— É inverno, então está nevando.
Os movimentos da Mestra eram leves.
— Já se passaram dois dias desde que a partida começou.
A Mestra dançava sobre a neve como se estivesse deslizando no gelo. A bainha de sua túnica preta esvoaçava pelo campo de neve infinito como uma pincelada em um papel em branco.
— Você não pode fugir pra sempre — resmungou o Guardião.
Um segundo pincel seguiu o primeiro. O traço mais poderoso e agressivo pintou uma linha grossa de tinta no campo de neve.
— Sou incomparável quando se trata da Arte da Leveza — declarou o Guardião enquanto avançava com passos pesados, esmagando o gelo e empurrando a neve para o lado.
— Estou confiante de que posso fugir para sempre.
— Mas o fim chegará eventualmente.
— Você não entende? Este mundo agora é um campo de neve infinito. Pode não haver para onde ir, mas posso fugir para qualquer lugar neste campo — disse a Mestra com um sorriso.
— Não vou deixar você escapar. — O Guardião saltou da neve. — Se você estivesse no seu auge, poderia fugir pra sempre, mas esta partida tá acontecendo agora. Você não tem nem duas horas de vida sobrando. A areia da sua ampulheta tá esgotando. Vai continuar correndo?
— Você é cruel.
— A verdade é cruel. — O Guardião balançou sua espada.
— Sim, admito. — A Mestra virou a cabeça, esquivando levemente do golpe. — Não tenho muito tempo sobrando, então não posso continuar fugindo.
— Teremos que ver o fim da luta mais cedo ou mais tarde.
— Nada impede que mais cedo ou mais tarde seja agora.
— Agora sim estamos falando.
A Mestra segurou sua espada.
— Então vou te mostrar todo o meu poder.
Artes do Céu Demoníaco,
Primeira Forma:
Morte por Fome.
— …A fome é quando os pais trocam seus filhos com os filhos dos vizinhos e os comem.
Sua espada uivou enquanto cortava o vento de inverno.
— Você já ouviu a história sobre um homem que cortou o corpo de uma criança vizinha em charque e o enterrou na neve? E o rumor daquela aldeia? Dizem que quando você cava a estrada deles, encontra carne humana jovem toda vez.
— Isso é triste. — O Guardião bloqueou a espada da Mestra com a sua. — Deve ter havido fome.
— Isso mesmo. A fome é como uma praga que pode voltar a qualquer momento.
— Mas também é uma coincidência. — O Guardião manejou sua espada pelo vento de inverno. — Boa colheita e fome são ambas questões de acaso. Tudo no universo é uma coincidência. Demônio Celestial, se você lamenta por uma tragédia acidental, também deveria rir e se alegrar por uma alegria coincidente. A profundidade da sua tristeza é igual à altura da sua felicidade.
As duas espadas se cruzaram, e flores de ameixa vermelhas caíram.
— Então, cantarei sobre a colheita feliz no outono.
A neve caía como folhas no outono.
— Um dia, olhei para o horizonte enquanto caminhava pela rua. Naquele dia, o arroz se estendia além do horizonte como um mar de ouro. As crianças brincavam de esconde-esconde no arroz, os grãos eram mais altos que elas, mas suas risadas escapavam de vez em quando.
O vento de outono soprou pelas montanhas e campos, tingindo suas folhas de vermelho e os arrozais de amarelo.
— Você mencionou a carne de criança enterrada na neve antes. Vou te contar a história de crianças rindo enquanto brincam de esconde-esconde nos arrozais.
Enquanto incontáveis folhas vermelhas caíam ao seu redor, o Guardião balançou sua espada.
— Tudo é apenas mais uma coincidência em mais um dia. Se tem algo que devo carregar na minha espada, é o riso dos arrozais. A última memória que devo recordar antes de morrer é das crianças brincando de esconde-esconde. É uma escolha óbvia.
A Mestra cortou as folhas.
— Você realmente vive no seu próprio mundinho, não é?
Artes do Céu Demoníaco,
Segunda Forma:
Morte por Sede.
— Você disse que tragédias e felicidade são ambas coincidências? Tenho certeza que são. Mas a felicidade não faz as pessoas morrerem. A dor da fome e da sede sim! Quando você morre, é o fim. Não tem volta.
A luz do sol brilhou.
— Cantarei sobre as pessoas que morreram porque não conseguiram nem um gole de água! — gritou a Mestra.
O vento quente do verão soprou pelo mundo, murchando montanhas e rios. As ervas ficaram amarelas, e as frutas murcharam. Enquanto os besouros se arrastavam pelo calor, dezenas de milhares de peixes mortos apareceram nas margens dos rios. Seus olhos redondos estavam secos.
— Ah.
A Mestra se tornou mais persistente. Mesmo que o Guardião tivesse contra-atacado seu ataque, ela não recuou. Em vez disso, se aproximou. Estavam tão perto que podiam sentir a respiração um do outro.
Os rápidos choques de espadas me deixaram tonto.
— É uma sensação incrível pular no rio durante o verão — refutou o Guardião enquanto desviava todos os golpes rápidos da espada da Mestra. — Você tá ensinando Gong-Ja do jeito errado.
— …O quê?
— Desculpe. Falei de forma um pouco dura. Não é errado, mas é cedo demais. — O Guardião conectou seus ataques de espada de forma que fluíssem como um rio. — É bom cantar sobre a dor do mundo. Também é bom se importar com o sofrimento dos outros. Mas ninguém pode fazer isso pra sempre.
— Como assim? — perguntou a Mestra.
— Eles ficam muito cansados.
Pétalas vermelhas de lírio da ressurreição caíram do céu.
— Gong-Ja ainda não experimentou a felicidade do mundo. Ele ainda não viu o suficiente.
O ímpeto da batalha mudou antes que eu percebesse.
— Ele deveria provar as delícias de todo o mundo pra que possa lamentar por aqueles que nunca poderão comê-las em toda a sua vida. Só depois de tentar mergulhar em um rio no verão ele pode verdadeiramente chorar por aqueles que murcham porque não tinha água. O coração é como o pavio de uma vela. Ele acabará se queimando se não fizer nada além de queimar.
“Sabe de uma coisa, Demônio Celestial? Esse cara nunca se apaixonou por ninguém. Nunca teve um encontro também! Não é engraçado?”
Os golpes de espada do Guardião caíam como uma cachoeira.
— Mas ele já age como se tivesse toda a dor e tristeza do mundo em seus ombros! Ha! Acorde e olhe pra ele! É cedo demais pra ele aprender os ensinamentos do seu culto!
O ataque caiu sobre ela como chuva.
— Vou ensiná-lo a ser feliz.
A torrente persistia.
— Vou ensiná-lo a sorrir sinceramente sem um traço de fingimento. Ele aprenderá a se apoiar nos ombros de outra pessoa. Ele deve conhecer o momento em que tá tão feliz por estar com alguém que não sabe o que fazer. É assim que pode continuar a estar triste!
— Você está…
Chovia na terra árida. O leito seco do rio lentamente se enchia com a chuva, levando embora os cadáveres de peixes nas margens. Enquanto as rãs coaxavam, as glórias-da-manhã abriam suas bocas roxas para beber a chuva.
— Você está tentando agir como o mestre do meu discípulo? — A Mestra rangeu os dentes.
Artes do Céu Demoníaco,
Terceira Forma:
Morte por Afogamento.
— Sim, tô!
O Guardião golpeou a Mestra com sua espada repetidamente como uma monção.
— Como ousa cobiçar meu único discípulo direto!
Era agora o meio do verão. A estação chuvosa fez o rio transbordar, e dezenas de milhares de rosas vermelhas foram levadas por suas águas.
— Não seja ridícula! Eu deveria ser o mestre dele! Esse era o meu plano!
Um reservatório colapsou, inundando aldeias. A enchente alcançou a base das montanhas.
A Mestra e o Guardião avançaram um contra o outro, seus passos deixando ondulações na superfície da água.
— Eu ensinei ele a cortar a garganta de um orc! Ele aprendeu a usar aura comigo! Esse garoto não tinha nenhum talento em artes marciais, então tive que passar um tempo do caralho para finalmente torná-lo decente. Uma chefe de seita desleal aparece do nada e corta a fila!
— O quê? Uma seita desleal?
— Sim! O que mais pode ser um culto demoníaco?
Os dois deslizavam pelo rio transbordando. Eles perseguiam e eram perseguidos. Pisando levemente de pétala de rosa em pólen de rosa, projetavam suas sombras sobre o rio e as pétalas.
— Manter uma espada deveria ser divertido!
O cheiro de água e flores era denso naquele dia chuvoso.
— É muito cedo pro Gong-Ja aprender as Artes do Céu Demoníaco! Esse estilo de espada é feito de dor e criado pra manejar uma espada usando sua dor. Você também precisa estar em dor para executá-lo corretamente. O que é isso!? É demais mesmo pra uma arte marcial demoníaca! Ainda será cedo demais pra aprender isso mesmo após ele descobrir a alegria de cheirar flores e a sensação da chuva de verão na pele!
— Gong-Ja! Meu discípulo! Ele nasceu para se tornar o próximo líder do meu culto! — gritou a Mestra.
— É por isso que tô te chamando de seita desleal, sua chefe desleal!
Agora havia centenas de milhões de rosas no rio, eu não conseguia mais ver a superfície. O mundo havia se transformado em um campo vermelho de flores.
— ■■■■, ■■■. ■■■■.
— ■■■, ■■, ■■■■. ■■■!
Era primavera agora. Peônias vermelhas esvoaçavam no céu.
— …Vou cortar seus pontos de acupuntura cervicais com a sexta forma da Espada de Peônia Caótica, a Espada de Flor Desordenada.
Duas pétalas foram cortadas ao meio.
— Dou dois passos pra trás nos Passos de Orquídea Nevada.
Eu podia ver.
— …Vou te mandar voando com a sétima forma das Artes do Céu Demoníaco, Morte por Espancamento.
Eu podia ouvir.
— Vou contra-atacar isso usando o Golpe da Queda da Lua de Outono, a quarta forma do Golpe da Flor do Mar em Flor.
Eu podia ver as duas espadas e as peônias que eles esmagavam sob seus pés. Eu podia sentir a forte fragrância das pétalas.
Porque agora eu podia ver tudo isso, eu conseguia perceber que a Mestra, o céu do Culto do Demônio Celestial, estava perdendo.
— …Vou contra-atacar usando a oitava forma das Artes do Céu Demoníaco, Morte por Fogo.
A Mestra estava coberta de sangue tão vermelho quanto as peônias caídas.
A diferença de habilidade entre a Mestra e o Guardião era clara. Não importava o quanto ela tentasse prolongar a luta e fugir, era impossível se livrar do Guardião. Como preço por tentar o impossível, a Mestra sangrava pelos braços, pernas e ombros.
— Hmm. — O Guardião assumiu uma forma. — Vou desviar isso usando a Espada da Chegada ao Luar, a primeira forma da Espada da Flor do Pôr do Sol.
A respiração da Mestra se tornou ligeiramente rasa. Seu qi estava se esgotando, mas tentar uma destruição mútua usando sua força vital seria ambicioso demais.
Seus lábios se abriram lentamente.
— Eu… Eu não consegui completar a última forma das Artes do Céu Demoníaco por uma razão. Desde jovem, a morte gravada em meu coração era morrer congelada após ser abandonada por minha mãe no campo de neve. Esse fim era o que eu considerava ser minha morte.
A Mestra ergueu sua espada bem alto, apontando-a para o céu como o ponteiro de um relógio anunciando o meio-dia.
— Ironicamente, consegui completar minha nona forma das Artes do Céu Demoníaco após o mundo estar condenado. Quer eu olhe para o céu ou caminhe sob ele, sou a única que existe. Whish, whish, iwish. O mundo é inverno, e uma única vela está queimando. Minha canção é a do mundo, e minha morte significa o fim do céu e da terra. Tornou-se branco, ainda é branco, e provavelmente permanecerá branco.
Sua espada cortou o céu.
— Vou deitar meu Céu Demoníaco no campo de neve e gritar minhas últimas palavras.
Artes do Céu Demoníaco,
Nona Forma:
Morte por Solidão.
O céu de pétalas vermelhas de flores se partiu, e o inverno invadiu, encerrando a primavera. Centenas de milhões de peônias tornaram-se o mesmo número de flocos de neve, congelando o mundo.
Era um golpe de espada solitário que cantava a morte solitária da Demônio Celestial.
— Entendo. — O Guardião olhou silenciosamente para a torrente de inverno que estava prestes a engoli-lo. — Morrer sozinha é sua escolha, Demônio Celestial? Sim, devo admitir, é a escolha perfeita pra a última artista marcial de um mundo condenado.
Um sorriso solitário pairava no rosto do Guardião.
— Mas eu sei mais sobre solidão do que você. — O Guardião apertou o cabo de sua espada. — Por quanto tempo você suportou estar sozinha neste mundo? Três anos? Dois anos? Não. Você não suportou um único dia. Você sempre teve o líder da Aliança Murim ao seu lado. Quando ele morreu, você perdeu a cabeça.
Sua espada lentamente traçou uma linha.
— Desculpe, mas eu suportei 130 anos sozinho.
Artes Marciais,
Forma Zero:
Uma Espada.
Peônias desabrocharam novamente. O inverno acabou, e a primavera foi trazida de volta. E então era verão, outono…
Outono, inverno, primavera, verão, verão, outono, outono, inverno, primavera, primavera, primavera, verão, outono, verão, outono, inverno…
Flores de ameixa, peônias, rosas, lírios da ressurreição, lírios da ressurreição, flores de ameixa, peônias, rosas…
Pétalas vermelhas, pétalas vermelhas, pétalas vermelhas, pétalas vermelhas, inverno, pétalas vermelhas, inverno, inverno…
Eu… estava… sem fôlego… Tive que ofegar por ar. Não conseguia ver ou ouvir nada do que acabara de acontecer.
No entanto, havia algo mais importante do que entender a luta agora.
— Mestra… Mestra, você está bem…? Está bem?
Ela olhava para o céu de inverno em silêncio. Seus olhos estavam vazios.
Meu coração afundou. Lentamente segurei a mão da Mestra e senti seu pulso várias vezes. Seu coração batia. Ela estava viva. Ainda estava viva.
— Mestra — disse novamente.
— Entendo. Era isso o tempo todo — respirou a Mestra. Seus olhos escuros olharam os meus. — Gong-Ja, meu discípulo, sua única preocupação foi me ajudar o tempo todo.
“Você disse que veio me visitar do murim exterior porque ouviu minha reputação e a admirava… Isso era uma mentira. Uma mentira total. Por que não percebi isso antes? Meu discípulo não é o tipo de criança que seria tentada pela fama a atravessar o mundo…”
Sua voz ficava cada vez mais baixa.
— Obrigada. Você estava feliz por me conhecer? — perguntou a Mestra.
Assenti.
— Sim.
— Serei capaz de ser lembrada como uma flor para você?
— Sim, Mestra.
— Posso perguntar que tipo de flor será?
— Uma peônia. — A abracei mais forte. — Vou lembrar de você como uma peônia vermelha, Mestra.
— Haha. É uma bela. — A Mestra sorriu, acariciando minha bochecha. — É linda, meu filho…
Ela estendeu a outra mão para o céu. Seu movimento era delicado e leve, como um pássaro recém-nascido batendo suas asas.
— Meu discípulo…
Sem um único som, uma montanha nevada foi dividida em duas. Elas permaneceram ali, tranquilas, como se sempre tivessem sido duas.
A Mestra expirou, embaçando o ar com branco. Ela devia estar tentando ter um sonho branco.
— Mestra… — enterrei meu rosto em seu ombro. — O inverno foi cortado, Mestra… Foi cortado.
Quando o som de sua respiração parou, o inverno foi cortado pela pessoa que nasceu com o aroma da neve.
Tradução: Rlc
Revisão: Pride
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