— Você deveria pensar no seu próximo passo agora! — disse a Bruxa Negra, batendo de leve no meu braço com o jornal. Ela estava tão animada que mal conseguia se controlar.
— Meu próximo passo?
— Sim! Você está nas Cinco Guildas, mas isso basicamente significa que não faz parte de lugar nenhum. Como as coisas deram super certo, você poderia até criar sua própria guilda. — A Bruxa Negra riu baixinho. — Você é o Caçador Rank 3, então deveria pelo menos ser líder de uma guilda. Não ficaria bem se continuasse como um membro comum.
— Hmm… Líder de guilda…
Não parecia real. Eu não conseguia me imaginar liderando uma guilda. Além disso, será que eu precisava mesmo de Caçadores trabalhando para mim? Eu tinha um exército de esqueletos.
— Bem… — A Bruxa Negra notou minha falta de entusiasmo e deu de ombros. Ela lançou um olhar por cima do ombro para o Espada do Luar, que nos observava. — Jogar solo pode ser mais a sua praia, como o velho ali. Tem uma quantidade surpreendente de pessoas que sonham em enfrentar o mundo sozinhas. Não vou te forçar se não estiver interessado.
— Está me insultando? — Espada do Luar ergueu uma sobrancelha.
A Bruxa Negra virou, ignorando-o.
— Enfim, quem são eles?
Na beira da estrada da floresta, o exército montava tendas. Eles não iam mais atacar o paraíso de Preta, então descansariam por hoje e voltariam para casa.
Cocei o queixo.
— Ah, esses soldados são de todo o continente.
— Todo o continente?
— Então, o que aconteceu foi…
Expliquei como enganei o exército, omitindo as partes sobre Preta.
A Bruxa Negra e o Espada do Luar me ouviram juntos. Pareciam ter sentimentos mistos sobre isso.
— Rei da Morte… Você é bem bom em mentir também, né? — comentou a Bruxa Negra. Espada do Luar parecia pensar o mesmo.
— Foi assim que consegui completar o cenário sem derramar sangue.
— Não, não estou te criticando. Você fez um ótimo trabalho. — Os olhos da Bruxa Negra semicerraram, como um comerciante farejando uma oportunidade de negócios. — Podemos negociar com as pessoas daqui. Isso significa que não vamos precisar nos humilhar para os velhos do mundo exterior! Canalhas! Eles sempre tentam nos extorquir por comida. Vamos ver quanto tempo conseguem manter isso.
Ela parecia guardar muitos rancores.
— Sim, o comércio entre a Torre e o mundo exterior é desequilibrado — disse Espada do Luar. — Capital, recursos, tecnologia… O exterior é mais rico que a Torre em todos os aspectos. Claro, a Torre tem elixires e ingredientes que não se encontram no mundo exterior, mas…
— Comida! Comida é sempre o problema! — A Bruxa Negra pisou no chão com raiva.
Eu achava que ela era uma pessoa fria, mas depois que nós três completamos do décimo segundo ao décimo nono andar, ela passou a expressar suas emoções livremente na nossa frente. Era um bom sinal de quão próximos nos tornamos.
— Então, Mestra do Dragão Negro, você está dizendo que quer negociar com as pessoas deste mundo, certo?
— Hmm? Claro. O mundo exterior precisa provar do próprio veneno.
Sorri e apontei para o acampamento militar.
— Então você vai ter que falar com eles. Mas não vai funcionar se chegar dizendo “Vamos negociar”. Caçadores e as pessoas daqui são estranhos uns pros outros.
— Você tem razão.
— Pode usar meu nome — disse. — Neste mundo, sou o arauto do Grande Primeiro Imperador e apóstolo da Deusa, então vocês dois podem agir como apóstolos também. Vai ajudar a iniciar as conversas.
A Bruxa Negra cerrou os olhos, pensativa.
— Fico grata por ouvir isso. Vai ser muito útil, mas não acho que você está dizendo que vai nos deixar usar seu nome de graça… O que você quer?
— O vigésimo andar.
— O quê?
Olhei ao redor. A floresta de acácias, a pequena planície e a casa de Estelle. Esse pequeno mundo era tudo o que havia no vigésimo andar.
— Quero o vigésimo andar — repeti.
A Bruxa Negra levou um tempo pra continuar.
— …Espera aí. O vigésimo andar? Você quer o vigésimo andar só para você?
— Sim, quero a posse da terra, para ser exato.
— Isso é…
— Em troca, não vou pegar nenhum espólio do décimo primeiro ao décimo nono andar. Quando começarem com eles, você e os outros podem dividir os lucros entre si.
A Bruxa Negra fechou a boca. Era uma oferta chocante. Quando os Caçadores completam um cenário, os campeões normalmente dividem os espólios, desde a posse de itens até os recursos, no entanto, metade dos direitos fica sem dono para que todos na Torre possam usá-los. Ainda assim, não havia precedente de uma pessoa ter um andar inteiro para si.
— Isso… não é algo que eu possa decidir sozinha — disse a Bruxa Negra, com uma expressão preocupada. — Preciso chamar os outros líderes de guilda e discutir com eles.
— Bem, não tenho nada para fazer nas próximas vinte e quatro horas mesmo. Vou esperar.
— …Você realmente quer este cenário? — A Bruxa Negra olhou rapidamente ao redor. — Pelo que vi, a terra não parece valiosa. Esse caminho… é bonito, mas é pequeno. Não tem muito espaço para agricultura.
Assenti.
— Rei da Morte, falo por experiência: você vai ganhar muito mais com sua parte dos espólios. Vai acumular várias fortunas.
Sorri.
— Prefiro imóveis a dinheiro. Ter sua própria terra é o melhor.
Ela me lançou um olhar.
— Fechamos negócio? — perguntei.
A Bruxa Negra suspirou.
— Vou marcar uma reunião com os líderes de guilda. Vamos discutir isso no primeiro andar.
— Certo.
— Sim, você precisa se mostrar para as pessoas mesmo. Mas… — A Bruxa Negra encontrou meus olhos lentamente. — …tem uma pergunta que eu queria fazer.
— Pode fazer.
— …Quem é aquele?
Segui o dedo da Bruxa Negra.
— P…orra… Snif… Seu desgraçado. Para…! Para com isso…! É tão difícil assim?! Porra! O que você tem contra mim? O que eu fiz…!
O melhor dançarino da Torre exibia sua habilidade, com suor e lágrimas desesperadas decorando a floresta como orvalho matinal. Era lindo.
— Mestra do Dragão Negro. — Sorri radiante. — Você não viu nada.
— Hein?
— Não viu nada.
A Bruxa parecia uma bióloga que acabou de encontrar o maior mistério da vida.
— Sim, tem todo tipo de gente por aí. Vou tentar entender — murmurou. — Mas entendi. Você também não é muito são…
Isso ainda era apenas a opinião de uma mulher.
***
Depois de desinvocar Preta e o Imperador das Chamas, segui para o primeiro andar com os outros Caçadores.
— Tudo bem se nos encontrarmos no café onde estivemos da última vez? — perguntou a Bruxa Negra.
— Não, sem problemas. Qualquer lugar está bom para mim.
Fazia tempo desde que estive em Babilônia, a cidade do primeiro andar. Aos olhos dos outros, parecia que eu tinha voltado depois de cinco dias, mas não era verdade para mim. Levei anos pra encontrar essa cidade novamente.
Suspirei.
— O que foi?
— Nada. Só sinto que finalmente completei os cenários.
A Bruxa Negra riu.
— Pode ser cedo demais para isso.
— Hmm?
— Eu te disse. Você é o assunto principal na Torre. Se prepare.
Nem precisei perguntar. Pedestres, comerciantes de rua e Caçadores prestes a partir para os campos de caça começaram a falar quase imediatamente após eu pisar na pedra de teleporte do primeiro andar.
— Hã?
— É aquele…
— É a Bruxa Negra e o Espada do Luar.
— Então aquela pessoa é…
— É o Rei da Morte! O Rei da Morte está aqui! — alguém gritou.
Isso desencadeou a multidão. Dezenas, talvez centenas de pessoas, viraram para olhar. Clientes examinavam armas de segunda mão nas barracas, casais tomavam café na cafeteria ao ar livre, um comerciante vendia flores raras, e uma Caçadora conversava com uma colega. Mas todos eles se levantaram ou viraram a cabeça.
— Wow! Ah!
— Tem um boato que você completou o vigésimo andar sozinho! É verdade?
— Olha pra cá, por favor! Espera! Aqui!
Não houve tempo para fazer algo a respeito. Num piscar de olhos, a multidão nos cercou. Com mais um piscar, o cerco humano dobrou de tamanho.
— Hmmm… — Não sabia o que fazer.
— Não diga nada — sussurrou a Bruxa Negra, só para mim. — Você ainda não tem experiência com a mídia, né?
— É, claro que não.
— Mistério ou estrela?
— Como assim? — perguntei.
— Estou perguntando sobre sua imagem na mídia. Quer ser misterioso? Ou prefere ser uma estrela?
A multidão já tinha triplicado, e nós, Caçadores, parecíamos andar trinta vezes mais devagar.
Flashes de câmeras disparavam a cada passo. Meu Deus, eu nem conseguia pensar!
— Preciso da sua resposta agora, mas, uma vez que escolher sua imagem, é difícil mudar.
— Hmmm… Entendo o lance de ser misterioso, mas o que quer dizer com ser uma estrela?
— É como uma estrela de cinema — disse a Bruxa Negra. — Você vai precisar de uma conta nova nas redes sociais e dois secretários. Um para sua imagem, outro para lidar com a mídia. Também vai precisar de um estilista para cuidar do seu visual e moda. Ah, não se preocupe com o dinheiro. A Dragão Negro vai te ajudar com isso.
Já estava caótico, mas isso parecia ainda pior.
Espada do Luar franziu a testa.
— Trabalho solo porque não quero lidar com essa bobagem — cuspiu.
Parecia totalmente razoável.
— Misterioso, por favor… — murmurei, a voz já cansada.
— Tem certeza? Com o gerenciamento certo, as pessoas mudam. Você vai ficar mais bonito, e vai poder interagir com os outros de uma nova perspectiva. O Inquisidor faz ensaios para revistas e tem até um livro de fotos, sabia?
Eu sabia muito bem. Como fanboy, eu recortava essas fotos de revistas antes de regredir por mais de quatro mil dias. Foi assim que soube que a Bruxa Negra também aparecia frequentemente em capas de revistas.
Mas era outra história se eu tivesse que fazer isso.
— Não. Misterioso! Me deixa ser misterioso, por favor!
— Por quê? Não quer fazer ensaios fotográficos? — perguntou a Bruxa Negra.
Eu prefiro levar um tiro na cabeça!
— Ficaria morrendo de vergonha!
— Todo mundo é assim no começo. Espera, o Inquisidor não foi… mas ele é exceção. Rei da Morte, se for para falar de vergonha, o que você gritou nas muralhas foi muito mais…
— Saio das Cinco Guildas se não me deixar ser misterioso — disse, do fundo do coração.
A Bruxa Negra riu baixinho.
— É, você faria isso. Parece o seu tipo.
— O que devo fazer para continuar misterioso?
— É simples. Faça uma cara de poker bem convincente.
Era a primeira vez que ouvia um conselho assim.
— Qualquer atividade nas redes sociais é proibida. Nunca aceite entrevistas de revistas. O mesmo vale para streamers pessoais ou outras mídias. Uma ou duas entrevistas por ano está okay. Se quiser, te mando os repórteres que já filtrei antes.
— …É só isso?
— Você não sabe como isso é difícil. — A Bruxa Negra riu, brincalhona. — Atenção é uma droga. A mais viciante de todas.
— Também é a droga que destrói as pessoas de todas as formas possíveis — acrescentou o Espada do Luar.
— Sim, as pessoas ficam felizes com a atenção de apenas dez pessoas. E você chegou a um ponto onde milhões vão reagir a cada palavra que disser. Poucos conseguem resistir a esse tipo de euforia.
A multidão cresceu novamente. Parecia que toda a cidade estava ali.
— É tudo inútil — comentou o Espada do Luar.
— Mas é bom — disse a Bruxa Negra. — Talvez as celebridades devam aprender a aproveitar. Elas aguentam um pouco mais até se cansarem da droga ou dos outros famosos que estão na mesma onda. Qual é a sua escolha, Rei da Morte?
Olhei ao redor, para o muro de pessoas. Não havia escapatória. Flashes de câmeras disparavam sem parar, então precisei semicerrar os olhos, o que fazia os flashes parecerem uma miragem. O muro de pessoas parecia apenas uma sombra.
— …Poucas pessoas se importam tanto com o que os outros pensam de si quanto eu — respondi. — Quero reconhecimento. Não sei muito bem… mas acho que receber atenção e reconhecimento é um pouco diferente.
Lembrei do Imperador das Chamas, o centro absoluto de atenção na Torre antes de eu regredir.
— Estou bem sem a atenção de milhões de pessoas. A atenção das pessoas ao meu redor é o suficiente. Não importa se é de centenas de milhares ou milhões… O que quero das pessoas… é reconhecimento, não atenção.
— Certo. — A Bruxa Negra sorriu. — Pessoalmente, acredito que não são completamente diferentes, mas respeito sua resposta.
— Obrigado.
— É bom que você seja quem é — comentou ela.
Lembrei que ela já tinha dito algo parecido antes.
— Então, como faço uma boa cara de poker? — perguntei.
— Vou te contar meu truque.
Dava para ouvir a multidão de todas as direções. A velocidade do nosso grupo caiu para dez centímetros por segundo.
— Lembre de uma memória bem ruim.
— Uma memória ruim.
— Sim, para mim, é uma memória de quando eu tinha sete anos. Quando estava no mundo exterior, meu pai morreu durante a guerra civil — disse a Bruxa Negra calmamente. — Eu estava fugindo com meus pais na época. Acho que os soldados estavam nos perseguindo. Meu pai ficou para trás e gritou: “Corre! Não olha para trás!” Mas…
A Bruxa Negra liderava o caminho pela multidão.
— …Eu realmente corri sem olhar para trás. Mesmo ouvindo tiros, não me virei. Continuei correndo.
As câmeras continuavam disparando.
— Você era jovem — disse baixinho.
— Eu era jovem — repetiu a Bruxa Negra. — Não estou dizendo que odeio o fato de ter fugido. Eu era criança. Mas por que não olhei para trás? Teria sido fácil pelo menos virar a cabeça.
Não disse nada.
— Essa é a memória que penso quando preciso de uma cara de poker. Sempre que lembro da dor no peito daquela época, consigo fazer uma ótima cara de poker. É meu truque. — A Bruxa Negra me olhou. — Tenho certeza de que você também tem algumas memórias assim.
Eu tinha uma. Lembrei da vez que o Imperador das Chamas me agarrou pela cabeça e me queimou até a morte num beco escuro.
— Sim, tenho.
Mesmo sem olhar no espelho, sabia que estava com uma cara de poker perfeita agora.
— Olha para cá por um momento, por favor!
— Pode nos dar algum comentário?
— Mestra do Dragão Negro, quando teremos seu anúncio oficial?
— Qual é a relação entre vocês dois?
— Sr. Espada do Luar! O que acha do Rei da Morte?
Quando olhei ao redor novamente, conseguia enxergar melhor o ambiente. Era a primeira vez que estava cercado por uma multidão desse tamanho e ofuscado por flashes de câmeras assim, mas estava me acostumando. Não parecia mais caótico como antes. Eu me sentia calmo, como de costume.
— Funciona muito bem.
Os cantos da boca da Bruxa subiram.
— Você aprende rápido. Vai se acostumar logo.
O mundo certamente estava diferente após cinco dias, mas não o suficiente para me mudar.
Tradução: Rlc
Revisão: Pride
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