Três dias depois chegou uma mensagem de Nishida, avisando que ele tentaria pescar a divindade local. Umas trinta pessoas estariam presentes para assistir, pois ele convidara todos os seus amigos pescadores.
— Mas que coisa… O que eu faço, Asuna…?
— Hmmm…
Sinceramente, não estávamos muito contentes com toda aquela situação. Nós tínhamos escolhido aquele lugar para nos escondermos dos boatos e dos fãs de Asuna, então estávamos um pouco apreensivos sobre aparecer na frente de tanta gente.
— Que tal isso?
Asuna prendeu seu cabelo castanho num rabo-de-cavalo, então amarrou um lenço grosso bem baixo na testa, cobrindo os olhos e, assim, escondendo o rosto. Ela ainda abriu uma janela e vestiu um sobretudo bem simples e largo por cima da roupa.
— Oh, ooh. Muito bom, tá parecendo a esposa de um fazendeiro que cansou da vida.
— …Isso é um elogio?
— E claro. No meu caso, não vão me reconhecer desde que eu não vista minha roupa de batalha.
Antes do meio-dia, saí de casa com Asuna, que carregava uma cesta que continha nosso almoço. Eu disse que seria mais prático materializá-la quando chegássemos lá, mas ela insistiu em dizer que era parte do disfarce.
Estava quente, considerando a estação em que estávamos. Depois de andar por um tempo pela floresta de pinheiros gigantes, finalmente conseguimos ver as águas cintilantes do lago por entre os troncos. Eu podia ver que já havia uma multidão reunida na beira da água. Enquanto meu nervosismo aumentava a cada passo, uma figura familiar robusta acenou para nós e nos recebeu com sua risada familiar.
— Ah, há, há, há! Ainda bem que hoje o tempo está bom!
— Bom dia, Nishida.
Asuna e eu fizemos uma reverência com a cabeça. Ele nos contou que as pessoas de várias idades reunidas ali faziam parte de uma guilda de pesca da qual ele era o líder. Nós cumprimentamos todo mundo, um pouco apreensivos, mas parecia que ninguém havia reconhecido Asuna.
Mudando de assunto, ele era um tiozinho bem mais ativo do que eu havia imaginado. Ele provavelmente era um ótimo líder dentro da empresa dele. Parecia que estavam fazendo uma competição de pesca antes de chegarmos, então a atmosfera já estava bem animada.
— Eh… Bem, então vamos dar início ao evento principal do dia!
Nishida tinha anunciado em voz alta quando veio em nossa direção com uma longa vara de pescar em uma das mãos, e os espectadores deram vivas de alegria. Eu percorri o comprimento da vara com o olhar, sem prestar muita atenção ao objeto, até que o item pendurado na ponta dela me causou surpresa.
Era um lagarto. Muito maior do que o normal. Era mais ou menos do tamanho do antebraço de um adulto. Sua pele vermelha e preta de aparência venenosa brilhava como que para provar seu frescor.
— Iirc…
Asuna se deu conta de sua presença depois de mim, e seu rosto se enrijeceu instantaneamente enquanto ela dava alguns passos para trás. Se aquela era a isca, afinal, o que estávamos querendo pegar?
Mas antes que eu pudesse perguntar, Nishida ergueu a vara e voltou-se para o lago. Com um grito, ele a brandiu de uma forma espetacular e o lagarto gigante traçou um arco no ar antes de atingir a água, fazendo um barulho alto.
Pescaria em SAO quase não exigia tempo de espera. Uma vez que a isca fosse jogada na água, era uma questão de algumas dezenas de segundos até que um peixe fisgasse o anzol ou a isca fosse levada embora. Nós inconscientemente engolimos a seco enquanto assistíamos a linha afundar.
Como era de se esperar, alguns momentos depois, a ponta da vara tremeu algumas vezes, mas Nishida não se moveu nem um milímetro sequer.
— É-é ele, Nishida!
— Ainda é muito cedo!
Por trás das lentes dos óculos, os olhos de Nishida, que normalmente eram gentis como os de um velhinho bondoso, brilhavam com ardor, e ele observava atentamente a ponta trêmula da vara.
Então, ela deu uma puxada mais abrupta.
— Agora!
Nishida inclinou seu pequeno corpo inteiro para trás, puxando a vara consigo. Só de olhar dava para concluir que a linha estava completamente esticada, criando um efeito sonoro vibratório.
— Ele mordeu a isca! Deixo o resto com você!
Eu puxei com cuidado a vara que Nishida entregou para mim, mas ela não se moveu. Parecia que o anzol estava enroscado em algo preso no chão. Fiquei em dúvida se a presa tinha mesmo mordido a isca e, no momento em que olhei de soslaio para Nishida…
Com uma explosão de força repentina, a linha começou a ser puxada para dentro da água.
— Aah!
Rapidamente finquei os pés no chão e puxei de volta. O indicador de força utilizada mostrava que eu tinha passado do uso normal.
— P-Posso usar toda a minha força pra puxar isto aqui? — perguntei para Nishida, preocupado com a durabilidade da vara.
— Ela é da melhor qualidade! Pode puxar à vontade!
Ele assentiu, com seu rosto já vermelho de antecipação. Corrigi a minha pegada e então puxei com toda a força. Ela se entortou no meio e virou um “U” gigante.
Toda vez que um jogador sobe de nível, ele pode escolher aumentar sua força ou sua destreza. Usuários de machado como Agil optavam por aumentar a força, enquanto usuários de rapieira como Asuna focavam na destreza. Embora eu fosse um espadachim comum e aumentasse ambos atributos, tinha como preferência pessoal priorizar a destreza em vez da força.
Mas parecia que eu estava vencendo aquela disputa de cabo de guerra, provavelmente porque o meu nível em si era bastante alto. Lentamente comecei a dar passos para trás, forçando aquela coisa enorme a sair da água.
— Ah! Tô vendo!
Asuna se inclinou em direção ao lago e apontou o dedo em sua direção. Eu estava inclinado para trás, então não tinha como ter certeza. Os espectadores fizeram barulho e se apressaram para observar a água, que se tornava abruptamente profunda a partir da margem. Não consegui conter a minha curiosidade e foquei toda a minha força em puxar a vara.
De repente, algo assustou os presentes que estavam amontoados perto da água e cada um deles deu alguns passos para trás.
— O que foi…?
Antes que eu pudesse terminar de falar, todo mundo se virou e começou a fugir. Até mesmo Asuna e Nishida passaram correndo por mim com os rostos brancos. Eu estava prestes a olhar em direção a eles quando… O peso em minhas mãos desapareceu e eu caí para trás.
“Droga, a linha se partiu?”, pensei, enquanto jogava a vara de lado e corria para o lago. Naquele instante, a superfície cintilante do lago explodiu.
— Quê?!
Fiquei paralisado, de olhos arregalados e boquiaberto, enquanto a voz distante de Asuna soava em meus ouvidos.
— Kirito, é perigoso!!!
Quando olhei para trás, Asuna, Nishida e todo o resto haviam subido a ribanceira que se erguia da superfície do lago, que era relativamente longe de onde me encontrava. Conseguia ouvir o barulho de água sendo espirrada atrás de mim enquanto por fim entendia o que estava acontecendo. Com um forte pressentimento ruim, olhei para trás.
O peixe estava de pé.
Para ser mais exato, ele era um celacanto, uma espécie de cruzamento entre peixe e réptil, só que aquele era mais puxado para o lado réptil. Ele ficou parado na grama, com suas seis poderosas pernas, olhando de cima para mim, a água escorrendo de seu corpo como uma cachoeira.
Usei a expressão “olhando de cima” porque a criatura tinha pelo menos uns dois metros de altura. Sua boca, que deveria ser grande o suficiente para engolir uma vaca inteira, estava logo acima da minha cabeça, com uma perna de lagarto bem familiar pendurada.
Dos dois lados da sua gigantesca cabeça de peixe pré-histórico, seus olhos do tamanho de bolas de basquete fizeram contato direto com os meus. Um cursor amarelo apareceu automaticamente, indicando que era um monstro.
Nishida nos havia contado que a divindade do lago era um monstro em um sentido diferente do que costumava aparecer nos campos.
Diferente como? Aquela coisa era um monstro em todos os sentidos da palavra.
Forcei um sorriso no rosto e dei alguns passos para trás. Então me virei e saí correndo. Dando um urro estrondoso, o peixe gigante veio atrás de mim, com passos que faziam o chão tremer.
Eu corri, forçando meu atributo de destreza até o limite, praticamente levantando voo. Alcancei Asuna em alguns segundos e reclamei em voz alta:
— N-n-n-n-n-não é justo você sair correndo sozinha!
— Isto não é hora de falar essas coisas, Kirito!
Eu me virei e vi o peixe correndo em nossa direção em alta velocidade, apesar de seu tamanho.
— Ah, ele tá correndo… Será que é um dipnóico1Uma classe de peixes ósseos que podem ser pulmonados facultativos ou obrigatórios (respiram por brânquias na água e por pulmões fora da água).…?
— Kirito, não é hora de falar besteira! Precisamos fugir imediatamente!
Daquela vez fora Nishida quem gritara de medo. As dezenas de espectadores estavam em estado de choque com toda a situação e alguns deles estavam sentados no chão, estupefatos.
— Kirito, você trouxe suas armas?
Asuna sussurrou em meu ouvido. Era verdade, seria bem difícil organizar um grupo grande daqueles para que todos pudessem fugir…
— Desculpe, não trouxe…
— Aí, então não tenho escolha.
Asuna balançou a cabeça enquanto se virava para encarar o monstro que estava cada vez mais próximo de nós. Ela rapidamente mexeu no menu com movimentos determinados.
Enquanto Nishida e o resto assistiam à cena admirados, ela tirou o sobretudo e o lenço com as costas viradas para nós. Seu cabelo castanho balançou elegantemente ao vento, refletindo a luz do sol.
Por baixo do sobretudo, ela vestia apenas uma longa saia cor de grama e uma simples camisa de linho, mas, do lado esquerdo de seu quadril, a bainha prateada de sua rapieira brilhava como um espelho. Ela sacou a espada, fazendo-a ressoar em alto e bom som, enquanto esperava calmamente pela chegada do peixe.
Nishida, que estava ao meu lado, finalmente voltou a si e chacoalhou meu braço enquanto gritava:
— Kirito! Sua esposa está em perigo!
— Não, pode confiar nela.
— O que está falando?! S-Se é assim, então eu…
Ele tomou a vara de pescar de um de seus companheiros que estava ali perto e se preparou para correr até Asuna com uma expressão patética no rosto. Tive que rapidamente impedir o velho pescador.
O peixe gigante não diminuiu a velocidade. Ele abriu a enorme boca, que continha fileiras e fileiras de dentes afiados, e se jogou na direção de Asuna, como se quisesse engoli-la inteira. Ela afastou o lado esquerdo do corpo de perto do monstro enquanto atacou usando o braço direito e deixando um rastro de luz branca para trás.
Um brilho alvo ofuscante saiu da boca do peixe com um efeito sonoro explosivo. Ele foi arremessado para o ar, e Asuna não havia movido os pés do lugar.
Apesar do tamanho do monstro inspirar medo, eu chutei que seu nível não deveria ser muito alto. Não tinha como um monstro de um andar tão baixo, ainda mais um relacionado a um evento de pescaria, ser tão forte assim. Afinal de contas, SAO ainda era um jogo que mantinha todos os padrões de jogos online normais.
O peixe caiu no chão com um estrondo, sua barra de HP praticamente tinha desaparecido por causa do ataque de Asuna. Ela então lançou uma série de ataques impiedosos que provaram que ela merecia o título de “Relâmpago”.
Nishida e o resto assistiram a tudo calados enquanto ela ativava uma skill atrás da outra, movendo-se como se estivesse executando passos de dança. Era a sua beleza ou seu poder que os hipnotizava? Provavelmente ambos.
Asuna, que brandia sua espada com uma presença tão poderosa que sobrepujava tudo à sua volta, viu que o HP do seu oponente tinha ficado vermelho e deu um salto para trás, para abrir distância entre eles. Assim que pousou, partiu novamente para o ataque. Ela disparou em direção ao monstro, deixando um traço de luz igual ao de um cometa. Era uma das skills de mais alto nível para rapieiras: “Flashing Penetrator”.
Acompanhado de um efeito sonoro parecido com um estrondo sônico, o cometa penetrou o peixe pela boca e o atravessou até sair pela cauda. Asuna derrapou por uma certa distância até conseguir parar, enquanto que, às suas costas, a criatura se desfazia em inúmeros fragmentos de luz. Houve um grande barulho que criou uma ondulação na superfície do lago.
Asuna embainhou a espada com um tinido e caminhou de volta até nós com ar de indiferença. Nishida e os demais pescadores ainda estavam imóveis e boquiabertos.
— Ei, bom trabalho.
— Não é justo me fazer lutar sozinha. Me deve um almoço.
— Nosso dinheiro é todo compartilhado agora.
— Ah, é verdade…
Enquanto Asuna e eu continuávamos com nossa conversa banal, Nishida finalmente conseguiu piscar algumas vezes e começar a falar:
— …Mas que surpresa… Madame, a senhora é muito forte. Perdoe-me a deselegância, mas poderia me dizer o seu nível..?
Asuna e eu trocamos olhares. Seria perigoso para nós continuar naquele assunto.
— M-Mais importante, olha, o peixe deixou um item.
Asuna passou por alguns itens na janela do menu e uma vara de pescar prateada apareceu em suas mãos. Como era um item deixado por um monstro de evento, provavelmente era um raro, que não poderia ser vendido.
— Oh, ooh, isto aqui?!
Nishida recebeu o item com brilho nos olhos. Todos os espectadores também voltaram seu interesse para ele. Logo quando eu achara que havíamos conseguido evitar uma crise…
— Vo… Você é a Asuna da Knights of the Blood…?
Um jogador mais novo deu alguns passos à frente e se aproximou de Asuna, olhando-a intensamente. Então seu rosto se iluminou.
— É! É você, sim! Eu tenho até uma foto!
— Ah…
Asuna deu um sorriso forçado e deu alguns passos para trás. O público ficou ainda mais animado.
— Mas que honra! Poder ver a Asuna lutar assim de perto… Ah, é, p-pode me dar um autó…
O jovem parou de falar de repente e ficou alternando o olhar de mim para Asuna algumas vezes. Então ele finalmente balbuciou, surpreso:
— Vo… Vocês são… casados…?
Agora era minha vez de dar um sorriso forçado. Enquanto ficávamos os dois, um do lado com outro com sorrisos artificiais na cara, gritos de lamento começavam a soar à nossa volta. Só Nishida continuou piscando os olhos sem a mínima ideia do que estava acontecendo.
Nossa lua de mel secreta acabara assim, depois de apenas duas semanas, mas talvez deveríamos nos considerar sortudos por poder participar de um evento divertido como aquele no fim das contas.
Naquela noite, recebemos uma mensagem de Heathcliff pedindo para que participássemos da luta contra o chefe do 75° andar.
Na manhã seguinte…
Enquanto eu estava sentado na beirada da cama e olhava para o chão, Asuna, que havia terminado de se aprontar, aproximou-se de mim com o solado de metal de suas botas tinindo contra o assoalho.
— Ei, não pode ficar assim para sempre.
— Mas só se passaram duas semanas — respondi igual a uma criança e levantei a cabeça. Eu não podia negar o fato de que ver Asuna em seu uniforme branco e vermelho pela primeira vez depois de uma quinzena era bem atraente.
Considerando que havíamos deixado a guilda temporariamente, não poderíamos recusar aquele pedido. Mas a última parte da mensagem, que dizia que “pessoas já haviam morrido”, pesava em nossas mentes.
— Vamos pelo menos ouvir o que têm a dizer. Vem, já está na hora!
Finalmente me pus de pé, ainda relutante, quando ela deu um tapinha nas minhas costas e abri a tela de equipamentos. Já que não éramos parte da guilda no momento, vesti meu casaco de couro preto de sempre e a armadura minimalista, então pendurei minhas duas espadas nas costas, com as bainhas se cruzando. O peso extra soava como se elas estivessem reclamando por terem sido deixadas no inventário. Com um movimento rápido, eu as saquei brevemente e as embainhei de volta, deixando que um clangor metálico ecoasse pelo quarto.
— É, esse realmente é o visual que mais combina com você, Kirito.
Asuna sorriu e se pendurou no meu braço direito. Eu olhei para trás, para me despedir da nossa nova casa, que deixaríamos de lado por um tempo.
— …Vamos acabar logo com isso e voltar pra cá.
— Sim!
Olhamos um para o outro e assentimos. Em seguida, abrimos a porta e demos um passo para dentro do ar frio do inverno.
Na praça do portal do 22º andar, encontramos Nishida esperando por nós com uma vara de pesca em mãos. Ele tinha sido o único para quem contamos a hora em que partiríamos.
Ele pediu para ter uma palavrinha conosco. Aceitei o pedido e nós três nos sentamos lado a lado em um dos bancos da praça. Nishida lentamente começou a falar enquanto olhava em direção aos andares superiores.
— …Para ser sincero, sempre pensei nos jogadores que lutavam nos andares de cima para completar o jogo como histórias vindas de outro mundo… Talvez eu já tivesse desistido de sair deste lugar.
Asuna e eu ouvíamos calados ao que ele tinha a dizer.
— Vocês já devem saber disso, mas a indústria de TI faz avanços quase que diariamente. Eu comecei a minha carreira quando era jovem, então naquela época, conseguia acompanhar as mudanças. Mas agora que fiquei afastado por dois anos, acho que será impossível me atualizar no trabalho. Eu não sei se poderei retornar ao trabalho ou não e, se conseguir, serei tratado como um estorvo e simplesmente deixado de lado, então pensei que seria melhor continuar aqui com a minha pesca…
Ele parou de falar e então mostrou um sorriso em seu rosto velho e enrugado. Eu não sabia o que dizer. Acho que não conseguia nem imaginar o que aquele homem perdera quando fora aprisionado em SAO.
— Eu também… — Asuna disse de repente. — Até seis meses atrás, eu também pensava nessas coisas e costumava chorar sozinha toda noite. A cada dia que passava neste mundo, pensava mais na minha família, nos meus amigos, na minha escola, sentia que a minha realidade estava se desfazendo e isso me deixava descontrolada. Eu sempre sonhava com o outro mundo quando dormia… Achava que não havia outro jeito senão ficar mais forte, mesmo que fosse só um pouco, então me foquei apenas em melhorar as minhas skills.
Olhei surpreso para Asuna. Mesmo que nunca tivesse prestado muita atenção nos outros antes… Eu nunca tinha sentido nada do tipo vindo dela durante as nossas interações. Bom, aquela não seria a primeira vez que eu não prestava atenção nos outros…
Asuna olhou para mim, sorriu e continuou:
— Mas um dia, há seis meses, quando fui transferida para a linha de frente e finalmente estava indo para um dos labirintos, vi alguém tirando um cochilo no gramado da praça. Ele parecia estar em um nível relativamente alto, então fiquei brava e disse: “Se tem tempo para desperdiçar aqui, tente ajudar um pouco no labirinto…!”.
Então ela cobriu a boca com a mão e riu.
— Então ele respondeu: “Hoje é o dia com o melhor clima da melhor estação possível em Aincrad. Desperdício seria entrar no labirinto num dia como este”. Então ele apontou para o espaço vazio ao seu lado e disse: “Dorme um pouco também”. Ele era tão folgado!
Asuna parou de sorrir. Seu olhar se tornou distante antes de continuar:
— O que ele disse me surpreendeu. Eu percebi que ele estava vivendo propriamente neste mundo. Ele não se importava de estar perdendo um dia no mundo real e, em vez disso, estava focado em aproveitar a experiência aqui. Eu finalmente percebi que existia gente assim neste mundo… Então mandei os outros membros da guilda embora e experimentei deitar ao seu lado. O vento estava tão gostoso… Na temperatura ideal, então acabei dormindo. Não tive nenhum pesadelo daquela vez. Deve ter sido a primeira vez que dormi tão bem desde que cheguei aqui. Na hora que acordei, já era final da tarde e ele olhava para mim impacientemente. Essa pessoa era ele…
Quando terminou de falar, Asuna pegou minha mão e a apertou. Eu me senti extremamente envergonhado. Eu meio que me lembrava de algo parecido, mas…
— Desculpe, Asuna.. Não tinha nenhum significado profundo por trás daquilo. Acho que eu só queria tirar um cochilo…
— Eu já sabia. Não precisava explicar!
Asuna apertou os lábios, então se virou novamente para Nishida com um sorriso no rosto e continuou:
— Desse dia em diante… Eu ia dormir pensando nele e, por causa disso, os pesadelos acabaram. Descobri onde ele morava e de vez em quando eu arranjava tempo para visitá-lo… Comecei a ansiar pela chegada de um novo dia… Quando me dei conta, estava apaixonada. Fiquei tão feliz que jurei valorizar esse sentimento. Essa foi a primeira vez em que achei que foi bom ter vindo parar neste mundo…
Ela abaixou a cabeça, esfregando os olhos com as mãos enluvadas, e então respirou fundo.
— O Kirito, para mim, é o significado por trás desses dois anos que passei aqui. Ele também é a prova de que estou viva e o motivo pelo qual espero por um amanhã. Eu tive que colocar uma Nerve Gear e vir para este mundo para poder conhecê-lo. Nishida… Pode ser impertinência da minha parte dizer uma coisa dessas, mas tenho certeza que o senhor conquistou muito dentro deste jogo. Não há dúvidas de que estamos num mundo virtual em que tudo o que vemos ou tocamos é uma imitação criada a partir de dados. Mas nós, nossos corações, eles são verdadeiros. Portanto, tudo o que vivemos e conquistamos aqui também é verdadeiro.
Nishida piscou os olhos e balançou a cabeça várias vezes. Por trás das lentes dos seus óculos, seus olhos estavam úmidos. Eu também estava fazendo força para não chorar.
“Fui eu”, pensei. Fui eu quem foi salvo quando não conseguia mais encontrar uma razão para continuar vivo, seja no mundo real ou depois que vim para cá.
— …É mesmo, tem razão…
Nishida olhou para o céu mais uma vez e continuou falando:
— O que acabei de ouvir de você, Asuna é uma experiência valiosa. Ter pescado um peixe gigante de cinco metros também… Minha vida não foi em vão. Não foi nem um pouco em vão.
Ele balançou a cabeça uma vez e se levantou.
— Acabei tomando tempo demais de vocês. Eu acredito que, enquanto pessoas como vocês estiverem lutando lá em cima, logo voltaremos ao mundo real… Apesar de não poder ajudar em nada… Torço para que deem o melhor de si.
Ele pegou nossas mãos e deu um aperto.
– Nós vamos voltar. Vamos combinar de fazer algo quando isso acontecer — eu disse, mexendo o dedo indicador, e Nishida concordou veementemente, com o rosto contorcido em uma expressão.
Trocamos apertos de mãos firmes, então Asuna e eu nos viramos em direção ao portão. Quando entramos no espaço que tremeluzia como uma miragem, olhamos um para o outro e dissemos em uníssono:
— Teleporte! Granzam!
A luz azulada que tomava conta de nosso campo de visão foi apagando aos poucos a imagem de Nishida, que continuava a acenar para nós.
Tradução: Axios
Revisão: Alice
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