As rajadas opressivas de vento vazio me pressionavam de todas as direções, me cegando e me ensurdecendo. Não conseguia sentir nada além das batidas rápidas do meu coração e o metal frio pressionando meus pulsos. Mesmo o silêncio onipresente do oceano contra a costa foi obscurecido.
— Vocês dois, preparem o tempus warp para a viagem.
Abafada pelo feitiço, a voz de Wolfrum estava distante, quase inaudível.
— O resto de vocês, aqui. Vou retirar o feitiço. Desarmem-na e a movam para fora do escudo. A Foice Dragoth Vritra estará aqui em breve.
A escuridão mudou, girando como se estivesse sendo movida pelo vento. Senti o seu domínio sobre mim diminuir e alisei minha expressão, sem vontade de dar a ele a satisfação de me ver lutando.
Assim que o feitiço do vento vazio desapareceu, mãos fortes me pegaram pelos braços e algo afiado cravou em minhas costas.
— Que anticlimático.
Falou, me estudando.
— Admito que meio que te idolatrava quando éramos mais jovens. Agora, não tenho ideia do porquê.
Levantei o queixo, não me esquivando do seu olhar enervante ou de suas palavras.
— Ainda assim, você é um grande prêmio para Dragoth. Com um pouco… de incentivo, imagino que há muito que você pode nos contar sobre a operação da Seris, hein?
Não lutei contra os magos que me seguravam, deixando meus braços caírem em suas garras.
— Nada que vai salvar qualquer um de vocês.
Disse, mantendo minha voz firma.
Algo pequeno e brilhante tapou o sol acima e atrás de Wolfrum e fiquei tensa. Mana surgiu e um raio de luz negra disparou dela. Ele, sentindo a mana, fez uma careta de surpresa enquanto girava, tentando conjurar no último segundo um escudo de fogo da alma. O disparo passou logo acima dele, o atingindo na base de um chifre.
Com um estalo retumbante, o chifre quebrou, girando na areia abaixo. Ele uivou de dor enquanto arregalava os olhos de raiva.
— Reforços!
Um dos magos gritou, soltando meu braço e conjurando um feitiço.
O objeto pontiagudo nas minhas costas se afastou, deixando apenas um mago ainda me segurando. Dei uma cotovelada em seu nariz, jogando sua cabeça para trás, então me impulsionei para frente, fora de seu controle.
A minha lâmina estava no chão aos meus pés, arrancada de minhas mãos pelas algemas. Pegando-a com os dedos do pé, chutei-a para cima de modo que o cabo ficasse preso na areia com a longa lâmina escarlate apontando para cima.
Houve uma segunda explosão de mana, mas a lança de fogo da alma voou alguns metros à esquerda de Wolfrum, contornou o seu escudo e atingiu minha lâmina. O aço escarlate explodiu em preto.
Com toda a minha força sem mana, enfiei as correntes na ponta da lâmina em chamas e várias coisas aconteceram ao mesmo tempo.
Os quatro magos estavam gritando ao meu redor, divididos entre procurar os agressores em nosso entorno e me impedir de escapar. Wolfrum tinha as duas mãos levantadas, uma emanando o escudo de fogo, a outra apontada para mim girando com vento vazio.
Utilizando a reserva limitada de mana que eu já havia carregado nela, dois fragmentos de prata adicionais foram liberados da braçadeira e correram em órbita ao meu redor, disparando lanças de fogo negro. Wolfrum reagiu com a rapidez de um raio, remodelando seus feitiços e combinando-os em um vórtice de vento cinza e fogo, absorvendo a barragem de ataques.
A ponta da minha espada se alojou em um dos elos das correntes da algema. O meu pulso disparou quando o cabo da espada afundou mais na areia, amortecendo a força do meu golpe para baixo. Então ele parou, sustentado por algo sólido lá no fundo.
As chamas arranharam o aço Imbuído e as correntes se despedaçaram com uma faísca brilhante. Algo frio e afiado cortou o meu quadril, me esquivei para frente, puxando a espada escarlate da areia e cortando atrás de mim enquanto me movia.
Uma lança com cabo de aço bloqueou o meu ataque apressado. Enfim, dei uma boa olhada nos quatro magos Redwaters ao meu redor: um defensor, dois conjuradores e um atacante.
Ambos conjuradores estavam mantendo fogo em suas mãos. O atacante já estava girando a lança para partir para a ofensiva. Areia se formou em discos de metal, flutuando para defendê-los enquanto o defensor recuava para uma distância segura. Eles eram magos poderosos e conforme o meu senso de mana voltou, pude sentir o poder deles. As suas assinaturas de mana sugeriam emblemas, mas Seris encorajou as nossas forças a cobrir as suas runas, então não pude ter certeza.
O escudo de vórtice ao redor de Wolfrum explodiu para fora. Conjurando o fogo da alma ao longo da minha lâmina, apunhalei o chão e um escudo de fogo surgiu ao meu redor.
O terceiro fragmento orbital, aquele que eu havia perdido enquanto descia o penhasco, passou voando por Wolfrum para se juntar aos outros dois e eles se posicionaram do lado de fora do escudo, a mana deles ressoando uma com a outra. Cerrei os dentes enquanto lutava para manter o foco tanto no fogo da alma quanto no artefato.
Quando a onda de choque atingiu, os orbitais enviaram um pulso de mana para combatê-la. Eles seguraram por um segundo inteiro antes de serem jogados para fora de posição, atrás de mim. Me preparei para o impacto quando o escudo emanando da minha espada estremeceu, rachou e então explodiu. Entretanto, a força restante do feitiço de Wolfrum foi suficiente apenas para fazer meu cabelo ondular com a leve brisa resultante.
Os magos estavam amontoados atrás de vários discos de metal, seus escudos suavam profusamente. Ele aparentemente estava disposto a destruir os próprios homens sem pensar um segundo.
— Duvido que você seja bem-vindo em mais festas daqueles com sangue Vritra desse jeito.
Falei, me erguendo e apontando para o chifre quebrado dele com a lâmina. A braçadeira consumiu minha mana e os três orbitais voltaram para o lugar, pairando ao meu redor de modo defensivo.
Ele rosnou, tocava o toco quebrado.
— Então, não sou o único escondendo o verdadeiro poder. Deveria ter adivinhado. Você está escondendo os seus chifres também? É essa braçadeira aí no seu braço ou…
Ele se concentrou no meu pingente, que havia escorregado da minha camisa na luta.
— Essa pequena bugiganga em volta do seu pescoço? Uma ilusão? Esse seria o jeito de Seris. Vá em frente, quero ver contra quem realmente estou lutando. Me mostre, pelos velhos tempos.
— É quase uma pena que você tenha decidido ser um cãozinho de estimação dos Vritra.
Conjurei o fogo da alma ao longo da lâmina escarlate de novo, a fazendo se contorcer com chamas negras. Os outros magos estavam se segurando, esperando o comando de Wolfrum. Agora podia ver o barco à distância sendo remado rapidamente ao longo da costa.
— Se tivesse ouvido mesmo o que Seris estava tentando lhe ensinar, poderia ter se tornado muito mais.
Wolfrum conjurou fogo negro em cada uma de suas mãos enquanto ajustava sua postura.
— Acho que você descobrirá que aprendi muito mais do que você.
Para seus soldados, ele gritou:
— Tragam-na para baixo. Matem-na se for preciso.
O atacante empunhando a lança avançou. Raios de fogo gêmeos o seguiram, traçando um arco suave no ar enquanto passavam por ele de cada lado. À distância, um grande e transparente painel de mana surgiu sobre o buraco mantido no escudo de Seris, conjurado por um dos dois homens que estavam encarregados do tempus warp. O outro, um Conjurador, conjurou uma nuvem de névoa verde cáustica para manchar o ar e tornar o caminho até eles intransponível.
Duas linhas de fogo da alma encontraram os raios de chama, lançados dos orbitais. O fogo da alma dissipou os feitiços. Um terceiro raio atingiu o Atacante. Quando um dos discos de metal se posicionou para defendê-lo, o fogo da alma queimou-o, mas ele foi rápido e já havia se esquivado. Ainda assim, as chamas varreram o chão aos pés dos Conjuradores, fazendo-os pular para trás e interromper seus próximos feitiços.
Atrás de mim, Wolfrum empurrou as duas mãos para a frente, liberando uma torrente de fogo da alma empurrada por uma rajada de vento vazio.
Me lancei para encontrar o Atacante. Sua lança golpeou duas, três , quatro vezes, com a rapidez de um raio. Aparei cada golpe sem diminuir meu passo, o fogo da alma envolvendo minha arma queimando através da lança de modo que quando investiu pela quinta vez, apenas a ponta curta do aço arruinado permaneceu. Ele percebeu sua falta de defesa tarde demais e o fio da minha lâmina separou sem esforço seu uniforme blindado, mana, carne e osso.
No rastro de minha lâmina, uma crescente de fogo negro rolou em direção aos dois Conjuradores. Projéteis de chamas amarelas brilhantes dispararam de volta, voando ao meu redor, algumas queimando minha carne. Todos os discos de metal se posicionaram para bloquear o fogo da alma, mas não eram nem um pouco fortes o suficiente.
O fogo negro devorou os escudos, depois os Conjuradores atrás deles, e a saraivada de projéteis cessou. O Escudo se virou para fugir. Enquanto me concentrava em suas costas, puxei os três orbitais, como se estivesse apertando o gatilho de uma besta e três raios de chama negra o atravessaram. Seu corpo caiu em pedaços.
Canalizando mana em uma de minhas runas, conjurei vento para empurrar meus calcanhares, acelerando meu voo enquanto o fogo da alma de Wolfrum queimava minhas costas.
Não tive escolha a não ser correr direto para a nuvem ácida de mana do atributo água. Ela assobiou e estalou contra a mana que revestia meu corpo. Do outro lado do escudo, parado no topo da rocha na frente do tempus warp, o Conjurador acenou com as mãos e a nuvem se condensou em gotas viscosas de chuva, que imediatamente começaram a queimar minha proteção.
Liberando o fogo da alma envolvendo minha lâmina para que pudesse me concentrar tanto no atributo vento quanto nos orbitais, mirei nos dois magos além do escudo. Lanças gêmeas de fogo rasgaram a barreira lançada por seu escudo, abrindo um grande buraco no peito de cada mago. O orbital final disparou para trás cegamente enquanto esperava interromper a concentração de Wolfrum.
Senti seu choque de fogo da alma contra o meu quando Inferno surgiu. Arriscando um olhar para trás, vi o efeito completo de seu feitiço pela primeira vez.
Um enorme crânio esfumaçado, com a boca larga e os olhos vazios como a morte, deixando uma trilha de seis metros de puro fogo da alma, estava se aproximando de mim. Os ataques do orbital estavam desaparecendo na boca aberta do crânio, nunca alcançando Wolfrum.
Apontei para o tempus warp. Com o caminho livre, não havia razão para ficar e lutar. Não quando uma Foice estava se aproximando de mim.
Uma gota de mana negra condensou no ar acima da abertura. Linhas selvagens de vento vazio começaram a sair dela, espiralando para baixo até tocarem o solo para formar um ciclone que bloqueava o caminho.
Corri direto para ele enquanto trazia os orbitais de volta, mana de atributo de vento me empurrando para frente mais rápido a cada passo. Eles se encaixaram na braçadeira, liberei a mana e a concentração a alimentando assim que a minha lâmina queimou com o fogo da alma mais uma vez.
Cortando o ar com minha espada, senti uma emoção de insucesso quando o fogo da alma atingiu o artefato instalado para manter a barreira de Seris aberta. O metal derreteu como se fosse manteiga de woggart; o arco desabou. O escudo em torno dele flexionou, colapsando para dentro.
Na minha visão periférica, pude ver a escuridão do feitiço invasor começando a me cercar, e envolvendo com o vento, saltei, me tornando o mais aerodinâmico possível, disparando para a frente como uma flecha.
O escudo se fechou ao meu redor.
Fui logo apanhada pelo ciclone de vento vazio, que cortou a minha própria mana de vento sem esforço. Meus sentidos cambalearam por um momento enquanto girava de ponta a ponta, então o ciclone me soltou.
Recuperando o equilíbrio, girei meu corpo para pousar agachada com os dois pés, uma mão pressionando a areia para estabilidade.
A quinze metros no oceano, o tempus warp mergulhou na água. Ele havia sido levantado pelo ciclone e depois jogado fora quando o ímpeto do vento desapareceu. Meu estômago mergulhou com isso.
— Se isso faz você se sentir melhor, nós não programamos o tempus warp de qualquer maneira, senhorita Caera.
Disse Wolfrum do outro lado do escudo.
— Você nunca iria sair daqui.
Lhe poupei as palavras. Ele não era mais uma ameaça para mim. O barco que se aproximava, no entanto…
Ele estava perto o suficiente agora que eu podia sentir a monstruosa assinatura de mana emanando dele. Mesmo enquanto o observava, uma silhueta, de alguma forma ainda parecendo grande até de tal distância, flutuou do convés e se lançou em minha direção, chifres de ônix brilhando.
Me concentrando nas ondulações ainda se afastando de onde o tempus warp havia afundado na água, corri ao longo das rochas em direção a ele, guardando minha lâmina enquanto corria. Houve uma onda de mana e as rochas sob meus pés se ergueram, rolando para longe de mim como o convés de um navio. Teria mergulhado de cara na pedra irregular se não fosse pela mana do atributo vento já imbuída em meus pés.
Empurrando contra o próprio ar, saltei sobre o mar aberto, colocando meu corpo em uma posição aerodinâmica de mergulho. Ao bater na água, mergulhei fundo abaixo das ondas quebradiças. O frio congelante me atingiu, e a força da água puxou o meu cabelo e minhas roupas, ameaçando me arrastar para longe.
Vasculhei o fundo do mar em busca do tempus warp, mas ele se afastava abruptamente da praia, ficando cada vez mais escuro conforme que se aprofundava.
Fortalecendo a visão com mana, espiei através da escuridão, procurando pelo artefato em forma de bigorna. Uma nuvem de lodo obscureceu o solo, mas havia uma emanação sutil de mana dentro da nuvem. Concentrando-me nisso, avancei com mais força, nadando o mais rápido que pude, muito consciente da assinatura de mana da Foice se aproximando a cada segundo.
Usando a mana do atributo vento para causar uma corrente, empurrei o lodo flutuante para longe. O tempus warp estava saindo do solo macio, meio afundado no chão. Dezenas de arranhões estavam marcados na superfície pelo vento vazio, combinando com as dezenas de vergões por todo o meu corpo.
Por favor, funcione, pensei, a sombra da Foice se movendo na superfície da água em minha visão periférica.
Tinha certeza de que Wolfrum estava mentindo sobre não ativar o tempus warp. Se não tivesse, não teria continuado a falar. Ele estava tentando ganhar tempo para me manter lá. Eles não poderiam lançar sua armadilha até que chegasse e o escudo se abrisse e isso teria levantado suspeitas para evitar que os outros magos preparassem o artefato.
Ou assim eu esperava.
O chão ao redor do tempus warp se mexeu de repente. A mana se espalhou pelo solo e uma mão gigante feita de ferro negro se formou, com o artefato na palma da mão. Uma segunda mão socou abaixo, batendo em mim e me fazendo girar pela água escura. Bolhas estouraram de meus lábios enquanto engasgava, cada osso do meu corpo doendo com a força do golpe. Comigo cambaleando, a mão me agarrou, apertando, e mais bolhas saíram da minha boca com o ar sendo comprimido nos meus pulmões.
Ambas as mãos começaram a subir em direção à superfície, mas mal conseguia vê-las através das estrelas brilhando atrás dos meus olhos. Reunindo as últimas forças, pressionei as mãos contra o que me restringia e fechei os olhos. Procurei a confiança inata que sempre me garantiu que eu poderia fazer qualquer coisa que tentasse. O desespero a mantinha sob controle.
Em vez disso, procurei a raiva.
A minha mente ficou em branco. Exceto pela mana, o fogo da alma que queimava no meu sangue, coração e âmago. Abracei a sensação com todo o meu ser, juntei cada grama do meu poder e empurrei.
Chamas negras saíram de minhas mãos. A água começou a ferver sem controle quando foi destruída. O Fogo da alma atravessou o sangue de ferro. A mão tremeu embaixo de mim. O metal começou a se dissolver. O aperto diminuiu.
Um funil de vento chicoteou a água do oceano em um frenesi, me libertando das garras da mão gigante e me atirando direto para a outra mão, e o tempus warp seguro em sua palma. Bati contra ela, lutando para alcançar o tempus warp preso sob grossos dedos de metal.
Espinhos irromperam da superfície da mão. Senti a dor, vi os rastros vermelhos na água, mas não tive tempo de verificar a natureza dos meus ferimentos. Meus dedos desajeitados encontraram os controles.
Senti, mais do que ouvi, o respingo vindo de cima. Atraída como se pela gravidade, minha cabeça virou para que eu pudesse olhar acima de mim.
A forma grande e musculosa da Foice Dragoth Vritra desceu pela água como um projétil. Seus olhos brilhavam como rubis e havia uma crista branca saindo de seus chifres devido à sua velocidade. Uma de suas mãos estava fechada em um punho, a outra para trás como se fosse matar um mosquito. A pressão esmagadora de sua aura foi o suficiente para fazer meu coração parar, mas foi a raiva não filtrada em sua expressão que drenou todo o calor de mim.
O punho de ferro sangrento ao meu lado cerrou com mais força. Metal guinchou contra metal quando a superfície do tempus warp começou a desmoronar.
Tremendo, ativei o artefato.
O mundo foi arrancado de mim, ou eu dele. Não havia ar em meus pulmões. Meu corpo inteiro explodiu em dor. Pensei que o processo devia ter falhado. Estava demorando muito. Tudo estava escuro.
Meu corpo espirrou, molhado e pesado, contra a pedra, mas eu não tinha mais ar para ser tirado de mim. Ofegante, sofrendo e sem conseguir respirar, abri meus olhos lentamente, incerta por causa de quando os fechei. Não entendi o que estava vendo. Minhas mãos agarraram meu peito, meu corpo desesperado por oxigênio. Finalmente, uma respiração veio.
Vagamente, percebi algo sólido e afiado pressionado contra a minha bochecha. Uma lança. Sem me mover, meu olhar seguiu a linha da longa metade da lança até o homem que a segurava. Registrei cabelos loiros e olhos verdes, escuros na luz baixa.
— Mova-se, Vritra, e vou pregá-la no chão.
Disse, sua voz carregando uma ponta de trovão.
O som da sua voz, a visão dele e de seus arredores se fundiram com a dor e a fadiga em confusão. Pisquei várias vezes, o foco se movendo para meu interior. Cada respiração vinha com uma dor profunda que sugeria costelas quebradas, eu havia sido perfurada por pontas de ferro sangrento em ambas as pernas, no lado e na parte interna do braço esquerdo. Mas todas essas feridas eram superficiais e cicatrizariam com o tempo.
Eu não morreria.
Supondo, é claro, que este Dicatheano não cumprisse sua ameaça.
— Não sou sua inimiga.
Falei, mantendo minha voz lenta e firme quando olhei nos olhos do homem. Outros também se aproximaram. Anões, por sua postura atarracada, imaginei. Espero que isso signifique que eu estava no lugar certo.
— Meu nome é Caera do alto-sangue Denoir. Vim em busca de…
— Você é uma Vritra.
O homem estalou.
— Posso adivinhar muito bem por que você está aqui.
Franziu a testa, concentrando-se em minhas feridas.
— Embora não pareça estar em condições de nos atacar.
Respirei fundo, me firmando, incapaz de manter a careta em meu rosto com a dor resultante em meu peito e costelas.
— Por favor. Traga a Lança, Arthur Leywin. Ele me conhece. Te garanto que…
— Arthur não está aqui.
Disse o homem loiro. Para o meu alívio, no entanto, ele retirou a lança, a mantendo apontada para o meu núcleo, mas pelo menos não estava mais perfurando minha pele.
— O que seria um momento conveniente para um espião tentar entrar em Vildorial, em especial um que se apresentasse muito fraco e ferido para ser uma ameaça para nós.
Zombou.
— Talvez fosse um plano mais sensato enviar alguém sem chifres demoníacos brotando de seu crânio.
Confusa por um momento, tentei alcançar o pingente que normalmente ficava pendurado no meu pescoço.
Não estava mais lá.
Comecei a me sentar, mas a lança pressionou a lateral do meu pescoço. Estendi as duas mãos.
— Eu realmente não pretendo que você, ou qualquer outra pessoa aqui, se machuque. Arthur é meu amigo. Eu…
Parei a frase no meio. Quase afirmei que trabalhava com a Foice Seris, mas não tinha certeza de como essa informação seria obtida.
— Ele passou um tempo em Alacrya, você deve saber disso. Nos conhecemos, viajamos juntos. Se você…
— Como eu disse.
Ele interrompeu mais uma vez.
— Arthur não está aqui. Talvez você seja alguma amiga dele ou talvez seja um demônio mentiroso. Até termos certeza, vai esperar na masmorra.
Ele recuou e gesticulou com a lança.
Devagar, me levantei. Uma dúzia de fontes de dor floresceu quentes e brilhantes em todo meu corpo, respirei fundo entre os dentes cerrados.
— Algemas de supressão de mana!
O homem ordenou.
Quando um anão fortemente blindado apareceu com um par, quase ri da ironia. Estendi os pulsos, que já estavam amarrados com as algemas quebradas de Alacrya.
O anão os olhou com curiosidade.
— Ela… já está usando um par, general Bairon. Pelo que parece, não é de fabricação Dicatheana.
A ponta da lança chiou contra as algemas quebradas enquanto o homem loiro as inspecionava. General Bairon…
— Você é a Lança Bairon Wykes.
Disse, ele indicando que o anão deveria me algemar de qualquer maneira. Enquanto colocava o metal frio em volta dos meus pulsos, acrescentei:
— Como eu disse, sou amiga de Arthur.
— Eu também.
Respondeu, apenas redirecionando a ponta de sua lança quando o anão assentiu para confirmar que as algemas estavam firmes no lugar.
— Mas também sou um protetor de Dicathen, enquanto você compartilha a aparência dos nossos inimigos. No caso das suas palavras serem verdadeiras, apresentarei minhas desculpas. Até lá, será uma prisioneira.
A Lança Bairon segurou as algemas e inspecionou os meus ferimentos por um momento.
— Mande chamar um emissor. Ela parece prestes a sangrar até a morte se a deixarmos sem mana em uma cela.
Um dos anões fez uma saudação e saiu correndo. Seguimos na outra direção, com a Lança me guiando pelas correntes. Um mar de anões se abriu para nos permitir passar, alguns se alinhando atrás de nós, outros me observando sendo conduzida por uma estrada curva que contornava a borda de uma caverna enorme de verdade.
— Você pode enviar uma mensagem para ele?
Perguntei depois de um momento, tentando manter a calma.
— Minha razão para estar aqui é urgente, e…
Minha fala se arrastou até parar quando Bairon parou e se virou para olhar para mim.
— Me diga por que você está em Dicathen.
Eu hesitei, e suas narinas dilataram.
— Imaginei. Se você só falará com Arthur, temo que terá que esperar. Não posso enviar uma mensagem agora.
— Mas por quê?
No momento em que as palavras saíram da minha boca, soube o porquê.
— Ele está nas relictombs.
Isso fez com que as sobrancelhas da Lança se levantassem.
— Não vou confirmar nenhum detalhe. Saiba, no entanto, que você não encontrou esta cidade indefesa. Neste momento, só está viva devido à minha boa vontade. Tente qualquer tipo de traição e essa boa vontade acabará.
Pisquei. Havia algo sobre o jeito direto e agressivo daquele mago Dicatheano que parecia… revigorante.
— Anotado.
Segui a Lança pela longa estrada, observando a paisagem e as pessoas de Vildorial. Entre os anões, vi um punhado de humanos e até alguns que pensei serem elfos. Apesar de ser subterrânea, não havia nada apertado ou claustrofóbico na cidade. Na verdade, fiquei bastante surpresa com a beleza dela. A maneira como os prédios e casas foram esculpidos na lateral da caverna, como os raios de luz, gerados por grandes cristais fixados em pilares de pedra ou pendurados em longas correntes, refletiam nas paredes para brilhar feito estrelas no céu à noite, mesmo a maneira áspera e destemida que as pessoas da cidade, a maioria nem mesmo magos, olhavam para mim, os olhares atraídos pros meus chifres… Era tudo tão encantador e forte.
Achei que estávamos indo para uma espécie de fortaleza de pedra que ocupava o nível mais alto da caverna, mas, antes de chegarmos aos portões, ele me conduziu por uma porta de ferro simples, embora pesada, embutida na parede e, de repente, o lugar perdeu seu encanto.
O corredor adiante era estreito e apertado. Ele levava até de um posto de guarda, onde vários anões ficaram atentos quando passamos, em uma série de corredores sem adornos. Celas alinhadas em ambos os lados.
A Lança Bairon me conduziu pela prisão até o que parecia ser a cela mais profunda e mais distante da entrada, abriu a porta e acenou para que eu entrasse. Entrei sem reclamar. Não era o ideal, mas este seria o pior momento para criar hostilidade entre nós. Com o tempo, mesmo que Arthur não voltasse de imediato, tinha certeza de que poderia convencer essa Lança, ou talvez os senhores dos elfos ou anões, de que não pretendia fazer mal a eles.
A porta, de carvalho pesado com faixas de ferro, se fechou com um som surdo. Embora não pudesse sentir isso devido às algemas de supressão de mana, tinha certeza de que a cela estava protegida e trancada por magia.
A cela em si era simples. Tinha um colchão de palha no chão, com um único cobertor de lã dobrado sobre ele. Fiz uma careta para o balde descansando no canto oposto.
— Entendo que essas acomodações podem não atender aos padrões de um “sangue nobre”.
Disse Bairon através da janela gradeada embutida na porta.
— Mas temo que as celas mais confortáveis, em situações normais reservadas para nobres no palácio, estejam ocupadas por famílias desabrigadas pela invasão do clã Vritra.
Apertei a mandíbula, a movendo para frente e para trás em frustração. Antes de me virar para encará-lo, porém, suavizei minhas feições, apresentando uma fachada estoica.
— Exatamente isso: a invasão do clã Vritra. Meu povo sofreu sob governo deles por centenas de anos, já o seu foi por apenas um ano. Eles são tanto meus inimigos quanto seus, te prometo.
As sobrancelhas dele se enrugaram em uma carranca pensativa.
— Veremos.
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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