Mais um mês passou, o que indicava que era hora da reunião regular da principal gangue de delinquentes da Universidade de Magia de Ranoa. Com isso, quero dizer a sala de aula da “classe especial”. Os envolvidos eram os de sempre: Zanoba, Julie, Cliff, Linia, Pursena e eu. Nanahoshi e Badigadi estavam ausentes, já que as regras não se aplicavam a eles.
Eu não estava com o melhor dos humores nesta manhã. Ultimamente tenho pensando muito em minhas irmãs… em Norn, especificamente. Já fazia algum tempo que ela estava morando nos dormitórios, mas dar o espaço que ela queria não foi de grande ajuda para melhorar nosso relacionamento. Ela costumava me ignorar sempre que nos cruzávamos pelos corredores e, quando Norn não fazia isso, ela me lançava um olhar de nojo.
Certo, talvez essa última parte fosse só minha mania de perseguição. Mas, em qualquer caso, nós dois não estávamos ficando mais próximos.
Mas não havia problema nisso. Eu ficava triste, mas poderia viver com isso. Não era como se irmãos e irmãs tivessem que ser melhores amigos ou algo do tipo. E mesmo que não nos déssemos bem, eu ainda ajudaria Norn, caso ela precisasse de minha ajuda.
Caramba, eu ficaria em cima de seus professores igual um pai coruja, se necessário. Minha posição próxima ao topo da hierarquia escolar seria de muita ajuda nisso. Eu poderia, por exemplo, intervir caso qualquer pessoa tentasse intimidá-la. E eu conhecia o vice-diretor pessoalmente, então poderia pedir ajuda, caso necessário. É sempre bom saber que pode passar por cima das outras pessoas. Fiz um lembrete para levar alguns presentes modestos para Jenius de vez em quando.
O verdadeiro problema era: Norn estava morando naquele dormitório por cerca de um mês, mas parecia ainda não ter feito qualquer amigo. Quando a via nos corredores, estava geralmente sozinha. Ela não parecia triste nem nada assim, mas isso estava começando a me incomodar.
É possível sobreviver por um tempo sem fazer amigos. Mas ela estava ao menos tentando conversar com as demais pessoas da sua sala? Estava se ajustando à vida nos dormitórios?
Fiquei genuinamente preocupado, mas também não queria me envolver diretamente. E eu não conhecia muitos alunos do primeiro ano. O único que me surgiu à mente foi, na verdade, um completo delinquente. Se eu tentasse convencê-lo a fazer algo, sentia que Norn descobriria e logo ficaria ressentida comigo por causa disso.
Além disso, eu nem lembrava do nome daquele cara. Mas lembrava que ele parecia com um husky siberiano.
— E aí, Chefe, tudo bem? — disse Linia, abaixando-se para me olhar no rosto. — Ultimamente você está parecendo tão triste.
— Sim, real — acrescentou Pursena.
Por mais barulhentas e irritantes que as duas pudessem ser, metade do povo-fera dessa escola as idolatrava. Mesmo após fazerem as pazes com a Princesa Ariel, era fácil vê-las vagando pelos corredores cercadas por um bando de lacaios leais. De qualquer forma, duvido que tenham muitos conselhos a oferecer sobre o assunto da solidão.
— Bem, não se preocupe, meow. Conseguimos um presente especial para animá-lo!
— Aham. Isso levou um mês inteiro.
Com um sorriso malicioso, Linia deixou uma enorme bolsa rugosa cair na minha mesa.
Olhei duvidosamente para aquilo. Era difícil dizer o que poderia estar dentro.
— Calma lá, Chefe! Não abra antes de voltar para casa.
— Desembrulhe sozinho, entendeu? Certifique-se de que ninguém veja.
Isso estava começando a soar seriamente suspeito. Com sorte, não seria um saco de pó da alegria ou coisa do tipo. Eu sabia que existiam alguns tipos de narcóticos circulando pelos Territórios Nortenhos e em partes do Continente Demoníaco. Millis e Asura pareciam ter leis que restringiam seu uso, mas a maioria das nações nesta região não eram tão rígidas a respeito disso.
Naturalmente, eu não tinha intenções de adquirir o vício em drogas. Se eu acabasse viciado ou entrasse em abstinência, minha magia não seria o suficiente para me curar. Era necessário um feitiço de desintoxicação de nível Santo para lidar com esse tipo de coisa. Para ser mais específico, no momento eu não estava tão desesperado assim para fugir da realidade.
Mesmo assim, o material poderia vir a ser útil, então não vi motivos para recusar. Se acabasse precisando de dinheiro, poderia simplesmente vendê-lo.
— Bem, uh… obrigado, eu acho.
— De nada, Chefe!
— Qualquer coisa para você, cara.
Parando para pensar nisso… as duas viviam nos dormitórios, certo? Como já estavam lá há seis anos, provavelmente sabiam de tudo e conheciam todos. Talvez tivessem algumas informações úteis, ou até mesmo conselhos.
— Quanto ao que você disse… A questão é que estou meio preocupado com minha irmãzinha.
— Sua irmãzinha? Sim, acho que já a encontramos uma vez. É a garotinha que você adornou como uma criada, certo?
— Esses dias a vimos no mercado. Ela tinha seu cheiro por toda parte, Chefe. Achei que vocês fossem parentes.
Então já tinham conhecido Aisha, hein? Ela ia regularmente para a cama comigo, assim podendo explicar a coisa do cheiro.
— Não, ela não. Quero dizer minha outra irmã. Faz um mês que ela está morando nos dormitórios.
— Hein?! Espera, tem mais uma?!
— E ela está morando nos dormitórios?
Linia e Pursena se viraram e olharam uma para a outra com olhos arregalados. Pelo visto, ainda não tinham topado com Norn… ou talvez tenham, mas não perceberam que era minha irmã. Ela não passava muito tempo em casa, então devia ter um cheiro diferente do meu.
— Sim, isso mesmo — falei. — Mas não acho que ela goste muito de mim. Nós mal nos falamos. Não sei como fazer que ela seja afetuosa comigo.
— Errrrr… sim, isso p-pode ser complicado…
— Poderíamos sair por aí gritando sobre o quão legal você é, se quiser…
Hmm. Eu não tinha considerado uma estratégia de guerra de informação. Norn talvez estivesse disposta a me dar uma chance, caso pensasse que eu era o cara mais popular da escola. Mas se eu desse o trabalho para Linia e Pursena, elas provavelmente espalhariam um monte de bobagens sobre eu espancar pessoas.
Prefiro o ângulo de “Rudeus salvou um filhotinho”, sério. Talvez uma versão editada do dia em que encontrei Julie funcionasse.
— De qualquer forma, o verdadeiro problema é que ela ainda não parece ter amigos — falei. — Ela está aqui há apenas um mês, então talvez seja cedo demais para me preocupar… Mas ela é uma estudante transferida, sabe? Aposto que está tendo dificuldades em se encaixar.
— B-Bem, ainda é cedo, certo?
— Sim. Talvez, uh… será que ela só não teve tempo para conhecer as pessoas?
Por alguma razão, Linia e Pursena pareciam ansiosas. Estavam tropeçando em suas palavras, e isso geralmente significava que estavam escondendo algo de mim.
— Por favor, não me digam que vocês duas estão mexendo com minha irmã.
— I-Isso é coisa da sua cabeça!
— Claro que não, Chefe! Você disse para não pegarmos no pé de ninguém mais fraco do que nós!
Certo. Então, por que estão ficando pálidas?
Definitivamente havia algo acontecendo, embora eu ainda não soubesse o que era. De qualquer forma, eu provavelmente poderia tirar proveito da culpa de suas consciências culpadas para garantir que interviessem no caso de alguém tentar intimidar Norn.
— Q-Qual é a idade da sua irmãzinha, Chefe?
— Ela é mais velha que a criada? Ou mais nova?
— Uh, elas têm a mesma idade. Ela tem dez anos.
— Sério?! Ufa!
— Bom saber! Sim, não fizemos nada com ela.
Em outras palavras, fizeram algo a alguém. Será que talvez tenham o hábito de ensinar o devido lugar na hierarquia social aos alunos arrogantes ou coisa assim?
— Então, Chefe, uh, sobre o presente…
— Não fique bravo conosco no caso de não gostar, certo? Demos muito duro para conseguir isso.
Foi meio estranho voltarem mais uma vez para esse tópico. Por que de repente pareceram tão nervosas com isso? Isso era um pouco perturbador, mas fiquei definitivamente curioso para descobrir o que tinham me dado.
— Ei, a intenção é que conta, certo? Não vou ficar bravo, prometo.
Eu não ficaria exatamente feliz se fosse um monte de ratos mortos ou algo do tipo, mas não usaria isso contra elas.
Neste ponto, notei Cliff olhando para mim de seu assento, a algumas mesas de distância.
— Ei. Tem algum conselho para o problema com a minha irmã, Cliff?
— Hmph… Quem disse que você precisa de amigos, afinal?
Uau. Será que alguém estava precisando de um abraço ou o quê?
Ainda assim, Cliff não era mais o solitário que costumava ser. Ele agora tinha Elinalise. E eu, apesar dos pesares. Talvez Norn nunca seja tão popular a ponto de ser considerada a mais famosa da escola, mas eu tinha que torcer para que ela conhecesse ao menos algumas pessoas.
Recentemente, Nanahoshi começou a aparecer no refeitório na hora do almoço. Talvez tivesse finalmente descoberto a importância de comer comida de verdade. No entanto, não era como se estivesse sendo particularmente sociável sobre isso…
Percebendo meu olhar, ela se virou para me encarar.
— Precisa de alguma coisa?
— Nah, na verdade não.
Embora Nanahoshi tivesse tomado a iniciativa de apresentar a culinária japonesa ao campus, ela quase nunca se aventurou a experimentar os resultados disso. Ela não gostava muito da comida e geralmente parecia um pouco infeliz quando a comia.
— Você não parece estar gostando disso — falei.
— Bem, não estou. Sei que fui eu quem criou a receita, mas isso é horrível.
— Acho que os ingredientes daqui não são tão bons quanto os que tínhamos no Japão.
— Isso é certeza.
— Existe algum tipo de comida deste mundo que você goste?
— Aquelas batatas fritas que comi na sua casa, acho. Estavam boas.
Acho que ela se referia às que Sylphie fazia em casa. Fazia sentido. Aperitivos simples como aqueles não tinham um gosto tão diferente dos que comíamos no Japão.
— Quer que façamos mais para você?
— Não precisa…
Então tá. Da próxima vez que ela for usar nossa banheira, eu irei preparar algumas batatas para ela.
Badigadi também não apareceu hoje. Ele costumava parar no refeitório sempre que possível, mas eu não tinha o visto no último mês. Realmente queria me sentar com ele e conversar sobre Ruijerd.
Ao menos os modos à mesa de Julie estavam começando a melhorar um pouco em sua ausência. Ginger estava ensinando-a algumas regras básicas de etiqueta, mas, se aquele cara enorme estivesse por perto, seria causa perdida. Porém, sem ele, o lugar parecia um pouco vazio. Eu meio que sentia falta daquela sua risada estrondosa. Quanto mais se ri, mais se vive, certo? Talvez eu deva tentar também.
— Fwahahahaha!
— Uh, p-por que você está rindo? Fiz alguma coisa engraçada?
— Mestre?
— Grão-Mestre…?
Tudo que meu experimento rendeu foi um monte de olhares perplexos de todos na mesa. Para ser sincero, foi meio constrangedor. Acho que não sou apropriado para ocupar o lugar de Badigadi.
— O que é tão engraçado, se é que posso perguntar?
Luke apareceu do nada. Ele estava afiado como sempre, mas desta vez nenhuma fã apaixonada o seguia. Sylphie também não estava com ele.
— Nada. Faz um tempo que não vejo nosso Rei Demônio, então estava tentando invocá-lo com minha risada — falei.
— Entendo. De qualquer forma, Rudeus, poderia pedir que me acompanhe até a sala do conselho estudantil? — A expressão de Luke estava preocupada. Algum problema?
— Claro, sem problemas.
Engoli o resto da minha comida em poucos segundos, fiquei de pé e segui Luke.
Não saberia dizer o motivo, mas tive a impressão de que ele estava com raiva de algo. Luke não falou muito enquanto íamos para a sala do conselho estudantil, e seus passos pareciam diferente do normal.
Ariel e Sylphie estavam esperando lá dentro, conforme imaginei. A expressão da princesa continuava serena como sempre, mas ela parecia um pouco pálida. Sylphie também parecia meio ansiosa.
O novo semestre estava apenas começando, mas, pelo visto, já tínhamos algum tipo de incidente em mãos.
— Olá, pessoal. Há algo de errado?
— Sim, há — disse Ariel, soltando um breve suspiro. Ela hesitou por um momento, então continuou: — Notamos várias garotas do primeiro ano que moram nos dormitórios parecendo, recentemente, muito pálidas e angustiadas.
— Sério?
Com isso ela chamou minha atenção. Seja qual for o motivo, pode estar afetando Norn.
— No decorrer de nossa investigação, percebemos que a maioria das garotas afetadas é muito bonita… e também um pouco plana.
Merda. Norn atendia ambos critérios. Eu teria que cooperar de corpo e alma com a investigação deles. Se conseguisse salvar o dia, talvez até ganhasse alguma gratidão da minha irmã.
— Hoje, conseguimos obter detalhes de uma das vítimas. Aparentemente, Linia e Pursena estavam andando por aí e… er…
Espera, Linia e Pursena? Elas disseram que não estavam mais atormentando os fracos, mas… talvez tivessem sentido o cheiro de carne seca no bolso de algumas novatas e as perseguiram ou coisa assim. Isso era deprimentemente plausível.
— Exigiram que tirasse sua roupa íntima e a entregassem…
Espera, o quê?
Tive um péssimo pressentimento a respeito do rumo da conversa.
— Uma investigação mais aprofundada revelou que recentemente foram ouvidas dizendo algo como “Aposto que o chefe vai adorar isso” no refeitório.
— …
— Pelo que entendemos, elas estavam escondendo as roupas íntimas que roubaram em uma certa bolsa. — Dizendo isso, Ariel silenciosamente olhou para o presente que eu aceitei algumas horas atrás. Luke e Sylphie fizeram o mesmo, eles tinham recebido uma descrição de como era a bolsa, sem dúvidas.
Tinha certeza em minha mente de que a coisa estava cheia de calcinhas roubadas. Sujas, não lavadas, na verdade. Aquela ali era uma bolsa cheia de sonhos.
Inacreditável. Quando foi que pedi um presente como este para Linia e Pursena? E por que estava ficando excitado só de pensar nisso? Droga, eu era mesmo um ser humano lamentável.
— Rudeus, sinto muito, mas…
Decidi evitar a pergunta. Tomar a iniciativa em uma situação como essa é o mais inteligente a se fazer.
— Linia e Pursena me deram esta bolsa nesta manhã. Disseram para olhar dentro só quando voltasse para casa, então não tenho certeza, mas devo presumir que contém os objetos que estão procurando.
— Entendo. Só para ficar claro, você ordenou que elas fizessem isso?
— Não, não ordenei.
Eu estava tentando manter minhas respostas firmes e concisas. Uma palavra errada poderia ser letal, mas eu ficaria bem, desde que mantivesse as coisas simples. Afinal, isso era só um mal-entendido.
— Então, você não se envolveu em nenhuma parte disso?
— Claro que não. Acabei de me casar com a Sylphie, lembra? Não estou sexualmente frustrado para fazer algo assim.
Ela realmente achava que eu era o tipo de que iria colocar um plano sem noção desses em prática logo depois de mandar minha própria irmãzinha para aqueles dormitórios? Não pude provar minha inocência, então não tinha certeza de como me defender. Devia haver alguma maneira de esclarecer tudo…
— Pois bem. Acreditarei na sua palavra. — Com outro breve suspiro, Ariel abruptamente interrompeu o seu interrogatório.
Bem, isso foi mais fácil do que o esperado.
— Obrigado, Princesa Ariel. Fico grato por isso.
— Está tudo bem. Pensar que você estava por trás disso parecia estranho. Considerando o tanto que você parece estar aproveitando suas noites com Sylphie, eu não imaginaria o motivo para assediar qualquer outra garota.
Espera, ela sabia como estávamos passando nosso tempo juntos? Ah, deus. Sylphie tinha contado sobre todas as coisas ridículas que falei para ela na outra noite?
— Uh, Sylphie? Você está dando relatórios sobre nosso tempo a sós à Princesa Ariel?
— Claro que não! — protestou Sylphie, balançando a cabeça vigorosamente. — E-Eu não contaria essas coisas a ninguém! Como você descobriu isso, Princesa Ariel?!
Eu confiava nela. Sabia que as duas eram amigas íntimas, mas não conseguia imaginar uma garota tão tímida quanto Sylphie falando sobre sua vida sexual com os outros. Não que fosse algo demais se ela fizesse isso… contanto que não reclamasse do meu desempenho ou coisa do tipo…
— Bem, não descobri — respondeu Ariel. — Só estava querendo ver sua reação. Mas fico feliz em saber que estão gozando da companhia um do outro.
Certo, boa jogada.
Enfim… o que Pursena e Linia estavam pensando? Juntar uma bolsa de roupas íntimas recém-usadas deve ser a ideia mais estúpida que já tiveram. Eu já tinha feito ou dito algo para fazê-las pensar que queria… Espera aí. Elas, há algum tempo, não mencionaram algo sobre me pagar um tributo com um monte de calcinhas?
Ah, merda, elas fizeram mesmo.
Na época presumi que fosse só uma piada, mas talvez estivessem falando sério. Bem, tanto faz. A culpa continuava não sendo minha, certo? Sim. Definitivamente não.
— Acho que foi uma tentativa equivocada de me fazer um agrado, então agradeceria se me deixasse repreender Linia e Pursena — falei. — Ah, e você poderia providenciar a devolução das roupas íntimas às donas? Só para ficar claro, não olhei dentro, tampouco toquei em qualquer coisa.
Entreguei a bolsa para Ariel, sem qualquer hesitação.
Linia e Pursena podiam não ter más intenções, mas eu teria que ser firme com elas a respeito disso. As únicas calcinhas que eu gostava eram as recém-tiradas. Não adiantava nada se eu não as visse sendo tiradas.
Espera, não. O problema não é esse.
— Pois bem, que seja.
Ariel deu uma espiada dentro da bolsa, então voltou a balançar a cabeça. Parecia que havíamos conseguido alcançar uma resolução perfeita para o problema.
— Mas, devo dizer — continuou Ariel, lançando um olhar em direção a Sylphie —, aqui tem muita roupa íntima. Você não fica um pouco desapontado em perder tal tesouro, Rudeus?
— De forma alguma. Não tenho fetiche por roupas íntimas ou coisas do tipo.
— Entendo… Bem, minhas desculpas por ter duvidado de você.
— Está tudo bem. Fico feliz que conseguimos esclarecer o mal-entendido.
Honestamente, tive sorte por acabar assim. Se tivesse levado aquelas calcinhas comigo para casa… bem, eu não sabia como iria me livrar delas. Era bem fácil me imaginar perdendo a cabeça por algum tempo, depois mergulhando-as na bebida para fazer uma “cerveja de calcinha” experimental. O que inevitavelmente levaria Sylphie e Aisha a encontrá-las, e isso então nunca teria um fim.
— Bem, isso é um alívio — disse Sylphie suavemente. — Fiquei preocupada em não estar te satisfazendo, Rudy.
Ariel e Luke olharam para ela com expressões divertidas em seus rostos. Levou um segundo para perceber exatamente o que tinha dito, e então seu rosto ficou todo vermelho de vergonha.
E, naquele exato momento, o sinal tocou. Nosso período de almoço acabou.
— Ah, nada bom. Vamos nos atrasar para a aula.
— Sinto muito por todo o aborrecimento que Linia e Pursena lhe causaram, Princesa Ariel…
— Tudo bem, Rudeus. Essas coisas acontecem.
Luke manteve a porta aberta e me convidou a passar por ela. Ariel e Sylphie também o fizeram, e logo após ele saiu e trancou a porta atrás de si.
— Bem, vamos indo.
Ariel ficou ao meu lado enquanto caminhávamos. Sylphie e Luke seguiram um pouco atrás. Será que eu também deveria ficar para trás? Não sabia exatamente o que a etiqueta mandava fazer em um caso desses.
— Ah…
Antes que eu pudesse me decidir, entretanto, fizemos uma curva e topamos com Norn. Ela estava vagando pelo corredor, olhando ao redor com incerteza. Assim que me viu, apertou os lábios com força.
— Qual é o problema, Norn? — perguntei. — A aula já vai começar.
Em vez de responder, ela virou a cara para mim. Por pura coincidência, deparou-se com o olhar da Princesa Ariel.
— Olá. Me chamo Ariel, sou a presidente do conselho estudantil — disse ela.
Quando Ariel mostrou um sorriso agradável, o rosto de Norn ficou vermelho na mesma hora. Acho que a princesa costumava causar esse efeito nas pessoas.
— Eu, uh… Me chamo Norn Greyrat.
— Prazer em conhecê-la, Norn. Há algo de errado? Sua próxima aula começará em breve.
— Uhm, bem… Não tenho certeza de onde fica a terceira sala de prática…
— Ah, entendo.
Então ela ficou para trás enquanto sua turma mudava de sala, hein? Pobre criança. Pode parecer insignificante, mas coisas assim realmente doem quando acontecem com uma criança. Parecia que minha preocupação com ela se transformando em uma solitária não era infundada.
— Luke, poderia mostrar o caminho a ela, por favor? — perguntou Ariel.
— É claro. Por aqui, Norn. Não fica longe.
Delicadamente levando a mão às costas de Norn, Luke a conduziu pelo corredor.
O rosto da minha irmã ficou vermelho de vergonha. Era compreensível, já que ele era um cara bonito, mas depois eu teria que falar algumas coisas sobre Luke para ela. O cara era um playboy nato.
Pouco antes de fazerem uma curva, Norn parou e olhou para nós. Seu olhar vagou, por um momento, entre mim, Ariel e Sylphie. Mas então ela voltou a se virar e partiu. Sem me dizer uma única palavra que fosse.
Isso me deixou um pouco triste.
Assim que as aulas acabaram, Linia e Pursena me encontraram na parte de trás do prédio principal. Eu tenho muito a dizer a respeito dos eventos de hoje.
As duas pareciam bem animadas. Acho que gostaram da ideia de um encontro secreto no fundo da escola. Afinal, era exatamente o tipo de lugar em que aconteceria uma cena dramática de algum romance.
— E aí, Chefe? Por que pediu para virmos aqui?
— Finalmente pronto para admitir que se apaixonou por nós? Bem, é melhor que primeiro execute o plano de Fitz. Não quero que ela fique com raiva de nós.
Quase me senti mal por estragar o clima. Quase.
— Precisamos conversar sobre aquela bolsa que vocês me deram — falei. — Entreguei para a Princesa Ariel na hora do almoço e pedi que ela devolvesse o conteúdo às donas.
No início, seus rostos ficaram inexpressivos graças à confusão. Mas, logo depois, começaram a falar pelos cotovelos e a sibilar uma para a outra.
— Eu falei! Ele na verdade não queria!
— A culpa é sua, Linia. Você disse que o chefe ama calcinhas.
— O quê? Você concordou!
— Eu primeiro queria fazer um teste. Dando a sua para ele.
— Por que só a minha?! Isso seria injusto!
— Sim. É por isso que também pegamos das crianças do dormitório.
— Não é isso que estou dizendo! Você podia ter dado a sua também!
— Não. Eu tenho peitos grandes, então ele não deve se interessar.
Era meio divertido assistir suas patéticas tentativas de jogar a culpa da situação uma para a outra, mas também era meio frustrante. Por que pensavam que eu só gostava de garotas com o peito plano, afinal?
— Certo, fechem a matraca! — Parecia que continuariam para sempre, então bruscamente bati palmas para interromper. — Lembram do que eu disse antes, garotas? Disse para não incomodar ninguém mais fraco do que vocês. Lembram disso, certo?
Isso as fez tremer.
— N-Não atormentamos ninguém, Chefe. Sério! — choramingou Linia.
— I-Isso mesmo. Só pedimos de um jeito bem legal — acrescentou Pursena com um gemido.
Ah, fala sério. Como se alguma pobre garotinha do primeiro ano fosse capaz de dizer não a um par de valentonas aterrorizantes com o dobro de seu tamanho.
— Olha, vocês são do povo-fera, não são? Imagino que sabem como é humilhante ter suas roupas tomadas.
— M-Mas nós demos roupas íntimas novas para elas e tudo mais! Foi só uma troca!
— Ah, sério? Ao que parece, um monte de garotas acabou ficando bem abalada.
— É só que as novas não devem ter servido direito, isso é tudo! Não tomamos a calcinha das garotas que disseram não, eu juro!
Hm? Isso soou bem diferente do que Ariel tinha descrito. Isso me deu algum alívio. Eu me sentiria péssimo se elas arrancassem a roupa de alguém à força. Eu poderia até me sentir tentado a obrigá-las a andar nuas em público por algum tempo, só para que entendessem como isso era humilhante.
— Chefe, você disse que não ficaria bravo! Você prometeu!
— Foi só um mal-entendido, sabe? Dá uma folga, cara…
As duas estavam obviamente com mais medo de serem punidas do que qualquer outra coisa. No final das contas, porém, se meteram em vários problemas por minha causa. Elas perceberam que eu estava me sentindo para baixo e tentaram me animar. Essa foi a motivação das duas.
Foi, nesse sentido, um gesto simpático, ainda que eu não tenha gostado do presente delas. Eu simpatizava com as vítimas, mas elas tiveram, basicamente, boas intenções. Não era como se estivessem intencionalmente tentando humilhar alguém, como os valentões que me perseguiram na minha vida anterior.
Sim. Elas eram como duas crianças inocentes que saíram por aí catando cascas de cigarras, nada além disso. Seria mesmo justo dar um tapa nelas, resultando em uma punição exagerada?
— Certo, tá bom. Mas se eu descobrir que traumatizaram alguém, vou fazer se curvarem nuas na frente das vítimas e se desculparem.
— C-Certo, Chefe.
— Nós sentimos muito…
Tive a sensação de que Ariel se certificaria de que as vítimas fossem escutadas. Com isso em mente, não consegui ficar com raiva delas, isso na verdade até me surpreendeu um pouco. Será que fui parcial por serem minhas amigas?
— Mas me digam uma coisa. Por que diabos decidiram me dar um monte de calcinhas de presente?
As duas olharam para mim, confusas, como se eu tivesse feito a pergunta mais estranha do mundo.
— Bem, você adora calcinhas, né?
— Sim. Você tem aquela em teu altar especial e tudo mais.
Ah, certo. Então, parando para pensar, a culpa era minha. Nunca deveria ter permitido que essas duas idiotas colocassem os olhos em meu artefato divino, nem mesmo por um segundo.
— Vocês entenderam errado — falei. — Não adoro a calcinha em si. Ela simplesmente pertencia a alguém que eu adoro. Ela é, resumindo, uma relíquia sagrada.
— Espera, sério?
— Nós pensamos que você era devoto a um culto à calcinha ou algo assim.
Eu tinha um certo gosto por calcinhas, mas nunca levei as coisas tão longe.
— Bem, agora que isso foi esclarecido… certifiquem-se de não repetir esse erro, certo?
— Você que manda, Chefe!
— Nos comportaremos de agora em diante.
Havia algo mais que precisava ser dito? Hmm… ah, é mesmo.
— Se realmente sentem a necessidade de me dar uma calcinha, prefiro uma que tirem bem na minha frente.
— Hein?
— Hein?!
Opa, talvez não precisasse dizer isso.
Agora as duas estavam sorrindo para mim como se estivessem entendido tudo.
— Eu sabia! Você quer acasalar com a gente, Chefe!
— Bem, é claro que ele quer. No fundo, ele é igual aos outros caras. Somos irresistíveis.
Uau, isso foi extremamente irritante. Também não fazia muito sentido. Elas não deveriam ficar com nojo ou algo do tipo, em vez de me provocar assim? Será que elas têm uma queda por mim?
Nah, não era o caso. Isso era algo diferente. Poderia dizer que gostavam de mim, mas não era da mesma forma que Sylphie gostava. Eu, porém, não conseguia identificar a diferença exata. Por enquanto, apenas pensaria nisso como um tipo estranho de amizade.
Falei tudo o que precisava, o que dava a reunião por encerrada. Minha reputação provavelmente seria abalada como resultado desse incidente, mas eu poderia suportar isso. Não me importava muito com o que as pessoas diziam pelas minhas costas, de qualquer maneira.
Quando nós três saímos de trás do prédio, topamos com um grupo de alunas do primeiro ano. Todas estavam com suas mochilas escolares, então pareciam estar voltando para os dormitórios. No momento em que nos viram, todas abriram caminho para sair da nossa frente.
Enquanto se moviam, no entanto, localizei Norn bem atrás do grupo. Ela olhou para mim e depois para Linia e Pursena. Sua expressão mudou de surpresa para indignação e descrença e, então, quando passou por nós, me lançou um olhar desagradável.
Linia e Pursena se viraram para vê-la partir, parecendo não muito satisfeitas.
— Qual é o problema daquela criança? Ela tem uma atitude e tanto.
— Não fode, porra. Devíamos ensiná-lá quem é que manda aqui.
— Só para que saibam, aquela é minha irmãzinha — falei suavemente.
Linia e Pursena encolheram-se, suas orelhas visivelmente se abaixaram.
— Uh, bem, é bom ver que ela tem um pouco de espírito!
— Sim. Ela também é uma gracinha.
Mas quanta transparência.
Com um sorriso, dei um tapinha nos ombros das duas.
— Tentem ficar de olho nela, certo?
— Você que manda, Chefe!
— Deixa com a gente.
Ainda assim, esse gelo de Norn estava realmente começando a me afetar. Eu queria que chegássemos ao menos ao ponto de manter uma conversa básica… mas enquanto ela estava se virando bem sozinha, não parecia certo da minha parte forçar assunto.
Por um tempo, as coisas foram relativamente tranquilas. Eu não estava me aproximando de Norn, mas ela passava em casa a cada dez dias, conforme prometido.
Fiquei um pouco surpreso por ela não me desobedecer com mais frequência, tendo em vista que obviamente não gostava de mim. Mas, na maior parte do tempo, ela não virava a cara para mim… embora costumasse fazer alguma careta.
Parando para pensar nisso, porém, não passei muito tempo com nenhuma das minhas irmãs depois da infância delas. Talvez tenha sido estúpido da minha parte esperar que pensassem em mim como parte da família logo de cara. A atitude amigável de Aisha provavelmente era a mais incomum das duas. Só porque é parente de alguém, não significa que a pessoa vai incondicionalmente gostar da companhia da outra. Eu sabia muito bem disso. Na verdade, os membros da família costumam ser as pessoas de quem mais nos ressentimos – e com mais persistência.
Soquei o meu pai bem na frente de Norn. Eu e Paul tínhamos nos reconciliado rapidamente e deixado aquele incidente para trás, mas a memória ainda devia arder no coração da minha irmã. Se alguma vez ela tocasse no assunto, eu teria que me desculpar sinceramente. Mesmo que me parecesse uma história antiga, a dor e a raiva podiam continuar frescas na memória dela.
Mas não havia necessidade de apressar as coisas. Nós dois provavelmente viveríamos próximos um do outro por anos, ou mesmo décadas. Se demorasse um ou dois anos para que ela se aproximasse de mim, seria algo com que eu poderia lidar.
Não era como se irmãos tivessem que ser melhores amigos uns dos outros. Só precisávamos manter um relacionamento confortável para os dois, e isso poderia exigir algum tempo.
Poucos dias depois de chegar a essa conclusão, recebi notícias alarmantes.
Norn se trancou em seu quarto.
Tradução: Taipan
Revisão: Guilherme
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