Ferlin estava atrás de sua esposa e sorria gentilmente enquanto a observava escolhendo carne em uma barraca.
Após olhar por um tempo para algum item no mercado, os olhos de Irene sempre ficavam sérios.
— Olha, amor… cada pedaço de carne tem um preço de acordo com seu peso, então você não precisa gastar tanto tempo escolhendo.
— Não, não é por isso. — Irene disse resoluta — Eu sei que você gosta de carne magra, mas sem a gordura, a comida não terá nenhum sabor. Uma camada de gordura para cada camada de carne magra fará as melhores costelas, e também é ideal para fatiar e fritar. Por isso que eu preciso escolher com cuidado.
Ferlin riu com vontade e respondeu:
— Tudo bem, leve o tempo que precisar. Eu vou ali comprar um saco de trigo. A fila é bem longa, então quando você terminar, venha e me encontre.
— Tudo bem. —Irene respondeu sem nem virar a cabeça.
Ferlin balançou a cabeça impotente e avançou em direção à barraca de trigo no Mercado de Conveniências.
Desde que a neve começou a cair, Lorde Roland tinha colocado galpões de madeira, que funcionavam como escudos de vento, ao redor do mercado. Ele também postou especialmente um anúncio de que, mesmo sendo inverno, as vendas no mercado não parariam.
Isto implicava que durante os longos Meses dos Demônios, Vila Fronteiriça continuaria a ser provida de um fornecimento estável de comida. Para as pessoas da vila, essa medida efetivamente lhes concedeu uma tranquilidade ímpar.
Em comparação com a barraca de carne, a barraca de trigo era muito mais frequentada pelos clientes. Uma longa fila foi formada em frente ao balcão, enquanto ao redor da fila havia dois membros da patrulha usando uniformes pretos cuja tarefa era manter a ordem. Em Vila Fronteiriça, eles receberam um nome único: Policiais.
Luz da Manhã já se acostumara a ver todos os tipos de iniciativas incríveis de Lorde Roland, e uma mudança de nome não parecia grandes coisas. Mas ele sabia que o nome “membros da patrulha” era comumente associado a ladrões e rufiões, e, portanto, mudar o nome deu uma impressão totalmente diferente.
— Boa tarde, Sr. Eltek. — Alguém na fila o reconheceu — Você também veio comprar trigo? Fique aqui comigo, eu posso te dar o meu lugar.
— Não, não, não precisa. — Ferlin acenou com as mãos e ficou no final da fila — Obrigado.
— Ahahaha, você é bem famoso, sabia? — Um homem de meia idade na sua frente riu — O antigo Primeiro Cavaleiro da Região Oeste, de fato.
Ferlin ficou ligeiramente atordoado.
— Você conhece o meu passado…
— Hahaha, claro. Isso não é segredo em Vila Fronteiriça. — O homem tocou seu próprio queixo e sorriu — Meus filhos e filhas gostam muito de você. Desde que meu filho mais velho, Nat, soube quem você era, ele fica o tempo todo nos dizendo o quanto ele quer se tornar um cavaleiro também.
— Ah, mas tudo isso está no passado. — Ferlin balançou a cabeça — E Sua Alteza não precisa mais de cavaleiros.
— Isso é porque nós temos o Primeiro Exército. — O homem disse casualmente — No passado, eu não me atreveria a falar assim com você.
De fato, enquanto ele ainda era um cavaleiro do Duque, a maioria das pessoas comuns nem sequer se atrevia a olhar diretamente para ele. Os rumores sobre Ferlin estavam repletos de inveja e admiração, mas mais comumente, medo. A única pessoa que se atrevia a fazer contato visual com ele, e que era capaz de falar diretamente com ele sem os maneirismos da etiquea nobre, era Irene. A primeira vez que se encontraram em um teatro, o coração de Ferlin encontrou seu lar.
Depois de ser derrotado e trazido cativo para Vila Fronteiriça, Ferlin pensava que isso simplesmente implicaria em uma mudança de senhorio para quem ele trabalhava. Ele não esperava que se tornaria professor de muitas pessoas e recebesse amplo respeito.
A forma de respeito mostrada para com ele agora era completamente diferente dos velhos tempos em que ele era um cavaleiro. As pessoas não o evitavam e, em vez disso, aproximavam-se dele. Comparado com o respeito demonstrado à distância, Ferlin se sentia muito mais confortável e satisfeito com o respeito de agora.
Talvez eu não seja adequado para ser um cavaleiro. — Ferlin pensou.
Depois de esperar por mais de quinze minutos, finalmente chegou a vez de Ferlin Eltek.
— Cartão de Identidade, por favor. — A atendente disse antes de olhar chocada para o homem em sua frente — Professor Ferlin?
— Betty. — Ferlin também ficou um pouco surpreso que a garota atrás do balcão fosse uma estudante de seu primeiro grupo de formandos e, compreendendo a situação, ele disse alegremente — Você está trabalhando na Prefeitura agora?
— Sim! — Betty sorriu demonstrando alegria e se inclinou para contar a Ferlin, como se ainda estivesse na escola — Eu ainda estou em treinamento, mas já trabalho para a Prefeitura, mais precisamente no Departamento de Agricultura.
Ferlin não queria que as pessoas atrás dele esperassem, então ele apressadamente apresentou seu Cartão de Identidade junto com seis peças de prata.
— Eu quero comprar um saco médio de trigo.
— Certo!
Betty registrou o nome de Ferlin no livro e gritou em direção ao quarto dos fundos. Um rapaz saiu do armazém e colocou um saco de trigo no balcão. As pessoas não podiam inspecionar ou selecionar as mercadorias nesta banca, pois cada saco era preenchido antecipadamente e classificado como grande, médio ou pequeno de acordo com seu peso. Um pequeno saco era capaz de alimentar duas pessoas por um mês. Os preços dos alimentos eram fixos e dificilmente mudavam de preço. Os Cartões de Identidade tinham que ser apresentados durante a compra, e o volume de compras de cada cliente era limitado. Ferlin entendeu que o objetivo dessa medida era impedir que uma única pessoa comprasse um grande volume de alimentos, o que causaria uma escassez de alimentos para outras pessoas com necessidades reais.
— Professor, quando tiver tempo, venha até a minha casa fazer uma visita. — Betty devolveu seu Cartão de Identidade.
— Pode deixar. — Ferlin respondeu sorrindo.
Ele carregou o saco e andou para o lado para que a próxima pessoa pudesse fazer sua compra. Irene ainda estava longe de ser vista, e ele imaginou que ela acabou se interessando por outros produtos. Então, Ferlin pensou em encontrar um local fácil de encontrar e seco onde pudesse colocar o saco e sentar-se para descansar.
Mas, de repente, uma mulher de cabelo azul apareceu em sua frente.
Luz da Manhã baixou a cabeça e virou instintivamente, só para sentir um arrepio por todo o corpo. Era uma mulher linda com características faciais requintadas e um cabelo azul que raramente era visto. Ela era uma mulher que dificilmente alguém esqueceria, assim que a olhasse. Ferlin sentiu o sangue congelar por todo o corpo, mas não devido ao fato da mulher ser extremamente bela, mas porque… ele a tinha visto antes no salão da casa de sua família.
Quando ele era jovem, ele perguntou mais de uma vez sobre a pessoa no retrato que estava pendurado na posição mais proeminente em uma das paredes do salão. No entanto, seu pai sempre ficou em silêncio. A pessoa era, sem dúvida, uma mulher, mas seu retrato era maior do que os retratos de seus outros antepassados. Foi apenas uma vez, quando bêbado, que seu pai mencionou quem era aquela pessoa.
Se bem me lembro, a pessoa no retrato é… a fundadora da Família Eltek. Como isso é possível? — Ferlin pensou.
— Desculpe por fazer você esperar. — A voz de Irene tirou-o de seus pensamentos confusos — Eu fui escolher alguns ovos, e também comprei um pouquinho de manteiga. Você comprou o trigo?
— Sim… — Ferlin respondeu, mas seus pensamentos estavam em outro lugar.
Assim que chegou em casa, Ferlin não conseguia tirar aquela mulher de sua cabeça.
Por que eu veria um ancestral da Família Eltek aqui, em Vila Fronteiriça? — Depois de deliberar por muito tempo, Ferlin decidiu que faria uma viagem de volta a Forte Cancioneiro.
Quando ele informou Irene sobre esse plano, ela franziu a testa.
— Você não rompeu relações com sua família? Por que você quer voltar?
— Humm…. porque… — Ferlin disse hesitante —, é… por causa de alguns assuntos.
— É por causa dos direitos de sua família ou… — Irene inclinou a cabeça perguntou — … é por causa de … uma mulher?
— O quê? — Ferlin respondeu — Não, claro que não!
— Mas seus olhos me dizem que você está mentindo. — Irene pressionou Luz da Manhã contra sua cadeira e olhou nos olhos dele — Você prometeu ser meu cavaleiro, e eu acredito que você não iria quebrar essa promessa. É por isso que agora estou me sentindo tão curiosa… Que segredo é esse que você não pode nem contar pra mim? Eu quero que você se lembre, lá na casa da fazenda nos arredores de Forte Cancioneiro, nós prometemos não esconder nada um do outro.
Ferlin olhou nos olhos claros e bonitos de sua mulher. Ela sempre gostava de compartilhar todos os seus momentos com ele, sejam bons ou ruins. Apesar de experimentar tantas dificuldades juntos, Irene nunca mudou.
Ferlin respirou fundo e segurou-a nos braços. Com um tom suave, ele contou a ela sobre o que viu.
— Então foi isso o que aconteceu. — Depois de ouvir sua história, Irene assentiu — Então pode ir.
— Você acredita em mim? — Respirando fundo e sendo sincero consigo mesmo, nem Ferlin acreditava em algo tão absurdo, como um ancestral ainda vivo.
— Claro. — Irene disse, piscando — Desta vez, você não desviou o olhar.
Tradução: JZanin
Revisão: Kabum
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