Antes de entrar na parte interna do santuário, tive de passar por uma revista corporal para confiscar qualquer coisa que pudesse servir como arma. Precisei me despojar de tudo; desde minha fiel faca até meus pergaminhos.
— Vamos ficar com seus pertences.
Eles não pareciam ver minha armadura como uma arma, pois não me pediram para tirá-la. Cliff certamente sabia, mas o fato dele não ter dito nada provavelmente era um sinal de sua confiança em mim; então, como demonstração de igual boa fé, também desisti de minhas duas manoplas: a esquerda, que carregava uma pedra de absorção, e a direita que poderia disparar um tiro de espingarda.
A área central era um labirinto de corredores sem retas à vista, apenas voltas e reviravoltas labirínticas. As paredes brancas e planas não permitiam saber para onde as curvas poderiam levá-lo. Ah, mas afinal, este era o coração da Igreja Millis. Certamente foi construído contra a possibilidade de invasão inimiga, assim como um castelo seria.
Cliff deslizava suavemente por tudo isso, finalmente me levando ao escritório do Papa, guardado por dois cavaleiros e uma barreira.
— Só para esclarecer, você não poderá usar magia aqui.
— Entendido.
A força da barreira provavelmente era de nível Santo ou Rei. Esses cavaleiros também pareciam ter esse nível. Se de alguma forma uma luta começasse, seria tudo isso contra apenas eu e meus punhos.
— Vossa Santidade, trouxe seu visitante.
Além da barreira transparente estava o avô de Cliff, Harry Grimor. Ele parecia exatamente o velho gentil que imaginei que seria por sua carta. Tinha uma longa barba branca e usava paramentos bordados em ouro.
— Sim, eu agradeço.
Não havia a sensação de força de Sauros, ou da incisividade de Reida. Não conseguia sentir um ar de força; em vez disso, senti a grande presença de um coração magnânimo. Era como um reconhecimento instantâneo: “ah. O Papa. Claro.” Não senti nenhuma aura, apenas um aconchego.
Era difícil de explicar.
— Permita-me apresentá-lo. Este é Rudeus Greyrat, meu calouro na Universidade de Magia de Ranoa. Ele é um homem incrivelmente brilhante, e sua aptidão para magia supera até mesmo a minha; e como pretendo manter nossa amizade, pareceu-me prudente apresentá-lo a você.
O Papa acenou com a cabeça para a introdução de Cliff com um olhar plácido no rosto. Parecia que qualquer outra explicação teria que vir da minha própria boca. Como Cliff e eu discutimos ontem à noite, tudo o que ele estava fazendo era apresentar um amigo a um membro da família; além disso, qualquer agenda que eu tivesse com o Papa exigiria que eu mesmo desse o primeiro passo.
— Entendo. Agora, então… Presumo que o Sr. Rudeus veio para me pedir algo? Talvez permissão para montar seu bando de mercenários? Talvez permissão para vender as estatuetas Superd? Ou poderia ser um convite para que eu me junte às forças do Deus Dragão Orsted?
Ah, não! Parece que o bom e velho Cliff me antecipou um pouco, tendo em vista que o informei sobre meus objetivos, cargos e motivos para vir para este país. Bem, eu chegaria a tudo isso eventualmente… Na verdade, não precisar começar do zero economizava muito tempo…
Hã? Cliff estava olhando para mim e para o Papa com os olhos arregalados de surpresa.
— Vejo que o braço direito do Deus Dragão não é facilmente abalado. Nem mesmo um movimento de sobrancelha… Você deveria aprender, Cliff.
A primeira impressão que o Papa teve de mim endureceu irrevogavelmente antes mesmo de meu pequeno cérebro macio entender o que estava acontecendo. Era tarde demais. O Papa me confundiu com um fodão.
— Minhas desculpas; apenas fiz algumas pesquisas com antecedência.
O Papa começou a ler um documento próximo com um leve sorriso.
— Rudeus Greyrat. Pertencente à distinta linhagem da casa Notos Greyrat. Filho de Paul Greyrat e pupilo da Rei da Espada Ghislaine Dedoldia. Foi pego no Incidente de Deslocamento, mas em apenas três anos conseguiu retornar à sua terra natal com suas próprias forças. Pouco depois, se matriculou na Universidade de Magia de Ranoa e fez amizade com a princesa Ariel. Anos depois, lutou contra o Deus Dragão Orsted e se rendeu a ele. Trabalhou nos bastidores durante a turbulência no Reino Asura para derrotar a Deus da Água Reida e o Imperador do Norte Auber e pressionou para que Ariel Anemoi Asura assumisse sua posição atual como governante. Depois disso, trabalhou para expandir seu exército particular em terras ao redor do mundo, enquanto persuadia aqueles no poder a cooperar com o Deus Dragão Orsted… Esqueci alguma coisa?
Nada mal. Porém, não é como se eu tivesse feito essas coisas em segredo. Estava tudo lá para ser descoberto se alguém quisesse; além disso, o próprio Papa não pode ter segredos. Sua biografia é estudada por milhares de pessoas. Pesquisas como essa apenas nivelaram o campo de jogo.
Dito isto, não estava tudo correto.
— Há três erros. De maneira alguma voltei do Continente Demônio apenas com minhas forças. Tive a ajuda de um guerreiro Superd chamado Ruijerd. Não fui eu quem derrotou o Deus da Água Reida; foi o Deus Dragão Orsted. Da mesma forma, Auber foi derrotado pelos esforços combinados da Rei da Espada Ghislaine, e da Rei da Espada Eris. Por fim, e de longe o mais importante, gostaria de acrescentar que na verdade sou pupilo da Maga da Água de nível Rei, Roxy Migurdia.
— Ora, ora, um cara honesto.
O Papa acenou com a cabeça para si mesmo e escreveu algo em uma folha de papel próxima. Não sabia o que tinha escrito, mas realmente esperava que acrescentasse a parte sobre eu ser pupilo de Roxy.
— Então, isso significa que sua razão para vender essas estatuetas Superd é para pagar sua dívida com a raça deles, e que não está planejando derrubar o governo aumentando as taxas de alfabetização?!
— Isso mesmo.
— Bem, agora…
O que aumentar os índices de alfabetização tem a ver com derrubar um governo…? Acho que foi a mesma lógica de uma borboleta causar um tornado com o bater das asas.
— Nesse caso, posso perguntar por que solicita que as pessoas cooperem com Orsted?
— Para que o mundo possa estar preparado para lutar contra o Rei Demônio Laplace quando ele ressuscitar em cerca de oitenta anos.
O Papa nem piscou com a resposta, apenas assentiu compreensivamente.
— Entendo. Então você aproveitou Cliff para chegar até aqui e pedir minha cooperação, não?! “Se deseja que o Deus Dragão salve suas forças, faça o que eu digo.” É isso?
— Não, isso não está correto.
Tive a sensação de que esse velho já havia entrado no modo de negociação. Bem, por mim tudo bem. Iríamos negociar eventualmente, mas eu precisava deixar claro onde estava.
— O aliado que eu realmente quero é Cliff.
— Bem, então devo esperar que você esteja apoiando Cliff das sombras?
— Não… É verdade que essa era minha intenção a princípio, mas Cliff me disse que queria testar até onde sua própria força poderia levá-lo; então decidi não fazê-lo. No mínimo, ficarei totalmente de fora até que ele estabeleça seu próprio poder dentro da igreja.
O Papa abriu um sorriso ao ouvir isso. Era a cara de um velho que acabara de saber que o neto tirou cem pontos em uma prova.
— Entendo, então Cliff realmente te disse isso…
— Sim. Então por favor, trate-me apenas como um humilde servo do Deus Dragão por hoje.
Disse a verdade a ele. Ele já havia me investigado e embora houvesse algumas lacunas em suas informações, conseguiu a essência. Quem sabe o que mais ele desenterrou?! Então é melhor não mentir e ser pego. Talvez só os tolos prefiram a honestidade, mas é um tipo agradável de tolo.
— Só tenho dois pedidos. Gostaria de ajuda com a criação de um bando de mercenários e permissão para vender as estatuetas Superd.
O assunto com a Casa de Latria poderia esperar por enquanto. Isso era um assunto pessoal. De qualquer forma, ter algumas conexões fortaleceria incidentalmente minha posição lá.
— Hmm…
O Papa olhou para mim com um sorriso sutilmente espalhado em seu rosto. Era como a face de um jogador de pôquer; podia ter um sorriso, mas sua expressão não revelava nada.
— Você sabe que, uma vez estabelecidas as conexões humanas, elas nunca podem ser verdadeiramente cortadas; não importa o quanto alguns tentem — afirmou o Papa com o seu sorriso constante.
Perguntei-me se isso era uma palavra de advertência. Talvez para mim, por fazer meu pedido como alguém não relacionado a Cliff; ou talvez para Cliff, que não queria estar relacionado comigo para testar sua própria força.
— Então, tendo em vista sua conexão com Cliff… vou ajudá-lo com seu bando mercenário.
E assim, meu pedido foi atendido. Tinha minhas dúvidas sobre porquê ele parecia não pedir nada em troca, mas levei apenas um momento para entender. A parte “tendo em vista sua conexão com Cliff” era o seu retorno. Eventualmente, uma vez que Cliff crescesse o suficiente, eu seria um trunfo para ele e para os Papalistas. Para o Papa, esse era um investimento anjo1Investimento anjo: é um investimento pequeno que tem potencial de se tornar algo grande no longo prazo..
— No entanto, a permissão para as estatuetas Superd será difícil.
— Por quê?
— Tenho uma posição tanto como Papa, quanto como figura principal dos Integracionistas de Demônios, no entanto, os cardenalistas, que defendem a expulsão de demônios, expandiram sua influência ultimamente. Atualmente, não tenho poder suficiente para conceder permissão para vender essas estatuetas Superd por conta própria e como o próximo Papa certamente será escolhido dentre os cardenalistas… Você entende, não?
O Papa então me deu uma olhada. Como se estivesse me dizendo implicitamente que eu precisava esmagar os Expulsionistas de Demônios para conseguir o que queria.
Mas o que eu faria, agora? Não me opunha a ser um agente do Papa. Rejeitei a Casa Latria depois de uma briga, então já estava no caminho certo para ser seu inimigo. Sinto muito, Therese, mas eu esmagaria os expulsionistas ou qualquer outra pessoa que cruzasse meu caminho.
Espera aí. Isso não contaria como ajudar Cliff? Era uma área cinzenta. Cliff precisava de inimigos para forçá-lo a se superar, mas e se aqueles também fossem meus inimigos? Devo me conter? Se eu me tornasse um trunfo para a Igreja Millis, isso não contaria como uma conquista para Cliff? Isso seria certo? Hmm…
— Para ser claro… eu tenho seu apoio com o bando mercenário, correto?
— Sim.
— Então por hoje, ficarei feliz em aceitar seu acordo sobre o bando mercenário.
Todo o resto poderia esperar; não precisava ser resolvido em um dia. Além disso, vender as estatuetas Superd não fazia parte do meu escopo nesta reunião para começar. Se tivesse o apoio do Papa para formar o bando mercenário, então era melhor sair enquanto estava por cima.
— Entendo, embora seja uma pena.
O sorriso do Papa permaneceu firme ao concluir a reunião.
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Cliff tinha outros negócios para resolver, então deixei a sede sozinho.
— Ufa…
Deixei escapar um grande suspiro no momento em que saí. Estava exausto… Primeiro a criança abençoada, depois o Papa. Uma disputa contra duas pessoas excepcionais em um só dia. Ambos tinham algumas excentricidades selvagens e cada um pertencia a facções opostas.
O Papa, um Integracionista de demônios, já a criança abençoada era protegida pelos cardenalistas, que pressionavam pela expulsão dos demônios. Se me pedissem para escolher um lado, não havia dúvida de que me juntaria aos integracionistas; ao lado do Papa e isso me colocaria contra os Cavaleiros do Templo, que estavam alinhados com os expulsionistas. Também nessas fileiras: a Casa Latria e, por extensão, Therese.
Therese já havia salvado minha pele duas vezes. Tinha total desprezo pelo resto dos Latrias, mas não podia desconsiderar minha dívida com ela. Além disso, a criança abençoada não parecia uma pessoa má. Acho que poderia contar aquela comitiva contra ela, mas não irei. Seria sensato adiar a tomada de partido o máximo possível… E gostaria de ser o perfeito sábio que poderia fazer isso. Tanto quanto para os meus planos e ideais.
De qualquer forma, combinar de me encontrar com a criança abençoada mais algumas vezes parecia uma boa ideia. Queria ter uma ideia melhor de qual era a habilidade dela. Talvez ver se ela era uma apóstola do Deus-Homem… o que, para ser sincero, seria impossível descobrir.
Hipoteticamente, se ela fosse, isso complicaria minha missão aqui de maneiras que não poderia me preparar ou prever. No Reino Asura, o Deus-Homem não interferiu no meu trabalho montando o bando mercenário. Nesse caso, meu trabalho representava ou não uma ameaça ao Deus-Homem? Se ele interviesse, pelo menos seria uma pista, mas eu não tinha como saber, e pensar demais só me faria andar em círculos. Tinha de pensar que o que estava fazendo importava. Ele não havia interferido em meu trabalho anterior contra ele, então agiria supondo que ele não iria interferir aqui. Reservaria minha busca por apóstolos para quando enfrentasse interferências ou quando sentisse que realmente havia algo errado.
No momento, não faltavam jogadores suspeitos neste jogo. A Criança Abençoada, Claire, o Papa… mas me enrolar em nós paranoicos já foi minha ruína no passado. Poderia evitar isso construindo rapidamente a filial do Bando Mercenário e estabelecendo o contato com Orsted de uma vez.
Sim. Por ora, a reunião de hoje havia me conseguido o apoio do Papa. Esse foi meu ponto de partida. Buscaria por edifícios em potencial para o Bando Mercenário e compraria um. Lá, eu montaria a placa de comunicação para contato e o círculo de teletransporte de emergência. Depois de tudo isso, finalmente teria minha ligação de negócios com Orsted.
— Tudo bem. Primeira tarefa do dia: escolher um lugar.
Próximo passo definido! Eu poderia deixar Aisha lidar com os detalhes. Havia muitas questões a serem respondidas, como: em qual distrito deveria ser nossa localização e com qual comerciante deveríamos fazer negócios. Conhecendo Aisha, sua mente já estava trabalhando no problema. Foi um alívio ter uma parceira confiável.
O problema era Zenith. Se Aisha a deixasse para passear pela cidade, não teria ninguém cuidando dela. Pedir a Wendy para fazer isso era uma opção… mas ei, isso realmente precisava ser uma decisão em grupo. Eu deveria ir para casa e discutir isso com os outros.
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Peguei uma carruagem pela cidade e voltei para a residência de Cliff no Distrito Divino.
O sol estava se pondo. Estava ficando com fome e ansioso para jantar. A comida… Era tão bom ter ovos frescos aqui. Ovos cozidos, fritos, omeletes… Também tínhamos pão, então provavelmente também poderia fazer costeletas de porco. Ah, a presença de um único ovo abre as portas para novos mundos de delícias culinárias. Novos horizontes de alegria a explorar em cada refeição, a cada ovo!
Graças a Deus eu trouxe Aisha para que alguém soubesse cozinhar um.
— Estou em caaaasaasa! E cara, estou com fome!
— O que quer dizer com ela ainda não voltou?!
No momento em que cheguei, ouvi Aisha gritando com fúria. Corri para dentro de casa para encontrar minha irmãzinha encurralando Wendy.
— Por que a deixou sair de casa?
— M-mas, ele disse que estava tudo bem…
— Por que você acreditaria em algo que um estranho lhe disse?! Ouviu o que estávamos falando ontem à noite, não é?! Por que não contaria a alguém sobre o que estava acontecendo?! O que te fez pensar que ela não poderia esperar até amanhã?! Se pudesse esperar alguns minutos, eu teria voltado a tempo! Você também poderia ter perguntado ao meu irmão!
— Quero dizer, ouvi o que você falou, mas, bem, eu realmente não entendi e aquela pessoa disse que estava tudo bem…
— Isso é tudo que tem a dizer em sua defesa?! Estou te dizendo que não, não está tudo bem! Espere aí, não me diga, você veio para nos sabotar?!
Aisha levantou o ombro e ergueu o punho, então Wendy se encolheu com medo.
Era raro ver Aisha ficar com raiva o suficiente para gritar. Isso foi o máximo que consegui pensar sobre a situação, antes de andar atrás de minha irmã e segurar seu punho.
— Aisha, acalme-se um pouco.
— Cale a boca!
Ela me afastou com um tapa, mas pelo menos agora Aisha percebeu que eu estava lá.
— Ah, Irmão… me desculpe…
Aisha agarrou o braço com o qual me golpeou e baixou a cabeça.
— O que aconteceu?
Eu deveria começar pedindo os detalhes. Se houve uma briga, presumi que ambas estavam um pouco erradas, contudo, Aisha manteve o rosto pálido abaixado. Ela não estava respondendo. Isso não era típico dela. Ela não tinha vergonha de compartilhar suas opiniões.
— Hmm…
Aparentemente incapaz de suportar o silêncio, Wendy tentou preenchê-lo:
— Bem, esta tarde, uma pessoa chamada Geese veio… — Ela disse.
— Geese veio aqui?
— Ele disse que se sentia mal por Zenith, por ela estar presa dentro de casa depois de finalmente voltar para sua cidade natal, então a levou para fora…
Então aqui está ao que Aisha estava reagindo.
— E eles não voltaram…
Todo o sangue foi drenado da minha cabeça num instante. Respirei fundo.
— Aisha, preciso que você explique tudo, devagar, desde o começo. Pode fazer isso por mim?
— Sim…
Aisha começou a falar.
Naquela tarde, Geese foi à casa de Cliff e se apresentou como amigo de Zenith vindo para dar uma olhada nela. Aisha não o viu pessoalmente, mas depois de ouvir Wendy descrever sua aparência, maneirismos de fala, estatura, equipamento e o que dizia, parecia bastante certa de que era Geese.
Aisha teve que perguntar o que havia acontecido e porquê ela não estava lá.
— Onde você estava, Aisha?
— Achei que precisaríamos de um monte de coisas para morar aqui, então fui fazer compras… Wendy não sabe ler, e provavelmente não saberia do que precisávamos, então eu fui… me desculpe.
— Ah, não, tudo bem.
Aisha teve um lapso de julgamento e, durante esse lapso, algo que nunca poderíamos prever aconteceu. Essas coisas acontecem. As pessoas se atrapalham. Está tudo bem. Geese conversou um pouco com Wendy e Zenith.
Então ele disse: “Eu me sinto mal por Zenith enfiada dentro de casa depois de finalmente voltar para sua cidade natal. Vou levá-la para ver os pontos turísticos.”
E Wendy permitiu. Parte de mim estava tão estupefato com isso que queria agarrar minha cabeça e gritar. Ela estava lá quando conversamos ontem à noite. Não tinha ouvido?!
Porém, não poderia colocar toda a culpa em Wendy. Ela não viu como os Latrias eram horríveis; só tinha conhecimento de segunda mão. Fazia sentido que não entendesse que eles eram perigosos. Além disso, Geese tinha jeito com as palavras; se não tivesse nada contra ele, poderia convencer qualquer um a fazer qualquer coisa. Eu também planejava mostrar a cidade a Zenith, então dificilmente poderia culpar Wendy por baixar a guarda e pensar que talvez uma hora de passeio com um amigo fosse bom.
— Corri imediatamente para procurá-los, mas não consegui encontrar nada…
No momento em que Aisha voltou das compras, e ouviu sobre o que aconteceu, ela saiu pela porta e procurou em todos os lugares; sem sucesso. Mesmo quando a tarde se transformou em crepúsculo, nem uma pista. Mesmo quando voltou para casa na vã esperança de que tivessem voltado enquanto estava fora, não os encontrou lá. Sem nenhuma ideia do que fazer, Aisha descontou sua frustração em Wendy… que foi o ponto em que cheguei.
— O que faremos, Irmão? Fui eu quem disse que estaríamos seguros aqui… A culpa é toda minha, não é?! O que faremos… O que faremos?
Aisha estava perdendo o controle de uma forma que raramente via nela; estava quase em prantos. A primeira coisa a se fazer era acalmá-la.
— Calma. É de Geese que estamos falando. Ele provavelmente apenas esqueceu o que prometeu e a levou por toda a cidade.
— Mas agora não temos nenhuma pista de onde está a Mãe Zenith!
— Olha, apenas se acalme.
Parte de mim também estava ficando ansioso, mas ela estava com Geese, ele podia ter as proezas de combate de um cachorrinho molhado, mas era um cara perspicaz e confiável. De todas as pessoas que poderiam ter levado Zenith embora, me senti um pouco mais à vontade tendo sido ele. Da mesma forma, era Geese. Ele provavelmente se distraiu, saiu atrás de algo bobo e depois perdeu a noção do tempo. A qualquer momento, poderia entrar por aquela porta e dizer com uma risada: “Ah, desculpe, chefe, encontrei um velho amigo e precisava falar com ele.”
— Por enquanto, vamos esperar um pouco mais para que voltem.
Essa foi minha decisão.
O tempo passou. O sol se pôs. Por fim, Cliff voltou do trabalho, exausto.
No entanto, sem sinais de Zenith e Geese.
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Eu… não diria que esse tempo foi perdido. Nessas horas, Aisha e eu conseguimos nos acalmar. Eu acho.
— Sinto muito… Mas, por favor, não desconte na Wendy. Ela não queria fazer nada de mal, não acho…
Cliff deu uma bronca em Wendy, firme, mas justa, e garantiu que ela soubesse que ele ainda estava do lado dela. Ele provavelmente também não previu que algo assim poderia acontecer. Originalmente a contratou para trabalhos domésticos leves. Tendo em vista que ela atingiu sua idade sem conseguir um emprego ou uma família adotiva, Cliff devia saber que ela não seria a faca mais afiada na gaveta; contudo, não era certo repreender alguém por suas deficiências. Não chore pelo leite derramado; em vez disso, limpe-o.
— Vou sair para procurar. Cliff, fique alerta para o caso de nos desencontrarmos.
— C-claro…
Já era hora do jantar quando resolvi sair em busca dela.
Talvez eu tenha demorado muito para decidir, mas se me permite dar uma desculpa, juro que teria me jogado porta afora num instante se soubesse que Zenith estava sozinha, no entanto, ela foi com Geese.
Se a história de Wendy fosse verdadeira, Zenith ainda deveria estar com ele. O chimpanzé pode ser covarde demais para lidar com uma luta, mas qualquer outro desafio que enfrentasse não seria problema para ele. Seja coletando informações, mapeando, fazendo compras, cozinhando, fazendo manutenção ou até mesmo exames de saúde para os membros de seu grupo, ele era uma estrela em geral; então, por alguma razão, tive a ideia de que Zenith ficaria bem.
Entretanto, quando pensei sobre isso, percebi que sua inutilidade na batalha era de fato uma falha fatal. Se tivesse que lutar, não seria capaz de proteger Zenith. Geese desenvolveu um talento especial para evitar o perigo para compensar, mas algo ainda pode dar muito errado. Zenith poderia se distanciar e pisar no pé de um velho mal encarado. Havia até mulheres que não hesitavam em dar um soco só por olharem torto para elas.
E Geese era um demônio. O que a Casa Latria pensaria se encontrassem Geese e Zenith sozinhos? Diriam que eu não a deixei ficar em sua própria casa, mas aqui estava ela, sozinha com um demônio. Eles podem decidir atacar e tomar Zenith de volta à força.
Espera! Talvez os Latrias estivessem por trás disso. Conhecendo seus recursos, o Geese que veio antes poderia ser um impostor! Poderiam ter pego alguém com aparência, construção e maneirismos de fala semelhantes para então fazê-lo se passar por Geese para convencer Wendy a deixar Zenith ir… Talvez, não que ele fosse fácil de imitar…
Por fim, talvez eu estivesse paranóico só por considerar isso. Também havia a possibilidade de Geese ser o discípulo do Deus-Homem. Por que ele estava aqui quando odiava tanto o País Sagrado?
— …
Ajeitei meu manto, minha armadura mágica e saí de casa.
Aisha me seguiu como se fosse a coisa mais natural do mundo.
— Para onde vamos primeiro? Nos separamos?
Ela deve ter ficado ansiosa com o desaparecimento de Zenith. Se estivesse, era ainda mais vital que eu a mantivesse calma.
— Não, não posso arriscar que você seja sequestrada. Iremos juntos.
— O-ok. Entendi…
A respiração de Aisha falhou com a palavra “sequestrada”. Ela devia ter considerado a possibilidade, afinal, havia muitos sequestradores neste mundo…
No entanto, não era tão provável. Talvez se estivesse cambaleando sozinha, mas ela estava com Geese. Dar uma surra em Geese para fazer de Zenith uma escrava dava muito trabalho. Se estivesse no lugar deles, encontraria um alvo diferente e mais indefeso.
— …
Depois de alguns passos, parei de repente. Onde eu deveria olhar primeiro mesmo? Merda, estava andando em círculos! Acho que não tinha me acalmado totalmente… As pessoas não se acalmavam apenas dizendo a si mesmas para se acalmarem. É preciso respirar fundo.
— Huff… Ufa…
Havia alguém mais esperto do que eu ao meu lado. Eu tinha que falar com ela.
— Aisha… Onde você acha que Geese está?
— Hum… Talvez no Distrito dos Aventureiros?
— Por quê?
— Geese disse antes que não podia entrar no Distrito Divino e não acho que ele iria para o Distrito Residencial quando tantos seguidores de Millis moram lá. Se for entre o Distrito dos Aventureiros e o Distrito do Comércio… Bem, Geese é um aventureiro, então acho que há uma chance maior dele estar no Distrito dos Aventureiros.
— Tudo bem. Vamos apostar nisso.
Sabia que podia contar com Aisha, ela pensava rápido. Não tínhamos tempo a perder.
— Vamos nos apressar — disse.
— Ok… Ah, certo. Devemos usar um cavalo? Ainda temos um da carruagem, certo?
— Hmm?
Um cavalo… Eu ainda não conseguia montá-los. Quero dizer, eu sabia o básico. Tinha alguma prática e sabia como conduzir uma carruagem, mas estava longe de ser habilidoso o suficiente para cavalgar onde quisesse em uma situação de emergência. Aisha, no entanto, não tinha com o que se preocupar. Quando eu realmente precisava, podia me mover tão rápido quanto qualquer cavalo.
— Não precisamos de um.
— Hã?
Peguei Aisha como uma princesa em meus braços e reuni mana em minha armadura mágica. Pernas, luz verde. Todos os sistemas funcionam. Pratiquei várias vezes a neutralização do impacto da aterrissagem.
— Aisha, segure-se firme.
— Hã…? Ah!
O corpo de Aisha ficou tenso enquanto ela se agarrava com força ao meu robe. Fiz questão de segurá-la para que ficasse fixa no lugar.
— N-não! Não! Pareeeeee…!
Tenho certeza que ela disse algumas outras coisas, mas as ignorei. Zenith estava desaparecida. Isso, de todas as coisas, não era coincidência. Talvez Geese tenha feito isso, ou talvez tenha sido obra dos Latrias. Talvez os Papalistas tivessem uma agenda obscura e oculta, talvez tivéssemos nos envolvido nos desígnios da criança abençoada… Ou talvez isso fosse obra do Deus-Homem.
Encontrar a resposta não resolveria nada. A hesitação e o arrependimento também não.
Já havíamos deixado passar muito tempo, e entre o longo dia e meu estado mental, eu estava mal. Não tinha ideia de quem em Millishion era aliado ou inimigo. Em uma luta contra o Deus-Homem, você nunca poderia saber de verdade.
Não estávamos repetindo o Reino de Shirone. Aprendi com meus erros.
Já me preparei para o que estava por vir e saltei para o céu noturno.
Tradução: Black Lotus
Revisão: Akira C-137
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