ALÉM DO REINO DA PERCEPÇÃO
— Cavalheiros, temo que a situação seja grave.
Este era o reino divino e em um canto deste reino, os deuses estavam genuinamente perturbados. A angústia deles era sincera, até mesmo benevolente.
— Como já sabem, o número de humanos devotos está diminuindo muito rápido.
— É bem difícil equilibrar a religião com o avanço da civilização.
Alguns guiavam os homens a planos superiores de existência. Outros optavam por intervir o mínimo possível. Independentemente de qual método adotassem, um número crescente de limitações ameaçava a continuação do sistema cíclico de vida e morte.
Em particular, quanto mais avanços as pessoas faziam, mais felizes ficavam e mais sua fé desmoronava. Para o sistema, não poderia haver pesadelo pior.
— Como foi?
— Nada bom. Levaram como um fenômeno sobrenatural, mas além disso…
Um arcanjo radical e alguns outros haviam defendido a geração de fenômenos sobrenaturais para restaurar a fé nos corações das pessoas. Acreditando que deveriam seguir o exemplo que fizeram com Moisés, estavam fazendo experimentos, mas os resultados foram horríveis. Provavelmente a ciência seria capaz de explicar essas coisas algum dia.
Os fenômenos excederam a compreensão das pessoas naquela época. Era inexplicável e, portanto, nada mais do que um assunto para investigação e pesquisa.
— Estava sentindo que não daria certo.
— Qual será o problema? Não consigo pensar em nada. No passado, tudo o que precisávamos fazer era conversar com eles e com isso entenderiam que éramos deuses.
— Até nos chamavam, às vezes.
Sim. Deveriam ter falado com o povo quando eram religiosos. Com isso, poderiam comunicar sua vontade divina de um jeito melhor. Não só isso, algumas pessoas chamariam os deuses por conta própria. Agora não há nenhuma. Quase não havia vozes realmente buscando a salvação.
Como chegou a isso? Quando uma resposta se mostrava evasiva, mesmo após uma consideração prolongada, era importante voltar e reexaminar os bons resultados. Por si só, essa afirmação era extremamente lógica, assim, seus ideais nobres e senso de dever os levaram a agir, e com isso, investigaram tudo, desde a era do mito até os tempos modernos. Para eles, a era do mito era apenas mais uma lembrança do passado. Naturalmente, poderiam recordar cada um dos casos para examinar, se assim o desejassem..
— Não foi a graça divina que fez funcionar?
A conclusão foi muito pragmática, de certa forma.
— O que quer dizer?
— No passado, quando a civilização humana era subdesenvolvida, intervimos para protegê-los de catástrofes que teriam sido impossíveis de evitar por conta própria.
No mundo contemporâneo, as tempestades não representavam mais uma ameaça tão grande para os países desenvolvidos. Nem mesmo um furacão poderia quebrar seus alicerces, muito menos destruí-los. Na realidade, para a maioria das nações, ventos e chuvas fortes só conseguiam paralisar as cidades por um certo tempo.
Era um ambiente completamente diferente da época em que uma única tempestade podia devastar fazendas, levar pessoas e deixar famílias inteiras desamparadas. Assim, os deuses tomaram o cuidado de não intervir mais do que os humanos queriam e, por conta disso, começaram a ser esquecidos.
Era essencial encorajar a autoconfiança da humanidade para que ela pudesse desenvolver uma ordem maior de cognição. No entanto, por muito tempo, ninguém previu que isso levaria à falta de fé.
Nos tempos antigos, o povo louvava o progresso como um favor divino. O Império Romano existia ao lado dos deuses. Após a queda de Roma, a Igreja governou a Idade Média em nome de Deus, mas, os defensores do direito divino dos reis alegaram que a soberania era legada por Deus. Isso fez com que a Igreja mudasse gradualmente sua doutrina. Então, por fé religiosa, os cientistas começaram a buscar a verdade do mundo criado por Deus. Antes que alguém percebesse, a humanidade havia perdido completamente sua crença, embora essa não fosse a intenção de ninguém.
— Sim, ultimamente as civilizações no reino mortal têm progredido bem, então decidimos que a intervenção poderia prejudicar seu desenvolvimento e deixá-los com sua independência.
— Não é exatamente isso que faz com que fique difícil reconhecerem nossa existência?
Eles não pretendiam impedir o desenvolvimento da humanidade. Realmente, olhando para seu plano original, queriam que progredisse.
Devemos buscar a ordem criada por Deus. As ciências naturais surgiram desse objetivo, então os deuses a apoiaram. A humanidade evoluiria da adoração irracional para a devoção reverente com maior compreensão. Essa lógica lhes permitiria alcançar uma inteligência de ordem superior. Os deuses até consideravam um primeiro passo digno de comemoração.
No entanto, se estivesse tendo o efeito oposto, poderia causar problemas extremamente sérios e inevitáveis. Muitos mundos cultivaram apenas as ciências naturais.
— Hrm, isso tornaria as coisas difíceis.
O grupo ficou pensativo. Se não conseguissem resolver o problema com pequenas correções, temiam que ficasse muito trabalhoso. Estavam em uma posição complicada. Então previram que pioraria quanto mais tempo fossem negligentes quanto a isso.
— Alguém se importa em propor uma saída?
Os querubins nunca decepcionavam e um deles explicou o plano que havia quebrado a cabeça para chegar. Afirmou que, na maior parte, sua política básica era boa. Em essência, se tivessem um sistema que pudesse compensar a fé religiosa perdida, não teriam nenhum problema.
— Realmente devemos refinar um ponto e reavivar sua fé, então.
A proposta foi aceita quase por unanimidade. No entanto, considerando suas políticas anteriores, parecia que haviam ficado sem ideias.
— Esse plano faz muito sentido, mas o que exatamente devemos fazer?
— Não tenho certeza, mas talvez devêssemos dar ao mundo uma nova relíquia sagrada1Objetos que criaram milagres e por aí vai. Esse é um assunto sensível, então vou me controlar nas piadas.?
— O que quer dizer?
Eles já haviam fornecido tantas ao reino mortal quanto havia estrelas no céu. A quantidade pode ser diferente entre uma nação ou região, mas já haviam investido mais do que suficiente. Em termos de promoção da fé, não foi um método que deu muito certo. Na melhor das hipóteses, as relíquias eram valorizadas como curiosidades históricas.
— As relíquias atuais são tratadas como tesouros e mantidas trancadas a sete chaves. Incapazes de cumprir seu papel de tornar a graça divina conhecida por todos.
Os deuses não sabiam disso. Afinal, suas vidas são longas. Eles ainda se lembravam de dar as relíquias sagradas às pessoas, mas não era como se mantivessem o controle sobre os artefatos depois de dá-las. Ao analisar o estado atual, finalmente descobriram que as relíquias viraram enfeites de decoração.
— Entendo. Não é à toa que tenham esquecido a religião e a oração. De certa forma, é bem irônico…
Os deuses estavam se tornando dispensáveis. Isso era tudo. Ainda assim, não podiam deixar de sentir uma enxurrada de emoções confusas. Não tinham intenção de forçar a religião nas pessoas, mas se não pudessem aumentar a fé, o sistema passaria por tempos difíceis. Então, a fim de ajudar as pessoas a entenderem por conta própria que a fé era necessária, não deveriam distribuir relíquias sagradas de vez em quando onde precisava?
Os deuses concordaram que valia a pena tentar.
— Nesse caso, vamos conceder ao mundo a relíquia sagrada de que precisam e vamos ensiná-los a orar.
— Excelente. Vamos fazer isso agora mesmo.
— Tenho exatamente o que precisamos.
A decisão foi tomada muito rápido. Mesmo que os deuses fossem pacientes e calmos por natureza, a situação necessitava seriedade. Por causa disso, todos se dedicaram ao trabalho, sem empurrar o trabalho com a barriga ou ficarem entediados, como vários deuses ficavam.
— O que seria?
— Há um humano no reino mortal pesquisando um item que está a um passo do reino divino. Em uns mil anos, pode dar certo.
— Ah, uma singularidade. Você conseguiu entrar em contato com esse humano?
Era extremamente raro, mas no passado, em todos os mundos também, apareceram humanos que se aproximavam do reino divino com pesquisas das ciências naturais. O fenômeno incomum era notável nos tempos atuais, mas não sem precedentes. E este humano parecia ser o espécime mais apropriado para este teste.
— Deve ter percebido que tem um longo caminho a percorrer. Quando estendi a mão e expliquei as obras de Deus, ele ficou muito impressionado.
— Então está sugerindo que enviemos uma relíquia sagrada para lá?
— Não, em vez disso faremos um milagre, que tal?
— Um milagre?
Pelo o que parece, existe uma coisa chamada notícia que é boa e ruim ao mesmo tempo. Este é o sentimento da Segundo-Tenente Feiticeira Tanya Degurechaff ao receber uma notificação.
Mesmo sendo apenas uma notificação não oficial, os superiores estão indicando que não vão fornecer financiamento adicional. A sugestão implícita é provavelmente que pretendem parar o desenvolvimento do Modelo 95. E ao mesmo tempo, a Divisão de Pessoal está compartilhando suas intenções, dizendo-me para me concentrar em minhas próximas funções na unidade de instrução. Isso é exatamente o que eu quero.
Deveria estar feliz com o término do desenvolvimento deste orbe defeituoso e meu retorno à unidade de instrução. O único problema é que esta é apenas uma notificação não oficial, não uma decisão oficial. No entanto, provavelmente já está decidido. Já que não terei mais que arriscar minha vida, as notícias não poderiam ser melhores.
A má notícia é que, uma vez que a pesquisa não pode continuar, o cientista louco se rebelou e decidiu que seu departamento deveria realizar experimentos que antes eram suspensos por serem muito perigosos. Se ao menos tivesse ficado deprimido ou desanimado e ficasse mais de boa sem fazer merda! Mas essas esperanças se mostraram sem sentido e o louco parecia estar equipado com a capacidade de sintonizar ondas de rádio de algum lugar.
Do nada, ele começou a bradar, falando que recebeu inspiração divina dos céus e por fim gritou: — Agora consigo! — Em seu estado de espírito habitual, no entanto, até mesmo o cientista louco considerou esse experimento muito arriscado. Se em seu estado agitado ele insiste em continuar com isso, duvido que dê certo.
Não ajuda que os outros engenheiros tenham ficado abalados pelo fim iminente do desenvolvimento. Que engenheiro não ficaria ansioso para ver os frutos de seu projeto? Cheios desses sentimentos, seus protestos foram indiferentes. Deixando o cientista louco fazer o que quer.
Consegui sobreviver até agora, mas sou incapaz de impedi-los de me forçar a realizar um experimento que qualquer cientista sensato classificaria como suicida. Vamos testar a condensação do fenômeno com materialização da mana em coordenadas espaciais através da interferência de superposição de composto. “Condensação de mana” para abreviar. É o produto da imaginação louca de uma alma.
Aparentemente, o objetivo final no desenvolvimento do Modelo 95 era originalmente conduzir esse experimento com sucesso, mas foi considerado tão improvável que ninguém o levou a sério. É difícil imaginar que isso termine bem. A teoria em si é bem conhecida por ser plausível. Não é como se Tanya nunca tivesse ouvido falar antes.
A delicada estrutura interna do Modelo 95 o deixava inerentemente frágil e com uma taxa de missão bem sucedida abaixo do ideal, além de ser complicada a manutenção. A fim de superar essas deficiências, precisaria usar mana fazer um fenômeno neste mundo ser reconhecido, então garantir e manter o poder através da alocação.
Teoricamente, o sistema de sincronização de quatro núcleos do Modelo 95 significa que as bases tecnológicas para viabilizar já foram estabelecidas. A tentativa de Tanya de alcançar o objetivo tecnológico final do Modelo 95 ainda será de grande ajuda para expor suas falhas.
Quando os engenheiros me disseram isso, pensei que parecia uma explicação burocrática das disposições orçamentais. Geralmente soam muito inteligentes, mas agora não tenho dúvidas de que só estavam fazendo esse experimento porque o cientista louco ficou curioso. Mesmo que eu formule um argumento para apontar os óbvios obstáculos envolvidos, seria inútil, o lunático não tem intenção de cancelar o teste. Ele está desesperado para que tudo corra bem, e tem que seguir em frente com base em um julgamento maluco que depende inteiramente da sorte.
— Tenente, está pronta?
Esse cara entende o nível de perigo que estamos, obviamente. Então, como pode conseguir abrir um sorriso tão alegre? De repente, questiono a sanidade de Schugel. Sinto uma súbita vontade de dizê-lo para dar uma boa olhada ao redor.
Estamos em um canto de uma vasta área de exercícios de tiro real com absolutamente nada feito pelo homem nas proximidades, tanto quanto os olhos podem ver. Se eu sair para procurar evidências de atividade humana, tudo o que chama minha atenção é o aparelho de gravação e o doutor. O resto da equipe parece ter avaliado com precisão o grau de periculosidade e estão atualmente em uma estação de observação consideravelmente longe do local de testes, monitorando a situação apenas através do dispositivo de visualização no local. Ninguém está disposto a passar pelas verificações de sinalização padrão. Em outras palavras, a equipe toda se abrigou acreditando que o Modelo 95 explodiria.
Por isso a miséria aparente de Tanya enquanto continuava a sugerir o cancelamento do experimento.
— Doutor, podemos, por favor, parar com isso? De acordo com os cálculos, o pior cenário é tudo aqui em voltar ir pelos ares.
Schugel é o único com fé inabalável que Tanya vai realizar a tarefa quase impossível de alcançar o controle perfeito. A equipe de desenvolvimento foi atenciosa e gentil o suficiente para ter uma equipe médica totalmente equipada em espera. Seus elaborados preparativos incluem uma equipe de medicina intensiva altamente experiente e um hospital de campanha em grande escala.
— O progresso científico sempre tem sacrifícios. Não será apenas você, estou aqui também. Então, qual é o problema? — Enquanto todos os outros se sentem apreensivos com o experimento, este homem, o engenheiro-chefe Adelheid von Schugel, mantém seu sorriso alegre enquanto faz essa declaração com confiança. Como seria satisfatório dar um soco nesse rosto sorridente dele.
Talvez você queira ser explodido em pedacinhos por sua própria invenção. Diria que seria merecido. O que quero saber é por que estou presa e me matando com esse cientista louco. Um suicídio duplo não é um pouco demais? Entretanto, Tanya consegue expressar esses sentimentos de uma maneira genuína, mas socialmente apropriada.
— Sendo sincera, gostaria que usasse sua paixão em outra coisa.
— Quê? Um cientista deve permanecer fiel à sua pesquisa. Agora pare de reclamar e comece o teste.
Porém, é claro, o louco moralista é demais para Tanya lidar. Se é assim, então vá em frente e morra. Faça o seu melhor para não incomodar as pessoas ao seu redor. Se isso é pedir muito, pelo menos não encha meu saco.
— Eu sou uma soldado, não cientista.
O trabalho de Tanya é o de um soldado. Ninguém nunca lhe disse que faria parte das atribuições cometer suicídio duplo com um cientista.
E, de certa forma, o cientista tem a resposta perfeita ao seu protesto.
— Então considere isso uma ordem. Agora, comece. — Se Tanya é uma soldado, deve obedecer às ordens de acordo com a cadeia de comando. Ele a amarrou com isso, mas está absolutamente certo.
— Fornecendo mana para o Modelo 95 agora.
Tendo resistido de todas as maneiras possíveis, Tanya lamenta seu infortúnio enquanto começa lentamente a injetar energia com cuidado no Modelo 95.
— Equipe de observação, entendido. Estamos orando por você.
É apenas educação dizer algo do tipo, mas agora as palavras assumiram um tom ameaçador. O medo de que o Modelo 95 exploda a qualquer momento está estampado no meu rosto. Sinceramente, sinto que corro mais risco de vida aqui que no campo de batalha.
Tanto o escudo defensivo resistente quanto a película protetora para desviar golpes diretos de um feiticeiro são conjurados por meio de orbes mágicos. O pensamento de que não terei proteção quando o orbe explodir está me matando.
Contudo, ao ver a emoção indescritível contorcendo o rosto de Tanya em resposta à ansiedade causada por essa situação absurda, Schugel se atreve a sorrir. Tanya sente como se fosse a primeira vez que vê o doutor sorrir de modo tranquilizador por consideração a ela. Sua expressão quase parece estar dizendo para relaxar.
— O quê? Não precisa se preocupar. Tenho quase certeza que vai funcionar.
Quando Tanya vê como ele tem o olhar puro, inocente e perigoso de um cultista, o ceticismo se transforma em alarmes em sua cabeça. Eu deveria ficar longe desse tipo de gente…
— Doutor, o que o deixa tão confiante?
Não seria nenhuma surpresa se ele fosse um psicopata. O problema é que sua insanidade ameaça envolver Tanya em uma crise imensa e indesculpável.
— O quê? É bem simples.
O doutor abre os braços de forma exagerada, agindo como se estivesse prestes a começar a expor uma simples verdade. Isso por si só é suficiente para Tanya ter calafrios. Pregar com confiança as verdades do mundo com olhos inocentes? Isso é algo que os fanáticos fazem. O tipo que está imerso em alguma religião perigosa.
— E seria…?
Quando lidamos com alguém que tem crenças cegas, é perigoso expressar concordância ou desacordo. Aprendi na minha experiência em RH que, se precisasse demitir pacificamente um funcionário sob a influência de um culto estranho, o importante era evitar afirmar ou negar suas crenças. É melhor manter uma distância profissional e evitar mal-entendidos.
Portanto, nesta situação, tudo o que Tanya pode fazer é tentar prolongar a conversa usando a voz mais calma e suave que consegue.
— Eu sou o engenheiro-chefe. Tenente, você é a testadora principal. Se trabalharmos juntos em vez de nos desentendermos, poderemos alcançar qualquer objetivo.
Membros de cultos são assim. Falam coisas razoáveis em um tom uniforme com uma expressão inocente no início de uma discussão.
— Um dia desses recebi uma revelação divina.
— Uma revelação divina?
Era o que eu esperava e, também, o que temia. Hmm. Provavelmente é só uma figura de linguagem, mas essa premonição sinistra, a voz da razão, não para de gritar. Estou com um mau pressentimento, tipo, um daqueles bem ruins mesmo.
— Isso mesmo. Se a gente orar para Deus pedindo sucesso, quem acredita nele será salvo.
— Ugh………
Eu resmungo sem querer, apesar de ter me preparado para isso. Antes de perceber, também solto um suspiro longo.
Ele acabou de dizer para pedir sucesso a Deus? Um cientista acabou de me dizer para orar? Pensando nisso, Tanya rapidamente percebe o quanto isso é improvável. O engenheiro-chefe perdeu a cabeça por causa do projeto ter sido cancelado? Isso é completamente possível.
Percebendo isso, julgo que, independentemente das ordens, é muito perigoso continuar com o experimento. Em uma decisão de um segundo, cortei o fluxo de mana e dei início à ativação do mecanismo de segurança para evitar que os núcleos do orbe fiquem fora de controle.
— Me disseram que é importante ser humilde, livre de arrogância.
No entanto, os mecanismos de segurança não estão se ativando. Fingindo calma por fora, Tanya não consegue esconder sua surpresa ao olhar de novo para o orbe em sua mão. É o mesmo protótipo de orbe que testou incontáveis vezes. Vários recursos de segurança claramente visíveis… e não estão ativando? Nesse caso, eles foram desativados… Ele tinha que mexer nisso, não é?
A única pessoa que poderia ter feito isso é o chefe sorrindo pacificamente à minha frente. Ele está falando sério. É tão maluco que levei um tempo para entender de verdade.
— Não é uma oportunidade maravilhosa? Vamos orar juntos por um sucesso.
— Doutor, você não é ateu?
— O deus da invenção veio até mim. Agora sou um crente devoto.
Merda. As coisas realmente parecem sem esperança.
O Modelo 95 começa a agir estranhamente, assim como seu criador. Eu estava controlando seu revestimento com mana, mas agora não consigo mais. Algo sobre os circuitos também não parece certo. Neste ritmo, a mana vai colapsar e os recursos de segurança nos quais normalmente confio não estão funcionando.
— ……………
Se eu tentar extrair a mana manualmente, vai desequilibrar todo o sistema, resultando em um colapso certo. Então, apesar de saber o quão perigoso é, não tenho outra escolha a não ser continuar alimentando a energia do motor. Porém, se continuar assim, eventualmente vou perder o controle. Estou preso nesse dilema, mas parece que o orbe vai ficar louco em breve.
Nesse ponto, não consigo evitar imaginar meu destino desagradável com detalhes vívidos.
— Vamos conseguir se acreditarmos na invenção e orarmos.
— Então, o que vai acontecer se eu não orar?
— Bem, acho que nós dois seríamos mártires — responde o lunático de forma simples. O sorriso perigoso em seu rosto indica que sem dúvida abraçaria o martírio com orgulho. Isso poderia ser descrito como o sorriso estático de um terrorista suicida.
— Devemos chamar um médico imediatamente. Ou você prefere que eu te mate agora mesmo? — Do ponto de vista de Tanya, se está destinada a morrer de qualquer jeito, pelo menos poderia matar esse lunático com suas próprias mãos. Se o matar enquanto está sendo morta por seu orbe defeituoso, pelo menos não será a única a sair perdendo. Uma perspectiva tentadora. Claro, não é exatamente uma boa troca, mas as leis do mercado me asseguram que é melhor do que acabar no vermelho.
— Acalme-se, tenente. Você mesmo não encontrou Deus? Se confiarmos em Deus, vamos ser salvos.
Ele fala isso no exato momento que estou me preparando para realizar meu desejo secreto de matá-lo. Tanya para na hora. Ei, espera aí.
— O coeficiente de energia está rapidamente se desestabilizando! A mana está fora de controle!
— Isso é loucura! Os núcleos estão prestes a derreter! Toda a equipe, evacuem agora!
A equipe de observação está gritando. Tanya não consegue ouvir os gritos como nada além de barulho, mas um segundo antes de cair inconsciente, ela definitivamente sente…
Juro que sinto aquele maldito Diabo, Existência X, sorrindo pra mim. Isso mesmo. É um ser sobrenatural que brinca com as leis da natureza. É o diabo nojento, que brinca com as vidas humanas.
— Você armou para mim?! Diabo maldito!!!
— Depois de muito pensar, o Senhor deu luz verde para causar um milagre durante o experimento de ativação daquele negócio lá? Elinium Modelo 95?
Quando acordo, estou em um lugar familiar e, em algum momento, uma entidade um pouco mais intelectual do que Existência X se aproxima de mim. A razão da minha visita desta vez está diretamente ligada ao cientista lunático exigindo realizar um experimento tão imprudente.
No entanto, é apenas um cientista louco, não um fanático religioso. Baseado em como estava agindo antes do acidente, também é uma vítima. Provavelmente é Existência X e sua seita puxando as cordas. Devem tê-lo manipulado, pelo menos no que diz respeito a este experimento. Não sinto nem um pouquinho de simpatia por ele, nem mesmo uma pitada.
— Ahh, entendi.
A entidade diante de mim só parece decente em comparação com a que veio antes dela. Em outras palavras, este é mais como um fanático capaz de manter uma conversa. Não posso baixar a guarda. Basicamente estou lidando com alguém imerso em uma religião de algum tipo. No momento, não me importa se ele é um deus ou diabo.
O que preciso ficar de olho é a possibilidade muito provável dele tentar me impor seus valores ao invés de discutir coisas de forma racional. Seus valores são completamente insanos. Ele pode parecer inteligente, mas o núcleo de sua natureza não é diferente do de um trabalhador incompetente.
Eu deveria eliminá-lo imediatamente. Se ele for pelo menos um vagabundo incompetente, posso suportá-lo. Ainda assim, apesar da competência, todos os fanáticos religiosos são trabalhadores diligentes. Seria uma virtude de fato louvável se não fosse pela insanidade.
— Permita-me parabenizá-lo. O Senhor determinou que você levou uma vida pecaminosa por ignorância e decidiu guiá-lo no caminho certo.
— Eu vou passar.
Uau. Tão rápido assim? Achei que estava tramando algo, mas essa foi rápida. Brincar com a vida das pessoas é sinceramente muito divertido, mas é inaceitável eu ser o alvo disso. Por que não consigo decidir como viver minha própria vida? Não é o mínimo que deva poder controlar, pelo menos o meu próprio existir como indivíduo?
— Ei, fique tranquilo. Não é o medo de ser obrigado a agir contra sua vontade que está te deixando assim?
Bem, é difícil dizer. Não tenho certeza de como descrever essa sensação de apreensão. É verdade que resisti à ideia de ser forçado a seguir um caminho determinado por alguém.
Também seria incrivelmente humilhante para essas entidades controlarem minha mente ou me levarem a pensar de uma determinada forma. Alucinações em massa só devem ser compartilhadas entre as pessoas que querem se intoxicar com uma história específica. Se há lucro a ser obtido em ilusões, investiremos nelas; se não houver, nem valem a pena nos interessarmos. E se algum louco se tornar uma ameaça, sempre posso acordá-lo com um chute e fazê-lo beber o lodo da realidade.
Como indivíduo, tenho que resistir firmemente a esse atentado ao livre arbítrio que me obriga a participar de alucinações em massa. Liberdade. Eu sou livre. Não quero que ninguém viole minha liberdade.
Odiaria agir contra o meu próprio princípio e violar a liberdade dos outros. Sinceramente, até consigo lidar com isso, mas a ideia de alguém violando minha liberdade pessoal é absolutamente insuportável. Eu já tive os recursos e as conexões para protegê-la. Agora tenho alguns poderes para defendê-la, junto com uma compreensão da importância de seu valor.
— Não se preocupe. Vamos abençoar seu orbe de operação para que possa produzir milagres. Você vai usá-lo e sentir a graça de Deus. Com certeza isso vai te permitir oferecer palavras de oração ao Senhor.
— “Palavras de oração”?
— Isso mesmo. As palavras para louvar ao Senhor foram esquecidas pelos seus ancestrais. Não é sua culpa que elas não foram passadas para você.
— Bem, isso é óbvio, mas acho que tem mais do que isso.
De onde vem essa lógica? Alguém me dê uma boa explicação. E agora, se possível, pode interpretar ou colocar num tradutor. Como é urgente, eu pago a mais e até deixo uma gorjeta, então alguém por favor me explique o que esse cara está falando.
— Como eu disse, o Senhor fez com que as palavras de oração fluíssem de seus lábios, ouvidas por seu coração e você acreditará em milagres.
— Isso parece uma forma bem feia de lavagem cerebral.
Vamos tentar resolver isso. Esses caras malvados me jogaram neste mundo. Eles podem ter me sequestrado e, por não ter cedido, criaram um novo plano. Vão me fazer usar um orbe de operação amaldiçoado e quanto mais eu usá-lo, mais ele consumirá minha alma? Ah, merda.
Como se já não se já estivesse ruim o bastante, me colocaram numa situação pior. Desde que percebi que aceitar a oferta deles é a única forma de sobreviver à guerra, eles têm vantagem sobre mim, mesmo com o preço a pagar.
Esses seres são como procuradores de fama, criando problemas só para chegar e salvar o dia. Negociar com informações privilegiadas não é nada perto desse comportamento sem escrúpulos. Se conseguirem sair ilesos, seria como apagar a lei e a justiça do mundo. Talvez deva tentar ser o defensor dos valores básicos do reino mortal.
— Não vamos te obrigar a fazer nada. Você só será capaz de orar de verdade quando experimentar os milagres de Deus. É essa a bênção que o orbe de operação em sua posse recebeu.
É ser bem corajoso dizer isso. Vocês me jogaram num ambiente onde posso morrer a qualquer momento numa guerra e depois dizem que não estão me forçando? É como dizer a alguém no deserto para não beber água. Pode muito bem me dizer para morrer. Em outras palavras, estão me ameaçando bastante?
— Entendi. Por falar nisso, o que aconteceu com meu corpo de verdade?
— Vocês estão sendo protegidos pela graça divina. Agora vá, é melhor você partir. Espalhe o nome do Senhor.
E com essa nota sinistra, minha consciência é puxada de volta ao reino mortal. Em uma reviravolta muito infeliz ao voltar à realidade, sou recebido pelo rosto e voz da última pessoa no planeta que gostaria de ver. Se eu fosse um escrivão judicial do Império, criaria imediatamente uma lei que condena os cientistas loucos a serem executados por pelotão de fuzilamento. Seria meu dever passar essa lei pelo bem do Império, não tenho dúvida disso.
— Estávamos na presença do Senhor! É um milagre! Abençoados são aqueles que nele crêem!!
O brilho perigoso nos olhos do cientista louco me deixa com medo dele gritar “Eu sou o novo profeta!” E pior ainda, ele pode realmente acreditar que é um profeta agora.
— Fique calmo, Doutor.
Por favor, fique quieto. Não precisa se gabar tanto de ter provado cientificamente que um cientista louco pode se tornar um “fanático religioso”. Por favor, suma da minha frente.
— Ei, tenente Degurechaff. O experimento deu certo! Vamos comemorar juntos exaltando o nome de Deus!!!!!
Infelizmente, ele pode ter se tornado um fanático religioso, mas ainda é um cientista louco. Ele tá maluco por suas crenças.
— Vamos, vamos. Mostre-me o presente milagroso de Deus!
— Degurechaff para Controle. A fórmula de controle do Modelo 95 está funcionando normalmente?
Espero que possam cancelar tudo devido a dificuldades técnicas, mas uma maldição foi colocada neste dispositivo por seres quase sobrenaturais. É incrível como conseguem esmagar meus sonhos e desejos tão facilmente. É triste ver como somos fracos como seres humanos.
— Sim, pelo que posso ver, mas isso pode ser por causa de problemas com o aparelho de observação.
— Talvez. Acho que não temos muita opção. Devemos provavelmente lacrar o Modelo 95 e examiná-lo de volta no laboratório.
Ser cauteloso é uma característica fundamental para engenheiros. Embora seja difícil perdoar como todos me abandonaram e correram para as montanhas, posso lidar com isso agora. Se a sobrevivência deles levar ao fim deste experimento, eu permitirei.
— Que papinho é esse? Ative-o agora mesmo, tenente!!
Assim começa a briga. Sério, por que esse cientista louco não pode tomar um tiro amigo ou ter um acidente infeliz? Já vi ele se metendo em várias situações assim, então como ainda está vivo? Não acredito que seja verdade, mas será que ele é uma peça da Existência X e seus amigos? Ele é meu inimigo, mas será que é um inimigo mortal?
— Eu estou ativando isso. Teoricamente, funcionará ou todo o laboratório explodirá com a gente.
— Receio que essa piada não tenha sido engraçada, Tenente.
Não era nem um pouco engraçada. Principalmente porque estava falando sério, mas vendo que essa coisa é amaldiçoada, não entendo como isso pode dar certo.
Alimento o orbe de operação com mana e começo a sincronizar seus quatro núcleos. A energia flui sem problemas, é incrível. Sincronizar os núcleos é tão fácil que nem preciso pensar. A perda de mana bate com o valor teórico previsto.
Agora entendi. Só olhando as especificações, tenho de admitir que isso é mesmo impressionante. Sem dúvida, merece elogios. Contudo, infelizmente, essa coisa está amaldiçoada.
— Uau, quão grandes são as maravilhas do Senhor. Louvem o Senhor e o glorioso nome de Deus — gritei, as palavras emocionadas escorrendo de minha boca. De repente, todas as células do meu corpo anseiam louvar o Senhor.
— Funcionou? Sério mesmo, realmente funcionou?!
Quando a equipe de observação entra em um turbilhão de espanto, suas gritarias de admiração finalmente me trouxeram de volta a mim.
— O que eu fiz?
O que estava pensando agora? O que eu disse? Eu louvei? Àquela coisa?!
— Ei, Tenente! Nós temos a mesma fé, não é? É um milagre! Um verdadeiro milagre!
— Um milagre?
— Dai glória ao Senhor e testemunhai os seus milagres.
Tudo o que acontece é como um pesadelo vivo. No fim das contas, estou amaldiçoado, passo por uma situação ruim e finalmente, finalmente, sou liberada depois de coletarmos uma quantidade de dados. Não me importa para onde vou desde que não seja aqui. Só quero ir embora.
Como se fosse atender ao meu pedido, a República ao oeste vai além do necessário e declara guerra. É exatamente o aviso que estava esperando. Chegou no momento em que já estava ficando desesperada, mas agora minha mente está mais tranquila.
Acho que a vida fácil é difícil de conseguir.
Tradução: Rlc
Revisão: Castro
QC: Pride
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