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O Começo Depois do Fim – Cap. 494 – Confiança

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As ondas rolavam, batendo contra a costa. Um vento fresco passava entre nós três, cada um sendo um lorde de seu clã, de sua raça. Ao longe, uma ave marinha de Epheotus soltou um grito oco e melancólico, como se lamentasse o que estava prestes a acontecer.

— Lorde Indrath. Bem-vindo. — Se Veruhn ficou surpreso com a aparição repentina de Kezess, escondeu muito bem. — É raro o senhor nos visitar aqui em Ecclesia.

A tensão era palpável, densa o suficiente para ser cortada com uma faca. Quanto Kezess teria ouvido? Eu me preparei para evitar um ataque.

— Arthur é necessário em meu castelo — disse Kezess, de maneira seca.

Eu hesitei. Seu tom não trazia hostilidade. Não estava fervendo de mana ou éter reprimido, como se contivesse sua raiva. Não havia nenhum sinal externo de descontentamento, nem mesmo o escurecimento de seus olhos. Se ele tivesse ouvido algo perigoso, estava jogando muito bem suas cartas.

Seu pedido poderia ser uma desculpa. Não parecia o tipo de coisa que ele faria, vir pessoalmente até aqui para me buscar, especialmente quando Windsom havia me deixado aqui há pouco mais de uma hora. Talvez ele quisesse mover a conversa para um lugar onde tivesse mais poder. Considerei recusar. Estaria deixando minha família — meu clã — para trás, sem minha proteção. Mesmo que eu confiasse em Veruhn e em seu povo, isso era uma desculpa pronta. Colocar-me sob o poder de Kezess era tolice.

Havia também a questão da dinâmica de poder entre nós. Eu não queria dar a impressão de desconfiança ou irracionalidade. Cada interação entre nós não podia se transformar em uma disputa exagerada de egos, como a batalha de vontades sobre os campos de lava, ou eu falharia na minha missão antes mesmo de começar. Se ele não tivesse ouvido nossa conversa, eu não podia despertar suas suspeitas agora.

— Do que se trata? — perguntei, observando-o atentamente enquanto caminhava ao longo do cais esquelético para ficar frente a frente com ele.

— Conto quando chegarmos — disse Kezess. Para Veruhn, acrescentou de forma breve: — Adeus. — E então seu poder começou a me envolver.

Resisti por impulso, cobrindo-me com éter. O poder de Kezess lutou contra o meu, mas apenas por um instante. Deixei-o passar, e então fomos transportados pelo espaço, aparecendo em um corredor indistinto apenas um momento depois.

Tochas tremeluziam nas paredes, iluminando um corredor limpo, sem portas e sem uma entrada ou saída aparente.

— Já está me jogando nos calabouços? — brinquei, usando o humor para esconder meu nervosismo real. — Os outros lordes dos Oito Grandes sabem disso?

Kezess não respondeu. As abas de seu casaco balançaram enquanto ele marchava pelo corredor. Revirei os olhos e o segui. 

— Arthur, onde você está? — A voz de Sylvie em minha mente era leve e distante.

Expliquei rapidamente o que havia acontecido.

A indignação de Regis queimava sob minha pele.

— Avise se precisarmos fazer um resgate heroico.

— Não, fiquem atentos — pedi a ambos. — Garantam que minha família fique segura. Eu consigo lidar com isso aqui. — Contive com força qualquer dúvida que sentisse sobre essa afirmação, sem querer que meus companheiros soubessem o quão nervoso eu realmente estava.

Depois de uns trinta metros, Kezess parou, e a parede à sua direita começou a se abrir. As pedras se separaram como os dentes de um zíper, depois giraram e se dobraram para trás, como se fossem feitas de pano.

Do outro lado, havia uma cela. Era iluminada, principalmente por um feixe de luz que se estendia do chão ao teto no centro da sala. Suspenso nessa luz, estava Agrona.

Ele parecia exatamente como da última vez que eu o havia visto: olhos vazios e boca entreaberta, como uma marionete com os fios cortados. Suas roupas opulentas estavam amassadas e manchadas, as correntes e ornamentos em seus chifres completamente emaranhados. Em uma palavra, ele parecia verdadeiramente patético, menos que uma sombra do terror que por tanto tempo dominara minha mente.

— Nenhuma mudança, então? — perguntei. — Vocês não têm curandeiros?

— Claro que temos, Art.

Ao me virar para Kezess, vi Lady Myre ao lado dele, embora eu não tivesse sentido nenhum sinal de sua chegada. Alta e graciosa, ela usava a forma de uma mulher jovial e bela, em vez da figura envelhecida com a qual a conheci. Sua poderosa aura só me atingiu depois que percebi que ela estava ali.

— Temos acesso a uma magia de cura incrível — ela continuou, movendo-se para ficar bem em frente a Agrona. Ela teve que inclinar o pescoço para olhar para o rosto inexpressivo dele. — Mas nada conseguiu fazer com que sequer um cílio se mexesse. Nem mesmo Oludari Vritra conseguiu esclarecer o estado de Agrona.

— Onde está o Soberano? — perguntei, surpreso que o tivessem envolvido nisso. Parecia perigoso dar-lhe qualquer conhecimento que ele pudesse usar contra nós, e eu não ficaria surpreso se ele soubesse mais do que estava revelando.

— Ele é um convidado em meu castelo, por enquanto.

— Ele está sem clã — acrescentou Myre. — Lorde Kothan tem ficado feliz em deixar Oludari sob nossos cuidados. Há uma boa chance de que os basiliscos o matariam se ele tentasse voltar para casa. Talvez um dia.

Não respondi. O clã Vritra era uma praga, e Oludari não era melhor. Eu tinha certeza de que Kezess só o deixou viver até agora por causa de algum acordo feito em relação a mim, mas não era o momento de abordar esse assunto.

— Ele parecia meio louco quando falei com ele — comentei. — Não é de se surpreender que ele não soubesse nada sobre Agrona. Seu olhar parecia estar focado muito longe de Alacrya.

Kezess me olhou por um momento, ponderando.

— De fato. Ele concordou apenas que o corpo de Agrona está vivo. Continua a ciclar mana o suficiente para se manter, como se Agrona estivesse dormindo, mas sem uma mente presente dentro da casca. Nossos melhores manipuladores de energia mental, um aspecto da magia no qual o próprio Agrona era especialista, não conseguem encontrar nada para ler ou se agarrar dentro dele.

— É como se sua mente tivesse sido completamente destruída — disse Myre. Sugando os dentes, ela se virou para me encarar, com uma expressão calculista. — Precisamos entender o que aconteceu, Art. O que mais você pode nos dizer sobre o que ocorreu entre vocês naquela caverna?

Ativei o Gambito do Rei.

Éter inundou minha mente, que se abriu como a copa de uma grande árvore, cada galho sustentando um pensamento individual. A coroa em minha testa iluminou os rostos de Kezess e Myre. A mandíbula de Kezess se apertou, e seus olhos adquiriram um tom púrpura. Myre inclinou levemente a cabeça, seu olhar percorrendo meu núcleo de éter, ao longo dos canais que eu havia forjado para manipular o éter, e através da janela dos meus olhos para o que estava além. Não estava claro o quanto do que ela via ela conseguia entender.

Meus pés se ergueram do chão, e eu comecei a girar ao redor de Agrona e do feixe de luz, estudando-o atentamente.

Os fios do Destino haviam desaparecido, embora eu não pudesse vê-los sem a presença do Destino. Eu os havia cortado, o que resultou na dissolução do impacto de Agrona sobre o mundo. O resultado foi uma onda de choque que se espalhou por ambos os continentes. No entanto, eu não conseguia explicar por que isso o deixou nesse estado vegetativo, e nem mesmo o Gambito do Rei era capaz de inventar novas informações do nada. As teorias começaram a se acumular, e uma preocupação crescente roeu meu interior.

— Já lhes contei tudo que sei. — Reiterei brevemente meu uso do Destino, algo que já havia explicado a Myre quando acordei em Epheotus. — Talvez a mente dele simplesmente não tenha suportado os efeitos de ser completamente separado de seu povo e de seus planos.

— Mas o que isso significa? — questionou Kezess, andando de um lado para o outro diante de Agrona, irritado. — O que você descreve não é possível. — Ele me lançou um olhar desconfiado. — E se você tinha esse poder, por que não o matou de uma vez? Por que parar em cortar essas “conexões” que você descreveu?

Se eu não estivesse profundamente imerso no Gambito do Rei, teria que conter um sorriso diante do desconforto de Kezess. Como estava, essa demonstração incomum de emoção foi notada apenas por um dos muitos processos de pensamento paralelos que eu conduzia.

— O Destino, como os djinn corretamente supuseram, é outro aspecto do éter. Ele nos une e ajuda a ordenar o universo. — Deliberadamente, mantive a descrição vaga e aberta à interpretação. Eu não queria que Kezess entendesse toda a verdade ainda. — Os djinn teorizaram uma maneira de influenciar o Destino, mas ela era limitada.

“Quanto às suas outras perguntas, a resposta é simples. — Olhei para ele de cima, de onde flutuava. — Ao observar o impacto potencial da minha decisão, vi apenas um único caminho a seguir. A remoção do Legado era a chave, não a destruição de Agrona. — Kezess não sabia nada sobre a crescente força destrutiva dentro do reino etéreo, a menos que tivesse ouvido minha conversa com Veruhn. Mantive contato visual, atento a qualquer indício de reconhecimento ou centelha de compreensão que sugerisse que ele sabia mais do que eu havia contado.

— O caminho para o quê, exatamente? — Kezess cruzou os braços e sustentou meu olhar com intensidade.

— Um futuro que beneficie o maior número de pessoas da maneira mais positiva — respondi, formulando a resposta de forma vaga.

Ele bufou, mas em seu desdém, percebi a verdade: Ele não tinha ouvido a conversa. Foi um alívio, embora eu não precisasse tentar esconder a emoção por causa do Gambito do Rei.

Um pensamento paralelo o examinava sob outra perspectiva. Eu me perguntava como Kezess pareceria se eu ainda pudesse ver os fios dourados das conexões do Destino. Ao longo dos milênios, ele se forçou ao centro do poder, influenciando tanto meu mundo quanto Epheotus. Suas decisões impactaram todas as formas de vida em ambos os mundos; seus comandos destruíram civilizações e deram origem a novas raças. Ele se pareceria com Agrona, preso em um incontável número desses fios dourados, ou mais com o próprio aspecto do Destino, um ser entrelaçado na própria trama do universo?

— Talvez, com o tempo, possamos entender mais — disse Myre, conciliadora, enquanto uma de suas mãos roçava brevemente a nuca de seu marido. Para mim, ela acrescentou: — Há mais uma coisa que gostaríamos de lhe pedir, Art.

— Talvez você possa sair dessa forma ridícula — disse Kezess. Seus olhos estavam estreitos, mas apenas levemente, formando rugas finas nos cantos. Havia tensão em sua mandíbula e pescoço, e suas íris haviam mudado para um tom magenta. Ele ficou imóvel. O que quer que eles estivessem prestes a pedir, ele estava incerto, seja sobre minha resposta ou sobre se deveriam pedir.

Curioso, desci ao chão e me coloquei diante do par de poderosos asuras. O pedido de Kezess era, muito provavelmente, uma tentativa de me desvantajar, já que ele sabia exatamente quais benefícios o Gambito do Rei me proporcionava.

— Talvez você possa me perdoar por uma pequena dose de cautela, mas me sinto mais confortável com minha runa divina ativa. Eu não pediria que você se desligasse da mana que fortalece seu corpo para conversar comigo.

— Isso demonstra uma clara falta de confiança — insistiu Kezess. — Eu poderia até chamar isso de insulto.

— Pelo contrário, permiti que me colocassem sob seu poder porque confio em você — menti. — Você me pediu para vir aqui, e eu vim. Você me pediu para explicar o que aconteceu com Agrona, e eu expliquei. O único motivo para você pedir que eu liberasse meu poder é porque desconfia da vantagem que isso me proporciona, uma vantagem que apenas nos coloca em condições mais equilibradas.

— Se você se sente mais confortável no abraço dessa magia, Art, então mantenha-a ativa, por favor — interveio Myre.

Embora ela não olhasse para Kezess, algo passou entre eles. Ele tentou relaxar, mas não foi completamente bem-sucedido.

— No entanto, como alguém que um dia você poderia ter chamado de mentora, eu sugeriria que tivesse cuidado. — Ela acrescentou com um sorriso gentil. — O que você descreve soa como algo que pode crescer além do conforto e se transformar em um vício.

— Claro, Myre. Serei cauteloso — respondi, respeitosamente displicente por fora. No entanto, um dos fios dentro da tapeçaria dos meus pensamentos focou inteiramente em suas palavras. 

Eu sabia que minha família não gostava de estar ao meu redor quando passava muito tempo sob os efeitos da runa divina, e meus companheiros eram forçados a fechar suas mentes para mim completamente. A dependência dos significativos aprimoramentos em minhas habilidades cognitivas e do amortecimento das emoções poderia ser tão perigosa quanto qualquer droga. Em Epheotus, no entanto, onde meus oponentes eram milhares de vezes mais velhos e tinham experiências de vida que eu jamais poderia esperar replicar, eu precisava explorar cada vantagem.

Eu também não confiava plenamente nas intenções de Myre.

— Agora, o que vocês querem? — perguntei.

Kezess estava diante do corpo de Agrona, sem olhar para mim. Seus punhos estavam cerrados.

— Não houve entre os asuras, em todo o tempo do meu governo, criminoso mais horrendo que Agrona Vritra. O que houve com ele não foi punição o suficiente. Um exemplo deve ser feito, mas eu não posso fazer isso com ele nesse estado.

— Use Oludari então — sugeri. — Que ele seja o receptáculo da sua justiça performática.

Kezess girou em minha direção, as narinas dilatadas e os olhos faiscando.

— Performática? Tenha cuidado, rapaz. Embora asura em nome, você ainda é…

— Confiança — disse Myre, enfatizando a palavra. — É isso que precisamos agora, entre nós. Confiança. Antagonismo e impaciência só podem prejudicar o esforço significativo que ambos fizeram para chegar a este ponto em seu relacionamento. — Ela me lançou um olhar de leve desaprovação. — Você é o embaixador de todo o seu mundo. A raça arconte pode ser pequena, mas aqueles que dependem de você são muitos.

Apesar do tom maternal de crítica construtiva, senti a ameaça implícita em suas palavras. E ela estava certa. Eu não estava pronto para me tornar inimigo de Kezess, não com tudo o que ainda precisava realizar para atingir meu objetivo.

Relaxei o fluxo de éter no Gambito do Rei, e a runa recuou para uma carga parcial. Fortalece-la dessa forma já era uma tarefa natural para mim, e ajudava a amenizar a exaustão de liberá-la. Quando falei, fiz isso devagar para não tropeçar nas palavras e deixar transparecer meu cansaço.

— Peço desculpas, falei de forma muito direta. Não foi minha intenção ofendê-lo.

Kezess retomou sua fachada calma tão rapidamente quanto havia ficado furioso.

— Minha esposa tem razão, como costuma ser o caso.

Ela sorriu para ele com carinho. Quando falou, porém, havia tristeza em seu tom.

— Oludari não terá o mesmo efeito que Agrona teria. Tenho certeza de que concordamos que este basilisco merece a verdadeira justiça. Aqueles que amamos sofreram em suas mãos mais do que a maioria.

Pensei em Sylvia, escondida em sua caverna entre a Floresta de Elshire e a Clareira das Bestas, com o ovo encantado de sua única filha, uma filha que compartilhou com um homem que acreditava amar… um homem que depois a matou para poder fazer experimentos em sua própria herdeira. Pensei em Sylvie e na vida que ela teria tido se ele tivesse sido bem-sucedido. Pensei em Tessia e na vida que ela teve, presa em seu próprio corpo como o receptáculo da ascensão de Cecilia ao poder.

— Claro que ele merece justiça — disse solenemente. — Mas me parece que ele já a teve. Cortem-lhe a cabeça e terminem com isso.

— Ainda não é o suficiente — disse Kezess, agora com sua raiva direcionada ao invólucro sem vida de Agrona. — Por isso… gostaríamos que você o curasse, Arthur.

No estado em que eu estava, não entendi imediatamente o que ele quis dizer. Sob o peso dos olhares de Kezess e Myre, a realização caiu como uma pedra pesada em meu estômago.

— Você acha que uma pérola Lágrima da Mãe o curaria? — Depois de tudo o que eu havia aprendido sobre as pérolas, não podia acreditar que sequer sugeririam isso. — Mesmo que você tenha certeza de que funcionaria… quer desperdiçá-la com ele?

— É um recurso valioso, mas estou disposto a usá-lo.

Tessia e Chul só estavam vivos por causa das outras duas pérolas. Minha consciência se voltou para dentro, sentindo o espaço extradimensional onde eu armazenava os itens, incluindo a última pérola de luto. Seu valor para mim era incalculável. Ela poderia significar a vida da minha irmã, ou da minha mãe. Se eu tivesse tido tal poder quando meu pai estava no campo de batalha, morrendo de seus ferimentos…

— Não é um recurso seu para usar, de qualquer forma.

Kezess escureceu. Até mesmo o feixe de luz que suspendia Agrona pareceu enfraquecer.

— Eu ordeno que me entregue a pérola de luto.

Inclinei a cabeça ligeiramente, sem me intimidar por suas ameaças.

— Tenho certeza de que não preciso lembrá-lo de que também sou senhor de um grande clã. Os outros se acovardam tão facilmente diante de você? Certamente o papel dos Oito Grandes vai além da simples aparência de autogoverno para manter as outras raças sob controle.

Myre interveio rapidamente, incapaz de esconder o lampejo de exasperação que cruzou seu rosto.

— Por favor, Art. Tire um tempo e considere isso. Sei o que você está pensando. Essa pérola poderia ser usada para salvar Sylvie, ou Ellie, ou Alice. Mas você agora é o líder de seu próprio clã, e suas decisões afetam todos os asuras. Você não pode pensar apenas em si mesmo.

“Além da justiça, pense em tudo o que poderíamos aprender com Agrona, juntos. Há muito sobre suas ações em seu mundo que não entendemos, e talvez nunca entendamos se ele não for revivido. Deixe-o responder por seus crimes, para o bem de Epheotus, Dicathen e Alacrya.

Mordi os lábios para conter um suspiro.

— Eu… vou pensar a respeito. — Será que o próprio Agrona poderia ser a terceira vida vinculada a mim por obrigação? Eu me perguntei, recordando as palavras de Veruhn.

Ela lançou um olhar rápido a Kezess, que ainda parecia à beira de uma explosão.

— Então é tudo o que podemos pedir. Vamos levá-lo de volta a Ecclesia e à sua família. Quando tiver refletido, conversaremos novamente.

Kezess permaneceu em silêncio enquanto saíamos da masmorra, que se selou atrás de nós. Myre despediu-se de mim, e a magia de Kezess novamente envolveu meu corpo. Quando apareci de pé sobre a areia prateada, eu estava sozinho.

Inspirei profundamente a maresia, mantendo-a nos pulmões por alguns segundos antes de soltá-la lentamente, tentando deixar que a tensão fluísse junto com ela.

A praia ao meu redor estava vazia. O horizonte púrpura se expandia em direção à vila, a escuridão avançando cada vez mais pelo céu conforme o sol se punha. Chutei a areia, levantando uma nuvem que brilhava como purpurina nos últimos raios do sol. A conversa com Kezess não havia saído como esperado, e o medo muito real de ser ouvido se transformara em uma emoção mais distante e amarga.

Veruhn havia me perguntado o que eu estava fazendo aqui, em Epheotus. Era uma pergunta perspicaz. Havia muito o que fazer em Dicathen, e eu sabia que Caera e Seris também apreciariam minha presença e ajuda em Alacrya. Só que nenhum deles entendia verdadeiramente o perigo. Nada do que eu conseguisse realizar ali teria importância se Kezess decidisse varrer nossa civilização da face do mundo. Integração, armaduras quimera, ou até mesmo o éter de nada valeriam contra um esquadrão da morte asura. Não, se eu quisesse proteger o meu povo enquanto trabalhava para alcançar o objetivo final do Destino, eu precisava fazer isso a partir de Epheotus.

Enquanto esses pensamentos fervilhavam dentro da minha cabeça, continuei caminhando pela praia em direção à cidade, onde eu havia aparecido nas proximidades. Fogueiras brilhavam à distância, e logo a praia vazia estava repleta de leviatãs brincando e comendo. Apesar de estar absorto em meus próprios pensamentos, senti meu rosto se abrir em um sorriso ao ver a cena. Essas pessoas pareciam tão despreocupadas, tão tranquilas. Viviam uma vida simples, pelo menos à primeira vista.

Nenhum deles sabia que suas vidas foram compradas com o sangue de civilização após civilização em meu mundo. Eu ainda não entendia o porquê, mas sabia que era verdade. Eles também não percebiam que haviam construído suas casas na borda de um vulcão, e a pressão para a erupção aumentava a cada dia.

Depois de caminhar lentamente pela praia por mais de meia hora, finalmente encontrei algumas figuras conhecidas. Parei assim que os avistei; eles ainda não haviam me notado.

Várias crianças leviatãs estavam alinhadas em fileiras bagunçadas, com os tornozelos molhados pela água que vinha e ia. Essas crianças eram mais velhas do que as que nos receberam em nossa chegada a Ecclesia, parecendo estar em seus primeiros anos de adolescência, pelo menos em comparação com humanos. Ellie estava com elas, seu cabelo castanho e pele clara a destacando entre as cores dos leviatãs. Zelyna, filha de Veruhn, estava de frente para elas, uns cinco metros mais para o centro.

Ela estava dando instruções, e imediatamente pensei que fosse treinamento de combate. No entanto, quando ela se moveu, não foi para empunhar uma arma, formar um feitiço de combate, ou mesmo praticar uma forma de artes marciais. A areia ao redor dela corria como líquido antes de se erguer e formar-se em uma concha áspera. Eu não conseguia ouvir o que ela estava dizendo por causa do barulho do oceano e das pessoas relaxando por ali, mas um sorriso agradável aparecia e sumia em seus lábios púrpura enquanto falava, e seus olhos azul-turquesa se enrugavam nas extremidades de pura alegria.

Os alunos começaram a lançar seus próprios feitiços. Eles trabalhavam com areia molhada, que fluiria mais facilmente, especialmente se fossem mais sintonizados com a água do que com a terra. Ellie observava os outros estudantes e depois olhava para o chão, alternadamente. Ela poderia ter criado qualquer coisa que quisesse com mana pura, é claro, mas estava tentando ativamente imitar os esforços dos leviatãs. Eu a observei até que Zelyna me avistou. Após uma palavra rápida ao grupo, ela veio em minha direção.

Conforme se aproximava, parecia me avaliar. Seus olhos subiam e desciam pela minha forma, demorando-se nos meus olhos dourados, tão diferentes de qualquer outro humano. Seus dedos passavam pelo moicano de cabelo verde-mar de sua cabeça, logo abaixo das cristas azul-escuras.

— Você me custou dez jade. — disse ela, em um tom sério, embora parecesse relaxada. — Meu pai estava confiante de que você voltaria, mas apostei que você iria direto para as masmorras no Castelo Indrath.

Dei-lhe um sorriso envergonhado.

— Vocês dois estavam certos. Eu fui para as masmorras, mas também voltei de lá.

Suas sobrancelhas se uniram.

— Vou ter que pedir meu jade de volta, então.

— Jade? — perguntei, erguendo uma sobrancelha.

Ela fez um gesto com a mão, e um pedaço redondo de jade, esculpido com a imagem estilizada de uma gota d’água com um gancho em um dos lados, repousava em sua palma.

— Raramente precisamos de dinheiro, mas quando escolhemos usá-lo, em vez de simplesmente trocar ou oferecer ajuda, usamos jade. — Ela jogou o pedaço de jade para mim, e eu o peguei no ar. — Guarde. Como lembrança.

— Obrigado. — Dei uma risada e repeti seu gesto, fazendo o jade desaparecer no meu armazenamento dimensional.

Ela me deu um sorriso assimétrico.

— Enfim, o que o Lagarto Milenar queria com você?

Ri do apelido irreverente, mas minha diversão logo morreu conforme meus pensamentos voltavam à reunião.

— Ele quer que eu faça algo que não estou disposto a fazer.

— Essa é a natureza da sua posição — disse ela, com um encolher de ombros. Eu a olhei surpreso, e seu sorriso assimétrico voltou. — Fale com meu pai. Ser senhor de um grande clã significa navegar pelas águas agitadas do temperamento desagradável do Indrath. Ele vai tentar forçá-lo a fazer as coisas do jeito dele, e você vai nadar contra a maré o melhor que puder, tentando chegar o mais perto possível do seu próprio objetivo enquanto ainda o agrada.

— Isso… é o que seu pai diz? — perguntei hesitante.

Ela soltou uma risada alta.

— Mar e estrelas, não, claro que não. O grande Veruhn Eccleiah nunca falaria de forma tão direta. Certamente você já notou que ele gosta de seguir o curso sinuoso do rio, e não o voo direto da gaivota.

Nós dois sorrimos com isso. Eu não conhecia Veruhn há muito tempo, mas o que ela disse era obviamente verdade.

— Não se torture a ponto de ir para um túmulo prematuro por causa disso — disse, novamente dando de ombros —, estou confiante de que você será capaz de lidar com o que está por vir.

Esfreguei a nuca e observei os alunos praticando seus feitiços por um longo momento. Ellie ainda não tinha me notado, estava muito concentrada em estudar a magia dos leviatãs.

— Por quê? — perguntei após a pausa.

— Na cerimônia de retorno da mulher dragão… — Minha confusão deve ter sido visível, porque ela esclareceu: — Eu vi o que você fez. Colocar o núcleo de Sylvia Indrath no altar dela no castelo. Eu estava desconfiada de você e jurei ficar de olho em você. Eu… não queria invadir o momento, mas fiquei feliz por ter feito isso.

O olhar de avaliação voltou.

— Você é poderoso, Arthur Leywin, e é inteligente. Todos os seus pares em Epheotus também são, alguns muito mais do que você. Contudo… você também é gentil. E isso é algo que muitas vezes falta entre os de mais alta posição entre os asuras, independentemente da raça. — Ela olhou para mim significativamente. — Isso pode ser uma força, mas também pode ser uma fraqueza. Em você, porém, acho que pode ser transformador. Para os Grandes Oito, e para toda Epheotus.

Antes que eu pudesse responder, um dos alunos gritou entusiasmado, chamando a atenção de Zelyna. Ellie finalmente olhou para mim, iluminando-se ao me ver e acenando animadamente. O sorriso assimétrico de Zelyna voltou, e ela começou a se afastar sem dizer mais nada.

Eu a observei partir, surpreso e confuso na mesma proporção. A afirmação de Zelyna foi totalmente inesperada, mas suas palavras sobre eu ser “gentil” estavam longe de soar falsas.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: Crytteck

 

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