaz de suportar qualquer problema. Não tem como destruir a sua vontade.
“Além do mais, há outro problema que só consegui descobrir porque sou sua professora.
“Elaina, você suporta muito as coisas. Tem plena consciência tanto de sua idade quanto de suas verdadeiras habilidades, então me permite tratá-la de forma irracional.
“Não importa o quão ridícula eu tenha sido, não importa quantos pedidos idiotas tenha feito, você não reclamou nenhuma vez, não foi? Afinal, pensou que não poderia pedir para que mais ninguém te treinasse, certo?
“Quando você foi rejeitada pelas bruxas de Robetta, o que decidiu? Desistiu delas e partiu sozinha, não foi? Tentou conversar com elas, uma vez que fosse?
“Decidi esperar para ver o quanto você ia suportar. E ontem, quando vi seus feitiços, imaginei que logo chegaria ao seu limite. E o teste de hoje foi a cereja no topo do bolo.
“A propósito, eu esperava que você continuasse até ver que não tinha como ganhar, e então, se ainda assim não reclamasse, estava pensando em te dar um sermão. Isso seria completa e obviamente injusto.
“Você não pode só esconder seus verdadeiros sentimentos e seguir em frente, porque em algum momento vai acabar quebrando. Bem, eu não esperava que você começasse a chorar… mas te tratei muito mal, não foi? Você é tão madura, então acabei esquecendo que ainda é só uma garotinha de quatorze anos. Eu sinto muitíssimo.”
E então a Senhorita Fran acrescentou mais uma coisa:
— Você não devia suportar tudo. Se não aguenta alguma coisa, então lute contra ela. Aprenda a se posicionar e a dizer quando as coisas não estão boas. Desabafe quando for necessário. Proteja a si mesma.
Não consigo mais me lembrar de como me senti ao ouvir as palavras da minha professora, mas, naquela hora, ela me falou coisas que eu nunca tinha ouvido na vida toda.
Não fique só suportando.
Essas palavras eram provavelmente a razão para eu estar aqui. É, acho que sim.
Mas, bem, mesmo agora, ainda tenho tendência a acumular estresse.
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Treinei com a Senhorita Fran por um ano inteiro. Após aquela conversa no meu primeiro mês, o treinamento de verdade finalmente começou.
— Bom dia, Elaina. Estou com fome, por favor, faça algo para comer.
— Aqui, pegue algumas ervas daninhas.
— Um, essa é a sua maneira de me fazer ter uma vida difícil…?
— Me disseram para não ficar mais suportando todos os abusos, então decidi ser mais honesta com os meus sentimentos. Para ser mais específica, ter que preparar o café da manhã para a minha professora é um saco.
— …
— Brincadeirinha.
No final das contas, decidimos comer o pão que tínhamos feito no dia anterior.
Como antes, às vezes eu me sentia um pouco como a criada da Senhorita Fran, mas se pensasse nisso como uma compensação por toda a magia que ela finalmente estava me ensinando, não poderia reclamar.
Oh-ho, isso não é uma tortura! É como pagar pelo ensino.
— Você tem habilidade e talento — disse a Senhorita Fran. — Mas não tem experiência.
E, para corrigir isso, lutei com ela várias vezes. Cada dia era mais enriquecedor do que o outro.
E os muitos dias que passei lá, depois, pareceram muito mais curtos do que aquele primeiro mês infernal. Quase todos os dias tínhamos um treinamento intensivo em magia, e depois voltávamos para a casa na floresta, só para estudar magia. Era tão divertido.
Durante o meu treinamento com ela, teve até um incidente que me deixou com uma impressão especialmente forte. Eu estava praticando magia na frente de casa, como sempre.
— Elaina — disse abruptamente a Senhorita Fran —, tem umas garrafas bem ali, certo? Consegue vê-las? — Claro, havia duas garrafas de vinho no lugar para onde ela estava apontando.
— Sim, posso vê-las, mas… o que tem isso?
— Ataque uma com um feitiço de vento.
— …
A distância entre as duas garrafas era parecida com a largura do tronco de uma árvore. Para ser mais clara, havia espaço de sobra. Havia tanto espaço para manobras que pensei até que ela estava zombando de mim.
— Tá bom. — Balancei minha varinha e manipulei o vento. A massa de ar fez um hyoom! enquanto ia direto para as garrafas, atingindo uma em cheio, conforme já tinha planejado fazer. Ela voou e caiu no meio do mato. — Pronto, consegui.
Mas a Senhorita Fran deu de ombros, parecia até que estava falando: “Minha nossa.”
— Eu disse para você jogar ela para longe?
— Hã, mas não disse para acertar aquilo…?
— Vou te contar uma coisa. Se você é uma bruxa noviça, então passa no teste se a derrubar. Mas bruxas de verdade devem ter habilidades mais precisas e confiáveis do que isso.
— Huh…
— Uma bruxa não derruba a garrafa; ela aponta para o ponto intermediário entre derrubar e não a derrubar. Para simplificar, faz assim…
Ela acenou com a varinha e o ventou foi na direção da outra garrafa e a acertou com tudo. Mas a garrafa não caiu. Só balançou um pouquinho e depois se estabilizou.
A Senhorita Fran sorriu.
— Ah, ainda bem, deu certo… É, bom, isso mesmo. Bruxas devem controlar sua magia precisamente. Então nada de derrubar ou atirar.
— …
Eu entendo o que você está tentando dizer, e parece razoável, mas tinha mesmo que me contar isso só depois de eu falhar uma vez…?
Depois de passar cerca de um ano como sua aprendiz, cheguei ao ponto em que poderia começar a competir com a Senhorita Fran.
E fui até capaz de vencer – uma vez. Aquele foi o último dia dos meus aprendizados. Com seu sorriso de sempre, ela disse:
— Não tenho mais nada para te ensinar. Você ficou muito forte.
Até hoje, não me lembro como consegui vencer naquela última vez. Provavelmente foi só sorte. A Senhorita Fran tirou o broche de corsage do meu peito e, no lugar dele, prendeu a prova de que eu era uma bruxa de verdade.
Era um broche em forma de estrela.
— Parabéns, Elaina. A Bruxa do Pó Estelar te reconhece como uma bruxa oficial… A propósito, o que acha de “a Bruxa Cinzenta” para ser o seu título de bruxa?
— Não é um pouco simples demais…?
Você decidiu só olhando para a cor do meu cabelo?
— Hã? Mas eu achei tão legal…
— Pensando bem, como você conseguiu o nome de Bruxa do Pó Estelar, Senhorita Fran?
— Escolhi ele porque parece legal, é óbvio!
— …
— Bem, e então? Bruxa Cinzenta.
— Tá, tá bom. — Eu, particularmente, não me importava.
— Então está decidido. Elaina, a partir de agora você é a Bruxa Cinzenta. Faça o seu melhor a partir de agora, viu? — Ela colocou a mão no meu ombro.
Respirei bem fundo e respondi:
— Eu farei.
Conversando sobre as memórias que havíamos feito durante meu treinamento, voltamos para a casa na floresta, e a Senhorita Fran fez as malas na mesma hora. Parece que era errante só em nome e, na verdade, era uma bruxa conhecida de um outro país. Foi a primeira vez que ouvi falar sobre isso.
E ela me disse, ainda sorrindo, que ficar longe de casa por um ano todo foi muito difícil.
Isso não é motivo para sorrir… pensei, mas provavelmente só estava sorrindo por minha causa.
— Nesse caso, por que você veio para o País Pacífico de Robetta? — Tentei perguntar.
— Porque havia alguém que eu precisava ver, não importa o que acontecesse — respondeu, recusando-se a dizer mais. — Gostaria muito de ficar mais um tempo, mas tenho que ir. Tem muita gente esperando por mim lá em casa. Então isso é um adeus.
Assim, se virou para sair daquele mesmo lugar onde a encontrei correndo atrás de borboletas há um ano.
— Adeus, Senhorita Fran. — A despedida me fez sentir um frio na barriga, parecia até que estava soprando uma brisa glacial.
— Adeus, Elaina. Algum dia a gente vai se ver de novo. Por favor, aguarde por isso e espere por mim.
— Certo…!
E então minha professora montou em sua vassoura e voou para o céu.
Acenei e continuei acenando conforme ela lentamente ficava menor, indo cada vez para mais longe, e no final desapareceu no céu azul.
Dessa vez, não tentei conter minhas lágrimas.
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