Ferlin conhecia muito bem o porão da mansão Eltek.
Quando ele era jovem, este lugar costumava ser seu parquinho pessoal. Ele adorava encontrar todos os tipos de artefatos estranhos nas caixas empoeiradas. É claro que, por essa razão, ele frequentemente apanhava de seu pai e acabava sendo proibido de entrar sozinho no porão, mas ele sempre descobria uma outra forma de entrar sorrateiramente.
Desta vez, Sir Eltek levou-o para a sala de pedra mais distante. As quatro paredes da sala estavam incrustadas de cristais azuis pálidos do tamanho de um punho. Ferlin respirou profundamente ao presenciar tal cena. Para sua surpresa, cada bloco de pedra era uma Pedra da Retaliação Divina de alta qualidade. Quando menino, ele não sabia disso, mas agora entendia naturalmente o seu valor. Pedras mágicas de alta qualidade valiam muito dinheiro, e aquelas tão grandes como essas valeriam pelo menos de quinhentas a seiscentas peças de ouro cada.
A Família Eltek é tão rica assim? — De repente, Ferlin se lembrou que também encontrara o mapa do tesouro ali mesmo no porão da casa dos Eltek.1Você pode conferir novamente lá no capítulo 134.
As caixas estavam dispostas em um círculo na sala de pedra, e o arranjo era semelhante à impressão em sua memória. Sir Eltek tirou um punhado de chaves do bolso e abriu a caixa maior do círculo. Depois de um som alto de rangido, uma nuvem de poeira se elevou de uma só vez.
Ferlin prendeu a respiração e olhou dentro da caixa. O interior estava dividido em numerosas camadas, semelhantes às caixas de maquiagem usadas pelas jovens nobres damas, só que havia gemas de cores diferentes em todas as camadas.
Isso é a herança de nossos ancestrais? Iss… — Ferlin pensou, mas seus pensamentos foram interrompidos pela fala de seu pai.
— Faz muito tempo que não venho aqui. — Sir Eltek suspirou — Toda vez que vejo essas pedras mágicas, eu me lembro dos eventos passados que meus ancestrais me contaram.
— Pedras mágicas? — Ferlin perguntou surpreso.
— Sim, elas são tesouros que só bruxas são capazes de usar. — Sir Eltek assentiu — Essa é uma longa história. Nossa família foi estabelecida sob as bênçãos de uma bruxa.
O pai de Ferlin começou a contar sobre a família e sua história. Alguns dos detalhes de sua história eram diferentes do que Ferlin ouvira quando criança. O primeiro antepassado Eltek, na verdade, não era da Região Oeste, mas sim das remotas e inexploradas Terras Selvagens, localizadas além da Cordilheira Intransponível.
Os olhos de Ferlin gradualmente se arregalaram. Ele não imaginava que o retrato poderia esconder um segredo tão incrível.
— A fundadora de nossa família, nossa ancestral, se chamava Agatha e, junto com muitas outras bruxas, havia estabelecido um enorme reino. As bruxas faziam parte da classe dominante, semelhante à nobreza de hoje, naquele reino. Só que um ataque dos demônios do inferno forçou Agatha a conduzir um grupo de pessoas em direção à torre de pedra na Floresta das Brumas para coletar os materiais e demais experimentos, enquanto outro grupo de pessoas seguiu as tropas para as terras onde hoje está estabelecido Castelo Cinza. Durante a batalha final, os sobreviventes fugiram em direções diferentes. Naquela época, a terra em que Castelo Cinza fora construído era estéril e desolada.
— Nosso ancestral era do outro grupo? — Ferlin perguntou com a garganta seca.
— Sim. Ele costumava administrar todos na casa de Agatha, responsável por cuidar dos outros criados e demais afazeres, logo, ele deveria segui-la para a floresta, mas acabou ficando com medo e sugeriu à sua mestra para ficar para trás e cuidar dos materiais. Seu pedido foi aceito. — Sir Eltek falou em voz séria — Você sabe o que tudo isso significa.
Ferlin assentiu. Segundo a descrição de seu pai, seu ancestral era alguém em quem Agatha confiava profundamente e deveria ter acompanhado sua mestra para onde quer que fosse, a menos que fosse ordenado o contrário. De certo modo, propor ficar para trás era praticamente a mesma coisa que traição, mesmo que sua mestra não houvesse recusado.
— Quando chegou à Região Oeste, ele começou a sentir remorso pelo que fez e registrou seus sentimentos em um livro. — Sir Eltek tirou um livro de capa preta de outra caixa e entregou ao filho — Sua mestra nunca voltou, e depois disso, ele se separou da Aliança e deixou o campo de refugiados. Ele levou muitos criados com ele e se estabeleceu neste pedaço de terra, que ainda não havia sido cultivado.
Ferlin pegou o livro de capa preta sem abri-lo. Em vez disso, ele pensou em algo assustador.
Se as bruxas lutaram contra os demônios antes, então por que agora elas são tratadas como servas do diabo? — Ferlin pensou — Essa história está muito mal contada.
— Então, isso significa que você sabia desde o começo que tudo o que a Igreja estava fazendo era errado? — Ferlin perguntou.
— Eu sabia, mas não podia fazer nada. — Sir Eltek disse calmamente — Se uma bruxa fosse encontrada em nosso território, eu definitivamente ajudaria ela a se esconder. Mas em outras localidades de Forte Cancioneiro, eu não seria capaz de ajudar, por causa do desacordo com Duque Ryan. Ele odiava mais as bruxas do que a Igreja. E se bem me lembro de nossos ancestrais, é evidente que eles fizeram o mesmo que eu… exceto que eles nunca informaram às bruxas sobre o que aconteceu no reino das bruxas.
— Essas bruxas ainda estão aqui em casa?
— Não, tem muito tempo, elas já estão todas enterradas. — Sir Eltek abriu as mãos — Era muito raro viver até os sessenta ou setenta anos de idade. Afinal, elas também são seres humanos, envelhecem e morrem como a gente.
— Mas o senhor acredita que trial fundadora ainda pode estar viva!
— Esta é apenas uma possibilidade, pois as bruxas têm muitas habilidades diferentes, mas são incapazes de gerar filhos, daí eu fiz essa suposição.
Ferlin ponderou por um breve momento e depois mudou de assunto.
— Nossos ancestrais nunca pensaram em entrar na Floresta das Brumas para encontrar a fundadora Agatha?
— Mais fácil falar do que fazer. — Seu pai balançou a cabeça — Se até as bruxas não puderam retornar em segurança, os mortais comuns que entrassem na floresta simplesmente estariam cavando a própria cova. Além disso, há quatrocentos anos, a Região Oeste era um deserto com feras e florestas por toda parte. Era extremamente difícil de morar e de se estabilizar e por isso não houve tempo para cuidar de outras questões, mas os nossos ancestrais de fato expressaram em seus testamentos o desejo de que algum dia um descendente entrasse na torre de pedra da Floresta das Brumas, mesmo que fosse só para dar uma olhada.
Luz da Manhã inspirou profundamente e abriu o livro cheio de poeira. Desde a primeira página, ele já sentia um arrependimento escrito entre as linhas. Grande parte do texto havia desaparecido com o tempo, mas talvez por essa razão os sentimentos pesados de seus ancestrais se tornaram ainda mais fortes. Depois de ler por um longo tempo, ele finalmente virou para a última página do livro, onde os testamentos, que pareciam mais desejos não realizados, foram escritos.
Esta era, com toda certeza, a página que fez seu pai ficar emocionado naquela noite, quando ele estava bêbado.
Como um ex-cavaleiro, ele sabia o que isso significava.
— O senhor precisa de mim para encontrá-la? — Ferlin perguntou depois de um breve silêncio — Se ela for realmente Agatha, então ela deve estar no castelo do Príncipe, e até onde eu sei, muitas bruxas também estão reunidas lá.
— Bruxas estão reunidas no castelo? — O antigo cavaleiro perguntou, imerso em pensamentos — Não me admira que Forte Cancioneiro tenha feito um anúncio para recrutar bruxas há poucos dias. Parece que Sua Alteza está decidido a se tornar um inimigo da Igreja. — Então, ele balançou a cabeça e disse — Não, você não precisa encontrá-la.
— O senhor não quer vê-la? — Ferlin perguntou, surpreso.
— Não é correto um ancestral visitar seus descendentes. — Sir Eltek riu — Então, seremos nós que iremos visitá-la.
— Hum… espere, nós?
— Sim, vou com você para Vila Fronteiriça. — O pai de Ferlin acariciou o queixo e sorriu — Leve todas essas coisas. Se ela for realmente Agatha, o último desejo de nossos ancestrais pode finalmente ser cumprido.
Tradução: JZanin
Revisão: Kabum
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