POV ARTHUR LEYWIN
Enquanto eu observava Tessia se afastar, meus dedos foram automaticamente até meus lábios, onde ainda sentia o beijo dela. Suas palavras ecoavam repetidamente na minha mente: “Guardarei aquele momento para sempre, mas não vou me apegar a ele em detrimento do futuro do mundo.” Era exatamente o que eu temia: muita coisa havia acontecido para que simplesmente pudéssemos retomar de onde paramos.
— O futuro do mundo — murmurei, enquanto abria e fechava o punho. Tudo sempre se resumia a isso, não é? Colocar o mundo em primeiro lugar. Alguma vez houve espaço para que eu fosse feliz? De alguma forma, eu sabia que isso não fazia parte dos planos do Destino para mim.
As lembranças do meu tempo na última pedra-chave voltaram, inundando minhas emoções já fragmentadas, como uma maré que se aproximava. Eu havia visto versões da minha vida onde encontrei o amor e onde ele me foi tirado, todas as vezes. Cada decisão, cada golpe de sorte incomum, cada coincidência me empurrou inexoravelmente em direção ao meu encontro com o destino, e esse aspecto só se importava com uma coisa. Qualquer parte da minha vida em que encontrei algum resquício de amor ou companheirismo foi apenas um degrau no caminho que o Destino traçou para mim.
Fechei os olhos quando o peso dessa expectativa ficou mais pesado do que até eu poderia suportar. Será que realmente não há espaço para mais nada?
Um conforto irradiou de dentro do meu núcleo, e senti meu fardo aliviar à medida que Regis e Sylvie se aproximavam para assumir parte da carga.
— Ela está fazendo o que acha que você precisa — enviou Sylvie, seus pensamentos flutuando nas águas das minhas memórias como luzes prateadas sob a superfície. — Ela ainda se importa com você, Arthur. Tanto que sacrificaria a única coisa que ela quer de você: você mesmo.
— Eu sei o que você está sentindo, obviamente, mas… aceite isso pelo que realmente é. — Regis acrescentou suavemente, manifestando-se ao meu lado. — Se tudo o que ela disse não foi uma grande declaração de amor inabalável, então eu sou um peixinho dourado.
Tessia estava quase na base da árvore. Virion caminhava ao lado dela, mas lançava olhares furtivos para mim de vez em quando.
O éter irradiava pelas minhas costas até o aglomerado de runas divinas. Minha mente se desdobrou em dezenas de fios separados, cada um capaz de manter pensamentos individuais, examinando conjuntos específicos de informações, identificando padrões em sequência com os outros ramos expandidos da minha consciência.
Eu não podia me dar ao luxo de ser egoísta. O mundo inteiro não podia se dar ao luxo de eu ser egoísta, como Tessia havia sugerido. Cada decisão que eu tomava poderia enviar ondas que derrubariam continentes ou acabariam com linhas do tempo. Eu já tinha visto isso várias vezes dentro da pedra-chave.
E assim, com minha mente consciente se transformando numa rede de relâmpagos interconectados de pensamento, examinei cada oportunidade perdida que eu tinha visto na pedra-chave, cada momento de conexão com Tessia ao longo da minha vida, cada indício sobre os potenciais futuros que poderiam nos esperar. Regis e Sylvie se afastaram, retirando seu suporte enquanto protegiam suas mentes da enxurrada de informações. A coroa sobre minha cabeça brilhou mais intensamente enquanto meu cérebro vibrava com introspecção movida a éter.
Eu não podia me dar ao luxo de ser egoísta, mas também não podia perder a esperança.
Conexão. Cuidado. Esperança. Amor.
Grey não tinha essas coisas. Eu, como Arthur, as tinha transformado na minha força e no propósito da minha reencarnação. Talvez Agrona tivesse algo diferente em mente para mim. O Destino também. Forças externas haviam sido responsáveis pelo meu renascimento, mas isso não significava que elas poderiam ditar o que eu faria com minha nova vida, assim como fizeram com Cecilia.
Eu não havia feito o próprio Destino mudar de ideia?
O éter se ramificou do Gambito do Rei até o Realmheart e o God Step, e fui puxado quase sem esforço ou pensamento pelos caminhos etéreos.
Apareci no ar diante de Tessia e Virion. A luz do meu corpo pintava seus rostos virados para cima em tons de rosa. Virion mordeu o lábio e deu vários passos para trás, com o olhar caindo para os pés.
Lentamente, flutuei para baixo até estar pairando a poucos centímetros do chão. Ali, apontei para o meu próprio corpo.
— Isto é o que eu sou agora, Tess. O que eu sou pode definir meu futuro mais do que quem eu sou ou quem eu quero ser. — Liberei as runas divinas e voltei ao chão. A luz diminuiu à medida que a coroa e as runas se apagavam. — Eu mudei de maneiras que não consigo descrever com palavras, e você também. As pessoas que estavam no topo da Muralha e prometeram ter um futuro juntas se foram, e a promessa que fizeram também.
Fiz uma pausa, estendendo a mão para pegar a dela, sem saber se ela corresponderia. Quando seus dedos se fecharam gentilmente ao redor dos meus, continuei:
— O futuro é incerto, e qualquer promessa agora seria uma mentira. Porém, o passado que compartilhamos está gravado em pedra, e nada pode tirá-lo de nós. Eu amo você, Tessia, e nada vai mudar isso. Não preciso de uma promessa para me apegar a isso.
Tessia não chorou nem fraquejou. Ela não se jogou em meus braços implorando por amor. Seu aperto em minha mão se intensificou, e ela me puxou para perto dela, gentilmente, mas com firmeza. Nossos braços se entrelaçaram. Sua cabeça descansou contra o meu peito. Senti como nossa respiração e nossos batimentos cardíacos entraram em sincronia. A mana agitou-se em seu núcleo, e o éter no meu. As duas forças se empurravam e puxavam, assim como faziam na atmosfera.
— Você está mentindo. — Ela disse suavemente contra o tecido da minha camisa.
Pressionei meu sorriso trêmulo contra seu cabelo metálico.
— Não estou — respondi.
Tessia e eu ficamos juntos assim por um bom tempo antes que ela se afastasse o suficiente para me olhar.
— Você me deixou preparar esse grande gesto durante as últimas duas semanas para nada, sabia?
Soltei uma risada constrangida, depois a olhei mais seriamente.
— Tudo ficou tão… grande. Não posso lhe prometer uma grande história de amor…
— Não, talvez não — seu sorriso compreensivo cortou fundo em mim —, mas se nossos sentimentos um pelo outro sobreviveram a tudo o que passamos, o que mais o destino pode nos jogar?
Não respondi de imediato. Queria explicar tudo sobre o Destino e o reino do éter naquele exato momento, mas até pensar nisso era assustador.
Sua expressão vacilou.
— Vamos encarar o que vier — disse ela. — Teremos que aprender tudo um sobre o outro de novo. Ainda pode chegar a um ponto em que simplesmente não… funcione. Eu quis dizer o que disse sobre não me apegar ao passado.
Acariciei sua bochecha.
— Terei que voltar para Epheotus em alguns dias.
— E eu vou ficar aqui, pelo menos por enquanto. — Ela respondeu, seus olhos se voltando para Virion. Não precisou explicar mais do que isso. Ela precisava de tempo com sua família, com seu povo.
Eu queria ficar ali com ela, permanecer no rescaldo de nossa reconexão. Era difícil conceber que, apenas alguns minutos antes, parecia que nosso relacionamento cambaleante realmente estava chegando ao fim, mas não havia tempo.
Ela leu o pensamento em meu rosto.
— Sua família está esperando por você. Vá. Seja o herói que Dicathen precisa.
Passando os dedos pelo cabelo dela, puxei-a gentilmente para mim. Dessa vez, quando nossos lábios se tocaram, não foi manchado por um adeus.
A despedida que se seguiu foi breve e agridoce. Nos abraçamos e prometemos não demorar muito para nos falarmos de novo. Quando finalmente nos soltamos, Virion se aproximou, seus braços estendidos. Eu ri, e a seriedade do momento se dissipou.
— Já estava na hora, pirralho. — Ele murmurou no meu ouvido enquanto nos abraçávamos.
Meus passos eram leves ao deixar o bosque para trás, virando apenas uma vez para acenar para Tessia e Virion, que estavam na base da árvore e acenaram de volta. Os olhos de Tessia estavam secos, mas uma única lágrima escorreu pela bochecha de Virion.
Encontrei minha mãe, Ellie, Boo, Regis e Sylvie me esperando logo à frente, brincando um pouco sobre a longa descida de escadas após uma estadia tão curta.
Ellie, com uma leve carranca no rosto, me olhou curiosa.
— Está tudo bem? — perguntou.
Suprimi um sorriso bobo enquanto as borboletas dessa renovação dançavam no meu estômago.
— Claro. Ela está em boas mãos. Vamos, temos várias pessoas com quem falar.
— Eu te disse — pensou Regis. — Grande gesto. Belo toque com toda aquela coisa com as runas divinas e a forma de arconte. Foi a dose certa de drama.
Sylvie deu-lhe um empurrão com o quadril.
— Não provoque. Isso foi um avanço emocional para ele. Embora, se me permite uma crítica construtiva, você poderia ter conjurado a armadura também, já que estava indo para o clichê do cavaleiro de armadura brilhante.
Soltei uma risada surpresa, fazendo Ellie reclamar que estávamos conversando em nossas cabeças de novo.
Enquanto descíamos de volta para Lodenhold, tentei direcionar meus pensamentos para tudo o que precisava ser feito enquanto estivesse em Dicathen. Era incrivelmente difícil tirar Tessia da minha mente, e depois de alguns minutos, admiti a derrota e canalizei uma pequena carga para o Gambito do Rei, dividindo minha consciência em vários ramos e me dando espaço para focar.
Minha primeira prioridade, e a mais próxima, era levar as notícias de tudo o que havia acontecido aos senhores dos clãs anões.
Encontramos Lodenhold fervilhando de atividade. Enviei um recado por um mensageiro dizendo que queria ver o conselho o mais rápido possível. Enquanto esperávamos, guardas, escribas e membros das várias guildas iam e vinham em um ritmo frenético. Minha presença não passou despercebida no palácio, assim como na nossa chegada, mas o pessoal dedicado não interrompeu seus deveres para falar conosco.
Ainda estávamos ali quando uma face familiar passou inesperadamente.
— Caera!
Ela parou bruscamente, surpresa.
— A-Arthur — disse após um momento, tropeçando em meu nome. — Você voltou. Está vivo. — Esperando um grupo de membros da guilda passar, ela correu até nós. Ellie apertou sua mão, e minha mãe deu-lhe um tapinha no ombro. — Estávamos muito preocupados. Até Seris, embora ela tente não demonstrar — disse ela.
— O que está acontecendo? — perguntei, focando em um maço de pergaminhos em seus braços.
Ela rapidamente explicou, conectando os pontos com o que os anões estavam gritando mais cedo.
— Não é de se admirar que estejam chateados — pensou Sylvie. — É a coisa certa a se fazer, mas não é fácil convencer uma população ferida e irritada.
Ellie ouviu atentamente.
— Como estão Seth e Mayla? E seus amigos? Meio que fomos sequestradas logo após a batalha.
As sobrancelhas de Caera se ergueram.
— Não exatamente — Ellie rapidamente esclareceu —, mas mais ou menos.
— Eles parecem estar bem. — Caera disse devagar. — Tenho certeza de que ficariam felizes em vê-la antes de voltarem para Alacrya. Eles ainda estão presos, mas os guardas podem deixá-la entrar se você usar o nome do seu irmão.
Ellie olhou para mim em busca de permissão. Olhei para minha mãe, que revirou os olhos e assentiu. Sorrindo feliz, Ellie correu para visitar seus amigos, com Boo caminhando protetoramente atrás dela. Ela só se lembrou de se virar para se despedir de Caera quando já estava quase nas enormes portas do palácio.
Enquanto a observamos partir, o mensageiro anão com quem eu havia falado mais cedo retornou.
— Lança Arthur, os lordes estarão com você em breve. Posso levá-lo até…
— Eu falarei em nome dele — disse Sylvie, sentindo meu desejo de terminar a conversa com Caera.
O anão parecia hesitante, mas quando Sylvie passou por ele em direção ao corredor que levava ao Salão dos Lordes, ele não teve escolha a não ser correr atrás.
— Na verdade, Art — minha mãe tocou levemente meu cotovelo —, toda essa caminhada por Vildorial me deixou um pouco cansada. Gostaria de voltar para casa, se tudo bem?
— Claro — respondi, observando-a com preocupação. Ela parecia um pouco abatida, com olheiras começando a se formar sob seus olhos e seus movimentos arrastados. Era tanto mental quanto físico, mas nada que um pouco de descanso e a volta à normalidade não curassem.
Se as coisas voltarem ao normal, pensei.
Nos abraçamos brevemente, e ela seguiu os passos de Ellie para fora do palácio.
Reorganizei meus pensamentos com um ramo do Gambito do Rei enquanto voltava minha atenção para Caera. Apesar da agitação em Lodenhold, o barulho e o burburinho ao redor nos davam a privacidade necessária para conversar.
— Obrigado, a propósito. Ellie me contou sobre a batalha. Você…
— Não me agradeça — interrompeu ela, com um tom de irritação. — Foi exatamente como você temia. Você estava certo em desconfiar de mim.
Sua resposta me surpreendeu. Mesmo com o Gambito do Rei parcialmente ativado, minha mente estava tão focada que eu não tinha percebido a inquietação de Caera. Agora, olhando mais de perto, percebi.
Ela estava tensa, e seus olhos constantemente observavam os anões ao redor, escaneando seus rostos e mãos com cautela. Quando não falava, seu maxilar estava travado. Seu olhar voltava para mim a cada poucos segundos, e quando olhava, seus lábios tremiam em uma tentativa de suprimir uma carranca.
Regis se manifestou para fora de mim com um flash de fogo ametista. Alguns dos anões mais próximos se assustaram, mas Caera sorriu carinhosamente para ele.
— Do que você está falando? — disse Regis do seu jeito rude. — Você não sucumbiu à vontade de Agrona, não atacou nenhum dicathiano. Certo? Quando aquela coisa toda de onda de choque do destino aconteceu, nem sentimos você ser atingida como os outros alacryanos. Você está separada dele. — Ele me lançou um olhar que era quase um olhar fixo. — Ouça, o Art estava até o pescoço com o Gambito do Rei quando planejou tudo isso, e o que ele disse sobre você…
Ela soltou uma risada amarga.
— Eu ainda teria morrido se não fosse por Ellie. Minhas próprias runas iam me despedaçar. E então, minutos depois, meu sangue, que fez de tudo para escapar do controle de Agrona, chegou para caçar você, Arthur, lutando e matando seu povo porque Agrona os obrigou. Então não, Regis. Arthur estava certo.
O tom autodepreciativo dela trouxe à tona uma culpa que me corroía por dentro, mesmo através do fino véu do Gambito do Rei. Caera e eu enfrentamos muitas coisas juntos. Eu lamentava que minhas palavras a tivessem quebrado, fazendo-a duvidar de si mesma agora.
— Agrona está derrotado — falei. — Ele não pode mais controlar, ameaçar ou machucar seu povo. Fico feliz que Seris tenha conseguido fazer os líderes de Sapin e Darv entenderem. Você, no entanto, não mencionou se… vai ficar ou voltar para Alacrya com seu povo…?
Ela me olhou profundamente nos olhos, mas eu não tinha certeza do que ela esperava encontrar. Após uma longa pausa, ela engoliu em seco e desviou o olhar.
— Meu sangue foi despedaçado. Meu irmão está morto. Corbett e Lenora estão… — Ela deu de ombros. — Precisam de mim em Alacrya.
— Entendo — respondi, ponderando cuidadosamente minhas palavras. Pude perceber que parte da agitação dela estava ligada diretamente a mim, mas não achava que fosse sobre as pistas falsas que havia deixado para os soldados de Agrona. Não, isso parecia mais pessoal, como se ela estivesse desistindo de algo. — E… Caera?
Seus olhos voltaram aos meus. Havia um toque de esperança em sua expressão cautelosa.
— Sinto muito — falei.
Caera se afastou, suas sobrancelhas se uniram em um vinco de confusão, e ela pareceu encolher-se levemente.
— Não precisa… — Ela disse, com um tom hesitante, tentando engolir o peso das emoções que carregava. Ela embaralhou os pergaminhos em seus braços e procurou algo mais para dizer. — Você… o Legado. Tessia Eralith. Ela está…?
Assenti, fazendo um gesto para cima.
— Com Virion agora.
— Bom. — Apesar da resposta, seu corpo ficou subitamente tenso enquanto ela se endireitava. — Isso é bom. Fico feliz por você, Arthur. De verdade. — Seu olhar caiu sobre os pergaminhos que segurava. — Desculpe, mas realmente preciso ir. Há… muito o que fazer.
Ela reorganizou os pergaminhos, liberando uma das mãos para dar um afago rápido em Regis. Então, pegando-me de surpresa, ela se inclinou para mim e me puxou para um abraço. Ficamos assim por um momento, perdidos no meio da multidão. Havia uma catarse naquele contato, mas não era minha. Parecia um adeus.
Quando finalmente me soltou, ela ajeitou os pergaminhos, abriu a boca como se fosse dizer algo, deu um sorriso incerto e se afastou.
— O que foi isso? — pensou Regis, olhando para mim.
— O quê? — perguntei distraidamente, com a mente ainda turva. Só então percebi que tinha soltado involuntariamente o Gambito do Rei.
— Isso foi tipo seis hipopótamos.
Pisquei para ele, confuso.
— Hipo… o quê?
Ele revirou seus olhos brilhantes, como se eu estivesse sendo absurdamente estúpido.
— Escuta, princesa. O abraço padrão é três hipopótamos, no máximo. Seis é quase escandaloso.
Não respondi a Regis, apenas fiquei de pé e observei até que ela saísse do salão.
Podem ter se passado apenas alguns segundos ou talvez vários minutos antes que eu voltasse a me mover, piscando para afastar os efeitos lentos da canalização do Gambito do Rei. Virei a cabeça, procurando pela fonte de uma assinatura de mana forte que havia chamado minha atenção o suficiente para me tirar do transe. Não reconheci os gritos de desespero até ver o enorme martelo vindo em direção ao meu rosto.
Levantei os braços, bloqueando o golpe com os antebraços cruzados. A força me fez deslizar para trás pelo piso de azulejos brilhantes, meus calcanhares rasgando sulcos rasos no chão.
Rangendo os dentes e cercado por chamas roxas furiosas, Regis se preparou para saltar.
— Pare — ordenei a ele, encarando Mica.
— O que está acontecendo? — Sylvie enviou de onde estava reunida com Lorde Silvershale, dois de seus filhos e outros lordes. — Eu posso…
— Estou bem — respondi, não querendo distraí-la. A conversa dela era tão importante quanto a que eu estava prestes a ter.
Mica estava flutuando no ar, de modo que nossos olhos estavam no mesmo nível. Ela estava bufando furiosamente, suas bochechas vermelhas como maçãs.
— Mentiroso! — gritou, brandindo o enorme martelo. Seus nós dos dedos estavam brancos de tanto apertar o cabo. — Você sabe o que fez? Varay quase morreu! Sua própria irmã quase morreu! Mica estava na muralha e viu centenas de aventureiros defenderem sua mentira com suas vidas.
Ela avançou um pouco, levantando o martelo como se fosse atacar de novo, mas conteve-se.
— Nós éramos seus amigos, Arthur. Você poderia ter nos contado. Poderíamos ter ajudado. Então, por quê?
Soltei um suspiro trêmulo, desanimado. Eu sabia que isso era uma possibilidade, mas…
— Não havia escolha, Mica. Agrona esteve à nossa frente o tempo todo, muito antes da guerra começar. Tudo se resume ao aspecto do Destino. Tudo. Eu não sabia quanto tempo precisaria, ou como Agrona reagiria, mas sabia que precisava ter sucesso.
— E assim você criou planos secretos e convenceu as pessoas a não protegerem nada à custa de suas vidas! Preço pequeno a pagar quando você é o escolhido, carregando o peso de mundos nos ombros, não é? — Seu olho bom brilhava de raiva. — Talvez pergunte aos Chifres Gêmeos o que eles acham disso.
Uma preocupação amarga se instalou em meu estômago. O salão estava agora em silêncio e imóvel. Os muitos anões que passavam por ali haviam congelado no lugar, assistindo atentamente, com uma coletânea de emoções, desde terror até uma empolgação sedenta por sangue, estampadas em seus rostos.
— Aqueles que lutaram contra Agrona, que morreram lutando, o fizeram para proteger seus lares e famílias, e conseguiram. — Apesar do medo pelos Chifres Gêmeos, mantive minha voz firme, assim como minha expressão. Meu olhar varreu os observadores, fazendo contato visual com muitos deles. — Não diminuam o sacrifício deles sugerindo que foi em vão.
Mica soltou um longo suspiro, parecendo murchar. O martelo em suas mãos desfez-se em areia, que por sua vez escoou pelas rachaduras no chão que eu havia feito.
— Eu esperava mais de você, Arthur. — Ela se levantou do chão e, sem me olhar, voou para fora do palácio, deixando um vento forte em seu rastro.
Abri a boca para chamá-la de volta, mas pensei melhor. Em vez disso, considerei rapidamente todas as pessoas com quem trabalhei na preparação para a quarta pedra-chave e quem poderia saber mais sobre o que aconteceu fora de Vildorial durante o ataque de Agrona. Se Mica sabia de algo mais, provavelmente seu pai ou os outros lordes anões também sabiam, mas eu não queria interromper a reunião de Sylvie, que estava bem encaminhada.
Ao invés disso, chamei Regis de volta ao meu núcleo e saí voando de Lodenhold atrás de Mica. Em vez de seguir pela estrada principal, fui direto pela borda, voando em direção ao Instituto Earthborn. Os anões gritaram alarmes quando sobrevoei o muro e fui direto para as portas abertas, mas não esperei para que me identificassem. Fui direto para os aposentos simples onde minha mãe e minha irmã haviam sido autorizadas a morar.
A porta da frente estava fechada, mas não trancada, e eu entrei.
Minha mãe estava sentada no sofá, segurando uma carta frouxamente em suas mãos. Lágrimas rolavam livremente por seu rosto pálido.
Meu coração afundou, e apressei-me para o lado dela. Sem dizer nada, ela ergueu a carta.
Eu a li rapidamente, depois uma segunda vez, mais devagar, para ter certeza de que havia entendido seu conteúdo.
— Angela Rose — disse, com a voz oca.
— Não… — Regis se afundou em meu núcleo, sua dor permeando nossa conexão e ampliando a minha própria.
Mamãe descansou a mão em meu antebraço, mas não me olhou.
A carta detalhava o ataque e seus resultados. Angela morreu defendendo a câmara onde eu havia dito que estaria me escondendo. Eu sabia que Cecilia seria capaz de sentir minha assinatura, que as forças de Agrona seriam atraídas para esses locais. Essa sempre foi uma possibilidade.
“Diga à sua mãe que vamos cuidar bem de você, está bem?”
Essas foram suas últimas palavras para mim. O que eu disse a ela? Tentei me lembrar, mas era difícil recordar tudo das semanas de preparação. Eu havia mantido o Gambito do Rei ativo quase o tempo todo, com minha mente correndo em dezenas de direções ao mesmo tempo. Isso tornava as memórias… confusas e difíceis de decifrar. Devo ter dito algo, pensei. Não era o tipo de detalhe que eu teria deixado passar naquele momento.
A carta continha mais do que apenas essas notícias, no entanto. “Durden está se aposentando.” Isso não me surpreendeu, nem o que mais a carta dizia. Adam, meu pai, Angela Rose…
Metade do grupo de aventureiros havia dado suas vidas na luta contra Agrona.
— Os Chifres Gêmeos estão se separando — disse minha mãe. Ela se recostou e ficou olhando para o teto. — Achei que o nome, pelo menos, viveria para sempre. Ou pelo menos… ah, nem sei o que estou tentando dizer. Enquanto houvesse uma Helen Shard, achei que haveria os Chifres Gêmeos.
O tom da carta era disciplinado e factual. Escrita pela própria Helen, ela evitava culpar alguém e até perguntou sobre mim. “Você tem notícias do Arthur? Jasmine e eu esperamos, com toda a nossa fé, que, onde quer que ele estivesse, tenha conseguido o que se propôs a fazer. Tenho certeza de que ele tinha um bom motivo para nos fazer acreditar que sua vida estava em nossas mãos.” Lendo nas entrelinhas, nos traços da pena e no tom distante da linguagem, pude ver sua dor. Não apenas pela perda de Angela, que deve ter sido ainda muito recente quando a carta foi escrita, mas também pela razão de sua morte.
— Não vou te dizer para não se culpar — disse minha mãe, finalmente se virando para me olhar. Ela pegou a carta, que havia colocado na mesa, e então segurou minhas mãos. — Sabendo como você é, tenho certeza de que você já está se culpando, mas também sei que isso é algo que você previu. Então… — Ela teve que engolir a emoção que formava um nó em sua garganta. — Então você pode se culpar, mas não para sempre. Porque quanto mais você se afunda nessa culpa, mais tempo você faz com que a vida e a missão da Angela sejam sobre você e não sobre ela. Você deve lembrar quem ela era e o que ela fez. Não simplifique a vida dela apenas com sua morte. Continue fazendo o que você precisa fazer, Arthur, mas… você, mais do que qualquer outra pessoa, também precisa olhar o quadro geral.
— Eu não me culpo, mamãe. Aceito a responsabilidade pelo que aconteceu. Há uma diferença.
Ela me puxou para ela, de modo que minha cabeça repousasse em seu ombro. Suas lágrimas secaram, e nós estávamos em um cansaço compartilhado e triste. Deixei-me transportar de volta no tempo, para quando era apenas um bebê.
Seria essa a última vez que ela me abraçava assim? Memórias reais se misturaram com as falsas da pedra-chave, e eu me vi duvidando de meus próprios pensamentos.
— Eu deveria visitar Helen em Blackbend — disse ela depois de um tempo. — A carta não mencionava nada sobre… Não sei o que posso fazer, mas…
— Vá. — Eu disse, encorajando suavemente. — Tire um tempo. Windsom não estará de volta aqui até depois de amanhã.
Nos acomodamos em um silêncio triste.
— Sinto muito pela Angela, Arthur — pensou Sylvie, seu tom sugerindo que ela estava esperando para falar sem me interromper. — Os anões… tiveram dificuldades para aceitar que a guerra realmente acabou, apesar de terem concordado em libertar os alacryanos. Eles ainda querem falar com você, e gostariam que você estivesse presente quando os prisioneiros forem enviados de volta amanhã.
— Amanhã? — Pensei, lembrando a agitação em Lodenhold. Eu deveria ter juntado isso sozinho, que aconteceria tão cedo. — Bom. Sim, estaremos lá.
Minha mente vagou pelos trilhos da montanha-russa emocional que eu tinha vivido desde que deixei Epheotus… e até antes disso. A liberação da promessa de Tessia e nossa tentativa de começar de novo, dando a nós mesmos e um ao outro a chance de aprender novamente quem somos. A despedida de Caera. A troca violenta com Mica. A notícia sobre Angela Rose.
Um retorno a casa adequado para o que eu precisava fazer.
Tradução: NERO_SL
Revisão: Crytteck
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