A alvorada surgiu em 19 de fevereiro.
Nos enormes estábulos de dragões ao longo da muralha oeste dos terrenos da catedral, Ronie acariciava o pescoço de seu pequeno dragão, Tsukigake.
A criatura juvenil soltou um leve trinado e estreitou os olhos de prazer — ou talvez sonolência residual. O dragão não era o único.
A cabeça ruiva de Tiese balançava enquanto ela se apoiava na cerca prateada.
Ronie quisera ir para a cama cedo na noite anterior, mas não conseguiu dormir, então ela e Tiese passaram grande parte da noite conversando na sala de estar.
Embora estivessem juntas há quase dois anos, era de se perguntar como nunca lhes faltou assunto para se envolverem completamente. Provavelmente era assim que funcionava com melhores amigas.
Kirito e Eugeo levaram anos para deixar Rulid, no distante norte, viajar para Centoria, entrar na academia e alcançar o status de Discípulo de Elite, mas sempre gostaram de conversar, debater táticas de luta ou simplesmente ocupar o mesmo espaço em um silêncio abençoado.
Tiese estava em um grande ponto de virada em sua vida. Se ela aceitasse a proposta de Renly – ou mesmo que não aceitasse – Ronie esperava que pudessem ser sempre melhores amigas.
— Bem, Tsukigake, eu tenho que ir. Faça o que Tiese disser e seja um bom dragão.
Ronie se endireitou, e o pequeno dragão ergueu a cabeça para piar:
— Kyuru!
Quando Tiese finalmente acordou de novo, elas foram para o arsenal atrás da catedral, onde a Unidade Dois do Dragoncraft já havia sido puxada para a superfície de pedra do lado de fora.
Não estava em pé como a Unidade Um. Em vez disso, repousava sobre três pernas no chão, como dentro do hangar. Na verdade, os pés da nave não tinham garras como os de um dragão; eles terminavam em rodas.
Kirito, Asuna, Fanatio e o Mestre do Arsenal Sadore estavam perto da proa, junto com outra mulher, que parecia ter mais ou menos a mesma idade de Ronie. Essa mulher usava um uniforme de trabalho do arsenal e realizava artes sacras na nave.
Ronie percebeu que se tratava da geração de elementos de vento para fazê-la voar. Ela se inclinou para sua parceira, que carregava sua mala.
— Ei, Tiese, você acha que aquela é…?
— Ah, sim. É ela. Era a operadora da plataforma de levitação antes de ser automatizada.
— Ohhh… Ela é muito bonita!
— Concordo, mas, pelo que ouvi, ela está viva há pelo menos tanto tempo quanto Deusolbert.
— U-uau, eu não sabia!
Kirito percebeu que as duas estavam conversando a uma curta distância e acenou:
— Ei, Ronie, Tiese, por aqui.
— Ah… estamos indo! Bom dia!
— Bom dia! — Elas chamaram em uníssono, aproximando-se.
O céu ainda estava escuro, mas agora que estava ao ar livre, a Unidade Dois era ainda maior do que Ronie imaginara. Não apenas havia dois assentos de piloto, mas as asas eram tão longas quanto as de um dragão de verdade, e as aberturas de exaustão na parte traseira eram enormes. A coisa toda era cerca de 40% maior que a Unidade Um, com uns bons sete mels de comprimento.
Agora que estava olhando para ela, de repente sentiu-se nervosa em montá-la, mas acompanhar Kirito fora ideia dela em primeiro lugar, então não adiantava amarelar. Ela se forçou a parar de pensar no fim flamejante da Unidade Um e cumprimentou Kirito e Asuna com uma reverência.
— Sinto muito. Sei que estou um pouco atrasada.
— Não, ainda faltam dez minutos para as cinco.
Já fazia um bom tempo desde o sino das quatro e meia, mas o anúncio de Kirito sobre a hora foi bastante confiante. Ele olhou para a nova espada em seu quadril esquerdo e sorriu.
— Obrigado por concordar em cuidar da minha retaguarda, Ronie.
— E-eu vou! — Ela gaguejou. Ia dizer com minha vida, mas a lembrança do que Asuna dissera na noite anterior a deteve. Em vez disso, ela chiou:
— Vou f-fazer o meu melhor!
Foi um pouco infantil, mas lhe rendeu sorrisos calorosos de Kirito e Asuna.
Assim que cumprimentou Fanatio e Sadore também, estava pronta para pegar sua bagagem de Tiese.
A mala estava pesada, tão cheia de suprimentos. Mas onde ela a colocaria no dragoncraft?
— Kirito, terminei de carregar os elementos de vento — disse uma voz atrás deles.
Ronie e Tiese se viraram para ver a antiga operadora da plataforma de levitação.
Ficaram impressionadas com sua beleza delicada; ela parecia mais adequada a um traje eclesiástico ou a um vestido de nobre do que ao robusto uniforme de trabalho do arsenal.
— Obrigado, Airy. Agradeço — disse Kirito.
A garota chamada Airy fez uma reverência sem qualquer mudança de expressão, depois recuou para ficar ao lado de Sadore.
Nesse momento, os suaves sinos das cinco horas tocaram da catedral. Kirito prontamente bateu palmas.
— Bem, então, acho que devemos ir! Eu levo essa mala, Ronie. — Ele disse, estendendo as mãos.
Ela lhe entregou. Ele abriu uma pequena porta na lateral do dragoncraft e a enfiou em um espaço que parecia projetado para carga.
Feito isso, Ronie se virou para dar um grande abraço em Tiese. Elas não precisaram trocar palavras; Ronie pensou: “Voltarei antes que você perceba!”, e Tiese retribuiu o sentimento pensando: “Apenas volte para casa em segurança.”.

Ronie afrouxou o aperto, olhou nos olhos de Tiese uma última vez e seguiu em direção à extremidade dianteira do dragoncraft, onde Kirito a esperava.
Ele a conduziu à escada que ia do chão até a proa da nave. Ela subiu timidamente até alcançar a pequena sala elíptica com assentos localizados na frente e atrás.
O encosto do banco da frente estava inclinado para baixo, então Ronie tirou sua espada e se acomodou no banco de trás. Era um simples couro esticado sobre uma estrutura de metal, mas o material era valioso, couro de chifre-vermelho-maior, macio, então pareceu mais confortável do que ela esperava.
Kirito subiu a escada logo depois, recolocou o assento em sua posição correta e tomou seu lugar nele. Sadore puxou a escada e Kirito girou uma maçaneta que baixou o teto de vidro sobre o pequeno espaço com um baque.
De repente, o coração de Ronie começou a bater forte. Ela engoliu em seco.
Tsukigake ainda era muito jovem para voar, mas ela já havia montado em dupla várias vezes em Kazenui de Renly, Himawari de Fizel e Hinageshi de Linel. Na primeira ou segunda vez fora assustador, mas logo o prazer de cortar o vento superou seu medo. Ela não achava que tivesse algum medo particular de voar, mas agora que estava em um dragão artificial feito em grande parte de metal e montando dentro em vez de em suas costas, sentia-se mais perplexa do que animada. Para começar, não havia asas destinadas a bater o ar, então como voltariam ao chão depois de decolar?
A visão da Unidade Um explodindo passou por sua mente novamente, fazendo-a estremecer.
— Ah… hum, Kirito?
— O que foi? — Ele perguntou casualmente do banco da frente.
Ronie inclinou-se para frente, mais perto da cabeça dele, e perguntou:
— Este dragão voa liberando elementos de calor como o último?
— Isso mesmo.
— Se começarmos a voar e fizermos um barulho incrível de madrugada, isso não vai assustar todo mundo na capital e acordá-los?
— Suponho que sim. — Kirito murmurou, depois explicou: — Mas o problema é que não temos uma pista longa o suficiente aqui; então, não podemos decolar horizontalmente. Infelizmente, teremos que trapacear um pouco na decolagem e pouso da Unidade Dois.
Ela não entendeu bem todas as palavras que ele acabara de dizer.
— Tra-trapacear? Quer dizer…?
Kirito apenas sorriu para ela sem responder. Ele agarrou duas hastes de metal presas à parte da frente de seu assento. Suas mãos começaram a brilhar fracamente, e ela prendeu a respiração.
O que aconteceu em seguida não foi obra de elementos. A própria força de vontade de Kirito brilhava enquanto interagia com as leis do mundo. Aquela era a luz da Encarnação.
O dragão de aço estremeceu como um ser vivo. Um momento depois, pareceu que o corpo estava sendo erguido.
Ronie olhou através da tampa de vidro, alarmada. Gradualmente, a visão das pedras cinzentas do calçamento e de Tiese e Asuna acenando freneticamente se distanciava.
Kirito estava erguendo aquele enorme dragoncraft apenas com a força da vontade e a imaginação.
Parecia mesmo trapaça, pensou Ronie enquanto acenava de volta. À medida que a velocidade de subida aumentava, as pessoas no chão ficavam cada vez menores, até serem escondidas pelo branco da névoa matinal. O Jardim das Rosas ao norte do arsenal e as paredes brancas da catedral surgiram em seu lugar.
Ela baixou a mão e olhou para frente, vendo apenas o céu azul-escuro antes do nascer do sol. A beleza do brilho avermelhado fraco no horizonte lhe tirou o fôlego.
Assim que alcançaram a altura do Grande Banho no nonagésimo andar da catedral, o dragoncraft parou de subir e começou a avançar paralelamente ao chão. Esta foi uma aceleração suave, como deslizar sobre a água — nada parecido com o bater poderoso das asas de um dragão real. Não havia som, exceto pelo uivo baixo do vento ao redor deles. A menos que alguém estivesse olhando para o céu da madrugada, ninguém em Centoria notaria sua presença.
Com essa preocupação resolvida, outra tomou conta de sua mente.
— Kirito! Tem certeza de que consegue controlar algo tão grande apenas com Encarnação? — Ela perguntou, inclinando-se em direção ao banco da frente. Preocupou-se instantaneamente que pudesse estar distraindo-o e quebrando seu foco, mas sua voz retornou tão casualmente quanto antes.
— Por enquanto, sim. Mas sinto que será difícil pilotá-lo assim até sair do Reino Humano.
— Ah… entendo.
A força de vontade insondável do delegado espadachim a deixou atordoada.
Como aprendiz de Cavaleira da Integridade, Ronie passava por treinamento de Encarnação, mas achava difícil avançar para o próximo estágio, fosse com exercícios mais práticos como Isolamento em Poste (ficar em um só pé no topo de um pilar estreito) ou Comunhão Elemental (preservar elementos no ar com força de vontade), ou mesmo com a simples Meditação Sentada, onde tudo o que ela precisava fazer era sentar no chão e se concentrar.
Para começar, mesmo cavaleiros experientes como Fanatio e Deusolbert consideravam Braços Encarnados, que moviam um objeto do tamanho de uma espada curta, e Espada Encarnada, que cortava com lâminas invisíveis, suas técnicas supremas. Então, o poder de Encarnação de Kirito estava completamente fora de cogitação e se mantinha um enorme dragoncraft de metal para dois passageiros no ar.
— E mesmo com sua Encarnação avassaladora, você não consegue cruzar a Muralha no Fim do Mundo. — Ronie murmurou.
Kirito fez uma careta.
— Pode ser que me falte disciplina… mas não adianta cruzar se sou o único que consegue. Precisamos tornar possível voar grandes dragoncrafts ou plataformas de levitação como a da catedral em intervalos regulares para que o povo do Território Sombrio – o povo de todo o Underworld – possa ir e vir livremente.
Como as ideias de Kirito frequentemente se revelavam, o conceito de prender uma plataforma de levitação a muralhas cuja altura nem sequer podia ser medida era desconcertante. Ronie olhou distraidamente pela janela.
O dragoncraft havia saído de East Centoria, então apenas campos e prados cobertos pela neve recente eram visíveis abaixo. Era uma visão fria de se contemplar, mas, em março, o plantio de trigo começaria e nova vegetação cobriria a terra.
Ronie imaginou essa cena por alguns momentos. Depois perguntou:
— Hum, Kirito… Nós realmente precisamos tentar cruzar a Muralha no Fim do Mundo? Por que não apenas mover o povo do Território Sombrio para cá? Há muitas terras não cultivadas, com espaço para mais campos e vilas.
Kirito não teve uma resposta imediata para ela desta vez. Eventualmente, ele murmurou:
— Se ao menos todos no Reino Humano pensassem como você, Ronie.
— Huh…? O-o que você quer dizer com isso?
— Bem, uh… vejamos. Atualmente, estimamos a população total do reino em oitenta e dois mil. Os relatórios mais recentes sugerem que a do Território Sombrio é aproximadamente a mesma. O Reino Humano tem cerca de um milhão, setecentos e setenta mil kilors quadrados, mais da metade dos quais são florestas e planícies não desenvolvidas. Então, como você diz, em termos de área terrestre, poderíamos suportar o dobro da população total, eu acho.
Ronie ficou chocada com isso por um motivo diferente.
— O quê?! É verdade que a população do reino sombrio é de mais de oitenta mil? E durante a guerra, o Imperador Vecta formou um exército com cinquenta mil deles?
— É assim que as contas fecham. Fanatio me disse que toda pessoa fisicamente capaz lá é transformada em soldado. É horrível. Mas tenho certeza de que é um costume trazido pela terra árida do Território Sombrio. Naquele mundo, aqueles que lutam e tomam para si são os que sobrevivem.
Ele parou ali, recostando-se no assento. A nave balançou brevemente e se endireitou novamente, como se ele tivesse perdido o foco momentaneamente.
— Assim como o reino sombrio, o Reino Humano tem seu próprio entendimento compartilhado que foi construído ao longo de três séculos de história. Eles conhecem o povo do Território Sombrio como monstros aterrorizantes que vêm pelas Montanhas do Fim para roubar crianças e gado. Com a abertura do comércio, há mais turistas e comerciantes circulando entre os dois lados, mas preconceitos de longa data não mudam tão rapidamente. Você pode controlar as pessoas com novas leis e tabus, mas não pode eliminar os medos e desejos instintivos que as impulsionam. — Sua voz era grave. Ronie não sabia o que lhe dizer.
Ele tinha poder de Encarnação suficiente para erguer um dragão de metal e derrotar a Administradora e até mesmo o Imperador Vecta, mas Kirito não era um deus. Era apenas uma pessoa nascida em um mundo diferente, com os mesmos problemas, preocupações e angústias com que Ronie lidava.
Kirito sempre se levantava, não importava o quanto estivesse ferido, e salvara o Underworld de um perigo existencial. Ele não recebera honras públicas por isso e continuava a lutar pelo bem do mundo. Ronie queria ajudá-lo a alcançar o feito sem precedentes de paz entre o Reino Humano e o Reino Sombrio, mas tudo em que conseguia pensar era no perigo do caminho à frente, e não tinha nenhum conselho útil a oferecer.
Ela se impusera nesta viagem por puro impulso e determinação, mas agora só conseguia se perguntar qual era o sentido de sua presença.
Kirito pareceu sentir sua súbita mudança de humor e disse:
— Escute, Ronie, estou feliz que você veio. É mais provável que eu assuste acidentalmente as crianças de lá no primeiro encontro.
— Hum… Você assusta?
— Sinto que as histórias e os boatos me precedem agora… mas acho que não deveria me surpreender, depois da guerra que tivemos.
Kirito exalou para recompor o ânimo e disse com firmeza:
— Bem, estamos em segurança longe de Centoria, então vamos mudar do Voo por Encarnação para o Voo Elemental.
— T-tudo bem! — Ela piou.
Então disse:
— O que… eu deveria estar fazendo?
— Boa pergunta. Mantenha um estado de comunhão com os elementos, como você fez durante o voo de teste da Unidade Um, e me diga se algo começar a dar errado.
— Entendido! — Ela respondeu.
Kirito lhe deu um sinal estranho – ele apontou o polegar direito para cima – e então agarrou as hastes de metal novamente.
— System Call, Generate Thermal Element! — Ele cantou.
Suas mãos brilharam em vermelho enquanto elementos de calor apareciam dentro das hastes de metal, que aparentemente eram ocas. Com Encarnação, ele os moveu através dos tubos para dentro dos recipientes no meio do dragoncraft.
Mesmo o delegado espadachim achava difícil controlar a enorme nave e os minúsculos elementos com Encarnação ao mesmo tempo, no entanto, e houve mais trepidação. Ronie se inclinou para frente e colocou as mãos nos ombros de Kirito sem pensar.
Ela não adicionou nenhum encantamento, mas pôde sentir o fluxo de poder sagrado girando no ar ao redor deles diminuir. A trepidação do dragoncraft diminuiu, e os dez elementos de calor permaneceram firmemente no lugar dentro do recipiente.
— Obrigado, Ronie! — Kirito disse, dando um tapinha na mão dela e exalando. — Descarga.
O comando liberou todos os elementos de calor, criando uma enorme explosão de chamas. A pressão empurrou as chamas em direção à extremidade do recipiente na traseira do dragoncraft. Ao longo do caminho, as chamas se misturaram com os elementos de vento que haviam sido carregados em um recipiente diferente antes da decolagem, e foram comprimidas em uma única rajada, como um jato de sopro de dragão flamejante que rugiu para fora da abertura de saída na parte de trás da nave.
A súbita explosão de aceleração empurrou Ronie para trás em sua cadeira e prendeu o ar em sua garganta. As nuvens flutuando do lado de fora da janela passaram voando por eles. Em termos de velocidade apenas, o voo com elemento de vento de Kirito da Catedral Central para o prédio da guarda da cidade em South Centoria fora mais rápido, mas, no momento, o dragoncraft estava sob quase nenhum controle de Encarnação. Em outras palavras, um usuário adepto de artes sacras, com prática, poderia ser capaz de pilotá-lo exatamente como Kirito estava fazendo agora.
Ronie brevemente se perguntou se isto, mais do que tentar enfrentar a Muralha no Fim do Mundo, era o real benefício para a humanidade, mas esse lampejo de pensamento foi rapidamente apagado pelo rugido que preencheu o pequeno espaço.
Ela agarrou a estrutura de seu assento com toda a força e gritou:
— K… Kirito! Quão rápido este dragoncraft está indo agora?!
— Hmm, vejamos — disse Kirito sem muita preocupação. — A velocidade máxima da montaria de dragão de um Cavaleiro da Integridade é de cerca de cento e vinte kilors por hora, e é mais como oitenta para voo contínuo em longas distâncias sem fadiga. Mas aposto que esta coisa está indo a cerca de duzentos e cinquenta kilors por hora agora.
— D… duas vezes mais rápido que um dragão?!
— Aposto que poderíamos chegar a trezentos por hora na potência máxima. Mas Sadore disse para manter em oitenta por cento. — Kirito disse, apontando para um dos muitos mostradores arredondados na frente de seu assento. A agulha presa a ele tremia alguns tiques aquém da velocidade máxima.
— Trezentos kilors em uma hora. — Ronie murmurou. Ela balançou a cabeça, incapaz de compreender tal coisa por qualquer medida prática.
O que ela conseguia entender era que, se o dragoncraft continuasse nessa velocidade, alcançaria o distante fim da terra — o Palácio de Obsidia, a três mil kilors de distância – em apenas meio dia. E não havia ninguém que pudesse fazer algo sobre uma nave voando a tal velocidade e altura.
— Será que realmente valeu a pena eu ter vindo? — Ela se perguntou novamente enquanto se permitia afundar na vibração do assento.
Eles cruzaram as Montanhas do Fim e continuaram voando pelo céu vermelho do Território Sombrio por cerca de quinze horas. Apesar de duas pausas ao longo do caminho, seu traseiro e costas começavam a doer quando Kirito finalmente apontou para frente.
— Lá, você pode ver.
Ela apertou os olhos por cima do ombro dele e viu uma luz fraca no horizonte distante e escurecido. Era apenas um borrão vago a princípio, mas à medida que se aproximavam, transformou-se em um conjunto de inúmeras luzes individuais.
— Então essa é… a capital do Território Sombrio. — Ronie murmurou roucamente. — Você já esteve lá antes, não é? — ela perguntou a Kirito.
— Sim, mas apenas uma vez. E foi uma visita não oficial, então mal tive tempo de ver o castelo ou a cidade ou qualquer coisa.
— Imagino que será o caso desta vez também. — Ela murmurou.
Ele pareceu interpretar a declaração dela como de desapontamento, porque Kirito olhou por cima do ombro e sorriu para ela.
— Não apenas esta visita não é oficial, como eu nem avisei Iskahn com antecedência. Veja bem, há certas coisas com as quais podemos nos safar desta forma.
— S-safar com…?
Ela sentiu mais uma vez um pressentimento – parecia acontecer com bastante frequência quando andava com Kirito – e olhou pela janela novamente.
O dragoncraft viajava a menos da metade de sua velocidade máxima, mas ainda era rápido o suficiente para que as luzes da cidade à frente começassem a tomar forma clara. Diferente dos distritos organizadamente compartimentados de Centoria, a pletora de luzes abaixo parecia não ter padrões, exceto que, no total, formavam uma espécie de lua crescente. No meio havia uma montanha de rocha enegrecida que se projetava no céu como uma lança.
As luzes continuavam montanha acima, porque a própria montanha era o palácio do Imperador Vecta. Aquela formação gigantesca, moldada por sua exposição aos elementos ao longo de muitos anos, dizia-se ser tão impressionante quanto a Catedral Central da Igreja Axiom, mas, na escuridão, só se podia distinguir sua silhueta.
— Cerca de dez kilors para ir. Ok, vamos voltar para o voo por Encarnação e pousar esta coisa. — Kirito disse, para o choque de Ronie.
— O quê? Vamos descer tão longe assim?!
— Sim. Tenho certeza de que causaria um tumulto se baixássemos esta nave bem sobre a cidade ou o palácio, do nada.
Kirito apertou a haste de metal que ele chamava de manche de controle e usou Encarnação para extinguir firmemente os elementos de calor que queimavam dentro do recipiente selado. O rugido que preenchia a pequena sala (que ele chamava de cockpit) diminuía firmemente até desaparecer.
Sem sua fonte de propulsão, o dragoncraft perdeu altitude até que Kirito o segurou firmemente no ar com Encarnação novamente. Ronie já experimentara essa sequência de pouso antes, quando pararam para um descanso, mas ainda se sentia nervosa e apertou com mais força a estrutura do assento.
Ela fez uma anotação mental para pedir algum tipo de barra perto do assento traseiro para se segurar, assim que voltassem para Centoria. Enquanto desciam, sentiu estágios de leveza semelhantes à experiência de usar a plataforma de levitação na catedral. Com um pequeno baque, o dragoncraft parou, e Kirito se espreguiçou no banco da frente.
— Conseguimos, Ronie. Agora voamos com nosso próprio poder.
Apesar de carregar duas espadas, uma bolsa pequena, uma bolsa grande e a bagagem inesperada que era uma pessoa adicional inteira, vulgo Ronie, Kirito cruzou os dez kilors restantes com voo por elemento de vento em um piscar de olhos. Segundo ele, dado o fraco poder sagrado do Território Sombrio, dez kilors era aproximadamente o limite que se poderia alcançar lá para um voo estável.
Inevitavelmente, Ronie teve que ficar pressionada contra o corpo de Kirito durante o voo e, embora isso tenha feito seu coração disparar a princípio, essa sensação foi prontamente neutralizada pela percepção de que estar nos braços dele a tornava nada mais do que outra peça de bagagem para carregar.
Eles pousaram em uma rua larga que levava à cidade-castelo de Obsidia. As pedras do calçamento estavam tão gastas e lisas como se tivessem sido polidas, indicando que humanos, demi-humanos e carruagens criavam tráfego intenso durante o dia. Mas depois das dez da noite, não havia uma alma à vista.
Esta era geralmente a hora em que Ronie já estaria na cama. Então, no momento em que seus pés tocaram o chão, o cansaço da longa viagem e a hora tardia a atingiram de uma só vez, e ela teve que balançar a cabeça para manter o foco. Era aqui que seu dever de guarda realmente começava.
Exceto que, enquanto prendia a Lâmina do Céu Noturno em seu quadril esquerdo, as próximas palavras de Kirito foram:
— Vamos procurar uma estalagem.
Ronie piscou.
— Uh… N-nós não vamos para o castelo?
— Os portões estarão fechados a esta hora, e tenho certeza de que Iskahn já está dormindo. Se tentarmos nos esgueirar para dentro e algum guarda nos vir, eles vão presumir que somos assassinos.
— Bom ponto.
Eles haviam cruzado todo o Underworld para resolver um mistério de assassinato que envolvia um goblin da montanha sendo incriminado pelo ato. Seria uma piada de mau gosto se fossem confundidos com assassinos agora.
— Tudo bem, mas que estalagem permitirá que humanos como nós fiquem sem suspeitar de… — Ronie começou a perguntar, mas Kirito já estava remexendo em sua pequena bolsa de couro. Ele tirou algo pequeno. Pela luz fraca da cidade à frente, ela pôde ver que era algum tipo de solução.
— Agora, se me permite o alcance. — Kirito disse, manuseando a solução. Ela se inclinou para ver mais de perto.
— Eengk! — Ela gritou quando ele passou algo em seu rosto. Ela congelou de choque com a sensação, e Kirito rapidamente usou ambas as mãos para aplicar a solução. Ele esfregou suas bochechas, sua testa, suas orelhas e até mesmo abaixo do queixo; depois, recuou para inspecioná-la.
— Sim, parece bom.
— O que… é isso?
Ela mesma esfregou a bochecha, mas a sensação já havia sumido, e nada saiu em seu dedo. Kirito apenas sorriu e fez o mesmo em seu rosto. Sua pele era um pouco mais bronzeada que a de Ronie e Tiese, que nasceram em Norlangarth, mas ainda estava em torno do tom médio para um residente do reino humano. Agora estava ficando cada vez mais escura diante de seus olhos.
Em questão de segundos, Kirito assumira um tom de marrom que lembrava chá de cofil. Na verdade, ele parecia vir de Sothercrois… ou mesmo do Território Sombrio.
E então ela entendeu.
— Oh… V-você acabou de nos disfarçar de habitantes do Território Sombrio?
— Sim. Tanto você quanto eu temos cabelos escuros, e é inverno agora; então, acho que, se apenas mudarmos um pouco nossos rostos, podemos passar.
Tardiamente, Ronie percebeu que seu próprio rosto havia mudado e tocou suas bochechas novamente. Kirito a viu fazer isso e sorriu.
— Está tudo bem, juro. Você realmente ficou muito bem. — Suas bochechas esquentaram sob suas mãos.
— Is-isso não é permanente, certo? — Ela perguntou, um pouco mais ríspida do que o necessário para esconder seu constrangimento.
Ele pareceu um pouco nervoso.
— S-sim, claro. Cutoconia, a herborista, me garantiu que desapareceria por conta própria em cerca de oito horas.
— Por conta própria? Do que é feito?
— Parecia que era melhor não sabermos. — Kirito murmurou. Ele estendeu a mão para arrumar o cabelo despenteado dela; depois, olhou para o leste.
Em Centoria, havia um grande portão e um posto de guarda na fronteira da cidade, mas a cidade-castelo de Obsidia parecia não ter nada disso. Havia apenas um aumento na densidade de edifícios à medida que a rua continuava, até você estar no meio de uma cidade. Não havia guardas à vista.
— Acho que ficaremos bem, mas se alguém, por acaso, nos perguntar quem somos… Vejamos. Podemos dizer que viemos de Faldera procurando trabalho, e somos mar. Somos irmão e irmã.
Ronie soltou as bochechas e repetiu:
— Fal…dera? O que é isso?
— É uma cidade a cerca de trinta kilors a sudoeste.
Na verdade, ela também queria saber o que Kirito estivera prestes a dizer antes de mudar para “irmão e irmã”, mas decidiu não insistir nesse assunto.
— Tudo bem. Vamos, então.
Ela puxou o capuz de sua capa sobre a cabeça e estendeu a mão para a bolsa que repousava na rua para pegar a espada ainda sem nome que estava sobre ela e pendurá-la em seu cinto. Ela estendeu a mão novamente para a bolsa desta vez, mas Kirito a levantou primeiro.
— Ah… Sabe, eu posso carregar minha própria bolsa.
— Ah, mas agora sou seu irmão mais velho, e irmãos sempre carregam a bagagem de suas irmãs. — Ele disse com um sorriso. Com a bolsa dela na mão e sua própria sacola de couro sobre o ombro, ele partiu pela estrada. Ela não teve escolha a não ser segui-lo, imaginando como deveria chamá-lo quando estivessem na cidade.
A luz ficava cada vez mais brilhante à medida que caminhavam pela estrada, e logo começaram a passar por outros humanos e demi-humanos. Isso deixou Ronie aliviada e nervosa ao mesmo tempo.
À primeira vista, quase todos os edifícios nesta cidade-castelo pareciam ser feitos de uma pedra enegrecida, e havia poucos exemplos de árvores ou água; no geral, parecia sufocante em comparação com Centoria. Mas as lâmpadas que estavam presas por toda parte nas casas e postes à beira da estrada emitiam luz vermelha, amarela e roxa, mesmo tarde da noite, dando ao lugar um ambiente colorido e festivo.
— O que essas lâmpadas estão queimando? — Ela perguntou.
— Minério que eles extraem de montanhas próximas. — Kirito respondeu prontamente.
— Um pedaço do tamanho do seu punho queima por dez dias, aparentemente.
— Uau, isso parece muito útil!
— Você poderia vendê-lo por um preço alto lá no reino humano, tenho certeza, mas manusear o material é complicado. Ele queima sozinho, a menos que esteja submerso em água, o que dificulta o transporte de longa distância.
Eles caminharam, conversando sobre isso e aquilo, e a área à frente ficava cada vez mais movimentada. Um ruído emanava de uma praça aberta com várias carroças nas bordas e mesas montadas no meio, onde muitos homens comiam e bebiam.
Cerca de metade deles eram humanos de pele escura, com mais do que alguns orcs e goblins também, mas sentavam-se em mesas separadas. Mesmo após o Pacto de Paz dos Cinco Povos, as diferenças que separavam as raças que viviam no Território Sombrio não haviam desaparecido, Ronie percebeu.
Kirito viu o que ela estava olhando e disse:
— Ainda é uma grande mudança que eles bebam no mesmo lugar. Veja como os pugilistas e os orcs estão sentados em mesas adjacentes e ocasionalmente trocam comentários?
— Ah, você tem razão. Parece que estão brindando também.
Um pugilista corpulento, sem camisa apesar do frio de fevereiro, ergueu uma caneca de madeira e gritou algo, e um orc sentado ao lado dele bateu sua própria caneca na dele. Enquanto observava isso acontecer da borda da praça, Ronie se viu murmurando:
— Os orcs vieram resgatar os pugilistas durante a Guerra do Underworld, quando os pugilistas estavam quase exterminados. Ouvi dizer que os orcs ainda falam com reverência divina sobre a “Espadachim Verde” que os liderou.
Ronie não estivera lá, mas sabia que a Espadachim Verde, Leafa, que desaparecera com o fim da guerra, era irmã de Kirito, vinda do mundo real.
O rosto escurecido de Kirito se contraiu de dor muito brevemente, mas ele logo recuperou sua expressão indiferente de sempre.
— Sim. Não há dúvida de que nossa paz rápida com o Território Sombrio foi graças a Leafa, e é por isso que temos que proteger esta paz, agora que ela está aqui.
— Eu sei.
Ronie podia sentir agudamente o mal-estar fundamental que tentou esquecer durante todo o dia agora lambendo seus calcanhares como ondas. Kirito deu um tapinha em suas costas.
— Bem, já é tarde, mas deveríamos jantar. Estou cansado de comer rações de viagem.
— Huh…? N-nós vamos comer aqui?
— Sim, a comida das carroças não cheira tão bem? Se eu fosse capaz de resistir a esse tipo de tentação, não estaria levando broncas de Fanatio e Deusolbert o tempo todo. — Kirito disse, como se isso desculpasse seu comportamento. Ele ajeitou o aperto nas bolsas e começou a andar pela praça.
Ronie não teve escolha a não ser segui-lo, e logo um cheiro perfumado fez cócegas em suas narinas e a lembrou do vazio de seu estômago. Seis carroças estavam alinhadas na borda da praça, mas, à primeira vista, era difícil dizer qual delas vendia o quê.
Nessas situações, Ronie geralmente hesitava entre diferentes opções até Tiese se cansar e escolher por ela, mas sua parceira ruiva não estava aqui. Ela olhou para Kirito, com a intenção de avaliar a capacidade de tomada de decisão do delegado espadachim. Ele estava resmungando:
— Mmm, aqueles espetinhos parecem bons, mas olhe a hora. Provavelmente deveria ir com a sopa de macarrão ali. Ah, mas aqueles pãezinhos no vapor também.
Envergonhada, ela se lembrou de que Kirito geralmente era quem não conseguia se decidir e precisava que Eugeo decidisse. Então outro pensamento lhe ocorreu, e ela puxou a capa de Kirito.
— Hum, Kirito? Antes de começar a comprar qualquer comida… nós temos o dinheiro que eles usam por aqui?
— ……
Seu rosto se transformou de choque em desespero em vários estágios distintos.
No Reino Humano, a moeda vinha em quatro categorias: moedas de ouro de mil shia, moedas de prata de cem shia, moedas de cobre de dez shia e moedas de ferro de um shia. Tecnicamente, havia também uma moeda de platina de dez mil shia, mas era usada apenas para transações entre o governo e grandes comerciantes; então, cidadãos comuns e nobres de baixa categoria nunca as viam ou usavam.
Para Ronie, dinheiro sempre significara shia, mas é claro, as moedas cunhadas pela Igreja Axiom com um perfil do rosto de Stacia não seriam usadas no Território Sombrio. Eles deviam ter sua própria moeda aqui.
Tendo acabado de perceber isso, os ombros de Kirito caíram, desanimado.
— Eles não usam dinheiro na catedral, então esqueci completamente.
— E-espere. Você está dizendo que também não trouxe nenhum shia?
Ronie não sabia como reagir a isso. Ela apenas encarou o delegado com uma descrença entorpecida.
Havia uma moeda de ouro costurada na parte de trás do cinto de espada de Ronie, para o caso de emergências, mas não seria útil aqui. Então ela detectou um problema ainda maior e perguntou a Kirito:
— Isso significa que também não podemos ficar em uma estalagem…?
— Bem… Suponho que sim. — Ele concordou gravemente.
Ronie suspirou, bem na cara dele.
— Se tivéssemos entrado para ficar sem uma moeda em nosso nome, como você planejava pagar por isso?
— Não sei. Apenas imaginei que sairia do meu inventário automaticamente — ka-ching. — Ele disse, uma sequência de palavras que não significava nada para ela. Ele ainda olhava para as barracas de comida com teimosa dedicação; então, finalmente examinou o palácio que se projetava no céu noturno.
— Ah, bem. Teremos apenas que rezar para que Iskahn ainda esteja acordado e nos esgueirar para dentro do Palácio de Obsidia.
— Quem acabou de dizer que a última coisa que queremos é ser confundidos com assassinos?!
Ronie respirou fundo, preparando-se para atacá-lo, quando viu uma figura grande aparecer sobre suas cabeças enquanto sussurravam entre si em um canto da praça.
— …?!
Ela ergueu o olhar, forçando-se a não alcançar sua espada enquanto seus instintos gritavam para que o fizesse. Era um homem muito grande, provavelmente com um mel e noventa cens de altura.
Seu torso exposto, músculos ondulantes e cinto de couro cravejado, juntamente com as muitas, muitas cicatrizes que percorriam sua pele bronzeada, eram as marcas de um pugilista. Sob seus cabelos desgrenhados, seu rosto estava tão vermelho que, mesmo à luz das lâmpadas de minério, ficava claro que ele bebia há um bom tempo.
— Qual é o problema, camarada? Sem dinheiro para comer? — ele disse. Não havia hostilidade evidente em sua voz, o que ajudou Ronie a relaxar um pouquinho.
Kirito assentiu, sem se preocupar em esconder o olhar patético em seu rosto, e com a voz de um homem faminto – ela não tinha certeza se isso era uma atuação ou não – disse:
— S-sim, isso mesmo. Vim de Faldera com minha irmã, procurando trabalho, mas ficamos sem fundos no caminho.
— Ah, de Faldera? Meu velho é de lá! — O homem disse.
Ronie instantaneamente sentiu um arrepio percorrer suas costas ao pensar em ter que discutir memórias sobre um lugar do qual ela só conhecia o nome e nada mais, mas, felizmente, as coisas não levaram a isso. Em vez disso, o homem deu um tapa no ombro de Kirito com uma mão enorme, coriácea como uma luva, e disse generosamente:
— Então é por minha conta, de um falderano para outro!
— Is-isso não é o que eu estava pedindo. — Kirito começou a protestar, aparentemente se sentindo culpado, mas o pugilista o empurrou para dentro da praça.
Ronie se apressou para acompanhá-los.
O pugilista os guiou até a menor e mais suja das seis carroças na praça. O dono, que mexia uma panela antiga com uma concha longa, ostentava uma franja tão comprida e descuidada que a única coisa que ela conseguia discernir sobre ele era o fato de ser um humano. No canto da bandeira de tecido desbotado pendurada no toldo da carroça estavam as palavras “Sopa de Obsidia”, que parecia ser o nome do prato servido.
— Esta é a melhor coisa desta praça. Embora nenhum dos meus companheiros pareça concordar! — O pugilista bêbado disse, rindo ruidosamente.
Kirito tentou recuar, sua bochecha tremendo.
— Eu, eu não sei, senhor. Estou com um mau pressentimento sobre…
— É o que todos dizem no começo. Apenas confie na minha palavra e experimente. Três tigelas, Chefe! — O pugilista proclamou ao servidor, tirando três moedas de cobre do pequeno saco pendurado em seu cinto e deixando-as cair sobre a longa tábua enegrecida.
Se estas tivessem o mesmo valor das moedas de cobre no Reino Humano, esta misteriosa sopa de Obsidia custaria dez shia a tigela. Isso seria muito barato, mesmo para comida de rua.
O servidor colocou três tigelas de madeira sobre a tábua sem dizer uma palavra e despejou conchas fartas do conteúdo da panela nelas. Depois, forneceu colheres de madeira. Ele pegou as moedas, ainda em silêncio, e voltou a mexer sua panela.
Imperturbável pela natureza taciturna do homem – ou porque estava acostumado, ou porque estava bêbado – o pugilista pegou duas das tigelas e as apresentou a Kirito e Ronie. Neste ponto, eles não tiveram escolha a não ser aceitar; então, agradeceram e aceitaram seu presente.
Dentro das tigelas, havia algo que só poderia ser descrito como uma sopa marrom espessa. Continha muitas coisas, mas o caldo era tão turvo que era impossível determinar o que havia sido cozido nele à primeira vista.
A pedido de seu novo amigo, que pegou sua própria tigela, Ronie sentou-se ao lado de Kirito em uma mesa vazia e pegou sua colher, tentando reunir coragem para a tarefa.
Ela pegou uma pequena quantidade do líquido, que parecia um ensopado cozido lentamente por três dias inteiros, soprou e provou. A princípio, achou muito picante, mas isso logo se transformou em acidez, depois em uma estranha mistura de riqueza e amargor, seguida por um retrogosto levemente adocicado.
— Kirito, como você chamaria esse sabor…? — Ela perguntou a ele em voz baixa. Ele terminou de provar o seu, parecendo pensativo, e encarou a colher de madeira.
— Eu diria… que o sabor é bem parecido com o que me lembro, mas é estranhamente comestível. Na verdade, eu poderia até dizer que isso é bom.
— O quê?! Você já comeu isso antes?
Kirito olhou para ela, parecendo sair de um transe, e balançou a cabeça.
— Oh, n-não, esquece!
Havia um lugar que servia um prato parecido em… um lugar onde morei há muito tempo. Na verdade, o cara que serve até parece um pouco com ele, mas isso não importa. A sopa que conheço era como uma briga entre picância, acidez, amargor e doçura onde todo mundo perde. Mas esta sopa de Obsidia, é como se o sabor fosse mais confortável, mais maduro. Está meio suavizado, de certa forma.
— É isso! Eu sabia que você entenderia, camarada! — disse o pugilista, que já havia terminado um terço de sua tigela. Ele deu um tapa nas costas de Kirito. — Dizem que esta panela tem borbulhado a mesma mistura, com ingredientes e água para o caldo sendo adicionados, desde que Obsidia foi fundada, há mais de duzentos anos. Aposto que não há um único prato como este lá no Reino Humano! Ga-ha-ha-ha!
— S-sim, aposto que não. — Kirito concordou sem jeito.
Ronie lutou para conter seu choque.
— D-duzentos anos…?! Como a vida da comida dura tanto tempo?! Sopas e ensopados geralmente estragam depois de cinco dias, mesmo no inverno!
— Isso é o quão bom o Chefe é! — O pugilista afirmou orgulhosamente, batendo no próprio peito como se o dono da carroça fosse um membro valioso da família. — O Chefe nunca se afasta da carroça, e ele mantém as chamas baixas o suficiente para que a panela nunca esfrie ou queime. Se você mantiver as chamas acesas assim, indefinidamente, a vida do conteúdo da panela nunca diminui. Isso significa que ele come suas próprias três refeições por dia desta mesma panela. Você não pode dizer isso de mais ninguém no Reino Sombrio, ou em todo o Underworld, se quer saber minha opinião.
— T-todos os dias? — Ronie repetiu, chocada. Ela olhou para a carroça. O dono taciturno olhava para baixo e mexia a panela, seu rosto escondido como de costume.
— Isso significa que a vida dele também foi congelada, então ele está vivo… há mais de dois séculos? — Ela se perguntou.
Isso parecia ser um conceito inteiramente novo para o pugilista. Ele olhou da tigela para a carroça várias vezes, para frente e para trás; depois, balançou a cabeça.
— Nah! Quem você pensa que ele é, aquela pontífice de quem falam lá do Reino Humano? Tenho certeza de que é apenas uma tradição familiar passada de geração em geração.
— S-sim, claro. — Ronie concordou. Ela pegou uma porção de algo no meio da tigela e timidamente a colocou na boca. Em uma ou duas mordidas do que parecia ser ave, um sabor rico inundou sua língua. Apesar do tempero muito estranho, esta sopa poderia se provar viciante com o tempo — Talvez. Eventualmente.
Kirito se acostumara muito mais rápido do que Ronie e já havia esvaziado sua tigela. Ele exalou com grande satisfação.
— Ahhh, isso foi bom, eu acho. Pode não ser um exagero dizer isso.
Então, ele se espreguiçou e curvou-se profundamente para o pugilista sentado do outro lado da mesa.
— Muito obrigado por esta refeição, bom senhor! Nunca esquecerei a gentileza que nos demonstrou.
— Ah, sem problemas! — disse o homem, que há muito terminara sua própria tigela. Seu rosto bêbado se abriu em um sorriso desleixado.
— Se você encontrar um bom trabalho aqui e estiver estável o suficiente para comer toda a sopa de Obsidia que quiser, então pode retribuir o favor com uma tigela para mim, se tudo der certo.
Ele deu um tapa no rosto com uma mão carnuda e esfregou até o sorriso desaparecer.
— Veja, você pode achar mais difícil do que pensa conseguir emprego remunerado para irmão e irmã em Obsidia, meu amigo.
— Ah, sério? Mas está tão movimentado aqui no meio da noite! A cidade me parece agitada.
— Aparentemente, sim, mas isso é só porque há mais gente agora, e mesmo isso não vai durar muito mais.
Um goblin vendendo bebida passou por perto, e o agora desanimado pugilista comprou uma pequena garrafa de aparência suspeita. Ele deu um gole, fez uma careta e a entregou. Kirito a aceitou com alguma hesitação, bebeu um gole e começou a tossir violentamente. O pugilista pegou a garrafa de volta com um sorriso malicioso.
— Isto é o que os goblins da planície que se estabeleceram perto da cidade fazem. Tem um gosto horrível, mas é barato, e eles vendem uma boa quantidade. Por causa disso, as tabernas da cidade estão perdendo clientela, e a guilda dos comerciantes está furiosa. Antes da guerra, a guilda teria contratado tropas mercenárias para invadir os assentamentos goblins e passá-los todos ao fio da espada, mas agora que o Pacto de Paz dos Cinco Povos existe…
— Então, você está dizendo… que, por causa dos demi-humanos se mudando para Obsidia, os humanos estão perdendo seus empregos?
— Não é só por causa deles. Há muito mais humanos também. Gente como vocês. — O pugilista disse com um dar de ombros. Ele olhou para a escuridão acima. — Se você veio de Faldera, não precisa que eu te diga que a terra é muito frágil por toda parte. Humanos e demi-humanos sofrem com fome e sede desde o início dos tempos. A grande guerra que terminou. A Era do Sangue e do Ferro começou como uma briga por um único lago, dizem.
Ronie e Kirito não sabiam muito sobre a história do Território Sombrio; então, só puderam assentir em silêncio. O pugilista tomou outro gole de licor barato e continuou:
— E nossos ancestrais conseguiram sobreviver por este deserto hostil por causa daquele ditado: “Um dia, o portão para o reino humano se abrirá, e todos nós viveremos em uma terra fértil de sonhos”.
Ronie sentiu-se enrijecer com estas palavras, mas o pugilista não notou sua reação.
— Você e sua irmã provavelmente eram jovens demais para fazer parte da campanha, mas quando o Imperador Vecta voltou há pouco mais de um ano e disse que íamos invadir o reino deles, a excitação foi avassaladora, como você pode imaginar. O ditado finalmente ia se concretizar, pensamos, mas os Cavaleiros da Integridade das terras humanas eram ainda mais monstruosos do que imaginávamos, e também não sabíamos que haveria um exército do outro lado. Foi tudo caos e combate, e, antes que percebêssemos, o imperador havia sido derrotado por algum espadachim de longe, e a guerra acabara.
Ronie olhou de soslaio para o “espadachim de longe”, cuja testa estava coberta de suor, ainda mais do que quando provara a infame sopa. O pugilista, que não poderia imaginar com quem realmente estava falando, apoiou a bochecha no punho.
— Se a guerra tivesse continuado, poderia ter sido o fim de todos os cinco povos. Então, não tenho queixas sobre a paz com o Império Humano, mas ao mesmo tempo,… nosso sonho de ter terras férteis também se foi. É por isso que todos os goblins, orcs e jovens humanos vieram em massa para Obsidia. Eles acham que pode haver uma vida um pouco melhor aqui. Mas só porque a cidade é grande não significa que haja empregos ilimitados a serem feitos. Se você é humano, pode conseguir um emprego na cavalaria,… mas você e sua irmã parecem magros demais para esse tipo de trabalho.
Os olhos do pugilista, pesados de cansaço e bebida, piscaram sonolentamente para eles, e Kirito decidiu que era a hora certa. Ele se curvou e disse:
— Obrigado por tudo, senhor. A sopa de Obsidia estava deliciosa. Retribuirei sua gentileza um dia.
— Sim. Boa sorte, crianças!
E com isso, ele finalmente adormeceu. Eles se levantaram, com cuidado para não perturbá-lo.
Em outros lugares da praça, os goblins e orcs também haviam partido, deixando apenas alguns dos pugilistas para trás, desmaiados nas mesas. A maioria das carroças estava guardando as coisas para a noite, exceto o mexedor de sopa, que continuava seu trabalho cuidadoso. Aparentemente, era verdade que ele dormia com sua panela.
— Acho que deveríamos procurar uma estalagem para ficar. — Kirito disse, bocejando.
— Mas e o custo? — Ronie rapidamente o lembrou. — Não acho que teremos sorte de novo como com a comida.
— Ah, vai dar tudo certo. — Ele sorriu e começou a caminhar para a saída leste da praça, não lhe deixando escolha a não ser apressar-se atrás dele.
Quanto mais se aproximavam do centro da cidade, mais lâmpadas de minério havia – e mais barulho. Mas depois do que o pugilista dissera, as lâmpadas coloridas pareciam mais uma resistência medíocre contra a terra árida, e o zumbido da conversa era apenas um reflexo da frustração acumulada.
Kirito resolveu o problema do dinheiro vendendo uma faca que tinha guardada para um comerciante de rua, uma solução surpreendentemente simples. Ele também conseguiu indicações para um lugar barato para ficar, e continuaram andando. O delegado espadachim estava menos falante do que o normal; então, Ronie fez o possível para manter a conversa leve, sem fazer muito barulho.
— Então o dinheiro aqui se chama vecs. Você supõe que um vec seja aproximadamente equivalente a um shia?
— Huh…? Ah, a-algo assim. Ainda assim, isso significaria que dez vecs por uma xícara de sopa de Obsidia é realmente barato!
— Você espera tomar outra tigela?
— Não consigo esconder nada da minha antiga pajem. — ele disse, parecendo mais o velho Kirito, e deu um tapinha na cabeça de Ronie. Então ele apontou para um prédio à direita, mais à frente.
— Aquele parece ser o lugar que o comerciante de rua recomendou.
As paredes de pedra enegrecida ostentavam uma placa de ferro fundido com as letras sagradas I-N-N, como as estalagens no Reino Humano. Uma vaga sensação de mal-estar percorreu o peito de Ronie, mas se dissipou antes que ela pudesse verbalizar o que a incomodava.
— Qual é o problema, Ronie? — Kirito perguntou, mas ela balançou a cabeça.
— Não é nada.
— Tudo bem. Foi um longo dia. Vamos… dormir um pouco.
Ele ajeitou o aperto em suas bolsas, uma grande e uma pequena, e seguiu para a porta sob a placa. Apesar de ser quase meia-noite, a estalagem ainda estava aberta para negócios, felizmente. A dona era uma mulher humana na casa dos quarenta anos, e ela lançou a Kirito e Ronie um olhar muito penetrante por quase um minuto — mas não tratou a história deles sobre serem irmãos vindos de Faldera para trabalhar com qualquer ceticismo.
Kirito não pareceu antecipar que essa história inventada pudesse causar novos problemas. A mulher prontamente disse:
— Se vocês são irmãos, vão querer um quarto, então!
Ela começou a empurrá-los para um quarto no segundo andar sem ouvir uma única palavra de protesto – e somente depois de se certificar de recolher o custo noturno de cem vecs.
— Certifiquem-se de sair até o sino das dez da manhã! Já apaguei o fogo do banho; então, se quiserem se lavar, terão que ir à casa de banhos mais adiante. Se disserem que são meus hóspedes, eles lhes darão um desconto!
Era difícil dizer se isso era um ato de bondade ou mesquinhez da parte dela. Mas momentos depois, a mulher os deixou para voltar para o andar de baixo.
Ronie ficou ali em choque mudo, e Kirito disse desconfortavelmente:
— Sinto… muito por isso, Ronie. Isso só aconteceu porque eu estava obcecado em ficar em uma estalagem.
— N-não, não é sua culpa.
— Vou apenas encontrar algum lugar lá fora para dormir. Você pode usar o quarto.
— En-encontrar algum lugar?
— Com certeza, deve haver algum beco ou parque onde posso descansar. Ficarei seguro sozinho. Durma bem. Voltarei de manhã. — Kirito disse, e fez menção de sair pela janela, mas ela agarrou sua capa primeiro.
— N-não, você não pode, Kirito! Está muito frio! Você não pode sair imitando os pugilistas assim, ou vai ficar doente!
Dentro do quarto, havia uma cama simples, junto com um sofá de dois lugares. Mesmo Ronie era alta demais para que suas pernas coubessem totalmente nele, mas não seria impossível dormir daquele jeito.
— Eu durmo no sofá. Você fica com a cama. Por favor.
— H-huh? M-mas… o Índice de Tabus ou a Lei Imperial Básica não têm alguma regra sobre homens e mulheres solteiros dormindo no mesmo quarto?
— Não, não existe tal regra. O que é proibido é b-beijar nos lábios… e…
— E o quê? — Kirito perguntou, inclinando-se para mais perto. Ela o agarrou pelos ombros e o empurrou com força em direção à cama.
— N-não importa quais sejam as regras, você é o delegado espadachim do Mundo Humano, e eu já sou uma Cavaleira da Integridade, aprendiz ou não! Então, não importa!
— Aaah! — Kirito gritou ao ser empurrado, tropeçando e caindo na cama. Ela rapidamente desfez o cordão de sua capa para tirá-la, arrancou as botas de seus pés e o empurrou para a cama devidamente.
Ela puxou o edredom acolchoado até o pescoço dele, alisou-o sobre ele e depois deu um tapinha educado em seu peito por cima do edredom. O delegado olhou para ela com desgosto e disse:
— Você parece minha mãe ou algo assim, Ronie.
— Oh… D-desculpe, é que quando eu era criança, era isso que minha mãe fazia por nós.
— Entendo. Gostaria de conhecer seus pais um dia. — Ele murmurou, olhando para o teto. Ronie se lembrou de ter ido para casa no mês anterior, e a lembrança ameaçou trazer à tona todas as ofertas de casamento que seus pais haviam balançado na frente dela, antes que ela afastasse o pensamento.
— E-eu tenho certeza que eles ficariam encantados em te ver. — Ela disse, pensando: “Embora meu irmãozinho ficasse mais feliz de todos.”
Kirito sorriu e fechou os olhos. Em questão de segundos, ela pôde ouvi-lo respirando pacificamente. Ele parecera bem durante todo o dia, mas o ato de voar aquele dragoncraft por três mil kilors devia ter sido mentalmente exaustivo.
Aliviada por ele ter ido dormir na cama sem protestar, Ronie tirou sua própria capa e, com um pouco de dificuldade, apagou a lâmpada de minério derramando água dentro dela.
Ela sentou-se no sofá contra a parede, colocou os sapatos cuidadosamente no chão e deitou-se de lado. Como esperava, seus dedos dos pés ficaram de fora, mas, usando a pesada capa de lã fina ocidental como cobertor, descobriu que o frio não a incomodava.
Ela sentiu o sono chegando de uma vez, mas resistiu encarando o perfil de Kirito, que era iluminado pelo brilho suave da cidade através da janela. Ela se perguntou o que aconteceria se ele realmente fosse visitar sua família… e, então, algo lhe ocorreu.
Leafa, a Espadachim Verde, não poderia ser o único membro da família de Kirito. Lá no Mundo Real, ele devia ter pais, talvez outros irmãos e amigos. Mas Kirito nunca falara sobre sua família.
Será que ele… alguma vez desejou poder voltar?
Claro que devia. A família de Ronie ainda estava em Centoria, bem perto, e até ela sentia saudades de seus pais e irmão às vezes.
Mas ela não teve coragem de perguntar a Kirito sobre isso. O que ela diria se ele admitisse para ela que queria voltar para casa algum dia?
Ela nem sabia se havia uma maneira de voltar ao Mundo Real agora.

Imagino que tipo de lugar é.
O mundo real era uma fonte de medo e aversão, não de carinho, para todos os underworlders que lutaram na grande guerra. Ronie não era exceção. Só de pensar em um mundo produzindo aqueles terríveis cavaleiros vermelhos que dizimaram os exércitos do Reinos Humano e do Reino Sombrio fazia seus membros gelarem.
Mas, por outro lado, o Mundo Real também era o lar de Kirito, Asuna e os guerreiros que vieram em auxílio do Exército Guardião Humano durante a guerra.
No Underworld, havia pessoas boas e pessoas más. Talvez o mundo real fosse o mesmo. Mas esse pensamento não era suficiente para ela desejar que o portão entre eles se abrisse novamente.
O que Alice, a Cavaleira da Integridade, vira e sentira quando viajara para aquele lugar distante? Chegaria o dia em que ela poderia retornar e falar sobre essas experiências?
Ronie se viu abalada pela mesma sensação estranha que tivera ao ver a placa do lado de fora da estalagem, mas o peso de suas pálpebras estava se tornando irresistível, e ela adormeceu pela primeira vez em uma terra estrangeira.
Tradução: Gabriella
Revisão: Fabio_Reis
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