Usamos a Armadura Mágica como nosso meio de transporte para a capital.
Desmontá-la para levar em uma carruagem teria sido tedioso e demorado, e eu a queria para as batalhas que poderiam estar nos esperando. Usar ao longo do caminho parecia ser a solução mais fácil. Acabaria desperdiçando uma boa quantidade de mana, mas isso poderia ser justificado no momento.
Pensamos em colocar Roxy e Zanoba em meus ombros, mas a experiência seria terrivelmente instável e desconfortável. Também não seria uma jornada de um único dia. Eles precisavam de algum tipo de veículo para sentar.
Acabamos acoplando uma carroceria para esse fim. Depois de adicionar estabilizadores com minha magia de terra para reduzir o risco de tombar, prendi com segurança à Armadura Mágica, permitindo que a puxasse.
Infelizmente, meus esforços para melhorar o passeio não funcionaram muito bem. Quando chegamos à capital, Zanoba estava vomitando por toda parte e Roxy tinha as mãos sobre a boca. Claramente não era o tipo de transporte que queríamos usar regularmente, mas conseguimos chegar à capital em apenas cinco dias.
Eu não tinha certeza de quanta mana me restava. Meu corpo parecia um pouco lento, então definitivamente não estava trabalhando com o tanque cheio. Pelo menos não precisei usá-la em combate, o que, com sorte, significava que não havia me esgotado muito.
Nossa missão se resumia ao resgate de Pax. Em teoria, o Deus da Morte estaria do nosso lado desta vez, mas não havia como prever como as coisas realmente aconteceriam. Eu com certeza não iria baixar minha guarda, de qualquer maneira.
Chegamos a Latakia, apenas para encontrá-la completamente fechada.
Os portões da cidade foram fechados e trancados. Soldados do exército rebelde guarneciam suas paredes. A área ao redor estava lotada de pessoas confusas e ansiosas que foram trancadas do lado de fora. Vi mercadores, aventureiros, mercenários… e até soldados de uniforme, que acampavam a uma distância cautelosa das muralhas. Talvez tenham marchado vindos de cidades próximas, ou estivessem patrulhando quando a rebelião aconteceu.
— Hrm. Suponho que não querem que ninguém interfira até que tenham resolvido as coisas de forma decisiva — observou Zanoba.
— Bem — falei —, acho que isso significa que Pax ainda está vivo, pelo menos.
Cerca de dez dias se passaram desde que a rebelião tomou esta cidade. Pela aparência das coisas, o palácio real estava resistindo ao cerco. Não estava claro exatamente o quanto Pax estava em desvantagem numérica, mas estava realmente aguentando firme. Provavelmente não fazia mal ter um dos Sete Grandes Poderes ao seu lado.
Mas, bem, ainda havia uma chance de ele já estar morto, e os rebeldes estarem isolando a cidade por algum outro motivo.
Nos aproximamos de Latakia de maneira cautelosa e indireta, tomando cuidado para garantir que ninguém nos visse. Haveria uma comoção se Zanoba fosse reconhecido como um príncipe, e isso provavelmente chamaria a atenção dos soldados de Jade. Jade já havia nos identificado como aliados do Rei Pax, então era muito mais seguro não sermos detectados.
Tínhamos pensado em realizar um ataque de frente, mas acabamos optando por não fazê-lo.
— Por aqui, Mestre Rudeus. A entrada para o caminho oculto fica na margem do rio adiante.
Seguindo a liderança de Zanoba, prosseguimos por um trecho tranquilo da margem do rio não muito longe das muralhas da cidade. Parecia estranhamente pacífico. O rio corria suavemente, peixes brilhavam ao sol enquanto nadavam dentro dele e pássaros vagamente parecidos com patos remavam na superfície. Nunca se imaginaria que havia uma batalha acontecendo tão perto. Quão bem definida era a fronteira entre a paz e a guerra, afinal?
— É bem aqui.
Ao fazermos uma ligeira curva no rio, avistamos um moinho de água. Aparentemente chegamos ao nosso destino, então desativei a Armadura Mágica e saí dela.
— Deve haver uma passagem que leve ao subsolo em algum lugar dentro daquele prédio — comentou Zanoba. Seu tom era bastante alegre, mas seu rosto estava mortalmente pálido. Acalmei temporariamente os sintomas de seu enjoo com minha magia, mas toda aquela náusea o deixou fisicamente esgotado.
— Que tal fazermos uma pausa primeiro? — perguntei.
— Acho que não — respondeu Zanoba. — A situação pode ser extremamente urgente. Vamos nos infiltrar no palácio imediatamente.
No entanto, não tínhamos como saber o que encontraríamos esperando por nós. Este pequeno moinho poderia ser o último local seguro para respirarmos e esta passagem secreta provavelmente seria muito pequena para acomodar o volume da minha Armadura Mágica, então eu queria que fôssemos preparados para qualquer coisa. Fazer uma pausa me permitiria regenerar pelo menos uma fração da minha mana, mas, mais importante, Roxy e Zanoba poderiam usá-la para se recuperar de seu miserável passeio.
— Diminua o passo e pense um pouco, Zanoba. Devíamos mesmo recuperar o fôlego antes de avançarmos para lá. Você e Roxy parecem terríveis, e eu poderia usar um pouco mais de mana no meu reservatório.
— Hrm…
— Como diz o ditado, a pressa é inimiga da perfeição.
Depois de um momento, Zanoba assentiu com relutância. — Não estou familiarizado com a expressão, mas… muito bem.
Soltei um suspiro silencioso de alívio. A última coisa que eu precisava era de nós vagando em perigo com nossas pálpebras caídas.
— Antes disso, acho que devemos ter certeza de que realmente há uma passagem lá — disse Roxy.
— Ah, sim. Boa ideia.
Entramos no pequeno prédio e começamos a bisbilhotar. Estava cheio de caixas e barris de madeira empilhados, como uma espécie de galpão de armazenamento, e Zanoba e eu tivemos que tirá-los do caminho para podermos bater no chão e nas paredes.
Por fim, encontramos algo do outro lado do moinho, bem embaixo de uma caixa de madeira pesada. Era algum tipo de placa de metal. Poderia ser classificada como algum tipo de porta, mas não tinha maçanetas.
— Ah, deve ser isso! — exclamou Zanoba.
— Bem, não vamos tirar conclusões precipitadas — falei, embora sinceramente sentisse o mesmo. — Pode ser um depósito no porão ou algo assim.
Um exame cuidadoso da placa não revelou buracos de fechadura nem alças cuidadosamente disfarçadas. Parecia ser pouco mais que uma folha sólida de metal. Como deveria abrir isso?
Depois de um momento, lembrei de que essa passagem pretendia ser uma rota de fuga. Talvez tenham deliberadamente tornado impossível abrir por fora, então teria que empurrá-la do outro lado.
— Certo, Zanoba. Consegue forçar isso a abrir?
— Hrrmph!
Em instantes, Zanoba arrancou a coisa com força bruta, revelando uma escada que descia por um buraco escuro. Com um pouco de magia de fogo, iluminei o fundo do poço, cerca de três ou quatro metros abaixo de nós. Um buraco em uma parede apontava na direção geral da capital.
Ainda assim, isso não descartava a hipótese de um porão de armazenamento. Só para ter certeza, desci a escada e joguei a luz diretamente no buraco. Sem caixas. Apenas um túnel estreito e vazio que desaparecia com a distância.
— O que acha? — A voz de Roxy ressoou.
— Está tudo bem! — gritei de volta.
— Excelente. Agora suba aqui e vamos descansar um pouco.
— Boa ideia!
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Depois de uma soneca de três horas, saí e peguei a Armadura Mágica Versão Dois de nossa carroça. Não havia chance de espremer a Versão Um por aquela passagem, infelizmente.
A Versão Dois era altamente eficaz por si só, a menos que eu estivesse lutando contra alguém no nível dos Sete Grandes Poderes. Dado que o Deus da Morte Randolph estava quase certamente esperando do outro lado desta passagem, no entanto, não pude deixar de me sentir um pouco ansioso.
Dito isso, levar a versão original provavelmente exigiria explodir meu caminho direto pelas paredes do palácio. Eu não tinha vergonha de causar um pouco de dano à propriedade de vez em quando, mas Zanoba não aprovava a ideia.
A passagem secreta era tão estreita que duas pessoas achariam difícil andar lado a lado. Também não havia luzes, então usei um dos meus pergaminhos Espírito Luz de Lâmpada para iluminar nosso caminho. Era um túnel escuro e vazio, nada mais. Uma passagem tão básica quanto possível. Nós três avançamos em fila, com Zanoba na frente, eu atrás dele e Roxy fechando a retaguarda.
— Muito apertado — murmurou Roxy atrás de mim. — Desperta algumas memórias desagradáveis.
Tentei pensar em algo reconfortante ou atencioso para dizer em resposta, mas não consegui. — Ah. Certo.
Essas foram as últimas palavras que alguém falou por um bom tempo.
Silenciosa e firmemente, abrimos caminho mais fundo na escuridão. Depois de cerca de uma hora de caminhada, uma porta finalmente apareceu. Era uma placa de metal simples, muito parecida com a anterior. Mais uma vez, não havia maçaneta. Não foi feita para ser aberta deste lado.
— Hrnngh!
De alguma forma, enfiando as pontas dos dedos no pequeno espaço entre a placa e a parede ao redor, Zanoba a arrancou violentamente. Tomamos a decisão certa em tê-lo na liderança, com certeza.
— Ah? Minha nossa…
Enquanto tentava passar pela porta, Zanoba soltou um grunhido estranho e parou de repente. Inclinando-me para poder espiar ao redor, vi que a passagem à frente estava cheia de algo sólido como terra ou areia.
Chegamos a um beco sem saída. Não havia uma única bifurcação na estrada ao longo do caminho. O que significava, uh…
— Ou a passagem desmoronou em um terremoto — disse Roxy —, ou o General Jade sabia disso e a selou bem antes do tempo.
Sim, essas pareciam as possibilidades mais plausíveis. Havia uma chance de Pax ter feito isso durante seu golpe, mas, de qualquer forma, esse provavelmente foi o principal motivo pelo qual não conseguiu escapar.
— Mestre Rudeus, acha que poderia se livrar dessa sujeira para nós de alguma forma?
— Bem… vou tentar.
Passando por Zanoba, tomei seu lugar na frente da porta aberta. Felizmente, estava bastante confortável trabalhando com terra e areia neste ponto. Afinal, sou o cara que havia cavado um belo porão embaixo do escritório de Orsted. Minha abordagem básica era comprimir a sujeira sob intensa pressão, ao mesmo tempo em que endurecia seções das paredes e do teto. Era parecido com construir um grande cano de pedra, um segmento de cada vez. O resultado desta vez foi um pouco apressado, mas foi sólido o suficiente para não desabar sobre nós. Desenvolvi uma intuição para esse tipo de coisa.
Após cerca de uma hora de “escavação” lenta e constante, a parede de terra à frente desmoronou ruidosamente por conta própria. Cheguei ao outro lado depois de cavar um túnel de cerca de cinco metros. Poderia ter sido pior, suponho. E levaria um tempo absurdo para vasculhar tudo isso sem o uso de magia.
Mais uma hora de caminhada se seguiu, totalizando quatro horas passadas neste túnel. Zanoba, que não ficava muito tempo em pé, começava a parecer um pouco desgastado. Felizmente, desta vez chegamos à saída.
Inicialmente, nos encontramos no que parecia ser um porão. Tínhamos saído cambaleando por uma porta que estava escondida na parede oposta deste cômodo. Era uma câmara com um teto e paredes de pedra bem construídas; talvez dez metros quadrados de tamanho. As paredes eram praticamente idênticas, exceto por algumas velas; uma escada no canto em espiral para cima.
Não demorei muito para perceber que estávamos no palácio real de Shirone. Afinal, reconheci a câmara. Aconteceu de ser um antigo apartamento meu.
— Uh, Zanoba, isso não é…
— De fato. A mesma sala em que nos conhecemos.
Quando se coloca dessa forma, soa quase romântico… mas este era o lugar onde Pax me manteve cativo dentro de uma barreira mágica, em outras palavras. A sala parecia estranhamente vazia na época, mas aparentemente tinha um propósito. Era a saída de emergência do palácio. Isso explicava muito bem por que foi criada para alimentar armadilhas mágicas… embora o círculo dessa barreira parecesse ter desaparecido.
— Ah, que lembrança agradável. Naquele dia, quando conheci o artesão que criou aquela estatueta maravilhosa, tive certeza de que minha vida havia chegado ao seu ponto alto. Quem poderia imaginar que dias ainda mais felizes viriam…
— Vamos deixar a viagem nostálgica para mais tarde, por favor?
Interrompendo a aparente tentativa de Zanoba de narrar algum estranho documentário, fui até a escada no canto. Isso nos levou a um corredor. Prosseguimos com cautela.
O castelo estava quieto e a escuridão jazia do lado de fora de suas janelas. O sol aparentemente se pôs enquanto rastejávamos por aquela passagem secreta. Nem uma única luz iluminava o corredor. Talvez as criadas também tivessem ido embora. Seria possível ouvir até um alfinete caindo neste lugar, sério. Onde estavam as tropas de Pax? Ele as posicionou do lado de fora ou algo assim?
— Alguma ideia de onde Pax pode estar?
— Eu esperaria encontrá-lo no quarto de nosso pai.
O que significava… o quarto real ou algo assim, provavelmente?
Depois de uma rápida olhada ao redor, Zanoba assumiu a liderança e partiu pelo corredor. Ele claramente conhecia este lugar como a palma da mão, mas não parecia sentimental sobre isso; seus olhos estavam firmemente fixos no caminho à frente. Nós o seguimos em silêncio.
— … Oh.
Roxy parou repentinamente. Ela parou bem na frente de uma sala específica.
— Notou algo, Roxy?
— Não, na verdade não. Acabei de perceber que este costumava ser o meu quarto.
A porta do quarto estava aberta. Não havia ninguém lá dentro e poucos móveis, exceto uma cama comum e uma escrivaninha. Parecia que seu ocupante saiu às pressas não muito tempo atrás; a cama estava uma bagunça total e uma confusão de itens pessoais espalhados pela mesa e pelo chão. Alguém aparentemente começou a morar ali em algum momento depois que Roxy deixou Shirone, parecia mais um apartamento do que um quarto de hotel. Mas mesmo que fosse claramente o espaço de outra pessoa agora, o pensamento de que Roxy já viveu ali também me fez sentir estranhamente… sentimental, eu acho.
Então este era o quarto onde Roxy estava quando eu estava ensinando Eris…
— Mestre Rudeus? Senhorita Roxy? — chamou Zanoba. — Algum problema?
Balancei minha cabeça. — Nah, na verdade não. Roxy acabou de ver seu antigo quarto e ficou um pouco nostálgica, só isso…
— O que aconteceu com deixar isso para mais tarde? Nossa… — Zanoba voltou para se juntar a nós, parecendo um pouco exasperado. Ele olhou para o quarto, cantarolou e se virou para Roxy. — O quarto em que você ficou era ao lado, na verdade.
— Huh?!
Visivelmente perturbada, Roxy correu para o próximo quarto e abriu a porta. Depois de compará-lo com o primeiro, olhou para cima e para baixo no corredor por um momento… e corou ferozmente de vergonha.
— E-Estava muito escuro para eu dizer, acho.
Maldito seja, Zanoba. Você vai pagar por isso… Ninguém envergonha minha preciosa e perfeita Roxy assim. Se ela chama um círculo de quadrado, quem somos nós para discordar?
— Mestre Rudeus — murmurou Zanoba —, por que está pisando no meu pé?
— Ah, desculpa! Este tapete está um pouco escorregadio, hein?
— Estou bem ciente de seu amor e admiração pela Senhorita Roxy, mas seria realmente certo deixá-la relembrar do quarto errado?
Um ponto razoável. Decidi adiar os próximos pisões de pé.
De qualquer forma, foi bom ter um vislumbre do passado de Roxy assim. Se não fosse pelo Incidente de Teletransporte, talvez este lugar tivesse acabado como sua casa.
— Vamos apenas… continuar andando, por favor — disse Roxy. Nós três retomamos nosso progresso pelo corredor.
No final, não encontramos ninguém enquanto atravessávamos o palácio. Não havia ninguém, e não estava claro o por quê.
— Agora, o hall de entrada formal deste palácio está localizado em seu segundo andar, o que significa que todos os convidados de fora entram naquele andar. O terceiro andar é amplamente dedicado a funções mais práticas, como…
Zanoba ficou o tempo todo muito falador, por sabe-se lá qual motivo. Talvez estivesse tentando preencher o silêncio.
O primeiro andar era composto principalmente por aposentos para as tropas e servos que mantinham este lugar funcional. O segundo andar continha o hall de entrada, a sala do trono e várias outras salas de espera e câmaras onde os convidados poderiam ser recebidos. No terceiro andar encontravam-se os gabinetes e salas de conferências onde eram tratados os assuntos administrativos e domésticos de todo o tipo, bem como as passagens que conduziam às muralhas do castelo e à torre defensiva principal. O quarto andar era onde residiam os príncipes e princesas do reino. Seus guardas pessoais também tinham seus aposentos ali. E, finalmente, o quinto andar era onde encontraríamos os aposentos do rei.
Não havia ninguém no primeiro andar. Ou no segundo. Ou no terceiro.
Quando chegamos ao quarto andar, olhei para fora das janelas mais uma vez. Havia fogueiras queimando em todo o palácio; estava claro que o exército rebelde o cercava de perto. Mas não vi nenhum sinal das próprias forças de Pax. Com certeza não parecia que havia alguma luta acontecendo. Não consegui ver uma única silhueta nas muralhas e não achei que a culpa fosse da escuridão. Este castelo estava deserto.
Zanoba também parecia ter notado esses sinais sinistros. Depois que chegamos ao quarto andar, sua tagarelice parou abruptamente e seu rosto ficou tenso. Algo estranho estava acontecendo neste palácio. Quando chegamos ao último lance de escada, quase dava para sentir no ar.
Finalmente, chegamos ao quinto andar, o equivalente à torre de menagem deste castelo. Foi lá que encontramos os aposentos do próprio rei, o quarto mais valioso de toda Shirone, tanto em termos monetários quanto simbólicos.
Um único homem esperava por nós na frente de sua porta.
Era o Deus da Morte, Randolph Marianne. Por alguma razão, ele se sentou em uma cadeira, inclinando-se casualmente para a frente como um homem fazendo uma pausa. Cotovelos nos joelhos, mãos cruzadas, cabeça inclinada para um lado. O único olho descoberto em seu rosto pálido cadavérico olhava fixamente em nossa direção.
— Não entendo. Realmente não. Por que um rei construiria seu quarto aqui?
No momento em que nos viu, Randolph começou a falar.
— Me parece ridículo. Só piora a própria vida dele, na verdade. Não é um incômodo descer todas aquelas escadas toda vez que tem que cumprir suas obrigações? A comida não está sempre um pouco fria quando chega da cozinha do primeiro andar? Não é certo que será difícil até para chegar aqui, uma vez que ele começa a ficar velho e frágil? Não está garantindo que ele morrerá queimado se este prédio pegar fogo?
Randolph inclinou a cabeça magra enquanto murmurava esses pensamentos, olhando fixamente em nossa direção. Sua linguagem corporal era como a de um trabalhador de escritório de meia-idade exausto. Mesmo assim, um arrepio percorreu minha espinha.
— Bem, eu teria construído meus aposentos bem no primeiro andar. Cumprir meus deveres seria mais fácil, minha comida chegaria bem quentinha e eu poderia sair quando quisesse… Mas suponho que essa seja a lógica de um plebeu, não é?
Randolph soltou uma risadinha estridente para si mesmo enquanto tagarelava. De alguma forma, o rosto do homem parecia ainda mais com uma caveira quando ele estava sorrindo. Roxy engoliu audivelmente com a visão.
— Sendo justo, o local tem suas vantagens. É um lugar ideal para se esconder em caso de se encontrar sob um cerco como este. Afinal, usaram muitos tijolos resistentes à magia quando construíram este lugar, não há necessidade de se preocupar com feitiços de longo alcance. E cada andar tem fortes pontos de estrangulamento defensivos, então isso representaria desafios para qualquer um que invadisse seu caminho até aqui. Construíram este lugar para a guerra, com certeza.
O que Randolph queria dizer? Ele estava apenas… sentado ali. Talvez possamos nos aproximar?
Falando a verdade, eu não queria me aproximar.
— Sir Randolph.
Enquanto eu hesitava, Zanoba avançou. Randolph nem se endireitou, muito menos se levantou de seu assento, mas saudou Zanoba com outro sorriso inquietante.
Eu realmente queria que ele parasse de fazer isso. Aquela sua cara ficava ainda mais assustadora de noite.
— Boa noite para você, Príncipe Zanoba — disse Randolph. — O que te traz até aqui?
— Algo estranho parece estar acontecendo neste castelo. Você sabe alguma coisa sobre a situação?
— Ora, naturalmente! Afinal, é tudo culpa minha.
Randolph estendeu a mão e ergueu o tapa-olho. Abaixo daquilo, seu olho brilhava com uma luz vermelha sinistra, um símbolo semelhante a uma estrela claramente visível em seu centro.
Era um olho demoníaco, sem sombra de dúvida.
— Por ordem de Sua Majestade, usei meu Olho da Divisão para construir uma parede improvisada ao redor do palácio. Graças ao seu poder, mantive o exército inimigo afastado.
Um Olho de Divisão? Não tinha ouvido falar disso antes. Orsted nunca havia mencionado sua existência. Honestamente, aquele homem estava sempre deixando de fora os detalhes mais importantes…
Ainda assim, se Randolph tinha que usar um tapa-olho sobre aquela coisa, provavelmente significava que não conseguia controlar muito bem, certo? Talvez eu não devesse me preocupar?
— Entendo — disse Zanoba. — E os outros?
— Todos mortos ou fugiram, lamentavelmente.
— … E onde está Sua Majestade?
— Dentro de seus aposentos.
— Ah. Bom. Meus agradecimentos, Randolph. Você fez bem em mantê-lo seguro. — Zanoba deu um passo à frente, tentando passar por Randolph até a porta.
Desdobrando abruptamente as mãos, Randolph estendeu a mão para barrar o caminho.
— Por que você bloqueia meu caminho? — perguntou Zanoba bruscamente.
— Sua Majestade me ordenou que não permitisse a entrada de ninguém.
— Mas tenho negócios urgentes com ele!
— Por mais urgente que seja, temo que Sua Majestade esteja terrivelmente ocupado no momento.
Ocupado? Ocupado fazendo o quê? Não havia mais ninguém neste castelo para ele dar ordens.
— Devo pedir-lhe que se afaste, Randolph. Vim aqui para resgatar Sua Majestade, e é isso que pretendo fazer.
— Isso é muito atencioso da sua parte, mas ele evidentemente não tem intenção de deixar este palácio.
A irritação no rosto de Zanoba estava ficando mais forte a cada segundo. Era só eu, ou Randolph estava sendo suspeitosamente vago?
— Ouvirei isso da própria boca de Sua Majestade!
Zanoba moveu-se para abrir caminho até a porta… e Randolph levantou-se. Foi um movimento lento e sutil. Quase parecia que seu rosto pálido e magro havia flutuado no ar, carregando o resto dele consigo.
— Ora, ora, vamos todos respirar fundo algumas vezes — disse o Deus da Morte suavemente. — Rei Pax está bastante angustiado no momento, sabe. Ele precisa de um pouco… de espaço.
— Angustiado? Por quê…?
— Estes quartos oferecem uma excelente vista da cidade em torno deste castelo. Ele pode ver os soldados hostis dentro de seus próprios limites, encarando seu caminho com ódio em seus olhos. E os soldados se reunindo além, que simplesmente observam e esperam, sem fazer nenhum movimento para salvá-lo… — O olhar de Randolph se moveu para trás por um momento.
Segui seu olhar e vi que ele estava certo. Uma enorme janela no patamar oferecia uma vista panorâmica arrebatadora de Latakia e seus arredores. O exército rebelde estava acampado ao redor do palácio, sim. Mas também dava para ver a multidão e as fogueiras agrupadas ao redor dos muros externos fechados da cidade. De cima, parecia que um enorme exército estava sentado ali sem interesse em atacar os rebeldes. Mas eu sabia que a maioria daquelas pessoas eram simples mercadores, aventureiros ou viajantes comuns. Jamais invadiriam cidade adentro.
— Até que Sua Majestade entre em termos com esses eventos, não sairei daqui — concluiu Randolph.
— E quanto tempo isso vai levar? — perguntou Zanoba com os dentes cerrados.
— Ah, como eu gostaria de ter a resposta para essa pergunta. Espero que não demore muito mais…
— Chega disto! Não tenho tempo para sua obstinação! — Zanoba finalmente chegou ao seu limite. Ele estendeu a mão para o ombro de Randolph para empurrá-lo fisicamente para fora do caminho…
— Huh?!
… e foi instantaneamente enviado de volta pelo corredor.
O impulso o jogou escada abaixo atrás de nós. A parte de trás de sua cabeça bateu contra a parede oposta, desalojando um pedaço considerável de alvenaria.
— Minhas sinceras desculpas pela vulgaridade, mas… você não passará. A menos que seja sobre o meu cadáver.
Enquanto falava, Randolph puxou a espada em sua cintura até a metade da bainha. A lâmina brilhava em um tom verde doentio, lançando uma luz misteriosa pelo corredor. Não havia dúvidas de que estava de alguma forma encantada.
Ah, merda. Isso é muito, muito ruim. Não tenho a Versão Um… realmente não devíamos lutar contra ele.
— Calma, Zanoba! Escolher brigar não é uma boa ideia — avisei.
— Mas Mestre Rudeus…! — protestou ele.
Com base no que Randolph disse, ele estava simplesmente protegendo Pax e seguindo suas ordens. Zanoba também estava ali para ajudar Pax. Não tínhamos motivos para ser inimigos. Claro, essa lógica não se aplicaria se ele fosse um discípulo do Deus-Homem, mas as chances disso eram baixas. Isso era muito complicado para ser uma armadilha projetada para me matar. E se o objetivo era assassinar Pax e impedir a transformação de Shirone em uma república, o Deus da Morte poderia tê-lo feito há muito tempo. Tipo… quando Pax estava no Reino do Rei Dragão.
Mas não custava nada perguntar. Só pra ter certeza.
— Sir Randolph, estamos dispostos a esperar se realmente achar que é necessário — falei. — Mas tenho apenas uma pergunta para você primeiro.
— Por favor, vá em frente.
— O nome Deus-Homem significa alguma coisa para você?
Randolph sorriu para a minha pergunta. Era um sorriso arrepiante, digno do castelo escuro e silencioso em que ele estava.
— Sim, estou familiarizado com o nome. E daí, o que importa?
Com uma risada áspera e estridente, ele admitiu. Ele admitiu.
Agora tínhamos um motivo para lutar.
Randolph era um discípulo do Deus-Homem, agindo sob suas ordens, promovendo seus esquemas. Eu ainda não sabia que esquema era esse, mas Randolph havia causado essa situação, e seu resultado de alguma forma funcionaria para o benefício do Deus-Homem. Isso o tornava meu inimigo. Um inimigo que tinha que derrotar enquanto ainda tinha chance.
Tinha que matá-lo e acho que ele viu isso em meus olhos.
— Então se trata disso, afinal? Que pena.
Randolph sacou sua espada, iluminando o corredor com seu brilho esverdeado. Em resposta, Zanoba empunhou sua clava; Roxy também ergueu seu cajado.
E assim, sem mais delongas, começou. Nossa batalha contra um dos Sete Grandes Poderes estava em andamento.
Tradução: Gtc
Revisão: B.Lotus
QC: Taipan & Delongas
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