POV LYRA DREIDE
Fiz uma pausa em minha correria de uma tarefa para outra, respirando fundo.
O sol pairava acima das montanhas a oeste, com seus últimos raios ainda quentes. A brisa quase constante que soprava no deserto havia diminuído, reduzindo a fina nuvem de cinzas que sempre pairava no ar. Era um dia perfeitamente agradável e, mesmo assim, achei quase doloroso relaxar, pois o esforço era contra o desejo do meu corpo de continuar a verificar os itens da minha lista o mais rápido possível.
Meus deveres me levaram de uma emergência menor a outra por dois dias seguidos e não tive sequer uma breve pausa no que pareciam ser horas. Fechando os olhos, virei o rosto para o sol, deixando que seu calor tocasse meu rosto. Um arrepio me percorreu… a tensão acumulada buscando liberdade.
Senti meus lábios se curvarem em um sorriso.
Isso… isso é o que é ser uma líder. Isso é o que poderia estar fazendo durante toda a minha vida, se ao menos eu soubesse…
Ser admirada, respeitada e até mesmo, ouso dizer, amada… era viciante, ainda mais do que a constante busca por poder e autoridade havia sido antes.
Observar Seris trabalhar e trabalhar ao lado dela enquanto ajudávamos nosso pessoal a se conformar com suas novas vidas, foi gratificante de uma forma que nunca senti antes. Isso me deu esperança. Além disso, talvez mais do que qualquer outra coisa, fiquei feliz pelo fato de Arthur Leywin não ter me matado em Etistin. Não pude deixar de me questionar no início, mas agora…
Ficou claro que eu havia tomado a decisão correta.
Ao deixar o sol beijar minha pele, senti a sensação aguda de olhos queimando minhas costas.
Deixando meus olhos se abrirem, virei-me lentamente e procurei o observador. Não foi difícil identificá-lo: um garoto magro e de óculos estava sentado na beira de uma cama de fazenda, agora olhando atentamente para os joelhos.
Lentamente, ele tentou dar uma olhada rápida para cima, me viu observando-o, ficou vermelho e olhou fixamente para o chão.
Com a curiosidade aguçada, segui na direção do rapaz, com meus movimentos sem pressa, de uma forma que já não estava mais acostumada. Senti-me um pouco mal ao vê-lo começar a entrar em pânico, provavelmente temendo uma repreensão ou algo pior. Era um dos recém-chegados, mas não o conhecia nem sabia a que sangue ele pertencia. Pela tensão com que se comportava e pelo fato de estar isolado quando todos os outros estavam trabalhando duro, suspeitei que estivesse aqui sozinho, talvez até mesmo um residente de classe baixa do segundo nível da Relictombs que se esgueirou durante o êxodo de Seris.
Fiquei de pé sobre ele, com os braços cruzados e os lábios ligeiramente franzidos.
— Algum problema comigo, rapaz? — perguntei. — Está me olhando como se tivesse feito um juramento de vingança contra mim. — Inclinando ligeiramente a cabeça, acrescentei: — Considerando tudo, acho que é possível.
Ele se encolheu, olhou para mim, desviou o olhar, olhou para trás novamente, depois puxou as pernas até o peito e pareceu se encolher.
Relaxei, suavizando minha expressão e postura.
— Fique calmo, criança. Minha intenção era apenas despertar um pouco de bom humor em você. Por que não começamos de novo? Tenho certeza de que você já sabe meu nome, mas sou Lyra. Quem é você?
Ele mastigou a parte interna do lábio, com as engrenagens de sua mente visíveis em seus olhos, depois finalmente se levantou e fez uma reverência.
— Sinto muito, retentora Lyra do Alto Sangue Dreide. Não queria ficar encarando. Eu só… — Ele engoliu pesadamente. — Sou Seth do Alto Sangue Milview.
Milview… Milview? Revirei minha memória, procurando por qualquer conexão com ele. Fiquei um pouco surpresa ao ouvi-lo se autodenominar um alto sangue, mas menos surpresa por não saber nada sobre esse nome.
— Onde está o resto de seu sangue, então? — perguntei, ansiosa para me certificar de que os sangues não estavam sendo separados ao serem realocados para longe do pequeno assentamento onde haviam chegado, que não tinha condições de suportar todos eles.
O rosto do garoto se afundou e percebi a verdade.
— Você está sozinho, então? — perguntei. — Seu sangue foi perdido na guerra?
Ele acenou com a cabeça, um movimento muito leve e nervoso, depois afundou na borda de madeira da cama elevada da fazenda.
— Todos eles foram mortos… aqui. — Ele acenou com a mão para as terras cinzas além da pequena aldeia. — Sangue elevado recentemente… por causa de algo que minha irmã fez na guerra. E depois foi apagado, sem mais nem menos.
Sentei-me ao lado dele, considerando cuidadosamente minhas palavras.
— Você nunca se sentiu como um alto sangue, não é?
Ele balançou a cabeça.
— Na verdade, não. Os outros na academia… bem, não me tratavam como se eu fosse um igual. Não até… — Ele engoliu pesadamente. — Não até o professor Grey… Arthur.
— Ah! — exclamei, lembrando-me do pouco que havia aprendido sobre o tempo em que Arthur Leywin esteve escondido em Alacrya. — Então, você é um dos alunos dele. Foi por isso que você veio para Dicathen? Para seguir seu mentor?
— Não! — gritou ele, rápido demais. Corando, ele olhou para mim com o canto do olho. — Quer dizer, eu simplesmente não tinha outro lugar para ir. Foice Seris queria saber mais sobre minhas concessões, minhas e do meu amigo, então pensei, bem, talvez aqui pelo menos eu possa fazer… alguma coisa? — Ele encolheu os ombros, impotente. — Achei que não poderia voltar para a casa de meu sangue ou para a academia. Não depois de tudo.
Apertei meus lábios em um sorriso tímido, sem dizer mais nada. Claramente, o garoto precisava falar, e estava preparada para deixá-lo desabafar. Pelo menos, com o pouco tempo que tinha disponível.
Ele se levantou novamente e se afastou alguns passos, ficando de frente para o deserto cinzento ao norte.
— Por que Circe teve que morrer apenas por… isso? — perguntou. — Ela morreu mapeando um caminho através disso, foi o que nos disseram, mas agora veja isso. Ela morreu por nada.
Milview…
O nome se fixou em minha mente, trazendo de volta um relatório recebido há muito tempo. Um grande número de Sentinelas foi encarregado de traçar um caminho através das florestas encantadas dos elfos, e foi uma jovem e talentosa Sentinela de sangue nomeado chamada Circe Milview que finalmente teve sucesso onde seus colegas falharam.
— Muitos morreram desnecessariamente nessa guerra — disse, ainda sentada. — Os asura são descuidados com vidas menores. Mas, talvez… — Fiz uma pausa, deixando as palavras no ar. — Talvez suas mortes não tenham sido em vão se elas nos mostrarem que o mundo precisa mudar. Se nos motivarem a fazer essa mesma mudança. Essa me parece ser uma causa mais digna pela qual lutar.
O garoto não respondeu e minha atenção foi atraída para uma figura que se aproximava. Os ombros largos e o couro cabeludo raspado de Anvald, do Sangue Nomeado Torpor, eram óbvios mesmo à distância.
Fiquei de pé e me alonguei, sentindo que meu breve descanso estava chegando ao fim.
— Eu poderia usar a ajuda de um jovem mago motivado — disse pousando minha mão levemente no ombro do garoto. — Se estiver disposto. Tenho certeza de que podemos encontrar tempo para que você continue a ajudar Seris em sua pesquisa também.
Ele me encarou, com os olhos arregalados e lacrimejantes. Limpando a garganta, ele tirou os óculos e passou as costas do braço no rosto.
— Claro — respondeu, colocando as lentes grossas de volta nos olhos.
Anvald parou a alguns metros de distância, com um ar sombrio.
— Lady Seris solicitou sua presença, Lyra.
Não me dei ao trabalho de perguntar do que se tratava. O fato de Seris me solicitar significava que isso tinha a ver com algum conflito entre os recém-chegados e os soldados alacryanos que haviam sido enviados para os escombros de Elenoir pelo Regente Leywin.
— Venha, então, assistente — chamei, de forma um pouco irreverente. Embora não tenha olhado para trás, ouvi os passos hesitantes de Seth atrás de mim. — O que está acontecendo agora, Anvald? Alguma construção nova interrompendo a visão de um antigo alto sangue sobre as intermináveis cinzas?
Anvald bufou.
— Ah, é melhor que eu não influencie sua visão do assunto.
Curiosa, segui o ascendente em silêncio até chegarmos à porta aberta do salão de reuniões do vilarejo, um prédio pequeno e mal cuidado que deixamos vazio para reuniões e coisas do gênero, apenas para tornar as coisas um pouco mais oficiais.
Anvald deu um passo para o lado e para que eu entrasse. Quando entrei, meus olhos demoraram um pouco para se ajustar à luz fraca, mas comecei a entender o que parecia ser uma longa discussão.
— Vassere não tem legitimidade para reivindicar autoridade sobre os soldados Ainsworth de alto sangue — dizia a voz forte de um homem mais velho. — Restam poucas pessoas. Não vou permitir que se ocupem com outras tarefas quando deveriam estar protegendo a mim, minha esposa e meu herdeiro, entendeu? Depois de tudo o que fizemos por esse movimento, de tudo o que sacrificamos, agora nos pedem para nos ajoelharmos diante desse… desse…
Apertei levemente os olhos, que se ajustaram o suficiente para ver Baldur Vassere tentar e não conseguir não revirar os olhos.
— Eu não estou… ugh, certamente, Foice Seris, você pode ver que só estou tentando…
— Mais uma vez, gostaria de lembrar a todos que a classificação de sangue não tem peso algum nesta nova nação de alacryanos — interrompeu Corbett, do Alto Sangue Denoir.
Não, apenas Corbett Denoir, lembrei a mim mesma, pensamento reforçado pelas próprias palavras do homem.
— Há dois dias, todos concordamos em seguir em frente como iguais — concluiu.
Eu me movi para flanquear Baldur, com quem havia trabalhado de perto desde que essa prisão que virou refúgio foi criada para os soldados alacryanos. O próprio Arthur havia encarregado Baldur de reunir os primeiros alacryanos do exército no cerco de Blackbend e guiá-los para o deserto.
Seth não me seguiu, mas permaneceu ao lado da porta.
As sobrancelhas de Seris se ergueram ligeiramente quando ela se dirigiu à minha chegada.
— Alguns dos que vieram comigo questionaram a liderança de Baldur Vassere, Lyra. Acredito que Ector sugeriu aqui que um “primo de segundo grau de um alto sangue de segundo grau” não tinha o direito de dar ordens a alto sangues tão poderosos como Frost e Ainsworth. Parece-me que este é, talvez, o momento exato para ver alguma prova desse nosso novo conceito de sociedade… um em que a ”pureza” do sangue de alguém, conforme determinado pelos Vritra, não é, de fato, o fator para determinar o valor de alguém.
Acenei com a cabeça em sinal de compreensão.
— Os líderes desta sociedade devem ser pessoas que conquistaram o direito por meio de ações, que seus pares consideram como líderes de boa vontade, com aceitação, esperança e, acima de tudo, confiança. Baldur Vassere tem sido esse líder aqui. Foi ele quem lançou as bases para os primeiros acampamentos, reunindo os derrotados, desanimados e furiosos do exército alacryano e impedindo-os de implodir por tempo suficiente para formar um canal para alimentos e água, além de construir um punhado de estruturas precárias para evitar que o sol os assasse.
Encontrei os olhos das pessoas ao meu redor, uma de cada vez: Ector Ainsworth, Lars Isenhaert, Corbett Denoir, um mago chamado Udon Plainsrunner, que trabalhava com Baldur, e o próprio Baldur, que se virou para me dar um sorriso fraco.
— Durante toda as suas vidas, vocês mantiveram escudos de preocupação e paranoia, considerando as implicações até mesmo das menores interações com outros alto sangues, enquanto lutavam para abrir espaço para si mesmos e seus sangues, famílias, em meio ao frenesi interminável que era a política alacryana.
“Agora é a hora de baixar os escudos, senhores. Vocês não estão mais disputando posição entre seus pares, mas trabalhando para garantir nossa sobrevivência coletiva.”
Após concluir, dei uma olhada para Seris a fim de avaliar sua reação, um movimento reflexivo que não pude evitar, apesar da mensagem que acabara de transmitir aos outros. Seria necessário mais do que alguns dias para deixar de lado uma vida inteira de hierarquia.
Ector Ainsworth cruzou os braços e desviou o olhar. Lars parecia estar seguindo as dicas de Ector, enquanto Corbett Denoir tinha a aparência de alguém que estava ansioso e profundamente cansado. Udon e Baldur, ambos soldados que não estavam acostumados com esse tipo de política, mexeram-se desconfortavelmente.
— Talvez pudéssemos levar essa conversa para o vilarejo — sugeri, indo em direção à porta. Fiz um gesto para que Seth passasse na minha frente. — Há outros que eu gostaria de apresentar a vocês, líderes entre as pessoas daqui. Não em virtude de sua posição militar ou linhagem, mas por seu trabalho árduo, talento e auto-sacrifício.
Embora a tensão ainda fosse evidente, especialmente por parte de Ector, todos seguiram Seth e eu até a luz do sol.
— Nossos magos com runas do tipo afinidade com a terra têm sido de grande valia — disse, apontando para o prédio de onde tínhamos acabado de sair. — Junto com o punhado de magos nos desertos que tinham experiência prévia com a construção e a conjuração de edifícios. Talvez não reconheçam isso agora, mas o simples ato de construir algumas casas foi essencial para o nosso sucesso aqui, e devemos muito àqueles que foram fundamentais no processo.
Ector, Lars e Corbett examinaram a estrutura sem entusiasmo, claramente não encantados com a explicação. Precisava admitir que o simples edifício quadrado, formado por tijolos feitos de cinzas, sustentado por madeiras da Clareira das Bestas e coberto por telhas onduladas de argila sem cor, não era uma imagem idílica, especialmente para aqueles que vinham de enormes mansões projetadas pelos melhores arquitetos e Imbuidores de Alacrya, mas a função, nesse caso, era muitas vezes mais importante do que a forma. No final, esperava apenas que vissem o propósito das estruturas e a importância das pessoas por trás delas.
Depois de dar a eles um momento para examinar o prédio, os levei a um terreno agrícola próximo e os apresentei ao irmão de Udon, Idir, um soldado que trabalhava em Xyrus e que agora era um de nossos mais proficientes cultivadores de solo fértil trazido da Clareira das Bestas.
— Um exército inteiro à nossa disposição, e ainda assim sofremos com a falta de construtores e fazendeiros — murmurou Lars para Ector.
— Pelo contrário — rebati —, temos mais do que o suficiente de ambos. Só precisam de treinamento e prática. Felizmente, há muito disso em estoque para qualquer pessoa disposta a experimentar algo novo.
Lars se mexeu desconfortavelmente e limpou a garganta, mas aparentemente não tinha mais nada a dizer.
Foi quando nos afastamos do terreno agrícola que algo mudou no ar.
Seris sentiu isso primeiro, sua cabeça se virou para o sul. Cylrit, que a estava acompanhando como uma sombra, mudou rapidamente para uma posição defensiva na frente dela. Segui a linha de seus olhares sérios até as árvores da Clareira das Bestas. Um instante depois, também fui atingida.
Uma assinatura de mana intensamente potente, acompanhada de uma intenção desesperadamente esmagadora vindo em nossa direção, voando sobre o emaranhado selvagem da floresta e ficando mais forte a cada momento.
Uma onda percorreu os magos reunidos, eliminando qualquer pensamento sobre a conversa que estávamos tendo. Não eram apenas alguns de nós que estavam presentes. Idir e três outros cuidavam das terras agrícolas enquanto dezenas de alacryanos se movimentavam, alguns carregando madeira para novas construções, outros baldes de água, alguns apenas vagando, sem saber o que fazer. Perto dali, um punhado de crianças estavam sentadas com uma garota de cabelos curtos e dourados, que lhes ensinava sobre magia.
Todos sentiram isso.
Ao meu lado, Seth Milview agarrou minha manga, com as mãos trêmulas.
À medida que a pressão aumentava, alguns não conseguiram evitar dar um passo atrás, sentindo o peso da pressão mesmo a essa distância. Outros, fiquei preocupada ao ver, cambalearam em direção à assinatura, com os maxilares frouxos e rostos expectantes, quase reverentes. Esperançosos.
Tolos, pensei distraidamente, minha própria voz interna distante e calma, como se minha mente já tivesse se afastado do poder que se aproximava.
Seris entrou em ação, assumindo o comando e dando ordens.
— Ainsworth, Denoir, comecem a reunir os sangues. Certifiquem-se de que as pessoas permaneçam juntas, mantenham a ordem, não permita que o pânico tome conta de nossos números. Aqueles que já estão se preparando para deixar a aldeia, façam com que se movimentem. Vassere, organize uma retirada para o deserto. Qualquer um que permaneça aqui pode ser um perigo para nós ou para si mesmos. Divida a aldeia a leste e a oeste, em direção às próximas cidades da fila. Vão!
Dei alguns passos à frente, puxando Seth comigo enquanto olhava para as árvores em busca da origem da assinatura.
— Ali — disse, embora tenha saído apenas em um sussurro.
Uma criatura alada, maciça e negra como o céu noturno, voou à vista, passando por cima das árvores. Em segundos, estava girando sobre nós, com um grito áspero saindo de sua enorme boca.
Minha mente estava confusa. Um Vritra, em seu estado totalmente transformado…
Ver um basilisco voando nos céus de Dicathen… tal coisa nunca havia sido vista em Alacrya em minha vida. Ver um aqui, agora… parecia o cúmulo do impossível.
Tudo o que conseguia pensar era que a fuga de Seris das Relictombs havia finalmente levado Agrona a tomar medidas extremas e acabar com nossa incipiente nação de soldados e rebeldes.
Com a rapidez de uma pedra de catapulta caindo, o basilisco desceu, aterrissando na metade de um dos canteiros da fazenda, seus pés com garras revirando o solo, rasgando as plantações e fazendo os agricultores se esparramarem, seus gritos quase se perdendo no barulho das enormes asas batendo contra o ar quente do fim da tarde.
Seth tropeçou e caiu para trás, mas eu não conseguia desviar meu olhos da visão do basilisco à minha frente.
Mesmo com meu medo, foi realmente um espetáculo.
Seu corpo era uma única e longa tromba serpentina revestida de escamas negras como breu e forrada de espinhos desde a ponta de sua cauda em forma de chicote até a base de seu pescoço grosso. Seis membros poderosos se projetavam do corpo comprido, cada um terminando em uma garra com lâminas semelhantes a foices, e quatro asas finas e coriáceas cresciam acima dos membros anteriores, agora enroladas ao redor do corpo contorcido do basilisco como um escudo protetor.
A cabeça reptiliana balançou de um lado para o outro, olhando para a aldeia, sua boca se abrindo e fechando para revelar o vazio escuro de sua garganta, o estalo que a acompanhava rasgando o ar como o estilhaçar de uma pedra, o cheiro de carne crua e enxofre fazendo meu estômago revirar.
Sua cauda se agitava para frente e para trás, lascando uma árvore murcha e passando a foice sobre as cabeças das crianças paralisadas.
Seus olhos vermelhos flamejantes, quatro de cada lado do rosto alongado, examinavam cada uma das pessoas presentes.
Como se estivesse decidindo qual de nós devorar primeiro, não pude deixar de pensar.
Mas a aura do basilisco era frenética e punitiva, atingindo-nos como a maré em uma manhã tempestuosa. Era descontrolada e selvagem, não era a intenção armada de um ser maior, mas uma manifestação indomável de… terror abjeto? Era difícil de conceber, especialmente com o peso disso me esmagando.
As ordens de Seris não sobreviveram ao pouso repentino do basilisco e não conseguia mais distinguir a diferença entre reverência e horror nos rostos das pessoas ao meu redor. Todos estavam congelados, cada par de olhos fixos no asura. Ninguém se mexeu.
Ninguém, exceto Seris, que avançou, de alguma forma não se deixando abater pela pressão.
A cabeça reptiliana, grande o suficiente para engolir dez menores em uma única mordida, girou, com todos os oito olhos focados nela.
— Foice… — Sua voz era como as lâminas de uma serra rasgando madeira dura e o corte de metal sob o vento de um furacão.
Nem mesmo Seris conseguiu disfarçar totalmente seu medo ao encarar o basilisco, sua postura muito rígida e seu queixo muito alto.
— Soberano Oludari Vritra…
Senti meu estômago se contrair dolorosamente. Não um basilisco qualquer, mas o Soberano de Truacia. Já o havia encontrado antes, mas não reconheci sua mana nessa forma. Porém, não foi isso que me fez sentir algo estranho.
Não havia motivo para um Soberano aparecer em Dicathen. O Alto Soberano não teria enviado Oludari para nos extinguir, nem Oludari teria decidido assumir tal tarefa sozinho. Simplesmente não era assim que as coisas eram feitas. Os soberanos quase nunca saíam de seus próprios domínios. Eram paranoicos e possessivos, sempre atentos e protegidos. Como Oludari era o último dos Soberanos, ele deveria estar tomando todas as precauções contra…
O último dos Soberanos… fugindo para Dicathen…
O que isso significa? Perguntei a mim mesma, lutando para manter o bom senso.
Ele começou a se transformar, encolhendo à medida que os membros poderosos se tornavam braços e pernas, o corpo serpentino condescendendo com a forma ereta de um homem. As asas caíram por trás de suas costas curvadas, tornando-se parte das vestimentas de batalha escuras que se agarravam à sua estrutura magra. O rosto pontiagudo se achatou até que seu rosto pálido fosse reconhecível, seus olhos de rubi nos encarando, dois chifres em espiral apontando para o céu acima deles.
Oludari, nas duas ocasiões em que o vi pessoalmente, estava impassível e concentrado. Agora, havia uma selvageria maníaca em seus olhos que não imaginava ver em um asura; seu rosto estava contorcido por um medo tão palpável e inesperado que era difícil de olhar, pois ao vê-lo, tive vontade de fugir para o deserto e nunca mais olhar para trás.
O Soberano avançou e não pude deixar de tropeçar, incapaz de manter a compostura.
Meus sentidos me abandonaram enquanto me esforçava para entender o que estava vendo. Aos meus olhos, parecia que o Soberano havia se jogado aos pés de Seris, com suas mãos pálidas e trêmulas arranhando as pernas das vestes dela. As palavras balbuciantes saíam de sua garganta e entre os dentes, minha mente juntava o significado delas com a eficiência de um ovo cozido.
— Foice Seris… o último, eu sou o último… vai me matar também, eu sei disso! Você precisa me ajudar. Escapar, de volta para Epheotus, mas não consigo… o portal, a fenda, posso senti-lo, mas não consigo encontrá-lo! Você precisa me ajudar, eu… ordeno! Por favor?
Tradução: NERO_SL
Revisão: Crytteck
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