POV KATHYLN GLAYDER
Corri pelos longos e estranhamente e vazios corredores do Palácio de Etistin em direção à Ala Leste, onde dois convidados muito incomuns me esperavam.
Meu pulso batia rápido, impulsionado pelo meu nervosismo inexplicável.
Acalme-se, Kathyln, pensei, minha voz mental soando muito parecida com a da minha falecida mãe, mas tudo mudou tão rápido após o aparecimento dos dragões, com Curtis e eu sendo arrastados por uma maré que não podíamos controlar ou lutar contra, eu só tinha começado a me adaptar a essa nova realidade. Era natural que esses visitantes que perguntavam por mim e apenas por mim me deixassem nervosa, dado o contexto político.
A batida dos meus pés no chão de mármore ressoou nas paredes e voltou para mim como um eco sutil, como se alguém estivesse andando logo atrás de mim. Normalmente tais sons não seriam perceptíveis no palácio; o zumbido monótono, mas constante, das conversas, ou dos passos concorrentes, ou o ruído das lâminas de treinamento vindo do pátio, iriam engoli-lo.
Mas poucos conseguiriam ficar no palácio agora, tão perto das auras pesadas dos dragões, Força do Rei, como a chamavam.
Passei por um guarda, cuja postura ereta se endireitou ainda mais ao me ver. Ele não olhou nos meus olhos, mas senti seu olhar queimando minhas costas depois que passei. Ele poderia sentir minha ansiedade, me ler como um livro aberto? Fiquei atenta aos passos blindados do homem que se retirava pelo corredor para relatar meu comportamento estranho ao Guardião Charon.
Estou sendo tola, reconheci. Não sucumba à sua mente hiperativa. Mais uma vez, o pensamento na voz da minha mãe…
Ao me aproximar da sala de estar onde meus convidados haviam sido colocados para aguardar minha chegada, endireitei meu vestido e fixei um sorriso de boas-vindas no rosto, sentindo-o tremer apenas levemente.
Os dois já estavam de pé quando entrei, com os olhos voltados para a porta.
Eles tinham olhos desumanos, um par do ouro líquido como o reflexo do sol na água, o outro como dois rubis brilhantes.
— Lady Sylvie — cumprimentei-a com uma forte reverência, mas superficial, sem saber exatamente como ela se classificava na política atualmente complicada de Epheotus e Dicathen.
Ela retribuiu com uma reverência muito mais profunda, um gesto respeitoso, mas também despreocupado, que me fez arrepender da minha saudação calculada. O cabelo claro caía sobre seu rosto, brilhando contra os chifres escuros que se curvavam nos lados de sua cabeça. Quando se endireitou, sorrindo, fiquei impressionada com sua altura e a nitidez de suas feições.
Eu não deveria estar. Era natural que ela envelhecesse e crescesse, mas na última vez que a vi, em algum momento durante a guerra, nem tinha certeza de quanto tempo fazia, ela se apresentou fisicamente como uma criança quando estava em sua forma humanoide. Agora ela era uma mulher jovem, mas a confiança e a maturidade que irradiavam dela como uma aura a faziam parecer muito mais velha.
Ela deu um passo à frente rapidamente, e seu vestido preto balançou e refletiu a luz, suas milhares de minúsculas escamas pretas brilhando.
Enrijeci quando ela me envolveu em um breve abraço.
Ela não pareceu notar quando me soltou, ainda radiante.
— Lady Kathyln. É bom ver você de novo. Obrigada por se encontrar conosco em tão pouco tempo. Não tenho dúvidas de que você está muito ocupada e entendo que a natureza da nossa chegada seja um tanto… incomum.
Quando ela disse “nossa”, virei-me para sua companheira de olhos vermelhos.
O cabelo azul caía sobre os ombros da mulher corpulenta, simultaneamente escuro ao lado dos chifres negros que envolviam sua cabeça como uma coroa e brilhante ao emoldurar aqueles olhos de rubi. Ela era Alacryana, um dos seres que eles chamavam de sangue Vritra. Ela estava suprimindo sua mana, impedindo-me de avaliar adequadamente o nível de seu núcleo, embora isso por si só me dissesse algo: ela era mais forte que eu.
A mulher copiou o arco de Lady Sylvie, embora não tenha quebrado o contato visual, dando ao movimento um ar quase agressivo.
— Lady Kathyln Glayder. Meu nome é Caera do Alto Sangue Denoir. Como Sylvie disse, obrigada por nos receber.
Apontei para um sofá rígido em frente a uma cadeira de encosto alto, pegando a cadeira para mim. Meus dedos foram automaticamente para as ranhuras cuidadosamente esculpidas na madeira do braço, traçando as linhas enquanto as considerava.
— Lady Sylvie, acho um tanto desconcertante que você tenha perguntado por mim em segredo quando há membros de sua própria raça presentes neste mesmo palácio. Por que não procurar o conselho de sua própria espécie? Além disso, por que manter sua presença em segredo?
Sylvie sentou-se muito bem, com o olhar inabalável. Foi muito fácil vê-la como uma princesa divina da distante terra dos dragões. Era um pouco mais difícil ter em mente meu próprio propósito e a orientação que recebi do Guardião Charon e Windsom sobre como Arthur e seus companheiros seriam tratados caso retornassem a Etistin.
Reunir-se com eles em segredo pelas costas do Guardião Charon certamente não fazia parte dessa orientação.
— Arthur me enviou para informá-la sobre um possível ataque ao palácio — disse ela, conseguindo ser ao mesmo tempo confiante e consoladora. — Um ataque visando os dragões que, no entanto, colocaria você e seu irmão em perigo extremo.
Senti o desejo dos meus lábios de franzir, mas os mantive firmes, mantendo cada músculo do meu rosto em seu lugar natural, assim como minha mãe me ensinou desde muito jovem.
— Espero que tenha mais a dizer do que isso. Um ataque aos dragões… quem ousaria tal coisa? O fato de você estar aqui oferecendo um aviso deixa claro que considera a ameaça sincera, mas não consigo imaginar quem, exceto os asuras inimigos, seria um perigo relevante.
Sylvie pareceu considerar algo por um momento, então as palavras começaram a fluir dela enquanto tecia uma história de visões e poderosos assassinos matadores de asura, dragões mortos e até minha própria morte. Fiquei surpreendentemente impassível quando ela explicou essa parte, embora sua menção à morte do meu irmão tenha causado arrepios em toda a minha pele.
Mantive minha postura e expressão o tempo todo, mas por dentro era um mar agitado de incertezas. Estava ciente da luta de Arthur contra essas “Assombrações” em Vildorial, assim como Windsom e o Guardião Charon, mas era opinião dos dragões que os soldados de Agrona não representavam a eles, ou a nós, qualquer ameaça. A guerra acabou e os dragões protegiam Dicathen.
Talvez não fosse justo com Lady Sylvie, mas também era cética em relação a quaisquer visões que afirmassem prever eventos futuros. Meus pais, como rei e rainha de Sapin, foram cercados por adivinhos e videntes que tentavam vender profecias a cada momento. Exceto a Anciã Rinia, nunca conheci ninguém que afirmasse ser um oráculo e pudesse dizer o tempo do dia seguinte.
A mulher Alacryana, Caera, ouviu tão extasiada quanto eu, claramente não sabendo de toda a história até aquele momento. Outro ponto de estranheza trabalhando contra elas.
Quando terminou, Lady Sylvie ficou em silêncio enquanto esperava pela minha resposta, dando-me tempo para formulá-la adequadamente.
— Perdoe-me. Isso é muita coisa para absorver — respondi, procurando em seus olhos dourados qualquer sinal de engano, mas não encontrei nenhum. Imaginei Arthur perseguindo uma criatura de sombra sem rosto pelas ruas de Etistin naquele exato momento e um arrepio percorreu meu corpo. — Admito, ouvir sua história só me deixou mais confusa. Se o objetivo é impedir este ataque ao Guardião Charon, por que não falar diretamente com ele?
Pensei na pergunta enquanto a fazia e cheguei à resposta sozinha.
— Não quer que os outros dragões saibam que você está aqui até que Arthur esteja com você. E Arthur não quer ir para Charon sem alguma prova da presença das Assombrações. — Senti uma pequena carranca franzir meus lábios e então suavizá-los. — Esses dons de previsão são comuns entre sua espécie, Lady Sylvie?
Sua cabeça inclinou ligeiramente para o lado enquanto ela me considerava.
— Não. Arthur sempre confiou em você, Kathyln, por isso escolhi confiar também. Espero ter tomado a decisão correta.
Vindo de qualquer outra pessoa, as palavras farpadas teriam provocado minha ira, mas vindo deste dragão de olhos dourados, tudo que consegui pensar foi que também esperava que ela estivesse certa em me dizer a verdade.
— Há uma reunião do conselho geral amanhã — disse após uma longa pausa. — O que você descreve parece o que nós…
Mana irrompeu à distância e esqueci o que estava dizendo, em vez disso olhei para a parede na direção da fonte.
— Uma arte de mana do tipo decadência — disse Caera, franzindo a testa. — Isso foi muita mana.
Levantei-me de repente, alisando meu vestido.
— Fiquem aqui. Ninguém vai incomodar vocês, mas os dragões também devem ter percebido isso, inferno, a cidade inteira deve ter percebido. Preciso ter certeza de que não haja pânico.
Antes que qualquer uma das mulheres pudesse falar, virei e marchei para fora da câmara. O guarda de antes havia saído de seu posto e estava parado no meio do corredor, olhando como se esperasse que um exército de Alacryanos atacasse a qualquer momento. Ele girou e fez uma saudação quando ouviu minha aproximação.
Passei por ele e me dirigi à entrada principal do palácio. Como esperado, encontrei Curtis, parado no pátio externo e olhando para o leste. Ele olhou para mim enquanto eu me movia para ficar ao seu lado.
— Você sentiu isso? — Ele perguntou, franzindo a testa. Grawder, o leão mundial do meu irmão, soltou um rosnado baixo e Curtis deu um tapinha em sua crina.
Não respondi, quando Windsom entrou no pátio naquele momento, todos os fios de cabelo estavam no lugar, seu uniforme estilo militar tão impecável e bem cuidado como sempre. Seus olhos etéreos de noite estrelada olhavam para cima, segui seu olhar no momento em que um dragão transformado apareceu, sua sombra nos varrendo e acelerando em direção à fonte da explosão.
— Achei que tínhamos concordado que não haveria dragões transformados na cidade — disse sem entusiasmo, sabendo que meu protesto cairia em ouvidos surdos.
Ao meu lado, Curtis se mexeu nervosamente. Os dragões o deixavam inexplicavelmente nervoso e ele odiava sempre que eu dizia ou fazia algo que considerava “impertinente”.
Não tivemos que esperar muito pelo retorno do dragão.
O enorme ser reptiliano azul pousou bem no pátio conosco, o vento de suas asas me fazendo tropeçar. Grawder se moveu entre nós, protegendo Curtis e a mim com seu corpo.
Assim não vi imediatamente o passageiro que viajava nas costas do dragão, não até que baixei o braço e contornei Grawder.
Arthur, com sua aparência física tão alterada que ainda me pegou desprevenida ao vê-lo, deslizou até o chão e começou a caminhar em nossa direção, sem se importar com a divindade à suas costas, como se montasse em um dragão o tempo todo.
Assustei-me, quase rindo sozinha, embora meu senso de decoro, há muito praticado, tenha impedido isso. Claro, é porque ele sempre monta um dragão…
— Chamem o Guardião Charon! — Edirith, o dragão azul, anunciou, sua voz tão gigantesca quanto sua forma dracônica. — Eu trouxe aquele chamado Arthur Leywin! Chamem o Guardião!
Windsom deu um passo à frente e levantou a mão, Edirith se acalmou e ficou em silêncio antes de retomar sua forma humanoide. Windsom sorriu calorosamente para Arthur e abriu a boca para falar, mas Arthur passou direto por ele, em vez disso se aproximando de Curtis e de mim. Tracei suas feições marcantes com meus olhos, procurando pelo garoto que conheci na Academia Xyrus ou pelo jovem general que se tornou durante a guerra, mas assim como da última vez que o vi, esse novo Arthur apresentava muito pouco de quem tinha sido antes.
Ainda assim, talvez esteja ainda mais bonito do que antes, se isso for possível.
Limpei a garganta, afastando minha distração.
— Arthur, é um prazer ver você.
— Kathyln. — Inesperadamente, ele estendeu a mão e me puxou para um abraço. Um arrepio percorreu minha pele quando seus lábios se aproximaram tão perto do meu ouvido que pude sentir o sussurro de sua respiração quando ele disse: — E os outros?
Compreendendo, devolvi seu abraço como faria com um velho amigo e balancei a cabeça levemente.
Ele me soltou e endireitei meu vestido novamente, evitando cuidadosamente olhar na direção de Windsom enquanto ele estendia a mão para meu irmão.
— Curtis. — Ele disse enquanto apertavam as mãos. — Está deixando crescer a barba. Não tenho certeza se está funcionando para você.
Curtis soltou a risada infantil pela qual era conhecido em Sapin, mas a alegria disso não alcançou seus olhos. Ele estava cauteloso, atento, e Grawder percebeu a tensão, abaixando a cabeça e sacudindo a crina, os olhos brilhantes fixos em Arthur. Já se foram os dias de camaradagem na Academia Xyrus entre os membros do Comitê Disciplinar.
Odiei que a política envenenasse meus pensamentos naquele momento, já que sabia o que meu irmão estava pensando. Embora não houvesse como escapar disso. Nosso país, e todo o nosso continente, estava muito instável para não considerar todas as opções enquanto tentávamos reconstruí-lo.
— Então, Arthur Leywin finalmente nos agracia com sua presença — disse Windsom, com as mãos cruzadas nas costas. — Olá, garoto. Onde está a neta do meu senhor? Espero que você não a tenha perdido. De novo.
Arthur e Windsom combinaram olhares hostis, uma disputa que não podia deixar de esperar que o asura vencesse. No entanto, Arthur não parecia um homem estudando uma divindade. Não, ele não foi inferior nesta disputa de vontades. Havia algo nitidamente predatório em seus olhos que me fez instintivamente dar um passo para trás.
— Sylvie está bem. Segura, que neste caso significa longe de você no momento. Tenho novidades para quem está no comando dos dragões — disse Arthur, sua voz ausente de qualquer desrespeito óbvio, mas ainda conseguindo soar diretamente combativa. — Imagine minha surpresa ao saber que não era você, velho amigo?
A cada palavra que os dois trocavam, eu ficava mais desconfortável.
Os dragões passaram meses conosco em Sapin ajudando a reconstruir e nos mantendo a salvo de ataques adicionais de Alacrya. Às vezes, eram difíceis de entender e seu temperamento não era igual ao de nenhum humano, elfo ou anão que já conheci, mas isso era de se esperar. Eles não eram como nós e era impróprio avaliá-los com base em nossas métricas.
Ainda assim foi Arthur quem varreu o continente como uma tempestade de fogo para destruir a ocupação Alacryana. Arthur também foi responsável pelo tratado com o senhor de Epheotus, o dragão Kezess Indrath, que trouxe os dragões para nossas costas.
Ver o conflito deles causou uma dor aguda e cáustica em meu estômago. Dicathen não podia permitir que essas forças se enfrentassem, embora achasse que entendia o motivo da atitude de Arthur, pelo menos.
Afinal, a fumaça ainda subia sobre grande parte de Elenoir, onde nosso antigo aliado, General Aldir, transformou as florestas em cinzas.
Temia a ideia de me enfiar como uma agulha entre essas duas forças titânicas, mas quem mais poderia fazer isso? Havia muito mais em jogo para permitir que a antipatia entre eles prejudicasse o futuro de todo o nosso continente.
Dando um passo à frente para que o movimento chamasse a atenção deles para mim e não para o outro, gesticulei em direção à entrada do palácio.
— Windsom, Edirith, por favor, acompanhem-me enquanto escolto Arthur até o Guardião Charon. — Mantendo meu tom o mais neutro que pude, continuei: — Charon Indrath está… ansioso para se encontrar com você, Arthur. Tenho certeza de que ele estará disposto a ouvi-lo.
Arthur relaxou e parou ao meu lado, estendendo o braço para eu pegá-lo. Windsom virou-se e marchou para longe sem olhar duas vezes, com as mãos agarradas nas costas, enquanto Curtis marchava um tanto desajeitadamente para o outro lado de Arthur. Edirith veio atrás de nós, sua aura agitada nos açoitando como um chicote. Meu corpo estava rígido de tensão, cada passo era como se eu estivesse atravessando um vidro quebrado, mas segurei a barra.
De alguma forma, apesar da sua intensidade anterior, Arthur parecia relaxado e à vontade, como se estivéssemos dando um passeio à tarde nos jardins do palácio. Eu preferiria caminhar pelos jardins do que…
Afastei o pensamento impróprio assim que reconheci para onde ele estava indo. Eu era o fio que costuraria a ferida entre o Guardião Charon e Arthur, e não podia me dar ao luxo de começar a demonstrar favoritismo. Os pensamentos eventualmente se transformaram em ação, mesmo inadvertidamente.
Quando chegamos à sala do trono, não fiquei surpresa ao ver que todo o conselho já havia sido convocado. Embora tenhamos demorado séculos para discutir até mesmo as questões mais simples, quando o Guardião os chamou, eles praticamente se teletransportaram para cá. Não usarei isso contra eles, no entanto. A presença dos dragões era avassaladora, e o próprio Guardião ainda mais. Eles simplesmente jogaram o jogo da política da melhor maneira que puderam.
Otto e o primo Florian estavam de cabeça unida, sussurrando animadamente. Lorde Astor estava tão perto do Guardião Charon quanto ousava, e vi Jackun Maxwell e Lady Lambert também. Os outros membros do conselho conversavam calmamente entre si ou esperavam em tenso silêncio.
O próprio Charon sentou-se rigidamente no estrado ao pé do trono, onde sempre se sentava quando os acontecimentos nos obrigavam a usar esta sala. O dragão não precisava de um trono para parecer real ou poderoso.
Uma fileira de guardas alinhava-se nas paredes à esquerda e à direita, pelo menos quatro vezes o número que normalmente solicitamos para tais eventos. Era uma exibição impressionante, que me levou de volta aos meus dias de criança nestes mesmos corredores, quando era meu pai sentado naquele trono com minha mãe ao seu lado.
Eu me senti fria e distante ao pensar neles. Sabendo que aquela emoção específica seria útil para o que estava por vir, segurei-a com força.
Windsom parou antes de atravessarmos um quarto da sala do trono, forçando-me a parar atrás dele. Ele abriu a boca para nos apresentar, mas hesitou quando o som agudo de passos continuou a ressoar pela câmara cavernosa.
Todos os olhares gravitaram para Arthur quando ele me deixou para trás, passou por Windsom como se o dragão fosse tão comum quanto uma artemísia e seguiu direto para o Guardião, com passos ininterruptos de nervosismo ou amargura. Só pude observar, fascinada, enquanto Arthur atravessava a sala do trono como um riverskin caçando na baía.
Edirith se apressou atrás dele, a mão poderosa fechando-se sobre o ombro de Arthur.
— Ninguém se aproxima do Guardião sem…
Arthur se virou, seus olhos dourados brilhando como o fio de uma lâmina.
O dragão vacilou e Arthur continuou, sem diminuir o passo.
A câmara inteira permaneceu congelada em antecipação extasiada.
— Guardião Charon — disse Arthur. Ele parou de andar enquanto falava, ficando bem diante do trono, o som de sua voz como a quebra do feitiço, e toda a congregação pareceu respirar de uma só vez. — Guardião… Não pensei em perguntar a Vajrakor de quem foi a ideia desse título. É que ele e eu não nos demos muito bem. Espero que esta reunião ocorra melhor.
Charon ficou de pé, cabeça e ombros acima de Arthur em seu lugar no trono, mas não ficou ali, optando por descer e encarar Arthur nos olhos.
A energia crepitava como uma força física entre eles enquanto se olhavam. Houve um conflito silencioso e imóvel entre eles, ou melhor, a intenção que ambos empunhavam como uma arma. De certa forma, eram uma espécie de espelho um do outro.
Charon tinha a mesma altura de Arthur e ainda assim parecia elevar-se sobre todos ao seu redor. Sua constituição não era poderosa, combinando com a capacidade atlética esbelta e graciosa de Arthur, mas sua força bruta era visível em cada movimento seu. Ele compartilhava o cabelo claro de Sylvie, o que presumi ser uma característica Indrath, isso tem algo a ver com a transformação de Arthur, não pude deixar de me perguntar? Mas seus olhos eram profundos, poças escuras de um roxo ameixa.
Em face, porém, os dois não eram nada parecidos. Embora Arthur tivesse retornado mais velho, com o rosto mais afilado e maduro do que antes da guerra, ainda parecia um menino em comparação a Charon, cujas feições estavam grisalhas com as cicatrizes de mil batalhas, marcadas por queimaduras antigas e endurecido em expectativa inflexível.
Era um rosto que evocava medo e respeito com nada mais do que um olhar.
O que não acontecia era sorrir com frequência, mas mesmo assim a bochecha cheia de cicatrizes do Guardião se contraiu e o canto de seus lábios se curvou em diversão.
— Sim, Vajrakor foi bem minucioso em sua descrição daquele encontro, bem como em sua abordagem, suas habilidades e temperamento.
Windsom interpretou isso como uma espécie de deixa e avançou novamente, assumindo sua posição à esquerda. O guarda dragão flanqueou Charon. Querendo que minha posição física permanecesse neutra, fiquei em frente ao grupo de Windsom, meu irmão ao meu lado.
— Bem-vindo a Etistin, Arthur Leywin — disse Charon, sua voz profunda era como um estrondo. — É bom que finalmente nos encontremos, mesmo que as circunstâncias não sejam as ideais. A perturbação fora da cidade… o que você estava fazendo?
Arthur examinou a multidão de conselheiros e guardas.
— Talvez pudéssemos falar em um ambiente menos público? — Arthur sugeriu calmamente.
O Guardião fez um gesto repentino e brusco com a mão. As duas filas de guardas giraram os calcanhares e começaram a marchar para fora da sala do trono, criando um corredor entre eles por onde os conselheiros e outros tipos nobres também poderiam sair, embora este último grupo o fizesse de forma hesitante, sem a rápida precisão militar do soldados.
Curtis se mexeu, olhando para os conselheiros em retirada, sabia que ele gostaria de poder se juntar a eles. Ele e eu estávamos sob constante bombardeio de “orientação” de nossos conselheiros desde que Lyra Dreide encerrou oficialmente a ocupação de Dicathen e Arthur nos deixou no comando de Etistin. Nem todos os conselhos que recebemos foram o que eu chamaria de “bons conselhos”, e isso só piorou desde a chegada dos dragões. Curtis, em particular, lutou para equilibrar seus próprios desejos com os do povo, dos dragões e de nosso conselho eleito.
A verdade é que precisávamos dos dragões. Precisávamos do seu poder e da sua liderança, da confiança que isso daria ao nosso povo no futuro. Muita coisa aconteceu — a morte dos reis e rainhas, a derrota das Lanças, a perda da guerra e da subsequente ocupação, a destruição de Elenoir — para que o nosso povo simplesmente esperasse que poderíamos reconstruir o que havíamos perdido.
Os dragões forneceram uma nova base sobre a qual construir e, sem eles, temia que o chão estivesse sempre à espera de ruir debaixo dos nossos pés.
Mesmo assim… fui criada em torno da política e das intrigas judiciais durante toda a minha vida. Pude ver a manipulação da opinião pública enquanto acontecia; os dragões vinham minando silenciosamente a visão que o povo tinha de Arthur. Era uma mentalidade de “fora com o velho, entre com o novo”, que entendia, mas era terrivelmente injusta com um homem que deu tanto para nos salvar.
Também foi ele quem negociou a proteção dos dragões. Senti que era necessário confiar que ele sabia o que estava fazendo.
O último membro da multidão saiu e dois guardas trabalharam juntos para fechar as grandes portas da sala do trono.
— Melhor? — O Guardião Charon perguntou, estendendo as mãos ao lado do corpo enquanto gesticulava em torno do espaço amplo e vazio. — Agora, o que você está fazendo aqui? O que aconteceu?
Arthur recontou a história que Lady Sylvie me contou, embora tenha omitido a parte sobre ela aparentemente ter testemunhado o ataque em uma visão. Arthur, na verdade, parecia encobrir como exatamente a evidência de um ataque havia chegado até ele.
— Embora eu tenha eliminado um, haverá outros — concluiu Arthur. — Também não posso prometer que isso irá dissuadir o ataque.
Charon cruzou os braços e tirou uma mecha de cabelo do rosto. O olhar de intensidade que ele projetava era algo que já tinha visto muitas vezes antes.
— Garanto a você que não preciso de proteção contra os soldados de Agrona. Sua vitória anterior sobre as Assombrações deveria ter desiludido você dessa noção de que elas podem derrotar minha espécie. Certamente não os guerreiros. Prometo a você, Kezess não enviou agricultores ou crianças em treinamento para proteger este continente.
Arthur deu alguns passos enquanto começava a andar, depois forçou-se a ficar quieto. Seus olhos saltaram para os meus por um breve instante de contato.
— Mesmo em uma batalha que você os derrotasse, poderia resultar na morte de dezenas, até mesmo centenas de moradores da cidade. Tudo o que peço é que me ajude a vasculhar a cidade e a zona rural circundante. Vamos ter certeza de que foram embora.
Charon encolheu os ombros, um movimento que estava em desacordo com tudo o mais em sua postura e expressão, que raramente relaxava em algo menos do que rigidamente militarista.
— Não quero que assuste o povo de Etistin virando a cidade de cabeça para baixo em busca de fantasmas. — Ele olhou para Windsom. — Veja o que pode ser feito, sutilmente. Talvez chamar alguns dragões das patrulhas, rostos que as pessoas daqui não reconhecerão. Eles devem ser hábeis em se esconder entre os menores.
— Claro — disse Windsom com uma reverência superficial.
— No entanto, a presença das forças mais poderosas de Agrona em Dicathen apenas reforça minha outra razão para estar aqui — continuou Arthur, sua voz carregando o peso das palavras que ele esperava que não fossem bem aceitas. — Passei algum tempo em Alacrya, lutando ao lado de Seris Vritra, a líder de uma facção rebelde que luta contra Agrona.
— Essa é uma maneira bem generosa de expressar isso. — Charon retumbou, com uma risada reprimida em suas palavras.
Arthur não reconheceu a interrupção.
— Ofereci a Seris e qualquer um de seu povo que quisesse se juntar ao seu santuário em Dicathen, em segurança nos escombros de Elenoir com o exército Alacryano rendido. Seris me pediu para estender minha mão em amizade à você e seus parentes. Ela espera que, em troca da proteção que você já oferece a este continente, ela possa lhe fornecer informações úteis sobre as defesas de Agrona e Alacrya, entre outras coisas.
As sobrancelhas de Charon, meio carecas e esfarrapadas pelas cicatrizes em seu rosto, subiram lentamente pela testa enquanto Arthur falava. Por um momento, ele pareceu sem palavras.
— Esse é certamente um pedido corajoso, se não irracional. O fato de poder afirmar com tanta ousadia ter contrabandeado um número não revelado de combatentes inimigos para este continente, reunindo um general inimigo com muitos milhares dos seus soldados no processo, e não parecer compreender as ramificações, sugere-me que talvez a sua reputação como um o gênio estratégico é exagerado pelas pessoas daqui.
Prendi a respiração quando Arthur inclinou ligeiramente a cabeça para o lado, mas antes que ele pudesse responder, dei um rápido passo à frente. Pelo canto do olho, vi meu irmão estender a mão para meu braço, mas evitei seu aperto e me coloquei ao lado de Arthur, bem em frente ao olhar pesado dos olhos escuros de Charon.
— Guardião Charon — comecei, minhas palavras claramente enunciadas e educadas —, agradeço por incluir meu irmão e eu nesta reunião. Ambos apreciamos muito a relação de trabalho saudável que você manteve com o novo corpo diretivo de Etistin e espero que me permita falar em nome de Arthur. Conhecendo-o desde que éramos crianças e tendo sido beneficiada diretamente das suas ações em diversas ocasiões desde então, posso afirmar, sem hesitação ou dúvida, que a realidade das suas realizações vai regularmente muito além dos rumores que se seguem.
Respirei fundo, apressando-me para tirar tudo antes de ser interrompida. Windsom estava me olhando com um aborrecimento velado, mas Charon estava atento.
“Embora ele nunca tenha tomado medidas para que isso acontecesse, Arthur é considerado por muitos como o verdadeiro líder de Dicathen, unindo humanos, elfos e anões em seu respeito por ele. A presença dos dragões aqui tem sido uma bênção, Guardião, uma que nunca seremos capazes de retribuir, mas nem todos conseguem perdoar o passado e confiar que os dragões realmente significam paz.
Olhei entre os dois, pedindo-lhes mentalmente que me ouvissem.
“Vocês precisam um do outro, Dicathen precisa de ambos, para que isso funcione. Charon, como regente nomeado do continente, acredito que Arthur está dentro de sua autoridade para oferecer refúgio…”
— Regente não é um título que reconhecemos — disse Charon suavemente, sua voz profunda engolindo a minha. — Um título inventado por invasores e transmitido por um traidor. Não há legitimidade nisso. — Ele fez uma pausa pensativo. — Mas você está certa quanto a isso, é claro. Nossa presença em Dicathen se deve a este acordo entre Arthur e Lorde Indrath, e não pretendo trabalhar contra o propósito de meu senhor. Embora também não ignorarei meu melhor julgamento.
Antes que pudesse continuar falando, uma batida forte nas portas chamou a atenção de todos naquela direção. Uma delas se abriu parcialmente, mas em vez de um guarda, Lady Sylvie Indrath entrou, seu cabelo e pele claros praticamente brilhando contra a escuridão de seus chifres e roupas. Senti uma pontada de medo desconcertante, mas sabia que Arthur poderia falar com ela telepaticamente. Só podia presumir que sua chegada naquele momento foi intencional.
— Primo Charon — disse ela, marchando pelo corredor em nossa direção em alta velocidade, as solas das botas estalando a cada passo.
Caera deslizou pela porta atrás dela, andando em sua sombra.
O nariz de Windsom enrugou-se de aborrecimento, ou frustração, não tinha certeza. Ele encarou Arthur, mas Charon deu um sorriso caloroso que suavizou suas feições duras e se separou do nosso grupo, indo ao encontro de Lady Sylvie.
— Primo de segundo grau, três vezes afastado, mas suponho que isso não importa fora de Epheotus. Você esteve se esgueirando pelo palácio todo esse tempo?
— Claro que sim — retrucou Windsom, ficando cada vez mais irritado. — Charon, Sylvie deve ser devolvida ao Lorde Indrath imediatamente, de acordo com suas instruções muito explícitas. — Os olhos estrelados de Windsom se voltaram para Arthur. — Isto não é um pedido, Arthur. Se você valoriza este continente, você…
— Guardião Charon, é você ou Windsom quem está no comando dos dragões em Dicathen? — Arthur perguntou suavemente, sua nota de curiosidade fingida como o giro de uma adaga.
— Windsom… — Charon disse, seu tom carregado de advertência.
Enquanto os dois poderosos asuras trocavam um olhar longo e significativo, meu olhar se afastou do drama de seu confronto.
Também compartilhando um olhar significativo pelas costas dos asuras estavam Arthur e Sylvie. Alguma comunicação silenciosa flutuava no ar entre eles, desenhada em uma linha quase visível de contato visual compartilhado.
Depois de alguns longos segundos, Windsom endireitou seu uniforme e acenou com a cabeça.
Charon deixou seu olhar sombrio permanecer em Windsom por um longo momento, mesmo depois, então voltou-se para Sylvie.
— Agora, acredito que estávamos tendo uma reunião. Por favor, vamos todos para algum lugar mais confortável. Temos muito o que conversar.
Tradução: NERO_SL
Revisão: Crytteck
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