Durante o resto da viagem de compras, fiquei atordoado enquanto meus pensamentos se focavam no beco em transformação. Eu já estava ficando senil?
— Mãe… tia Tabitha… as ruas de Xyrus… er… movem-se sozinhas?
A declaração soou tão louca quanto eu pensei que seria, embora viesse dos meus próprios lábios.
— Huh? Movendo ruas?
Eu quase podia ver a manifestação de pontos de interrogação no topo de suas cabeças enquanto me olhavam interrogativamente.
— Ahaha…
deixa pra lá. Soltei um suspiro enquanto olhava para a rua onde Xyrus Elixires agora estava.
— Aconteceu alguma coisa na loja de elixires, Arthur?
Tabitha perguntou.
— Você não causou problemas lá, causou?!
Minha mãe me seguiu.
— Você acha que eu causo problemas toda vez que estou fora, mãe?
— CLARO.
— CLARO.
Tanto minha mãe quanto minha irmã responderam com naturalidade em uníssono. Ai. Eu aperto meu peito onde meu coração está enquanto coloco uma expressão magoada, arrancando uma risada de todos. O resto da viagem de compras transcorreu sem quaisquer outras ocorrências que quebrassem as leis da matéria ou da física. Meu novo uniforme do CD teve que ser encomendado na academia, pois era diferente do resto das roupas da escola, então eu não tinha mais nada para comprar. Minha mãe e irmã, juntas com Tabitha, mais uma vez tentaram me usar como um manequim humano. Desta vez, até mesmo as funcionárias adolescentes da loja juntaram-se enquanto ocasionalmente espiavam pelas cortinas do vestiário com olhares comparáveis aos de animais famintos olhando para carne fresca.
Era estranho que eu temesse por minha vida mais nessas ocasiões do que quando estou nas masmorras? Depois de horas de compras, a quantidade impressionante de roupas que enchiam as inúmeras sacolas provavelmente eram o suficiente para abrir uma pequena loja. Felizmente, o motorista vinha a cada hora mais ou menos para nos livrar da maior parte de nossas compras. Fora dessa pilha, as únicas roupas que me pertenciam eram um conjunto de pijamas que achei confortável demais para não comprar. Supostamente, era feito de lã de um tipo específico de besta de mana. O sol começou a descer mais longe da periferia da cidade, lembrando-me que Xyrus era de fato um pedaço de terra flutuante. Ao chegarmos à carruagem que nos esperava do outro lado do bairro comercial, percebi que havia um vagão separado preso na parte de trás, contendo todas as roupas e acessórios que nós (elas) compramos.
— Mãe, vou dar uma passada na academia antes de voltar para casa.
Disse, depois de colocar a última das sacolas que estava segurando na carruagem.
— Por que? Algo está errado?
Um choque de pânico brilhou nos olhos de minha mãe.
— Haha, não. Eu só pensei que não seria bom deixar todo mundo se perguntando se eu estava vivo ou morto. — ri.
— Ahh, é só isso. Vá em frente. É claro que você deve dizer a todos que você está de volta são e salvo. Só não faça nenhum outro desvio no caminho de volta.
Minha mãe respondeu, beliscando meu nariz enquanto me dava um olhar severo.
— Saquei!
Minha voz saiu nasalmente quando respondo. Sylvie e eu observamos enquanto todos subiam na carruagem e saíam. Acenando de volta para minha irmã que estava gritando que eu tinha que chegar a tempo para o jantar, me virei e dirigi-me para a Academia Xyrus.
A Academia Xyrus não ficava muito longe do distrito comercial, mas ainda era um pouco longe para andar a pé. O sol estava começando a se pôr quando fizemos nosso caminho para o escritório da Diretora Goodsky, que ficava no último andar do segundo prédio mais alto, perdendo apenas para a torre do sino que servia de vigia para o Comitê Disciplinar. Conforme as torres da academia se aproximavam, usei mana em meu corpo e pulei para o telhado de um prédio próximo. Passando de um prédio para o outro, a vista ao meu redor tornou-se um borrão indistinto, a única coisa claramente visível sendo Sylvie, que estava correndo ao meu lado, curtindo a brisa.
Fazendo nosso caminho para a academia em silêncio, minha mente começou a divagar. Foi quando minha mente divagou que pensei em coisas que preferia não pensar. A cena dos últimos momentos de Alea passou pela minha mente. Como ela, em toda a sua glória e poder, ainda tinha medo de morrer… morrer sozinha. E se a que eu segurava em meus braços não fosse Alea, mas Tess? Meu corpo estremeceu com o pensamento. Como ela estava? Ela estava bem? Sua assimilação ocorreu bem? E se algo desse errado… não. Você não pode pensar assim, Arthur. Pensamentos positivos… rangendo os dentes, despejei mais mana pelo meu corpo e acelerei.
Sem o selo me inibindo, senti a profunda influência da mana envolvendo tudo. Corri mais rápido, o mais rápido que pude, como se quisesse fugir dos meus próprios pensamentos. Senti o vento dobrar à minha vontade, empurrando-me para a frente enquanto as superfícies de terra dos edifícios quase parecem ressoar e me manter em equilíbrio por vontade própria. A umidade na atmosfera me manteve fresco e até mesmo as pequenas chamas das lâmpadas queimaram mais forte quando passei por elas. Já percebi antes, mas quanto mais meu núcleo de mana evoluía, mais sensível eu me tornava à mana. Posso até dizer que estou me tornando mais integrado à mana ao meu redor. Me lembrei de quando conheci Virion. Não era tão sensível à mana naquela época, mas até eu poderia dizer que, ao redor dele, a mana flutuava e se movia para acomodar sua presença. Mesmo que Virion e a Diretora Goodsky fossem magos com atributo vento, a maneira como influenciavam a mana ao redor deles era muito diferente. Para a Diretora Goodsky, a mana formava leves brisas de vento que dançavam ao seu redor, enquanto para Virion, era o oposto. A mana afetava o ar ao redor de Vovô, expulsando completamente qualquer vento em sua vizinhança. Não era tão aparente normalmente, mas quando mudava para o modo de luta, parecia que até o ar estava com medo de se mover perto dele. Se esse tipo de fenômeno ocorresse naturalmente apenas com um mago com núcleo prata, como seria quando eles chegassem ao estágio branco? Senti uma pontada de arrependimento quando percebi que Alea era a única maga branca que eu vi pessoalmente até agora. No entanto, porque seu núcleo de mana foi completamente destruído pela ponta negra que a atravessou, mesmo a mana a desconsiderou, como se não fosse mais amada pela natureza.
— Kyu! — tradução: — Estamos quase aqui!
A voz alegre de Sylvie me tirou dos meus pensamentos, enquanto concentrei meu olhar na luz que saía da janela do escritório da Diretora Goodsky.
— Sylvie, venha aqui.
Meu vínculo salta em meus braços enquanto me preparo para decolar. O campo da academia tinha uma barreira que repelia qualquer coisa com um núcleo de mana ou núcleo bestial que não era permitido entrar. Não era tão poderoso já que sua função principal era avisar se havia alguém passando sem autorização. Eu tinha meu uniforme do CD em meu anel dimensional, junto com a faca que era usada para a autorização e não disparar o alarme. Sylvie, por outro lado, poderia não ser permitida, se não fosse apegada a mim. Concentrando a mana do meu núcleo e desejando que tomasse a forma de vento sob as solas dos meus pés, pulei da borda do telhado do prédio em que estava com toda a força que pude reunir.
*HAAAAAAAP!*
Senti o prédio quase ceder quando um redemoinho surgiu e me impulsionou mais alto. Eu devia estar cerca de cem metros no ar quando percebi isso, pela trajetória e velocidade em que estava viajando, eu provavelmente não faria todo o caminho até o prédio.
— SE SEGURA, SYLVIE!
À medida que a ansiedade desaparecia, a excitação ferveu em mim quando gritei sobre o vento que tentava abafar minha voz. Sentindo as patas de Sylvie agarradas à minha camisa, eu a segurei com mais força também. Mordendo meu lábio com concentração, afastei todos os meus pensamentos indesejados.
Mudando o peso do meu corpo para que meus pés ficassem bem embaixo de mim, virei no ar, e lancei um chute circular.
— Passo Aéreo.
Ativei a habilidade que usei contra Theo que me permitiu acelerar ou mudar de direção usando uma força de vento oposta para empurrar contra meus pés. Claro, desta vez, consumiu muito mais mana porque eu estava basicamente mudando de direção no ar e em uma velocidade muito maior, mas obtive o resultado que esperava.
Com o aumento de velocidade que recebi do Passo Aéreo, estava mais uma vez em rota de colisão direta com o telhado do prédio onde o escritório da Diretora Goodsky estava.
— !!!!!!!!!!!
Seja por estar bêbado com a adrenalina, ou apenas tentando me livrar apulso das memórias deprimentes que sempre estavam me assombrando no fundo da minha mente, não pude deixar de soltar um rugido de limpeza da alma. A sensação de voar pelo ar assim era diferente de quando montei em Sylvie. Assim como percebi que não havia planejado bem meu pouso, meu corpo já disparou pelo ar e se chocou contra vários objetos não identificados.
*BOOOOM!*
Apesar de destruir parte do telhado, de alguma forma consegui cair de pé. Como esperado de mim.
— KYU!!! — ou: — FOI DIVERTIDO! VAMOS FAZER ISSO DE NOVO!
Sylvie estava pulando em círculos ao meu redor enquanto continuava clamando por uma segunda rodada. Limpando a poeira das minhas roupas, olhei para cima. Da beira do prédio, pude ver uma cena que nunca fui capaz de experimentar, mesmo em minha vida passada. Xyrus era uma cidade flutuante, e eu parecia ter esquecido esse fato. Pude ver a orla da cidade onde nuvens isoladas flutuavam nas proximidades. Continuei hipnotizado enquanto os raios do sol poente atingiam as nuvens em um ângulo que as fazia parecer vermelho-fogo. Contrastando com o céu beijado pelo sol abaixo, estava uma cortina de púrpura serena que era a atmosfera.
— Kyu…
Sylvie apoiou a cabeça na borda enquanto também olhava em silêncio. A palavra de tirar o fôlego não era apenas uma expressão neste caso. Era como se a cidade de Xyrus estivesse flutuando em um mar infinito de calêndula macia que se misturava harmoniosamente com a noite estrelada acima. O tipo de vista, que só parecia estar presente nos contos de fadas, só foi possível devido à elevada altitude da cidade. Tirei um colar de metal do meu anel dimensional e comecei a brincar com ele sem pensar.
— …
Durante o tempo que fiquei ali encostado na borda do prédio, quase fui capaz de esquecer o que aconteceu na masmorra; por aquele breve período de tempo, o mundo parecia perfeito.
— Bela vista, não é?
Uma voz familiar envelhecida ecoou por trás.
— É…
Respondi sem me virar.
— É o meu lugar mais precioso, você sabe… venho aqui muitas vezes quando quero descansar minha mente.
Ela respirou
— Mm.
— Vejo que você fez uma aterrissagem e tanto. Terei que pedir que Tricia limpe tudo isso.
— Me desculpe por isso. Eu também vou ajudar.
— Eu ouvi seu grito de guerra. Suspeito que toda a escola estará se perguntando o que aconteceu.
— Haha…
Deixei escapar uma risada abafada.
— …
Esperava que Goodsky viesse se juntar a nós, mas em vez disso, ficou onde estava.
— Você não vai me perguntar como ainda estou vivo?
Perguntei enquanto meus olhos permaneciam grudados na vista do horizonte.
— Parece não ser uma boa hora para perguntar. Estou muito feliz que você esteja vivo e bem.
A voz de Goodsky estava baixa, quase fraca.
— Eu estou bem?
Me perguntei baixinho.
— Estou bem?
Repeti, alto o suficiente para ela ouvir. Um toque de tristeza evidente em meu tom.
— …
Olhei para o colar que estava mexendo. Era uma pequena ardósia de metal manchada de sangue presa a uma corrente grossa. Gravado no colar estava uma imagem de seis lanças formando um círculo; por baixo dessa insígnia estavam as iniciais: A.T. Traçando as letras com o polegar, zombei do quanto parecia uma dog-tag, as mesmas usadas pelos soldados durante os tempos antigos em meu antigo mundo para identificá-los, apenas no caso de seus corpos serem mutilados além do ponto de reconhecimento.
— … O que exatamente aconteceu lá embaixo, Arthur?
A voz da Diretora Goodsky estava hesitante quando perguntou.
Virando-me para encará-la com o melhor meio sorriso que pude reunir, joguei a dog-tag no chão.
— Foi isso que aconteceu.
Respondi, enquanto Goodsky soltou um suspiro suave com uma das mãos cobrindo a boca, enquanto a outra segurava o colar.
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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