Dark?

A Eminência nas Sombras – Vol. 01 – Cap. 01 – Começando o Tutorial de Agente das Sombras!

Todos os capítulos em A Eminência nas Sombras
A+ A-

 

 


 

Faz mais ou menos três anos desde que fundei o Jardim das Sombras. Alpha tinha completado treze anos, e a minha irmã mais velha, Claire, quinze.

Não tem nada de especial em completar treze anos, mas quinze é outra história. É nessa idade que os aristocratas começam a estudar durante três anos na escola da capital real. Como portadora de todas as esperanças e sonhos da família Kagenou, Claire teve uma festa de despedida incrível, a qual foi organizada pela nossa mãe. Tipo, uou, não tem como ser mais clichê do que isso.

E está tudo bem. Tipo, deu tudo certo até o momento em que ela desapareceu no dia da sua partida. Em resumo: o caos completo instalou-se na família Kagenou.

— O quarto está da mesma forma de quando entrei — explicou o meu pai em um tom lento e suave. O seu rosto também não parecia preocupado. — Sem sinais de luta. Mas parece que a janela foi arrombada. O culpado deve ser muito habilidoso, pois fez isso sem que eu nem Claire notássemos.

Ele tocou o parapeito da janela e olhou com tristeza para o céu. Um copo de uísque completaria a cena.

Mas… pelo menos se tivesse cabelo…

— E? — respondeu uma voz fria. — Está me dizendo que estamos sem sorte porque o sequestrador era habilidoso?

Era a minha mãe.

— N-não é o que estou dizendo. Eu só estava confirmando o fato de que… — respondeu o meu pai, enquanto suor frio escorria pelas bochechas.

Teve uma pausa.

— Cale a boca, carecaaaaa!!

— Eep! E-eu sinto muito! Sinto muito!!

A propósito, é como se eu fosse invisível. Eles não esperam muito de mim, e eu não causo problemas. Estou tentando manter isso para continuar discreto ao fundo.

É realmente uma pena que a minha irmã tenha desaparecido, já que ela é maneira e tal, mas a levaram no meio da noite, quando eu estava treinando na cidade abandonada, o que significa que não pude fazer nada para impedir isso. Depois de observar a briga dos meus pais com uma expressão preocupada, voltei para o meu quarto e me joguei na cama.

— Pode sair agora.

— Tudo bem — respondeu uma voz acompanhada pelos sons de cortinas balançando gentilmente.

Uma garota em um traje de slime preto saiu detrás delas.

— Ah, é você, Beta.

— Sim — disse a garota, uma elfa como a Alpha.

Mas, enquanto o cabelo de Alpha era loiro, o de Beta era prateado, emoldurando seus olhos azuis felinos e a pinta logo abaixo de um deles. Ela era o terceiro membro do Jardim das Sombras, depois de mim e de Alpha. Eu sei que disse para Alpha fazer as coisas com moderação, mas, sério mesmo, ela continua aceitando pessoas como se fossem gatos de rua.

— Onde está a Alpha?

— Está procurando por sinais da Senhorita Claire.

— Nossa, que rápida. Minha irmã está viva?

— Muito provavelmente.

— Podemos resgatá-la?

— É possível… mas necessitamos da sua ajuda, Lorde Shadow.

Ah, pedi para que me chamassem de Shadow. É adequado para o líder do Jardim das Sombras, né?

— Alpha disse isso?

— Sim, disse que devemos tomar todas as precauções em uma situação com refém.

— Hm.

Para ser honesto, Alpha é bastante poderosa. Se está pedindo por ajuda, então devemos ir com tudo.

— Isso faz meu o sangue ferver… — falei, comprimindo a magia em uma mão. Em um clarão, a liberei, fazendo com que o ar ao redor se agitasse.

Não havia um motivo em particular para isso. Eu só gostava de fazer uma boa encenação.

Além disso, também surpreendeu Beta, que murmurou “incrível”. Ótimo.

Ultimamente, não me têm faltado parceiros de treino graças a Alpha, Beta e Delta por perto, mas gosto de mudar um pouco de ares de vez em quando. E estou obcecado com a atuação de mentor, o que torna essa uma oportunidade perfeita.

— Faz um tempo que não mostro minha verdadeira força… — murmurei.

Agora já me acostumei a mostrar uma vibe misteriosa. E com Alpha e Beta criando um ambiente perfeito para uma encenação de faz-de-conta, estive bastante animado já faz algum tempo.

— Como esperávamos, o perpetrador é um membro do Culto de Diablos, talvez um dos seus oficiais de maior rank.

— Um rank alto, hm…? Mas o que querem com a minha irmã?

— Devem suspeitar que ela é um dos descendentes dos heróis.

— Bem, aqueles bastardos suspeitaram direitinho…

E é agora que o enredo se intensifica.

Além daquilo, ela pegou uma pilha de documentos e começou a dizer todos os tipos de coisas secretas.

Coisas do tipo: “Sua história era verdade, afinal…”

E “Todos as Crianças de Diablos de mil anos atrás foram…”

E “Este monumento pode ser um sinal do Culto…”, mas eu não tenho certeza, pois não consigo ler textos antigos. Tenho a sensação de que nem mesmo Alpha consegue os ler.

Sabe, aposto que as duas acharam alguns documentos que pareciam apropriadamente suspeitos para parecer como se estivéssemos mesmo mais próximos da verdade. Sim, isso soa mais realista.

— Olhe este relatório. De acordo com a nossa investigação mais recente, a Senhorita Claire parece ter sido levada para essa base…

Beta começou a mostrar uma pilha de arquivos, o que não tinha nexo algum para mim. A maioria estava escrito em alfabeto antigo, e outros eram uma série de números sem sentido e símbolos. Droga, elas realmente são talentosas em criar relatórios falsos. Com relação a isso, eram muito melhores do que eu.

Ignorei a explicação dela e joguei uma pequena faca no meu mapa na parede. Mirei onde parecia mais correto.

Zing.

Cravou-se no mapa.

— Lá.

— Lá? O quê…?

— É lá que está a minha irmã.

— Mas não tem nada… Espere. Não pode ser…! — gaguejou, vasculhando apressadamente pelos relatórios como se tivesse percebido algo.

Erm, ah, só foi jogada randomicamente. Mas Beta é uma ótima atriz.

Deixe-me fazer uma suposição: você vai dizer que uma instalação secreta está localizada bem na ponta da faca, certo?

— Depois de fazer os cruzamentos com os meus relatórios, parece que há uma instalação secreta neste local.

Viu só? O que eu acabei de dizer?

— E pensar que interpretaria estes documentos e descobriria os detalhes secretos na mesma hora… Você não para de me surpreender.

— Beta, ainda lhe falta treinamento.

— Farei o meu melhor.

Bravo! Sei que é tudo uma atuação, mas, ufa! Isso acelera o meu coração. Ah, Beta! Você me deixa deveras animado.

— Irei reportar isso a Alpha agora mesmo. Tentaremos o resgate esta noite?

— Sim.

Beta curvou-se para mim e saiu do quarto, com os olhos brilhando. Tipo, eu quase consigo sentir que você me respeita completamente.

Uma salva de palmas para seu Prêmio Acadêmico – atuação vencedora!

 

https://tsundoku.com.br

 

Um homem andava por um túnel subterrâneo mal iluminado. Parecendo estar quase nos quarenta anos, tinha um olhar severo e corpo bem definido, e todo o seu cabelo cinza estava penteado para trás.

Parou no final do túnel, onde havia uma porta sendo protegida por dois soldados.

— A filha do Barão Kagenou — ordenou.

— Está aqui, senhor. — Um dos soldados falou alto, curvando-se para Grease e destrancando a porta. — Ela está presa, mas ainda é extremamente hostil. Por favor, proceda com cuidado.

— Hmph. Quem você acha que sou?

— Mi-mil perdões, senhor!

Grease empurrou a porta e entrou na masmorra de pedra, onde uma garota estava acorrentada à parede com correntes mágicas.

— Você deve ser Claire Kagenou.

Quando foi chamada pelo nome, a garota olhou para Grease em resposta.

Ela era linda, envolta em uma blusa delicada que usava para dormir, a qual cobria levemente seu peito volumoso e pernas simétricas, e seu cabelo preto e sedoso era cortado na altura das costas.

Claire olhou para ele, desafiadora.

— Já o vi pela capital. É o Visconde Grease, não é?

— Ah, bem, eu costumava ser um guarda real… ou talvez tenha me visto no Festival Bushin.

— Sim, o torneio. A Princesa Iris certamente acabou com a sua raça lá. — Claire riu.

— Hmph. Estávamos limitados pelas regras do torneio, o que torna isso uma exceção. Eu jamais perderia para ela em uma batalha de verdade.

— Ah, mas perderia sim, Visconde Grease… seu lixo inútil.

— Cale-se. Uma pirralha jamais saberá o sofrimento que é chegar às finais — repreendeu ele.

— Conseguirei em um ano.

— Odeio ter que cortar o seu barato, mas você não tem um ano.

As correntes que a prendiam tiniram alto quando ela diminuiu a distância entre os dois, não mordendo o pescoço dele por um fio de cabelo.

Chomp.

Se Grease não tivesse virado um pouco a cabeça, ela teria perfurado sua artéria carótida.

— Quem é que não vai ter mais um ano? Quer testar isso agora?

— Você não irá testar nada, Claire Kagenou.

Claire uivava com risada no momento em que ele lhe deu um soco na mandíbula, jogando-a contra a parede de pedra. Mas o olhar dela permanecia inalterado e voltado a Grease o tempo todo.

O próximo soco dele não veio.

— Recuando agora, eh? — O sorriso dela era destemido. — Ah, vou assumir que estava tentando acertar uma mosca.

— Hmph. Acho que você não está deixando seus poderes mágicos te sobrecarregarem.

— Aprendi que tudo se trata de como você usa magia, não o quanto usa.

— O seu pai lhe ensinou bem.

— O careca não me ensinou nada. Estou falando do meu irmão.

— Seu irmão…?

— Ele é um atrevido. Venço todas as vezes em que lutamos, mas sou eu que aprendo com as suas técnicas, não o contrário. Por isso que deixo a vida mais difícil para ele. — Um sorriso alegre fez-se presente em seu rosto.

— Minhas condolências pelo seu irmão. Acho que isso me torna o herói que o salvou da irmã perversa. Já chega de conversa idiota… — Grease parou, observando-a intensamente. — Claire Kagenou, sua condição física pareceu… estranha ultimamente? Por exemplo, ficou mais difícil usar magia ou lidar com ela? Sentiu alguma dor ao usá-la? O seu corpo está começando a escurecer, como se apodrecesse? Tem algum desses sintomas…?

— Quer dizer que me sequestrou para brincar de médico? — Os cantos dos lábios lustrosos de Claire ergueram-se para formar um sorriso.

— Sabe, eu já tive uma filha. Não quero lhe bater mais do que já bati. Responder com honestidade será benéfico para ambos.

— É uma ameaça? Quando me sinto ameaçada, tendo a ficar hostil… mesmo quando não deveria.

— Está me dizendo que não vai me falar a verdade?

— Veremos.

Grease e Claire se encararam por um tempo. Mas ela foi a responsável por quebrar o silêncio.

— Ótimo, responderei suas perguntas idiotas, já que não é grande coisa. O que quer saber? Sobre minha condição e magia, certo? Bem, agora está tudo perfeito. Tirando o fato de estar acorrentada, estou mais do que bem.

— O que quer dizer com “agora”?

— Então, eu notei os sintomas pela primeira vez há um ano.

— O quê? Está dizendo que se curou… sozinha? — Grease nunca tinha ouvido falar de um caso em que aquilo foi curado sozinho.

— Pois é, eu não fiz nada… Ah, é mesmo. O que era mesmo? Um “alongamento”? Não sei o que isso significa, mas meu irmãozinho pediu para que eu me alongasse com ele, e passei a me sentir melhor depois disso.

— Alongamento? Nunca ouvi falar disso antes…, mas se teve os sintomas, significa que não estava errado em pensar que é compatível.

— Compatível…? O que quer dizer com isso?

— Nada que deva lhe preocupar. De qualquer forma, você logo vai quebrar. Ah, e me certificarei de ir atrás do seu irmão…

Antes que pudesse terminar sua frase, Grease sofreu um golpe no nariz.

— O qu…?! — rugiu ele, tropeçando até a porta e olhando para Claire enquanto segurava o seu nariz sangrento. — Claire Kagenou, sua maldita…!

Todos os quatro membros dela deveriam estar presos, mas, de alguma forma, conseguiu libertar o braço direito, do qual escorriam gotas de sangue pelo punho.

— Você arrancou a própria carne e deslocou o dedo…?!

As correntes não eram comuns, pois podiam selar magia. Em outras palavras, ela usou toda a força física que tinha para rasgar a carne da mão, quebrar os ossos e escapar das correntes para dar um soco em Grease. Isto o deixou completamente confuso.

— Se fizer qualquer coisa ao meu irmão, jamais irei te perdoar! Vou te matar, assim como aqueles que ama, sua família, amigos… Ngh…?!

Grease deu um soco com toda a força no estômago de Claire. Não tinha como ela se defender dos seus feitiços, ainda mais quando estava presa por correntes.

— Sua puta…! — Ele cuspiu enquanto ela se dobrava no chão.

No piso, havia uma poça  vermelha-escura do sangue escorrendo de sua mão direita.

— Muito bem, então. Saberei quando usar isso… — murmurou, estendendo a mão para tocar o sangue. De repente, um soldado escancarou a porta.

— Visconde Grease, estamos com problemas! Intrusos!

— Intrusos?! Quem diabos são?

— Não sabemos! Não são muitos, mas não temos chance alguma sem o senhor!

— Ugh, vou cuidar disso! Enquanto isso, vocês fiquem aqui e cuidem dela! — Estalou a língua, irritado, então virou-se e saiu da cela.

 

https://tsundoku.com.br

 

Quando Grease chegou ao local, a área já estava banhada de sangue.

Os soldados que protegiam a instalação principal não eram fracos, e alguns até chegavam ao nível da guarda real.

— Como? Não pode ser…!

Iluminados por uma simples fonte de luz que vinha do lado de fora, inúmeros cadáveres alinhavam-se no chão do salão subterrâneo da base. Cada um tinha um único corte, o qual foi causado por uma força destrutiva inimaginável.

— Filhos da puta…!

Grease olhou para o grupo de silhuetas vestidas de preto. Pelas curvas delas, viu que eram garotas delicadas, sendo sete ao todo. Sob a luz fraca do luar, eram furtivas o suficiente para se perder de vista caso não prestasse atenção. Essas mulheres usavam uma técnica rara para controlar a presença mágica, e percebeu que o grupo podia se igualar a ele em força.

Havia uma que estava banhada em sangue, encarando-o sob o luar.

— Nnr…!

Naquele momento, o instinto tomou conta dele. Não era por um motivo explícito, mas sentia o perigo.

Sangue pingava do traje dela no chão, e sua katana era arrastada apaticamente enquanto ela andava, criando uma trilha de entranhas.

— Quem diabos são vocês? Qual o seu propósito? — perguntou, na tentativa de suprimir sua inquietação.

Mas estava de frente para sete adversárias tão poderosas quanto ele. Lutar seria asinino. Grease reclamava da própria má sorte enquanto buscava por uma saída.

A garota suja de sangue não o ouvia. Ela ria, zombando por trás da máscara ensanguentada.

Ela está querendo me matar…! Pensou, mas então ouviu outra voz.

— Afasta-se, Delta.

A garota parou ali mesmo e recuou sem resistir. Grease soltou um enorme suspiro de alívio.

Outra garota caminhou até a frente para assumir a posição dela.

— Nós somos o Jardim das Sombras.

Se estivessem em qualquer outro lugar, a voz angelical dela teria o enfeitiçado.

— Me chamo Alpha.

Ele percebeu que ela revelava uma parte do rosto, e a sua pele clara brilhava sob a luz do luar enquanto dava um passo à frente.

— Nn…!

Viu que era uma elfa de cabelo loiro e beleza que o deixava ofegante.

Ela deu outro passo.

— Nosso propósito… é eliminar o Culto de Diablos.

Ele não percebeu a sua espada negra até o momento em que esta cortou o ar e partiu o céu noturno. Ou, pelo menos, foi a ilusão que pareceu criar, e Grease foi tomado pela intimidação da força do manejo dela e o vento que o seguiu.

Como foi que ela adquiriu um poder tão grande nesta idade? Tremia de inveja e raiva, mas mais do que tudo, ficou petrificado pela sua declaração.

— Como… como sabe sobre o nosso grupo?

O Culto de Diablos. Grease era uma das poucas pessoas na instalação que sabia o nome desta organização.

— Sabemos de tudo. Tudo sobre o demônio Diablos, sua maldição e os descendentes dos heróis. E… a verdade sobre a possessão.

— C-como você…?

Grease foi informado há pouco sobre esta informação ultrassecreta, o que não poderia… Não, não deveria ter vazado.

— Não somos os únicos atrás da Maldição de Diablos.

— Ksh…!

Ele sabia que não podia perdoá-las por terem acesso a uma informação secreta, mas matá-las iria mesmo evitar que se espalhasse?

Não, nada bom.

O que significava que ele precisava viver – sobreviver para informar o quartel general sobre as garotas, motivo pelo qual moveu-se para frente.

— Aaaaaaagh!! — gritou, desembainhando sua espada e movendo-a na direção de Alpha.

— Quanta imprudência — comentou ela, esquivando-se e contra-atacando com facilidade.

Sua lâmina arranhou a bochecha dele, da qual sangue jorrava pela ferida que acabara de ser aberta.

Mesmo assim, isso não o parou. Ele continuou em busca da vitória, mesmo quando nenhum dos seus ataques atingia o alvo. Em todas as vezes, errava por um fio de cabelo.

Por outro lado, Alpha estava focada em eliminar os movimentos desnecessários e calculava a trajetória da espada dele para dar um passo ao lado e se esquivar dos golpes.

Enquanto isso, Grease tinha os braços arranhados, pernas cortadas e ombros perfurados. Entretanto, nenhum dos seus ferimentos era fatal.

Ele zombou ao perceber que não seria morto até que extraíssem as informações que tinha, e um novo caminho para a vitória surgiu à vista. Depois de cortar o nada várias vezes, enfim teve o peito cortado, o que fez com que recuasse.

— Não vamos mais perder tempo — disse Alpha.

Grease não respondeu, ajoelhando-se e segurando o peito ferido. Um sorriso então surgiu em seu rosto… e ele engoliu algo.

— O que… está fazendo?!

O seu corpo dobrou de tamanho, sua expressão ficou sombria, seus músculos saltaram e os olhos brilhavam de vermelho. Mas, mais importante, sua capacidade mágica aumentou… drasticamente.

— Unnnh…!

A espada de aço de Grease cortou o ar sem aviso algum, mas Alpha conseguiu bloquear no mesmo instante. Entretanto, ela fez uma careta ao receber o impacto e usou o impulso para saltar para trás e criar uma distância entre os dois.

— Truque interessante — comentou, balançando o braço, pois tinha ficado amortecido. Então inclinou a cabeça para o lado. — Pela frequência de onda, suponho que seja uma sobrecarga mágica… que foi induzida à força…

— Lady Alpha, está tudo bem? — perguntou uma voz por trás dela, surpresa ao vê-la recuar durante uma luta pela primeira vez.

— Está tudo bem, Beta. É apenas uma situação complicada… Hmm?

Quando se virou para olhar de volta para Grease, não havia mais ninguém ali. Bem, mais precisamente, havia um buraco retangular no lugar, o qual levava para um nível mais baixo da instalação – um alçapão.

— Ele fugiu…

— Sim… vamos atrás dele — disse Beta, pronta para saltar.

Alpha a parou na mesma hora.

— Não será necessário. Ele vai cuidar disso.

— Ele…? Parando para pensar, Lorde Shadow disse que iria na nossa frente… Sem chance.

— Sim. Tenho que admitir que estava preocupada dele se perder quando saiu correndo por uma rota diferente — Alpha riu.

— Ele já sabia que isso iria acontecer… Vejo que fez a mesma coisa de novo.

Os olhos delas brilhavam de respeito enquanto olhavam pelo buraco, juntas.

 

https://tsundoku.com.br

— Me perdi — murmurei para mim mesmo em uma instalação subterrânea vazia.

Estava indo tudo bem quando nos infiltramos na base secreta, mas cansei de lutar contra fracotes. Pensei em ir na frente e matar o chefe, o que nos trouxe… até aqui. Droga. Quero dizer, até mesmo pratiquei o que diria quando encontrasse o líder e tal.

De qualquer forma, este lugar é enorme. Passa a sensação de ser um grupo de bandidos vivendo em uma instalação militar abandonada.

— Hmm?

Senti alguém correndo na minha direção a partir do outro lado do túnel. Levou mais um tempo até que aquela figura me percebesse, deixando uma ampla distância entre nós.

— Você estava me esperando… — assumiu ele.

Era um bombadão, e seus olhos tinham uma cor carmesim por algum motivo. Ele parecia… maneiro pra caramba. Posso imaginá-lo disparando raios lasers pelos olhos.

— Mas se for apenas você, será fácil — disse, com um sorriso torto no rosto e desaparecendo logo em seguida… bem, era mais como se estivesse se movendo rápido o suficiente para que uma pessoa comum pensasse que tivesse desaparecido.

Mas bloqueei seu ataque com uma mão. Contanto que pudesse ver o local do ataque, não tinha medo da velocidade do golpe. Até mesmo o poder dependia da forma como era usado.

— Nnr! — gritou.

Empurrei-o para longe pelo ombro e recuei.

A magia dele era incrível, muito mais forte que a de Alpha, para ser honesto, mas o seu comando sobre ela era péssimo, infelizmente. Não passava de um bombado com magia.

Não sou um grande fã de pessoas que enlouquecem com a magia, ficando presos a seus encantamentos e movendo-se a velocidades inimagináveis, mas também não gosto de confiar na força física. Não que eu esteja rejeitando. Quero dizer, se fosse forçado a escolher entre força e técnica, ficaria com força sem pensar duas vezes, já que táticas avançadas são inúteis se não tiverem o poder para apoiá-las.

Dito isto, eu desprezo por completo as estratégias incompletas que dependem apenas das habilidades físicas, como apenas poder, ou só velocidade, ou só tempo de reação. Elas negligenciam e fazem pouco das sutilezas da batalha.

Sabe, força é natural, mas o domínio requer esforço. Agentes das sombras nunca perdem quando se trata de habilidade e domínio. E eu quero ser igual. Minhas técnicas irão apoiar minha força. Minha técnica irá ditar minha velocidade. Meu tempo de reação irá me ajudar a prever possíveis ataques. Físico é importante, mas eu jamais ferraria com uma luta ao confiar apenas nisso. Tudo isso é parte da estética da minha batalha.

Para ser honesto, esse bombadão está começando a me dar nos nervos.

Vamos lhe ensinar uma lição… sobre a forma correta de se usar magia.

— Lição um.

Empunhei minha espada de slime e andei para frente, um passo, dois passos, três passos.

No último, ele moveu-se para cima de mim, o que significava que eu tinha entrado em seu alcance e que era a hora de acelerar. Usei a menor quantidade possível de magia, foquei nos meus pés, comprimi e, então, liberei de uma só vez. Isso era tudo, e você pode criar um impacto explosivo com o mínimo de força mágica.

Sua espada cortou o ar.

E agora era ele quem estava no meu alcance.

Não preciso de velocidade, poder ou de magia. Passei a minha katana preta no seu pescoço, cortando a camada superior da pele e deixando as veias intocadas.

Recuei. A lâmina dele feriu minha bochecha ao mesmo tempo.

— Lição dois.

Me movi quando ele preparou a sua espada mais uma vez. Não usei magia, deixando que os seus movimentos fossem mais rápidos do que os meus. Mas ele não poderia atacar e se mover ao mesmo tempo, não importa qual fosse a sua velocidade.

Por este motivo, podia ficar mais próximo dele e dar um pequeno passo.

Era uma distância muito longa para mim e curta demais para ele.

Houve um momento de silêncio logo em seguida.

O vi parecendo incerto sobre seu próximo movimento, mas, no fim, escolheu recuar.

Eu sabia que iria fazer isso baseado na mudança de energia mágica dentro dele, por isso diminuí a distância antes que o homem tivesse chance de se afastar.

Desta vez, minha espada passou pela sua perna, cortando um pouco mais fundo do que a última dilaceração.

— Gah…! — gemeu de dor e continuou a recuar.

Não o persegui.

— Lição três.

Estou só começando.

https://tsundoku.com.br

 

Alguma vez já me senti tão oprimido assim? Grease pensava enquanto a espada de cor preta continuava a cortar sua pele.

Mesmo quando lutou contra a elfa Alpha, mesmo quando a princesa conseguiu a vitória no Festival Bushin, ele não se sentira fraco. Na realidade, a última vez que sentiu uma diferença de força foi… quando era criança. Foi a primeira vez que segurou uma espada e enfrentou o seu mestre, um adulto contra uma criança, um campeão versus um novato. Dificilmente era algo que poderia ser considerado uma luta.

Grease estava mais uma vez vivenciando aquela mesma sensação.

O garoto à sua frente não parecia nem um pouco forte. Pelo menos não emitia a mesma aura ameaçadora de Alpha quando a enfrentou. Era natural; sua pose, magia e esgrima pareciam não ter esforço algum. Na verdade, sua força e velocidade não pareciam extraordinárias, nada de especial. Mas sua estratégia aperfeiçoava sua esgrima. E ele conseguiu enfrentar os poderes de pura destruição de Grease apenas com isso, o que o fez sentir uma esmagadora sensação de derrota.

Ele sabia que o único motivo para ainda estar vivo era que aquele garoto estava deixando. Se o seu oponente quisesse, acabaria morto em um instante.

Mas ele ainda poderia regenerar o seu corpo caso não sofresse ferimentos fatais. Claro, havia limites e efeitos colaterais terríveis. Enquanto isso, derramava baldes de sangue e tinha os ossos quebrados, sua carne fora rasgada, e isso significava que precisaria de mais tempo para se recuperar por completo.

Mas, mesmo neste momento de crise, ainda estava sobrevivendo.

Não. Era mais correto dizer que estava sendo poupado.

Grease fez uma única pergunta:

— Por quê…?

Por que está me deixando viver?

Por que somos inimigos?

Por que você é tão forte?

Por quê?

O jovem trajado de preto olhou para ele.

— Nos espreitar na escuridão e caçar as sombras. Este é o único motivo para existirmos.

Havia uma tristeza distante em sua voz.

E isso foi tudo o que precisou para que Grease compreendesse a situação.

— Irá contra eles…? — perguntou.

Havia pessoas no mundo que a lei não podia tocar. Grease sabia disso e se considerava acima desse limiar, concessões especiais, privilégios e aqueles com identidades secretas. Afinal de contas, a luz da lei não brilhava até a beirada extrema do mundo.

Enquanto se aproveitava de certos privilégios, foi pisado e esmagado por aqueles no topo, o que o fez desejar por mais poder… e o levou à sua queda.

— Mesmo que… mesmo que vocês, bando de idiotas, fiquem mais fortes, jamais os derrotarão. A escuridão deste mundo… é um abismo mais profundo que os seus sonhos mais loucos — disse ele, não para avisar ao garoto, mas sim para expressar suas esperanças diabólicas.

Grease queria que o garoto fosse pulverizado, perdesse tudo e se tornasse um completo desiludido com a sociedade. Mas, dominado por pura inveja e rancor, jogou na cara que esse era um desejo fora de alcance.

— Então mergulharemos mais fundo — disse o garoto, sem um traço sequer de ansiedade nem ambição.

Mas Grease podia sentir sua resolução firme e confiança inabalável.

— Não é fácil.

Inaceitável. Completamente inaceitável, pensava Grease, que também foi condenado por tentar derrubá-los.

Este foi o momento em que decidiu cruzar a última fronteira. Removeu uma pílula do bolso da frente e a engoliu inteira ao perceber que não teria chances de sobreviver.

Se este é o caso, pensou ele, usarei esta vida para lhe mostrar a verdade.

A verdade sobre a escuridão deste mundo.

A aura que o cercava mudou.

Até então, sua energia mágica estava desenfreada por todo o seu corpo, mas estava começando a recuar, substituída por uma densa e comprimida. Suas veias romperam e explodiram de tanto sangue, seus músculos rasgaram, seus ossos se despedaçaram, mas o seu corpo se curava no mesmo instante. Ele desafiava as limitações físicas da forma humana e hospedava uma quantidade imensurável de poder mágico.

O Culto chamava isso de “despertar”.

Ao assumir essa forma, não tinha mais volta. Mas, em troca… ganharia uma força hercúlea.

— Aaaaghhh! — rugiu de maneira bestial antes de desaparecer em pleno ar.

O som de impacto percorreu o ar. No mesmo instante, o garoto de preto foi arremessado contra uma parede, mas conseguiu virar o corpo e pousar no chão.

Entretanto, Grease continuou a manejar a espada em sua direção, jogando o garoto mais uma vez para trás.

— Lento demais! Fraco demais! Frágil demais! Esta é a realidade! — gritava Grease agressivamente para ele.

Com outro thump, o garoto foi jogado para trás por mais um dos seus golpes rápidos, pesados e impiedosos. Tudo porque tinha uma força opressora.

Grease achava que ele tinha descoberto que o tigre não precisava ter destreza para matar uma lebre. Só precisava de força. Ao fazê-lo recuar, tornava impossível que o garoto lutasse, por isso estava destinado a perder.

Mas tudo isso estava errado.

— Hgh?! — gemeu Grease enquanto sangue surgia do seu peito.

Ele percebeu um corte, o qual atravessava a superfície da pele. Ficou parado por uma fração de segundo e se recuperou rápido o suficiente para jogar o seu inimigo para trás no instante seguinte.

— É inútil! Você não pode me pegar!! — gritou, mesmo enquanto sua pele era cortada até os ossos, pois seus ferimentos começavam a borbulhar e se curar no momento seguinte. — Este é o poder verdadeiro! Esta é a força verdadeira!! — Começou a acelerar, cortando com sua arma pelo ar mesmo enquanto sangue jorrava de seu corpo.

Ele parecia um clarão de luz escarlate.

Ébano e carmesim, a colisão de duas cores, fazendo com que aquele de preto recuasse e que aquele de vermelho jorrasse sangue fresco.

A batalha era rápida demais para os olhos humanos acompanharem, e a imagem residual de carmesim e os movimentos de recuo do ébano eram os únicos indicadores de algo misterioso no local.

A disputa deles não durou muito. Havia uma clara diferença de poder e era fácil supor que a figura de preto seria aquela a perder. Era uma luta que o de vermelho não deveria perder, balançando sua espada sem parar e pulverizando o outro com sua força avassaladora.

Mas por quê?

Por que ele parece inabalável…?

— Por… Por que não consigo atingi-lo…?

O garoto de preto não tinha se mexido desde o começo da luta. Ele mal tinha usado magia ou se movido por conta própria, escolhendo ao invés disso seguir o fluxo e deixar Grease o atacar por aí. Era como se fosse uma folha caída sendo levada por um córrego rápido.

Porém não ficou completamente parado, pois usou o impulso desses golpes para atingi-lo em cheio, sem parecer exibido ou usar energia desnecessária.

Foi natural, como se fosse para ter acontecido aquilo.

— Terrível — disse o garoto, olhando para Grease e parecendo como se pudesse ler seus pensamentos.

— Você não sabe de nada… nada, maldito! — gritou Grease, reunindo cada traço de magia em seu corpo e espada para dar uma investida.

Estava pronto para eliminar o garoto, mesmo que isso lhe custasse a vida, em busca do maior golpe da sua existência.

— Chega de jogos.

Grease foi cortado em dois… por um manejo natural de uma espada. Ela desceu até ele com a mesma facilidade que uma caminhada no parque. Um único golpe dividiu tudo ao meio, sua espada, seus poderes mágicos aumentados e o seu físico musculoso.

O visconde pensou que o motivo por trás da esgrima avançada do garoto fosse pura habilidade, sem magia, força ou velocidade. Mas estava enganado.

— O que é isso…?

Um simples golpe que destruiu tudo.

Grease observava a lâmina cortar sua espada, magia, carne e ossos enquanto ele estava à beira da morte. Foi um golpe fortificado por magia impenetrável, força titânica, velocidade sônica e, mais importante, talento natural…

Foi perfeito.

O garoto de preto tinha tudo à sua disposição. Mas escolheu não usar nada daquilo até o momento.

Nada poderia resistir àquele único golpe, o qual possuía cada traço do seu poder.

— Acho que… é isso… — murmurou Grease, enquanto sangue jorrava dele e a parte superior do seu corpo tombava e atingia o chão. Levou um pouco de tempo até que a sua outra metade também caísse.

Grease tentou regenerar o corte, mas não dava mais tempo. Sua carne estava pútrida e podre, excretando um fluido negro que encharcou toda a área ao seu redor.

Ébano olhou para baixo. Grease olhou para cima.

Ao ter cruzado espadas com o garoto de preto, o visconde entendeu que o temperamento do indivíduo podia ser visto pela sua esgrima. O seu oponente parecia um ninguém sério e ingênuo, o qual treinou com sangue, suor e lágrimas para reinar vitorioso na batalha.

Pensei que fosse apenas um pirralho que não sabia de nada, mas estava enganado.

O seu inimigo sabia de tudo e ainda escolheu lutar.

Incapaz, pensou de si mesmo. Ele foi incapaz durante toda a sua vida. Tentou ter sucesso, mas voltou de mãos vazias, e esse pivete de preto…

— Mi… llia… — gemeu Grease, estendendo a mão até uma adaga encrustada com uma joia azul e fechando os olhos.

À medida em que a consciência escapava dele, viu o familiar rosto sorridente da sua amada filha, a qual falecera há muito tempo.

https://tsundoku.com.br

De qualquer forma, foi assim que acabou o nosso massacre de alguns bandidos… quero dizer, nossa pequena missão de resgate.

Encontrei minha irmã completamente inconsciente, por isso retirei suas correntes e a deixei lá, o que contribuiu para sua estranheza quando voltou para casa no dia seguinte. Mas ela era osso duro de roer, resistente o bastante para que o ferimento em sua mão quase se curasse durante a noite.

Depois de uma semana agitada ou mais de tratamentos hospitalares e investigações, minha irmã enfim foi para a capital, embora tenha me incomodado mais do que o normal durante esse meio tempo por algum motivo irritante.

As garotas do Jardim das Sombras estavam ocupadas, conduzindo a própria pesquisa delas, tomando conta de bandidos e coisas do tipo. Ah, é mesmo, não estamos os chamando de bandidos. Que seja. O Culto. Tipo, no final, não passam de ladrões.

Mas o velhote de olhos vermelhos foi incrível. Quero dizer, ele me inspirou a inventar o “então mergulharemos mais fundo”, o que soou como algo que um agente das sombras diria. Eu lhe devo meus agradecimentos. Amaria tê-lo atuando como personagem de suporte para a minha parte como eminência nas sombras.

Aquilo foi um desempenho imperdível. Minha habilidade de improvisar e retratar um mestre conspirador foi do caralho. Uma pena mesmo eu não ter uma audiência ao vivo. Mas só tenho que esperar mais dois anos, que é quando vou para a capital. Sabe da qual estou falando. É uma metrópole mundialmente famosa, e é a única cidade deste país que abriga um milhão de pessoas.

Aposto que protagonistas são extremamente comuns, e pode ter até Chefões Finais.

Com certeza tem que ter conspirações, rebeliões e incidentes, coisas que jamais aconteceriam onde Judas perdeu as botas. E é aí que um mentor aparece em cena… Hmm. Agora que penso nisso, acho que sou apenas um sapo que está animado por ter batido em alguns bandidos. Neste exato momento, meu prólogo ainda nem foi escrito.

E, um dia, Alpha e as outras garotas se reuniram diante de mim, justo quando eu estava animado para ficar mais forte para a escolha, o que ainda demoraria dois anos. Elas queriam compartilhar os relatórios sobre o Culto e os achados no laboratório no meio do caminho e todo o resto.

Não é comum ter as sete reunidas em um aposento ao mesmo tempo, ainda mais que ultimamente parecem estar cheias de trabalho.

Caramba, vão com calma nas pesquisas e investigações. Tipo, é tudo sem sentido mesmo, penso enquanto ouço os seus relatórios.

Aqui está um simples resumo do que encontraram:

A primeira alegação delas era de que os heróis que mataram o demônio Diablos eram todos mulheres, motivo pelo qual eram as únicas que sofriam da maldição.

Que criativo. Mas odeio ter que avisar que todos os heróis são homens na maioria das histórias comuns. Ah, espera um pouco, aposto que inventaram essa porque o Jardim das Sombras é composto por sete mulheres e eu.

O próximo relatório delas era de como a maldição era mais comum em elfos, seguido por bestas híbridas e, então, humanos. De acordo com a pesquisa que realizaram, tinha a ver com o tempo de vida das respectivas espécies. Humanos viviam menos com traços fracos de linhagem sanguínea heroica, por isso eram menos suscetíveis à maldição. Por outro lado, elfos tinham uma expectativa longa de vida com concentrações potentes de sangue, o que os tornava mais propensos a serem vítimas da maldição. Os teriantropos, ou bestas híbridas, estavam no meio.

Agora que penso nisso, sou o único humano no Jardim das Sombras e o único que nunca foi possuído. Além de mim, temos duas teriantropas e a posse de cinco elfas, e todas as sete foram possuídas. Sabe, elas fizeram um trabalho exímio ao inventar essa história.

E então prosseguiram ao reportar várias outras coisas, as quais apenas fingi entender.

Elas foram para os relatórios sobre o Culto, o qual supostamente era uma organização gigantesca que operava em escala global. Fascinante.

Em termos de ser possuído, amaldiçoado ou sei lá, me falaram que o Culto os chama de “compatíveis”, e os seus membros iam longe para localizar, capturar e apagar todos eles da existência… ou algo assim.

De qualquer forma, sugeriram que o Jardim das Sombras se separasse pelo mundo para evitar que eles se espalhassem. O plano delas era me deixar com subordinadas rotativas, enquanto o resto se espalhava para cada canto do mundo para proteger os possuídos, investigar o Culto e sabotar suas atividades.

Quando sugeriram esse novo plano, isso me veio à mente: elas devem ter percebido que o Culto não existe.

Estavam cansadas dessa brincadeira estúpida e queriam liberdade. O que mais poderia significar se espalhar pelo mundo? Estou achando que elas se sentem em dívida comigo por tê-las curado, por isso vão ficar comigo de forma rotativa. Eu só tenho que lidar com isso. Sei que é isso o que estão tentando me dizer.

Fiquei chateado. Na minha vida passada, as crianças idolatravam heróis da mesma forma que eu adorava mentores, até que crescemos, e elas sequer perceberam que tinham se esquecido sobre seus preciosos heróis. Fui deixado sozinho. Acho que as garotas também cresceram.

Estou me sentindo todo sentimental, mas concordei em mandá-las seguirem seu caminho. Nunca planejei ter sete membros, para começo de conversa. Se me deixassem com uma subordinada, já estaria de bom tamanho para mim. As vi partir, e, relutantemente, trocamos despedidas.

Fiz um voto para mim mesmo: nunca vou parar de tentar me tornar um mentor, mesmo que isso signifique enfrentar o mundo sozinho.

 

https://tsundoku.com.br

 

Ela já não teme mais matar os outros.

Beta moveu sua katana preta, espalhando o sangue coagulado em sua lâmina preta e sobre o chão acinzentado em uma linha reta. Ela se levanta, toda envolta pela escuridão da noite e cercada por um grupo de soldados deitados de barriga para baixo.

— Acabe com ele — ordenou Beta.

As garotas em trajes pretos perfuraram suas lâminas no guarda. Uma das mãos tremeu violentamente, mas isso não impediu a garota de cravar sua espada no ponto de pressão dele.

— Guh… gaaaah! — gritou o soldado com seu último suspiro, fazendo com que a lâmina dela congelasse no lugar.

É o tipo de grito que irá assombrá-la em seu sono até que se acostume a matar.

Beta envolveu a mão da garota que estava no cabo da espada e deu um giro forte na lâmina. Juntas, sentiram a vida do soldado deixando o seu corpo.

— Ah, ahhh… — ofegou uma voz.

Desta vez, o grito foi da garota.

Beta envolveu o braço ao redor dos ombros trêmulos da sua subordinada e deu suas próximas ordens:

— Assegure o alvo.

O grupo abriu caminho até a carruagem, entrando a bordo do vagão de carga. Seguindo o som agudo de correntes estourando, as garotas emergiram do vagão com um amontado escuro de carne podre.

Aquilo ainda respirava.

— Vá até a Lady Alpha, rápido.

Elas agarraram aquele amontoado, segurando-o com ternura, e começaram a acelerar, seguidas pelo membro da sua ordem que antes estava abrigada no peito de Beta.

Beta lança um olhar furtivo, observando-as partir.

Ela estava criando-as bem.

Aquelas garotas antes não sabiam nada sobre combate. Nunca seguraram uma espada e nem precisava dizer que jamais tinham matado alguém antes de a encontrar.

Beta lembrou do próprio passado, e memórias começaram a ressurgir.

 Ela ainda se lembrava de como se sentiu quando matou pela primeira vez, sua espada perfurando o coração, a mão agarrando a sua. Não conseguia acreditar na força do aperto mesmo enquanto sofriam um ferimento fatal.

— Há um curto período de tempo em que as pessoas podem se mover depois de serem perfuradas no coração. Não deixe sua guarda baixa. Ei, Beta, está ouvindo?

Beta ouvia a voz calma de Alpha, mas não fazia ideia do que isso queria dizer.

Estava paralisada de medo, incapaz de se mover ou pensar.

— Você não aprende mesmo.

A cabeça do seu inimigo voou pelo ar.

Alpha o decapitou.

O cadáver caiu no chão, jorrando sangue e sujando Beta, e grandes lágrimas escorriam dos seus olhos.

— Encontre um motivo para lutar.

Essas palavras soavam tão frias.

Beta era uma criança que tinha problemas para fazer as coisas sozinha.

Depois de se juntar ao Jardim das Sombras, sempre seguiu Alpha para todos os lados. Afinal de contas, eram velhas conhecidas, e ela sabia que seguiria o mesmo caminho se ficasse ao lado de Alpha.

Mas Beta não conseguia encontrar um motivo para lutar ao seguir os passos de Alpha, ou entender a importância de encontrar tal motivação. Como resultado, não conseguiu se acostumar com a ideia de assassinar, vomitando violentamente depois de matar alguém em uma missão e tremendo de medo todas as noites, quando tentava dormir. Não era estranho para ela acordar gritando no meio da noite.

Em uma noite em particular, Shadow aproximou-se da garota atormentada.

— Você busca sabedoria…?

— S-sim? — respondeu Beta, toda ansiosa enquanto inclinava a cabeça para o lado.

Em seus olhos, ele era enigmático e extremamente poderoso.

— Se busca sabedoria… sabedoria lhe darei.

Ele pode estar se referindo ao conhecimento para aliviar meu turbilhão emocional ao matar outras pessoas, pensou ela.

Com grandes expectativas, Beta assentiu:

— Eu… eu quero sabedoria. — Sua voz tremia.

— Então lhe darei…

Shadow começou a contar uma história:

— Era uma vez, em um local muito distante, havia um senhor e uma senhora…

Era um conto de fadas comum, sem grandes quantidades de sabedoria ou algo do tipo.

Mas o que diabos?

Ela não tinha certeza de como responder, não que fosse corajosa o bastante para se opor àquele que era reverenciado por Alpha, e calou-se para ouvir sua história, a qual acabou sendo mais interessante do que ela imaginava. Na verdade, percebeu que estava tão absorta no conto que perdeu a noção do tempo.

Naquela noite, Beta teve uma profunda e tranquila noite de descanso.

E, desde então, Shadow recitava uma história ao lado da cama de Beta antes de ela dormir.

Ela sempre foi apaixonada por livros, mas nunca ouviu essas histórias antes. Eram emocionantes e novas para seus ouvidos. O tempo voava enquanto as ouvia, e dormia sem demora… e parava de acordar no meio da noite. Suas favoritas eram “Cinderela” e “Branca de Neve”.

Pode ter sido nessa época que passou a prestar mais atenção em Shadow.

Percebeu que estava passando cada vez mais tempo perto dele. No começo, o observava com um olhar tímido. Mas, após um ano ter se passado, ela já estava ligada a ele.

Shadow era indispensável para o Jardim das Sombras, força absoluta, conhecimento e sabedoria. Sua incondicionalidade confortava Beta. Sem demora, ela percebeu que ele tinha se tornado uma necessidade até para si mesma.

Notou que suas dúvidas tinham desaparecido em algum momento ao longo do caminho.

Foi renegada pela sua família e expulsa do seu país, e essa série de tragédias a deixou lerda para processar sua nova situação. Já havia perdido demais para perceber seus ganhos.

Com seu ceticismo agora longe, Beta foi capaz de compreender algo: Shadow lhe deu uma nova vida e força.

Ela podia sentir essa verdade agitando-se em seu coração.

Beta encontrou uma razão para lutar.

Começou a manter um diário para escrever sobre ele todos os dias, para se manter em contato com suas memórias e sentimentos, a fim de nunca duvidar de nada novamente.

Beta encontrou uma razão para viver.

No começo, anotava palavras e adjetivos, mas percebeu que tinham se transformado em frases, as quais floresceram, tornando-se uma história ao longo do caminho.

O fraco som de movimentos a trouxe de volta para a realidade. Ela desembainhou sua espada antes de se aproximar do vagão de carga e olhar por baixo dele.

— Eek!

Deu de cara com um soldado que tinha quase a sua idade, o qual entrou em pânico e arrastou-se para fora, na tentativa desesperada de fugir.

Não sabia de nada quando escolheu proteger a carruagem que levava a possuída, e não saberia de nada em sua morte.

— P-pare…!

Beta moveu sua espada sem hesitação, e sangue esguichou do pescoço dele enquanto corria pela sua vida.

Mais alguns passos foram dados até que caiu no chão.

Depois de limpar o sangue que espirrou em sua bochecha, Beta olhou para o céu noturno, no qual uma lua cheia aparecia por entre as nuvens. Sob a luz do luar, sorriu inocentemente, como se fosse uma adorável flor carregada de perigo na noite.

Beta não tinha dúvidas.

Se isso o deixaria feliz, ela até mesmo trilharia o caminho do mal.

 

 


Tags: read novel A Eminência nas Sombras – Vol. 01 – Cap. 01 – Começando o Tutorial de Agente das Sombras!, novel A Eminência nas Sombras – Vol. 01 – Cap. 01 – Começando o Tutorial de Agente das Sombras!, read A Eminência nas Sombras – Vol. 01 – Cap. 01 – Começando o Tutorial de Agente das Sombras! online, A Eminência nas Sombras – Vol. 01 – Cap. 01 – Começando o Tutorial de Agente das Sombras! chapter, A Eminência nas Sombras – Vol. 01 – Cap. 01 – Começando o Tutorial de Agente das Sombras! high quality, A Eminência nas Sombras – Vol. 01 – Cap. 01 – Começando o Tutorial de Agente das Sombras! light novel, ,

Comentários

Vol. 01 – Cap. 01