CAPÍTULO 7
Sob o sol do meio dia, durante a metade do verão, com um pano amarrado na cabeça, o prisioneiro, Muoru, abria uma cova com a pá que já estava acostumado.
Cravou a lâmina no chão, encheu-a, ergueu-a e arremessou. Então, repetiu. A série de movimentos era ininterrupta, como se ele tivesse a precisão de uma máquina e os movimentos suaves e metódicos de um animal.
— Booommm dia, Toupeira-tan.
Com um sorriso que mostrava uma alegria que aparentava vir do fundo do coração, Corvo apareceu e interrompeu o trabalho de Muoru.
— Toupeira-tan…?
Observou Corvo com desprezo nos olhos…, mas, então, sua visão focou na cabeça dele. Mais especificamente no grande objeto que estava acima de seu cabelo estilo chanel.
— Isso… — disse Muoru com um gemido.
— Hehehe, é u que plometi para vucê. Olha só.
— Obrigadinhuu… não, sério, realmente achei que você não conseguiria.
— O que está dizendo? Foi moleza. Mas, sério, não entendo o porquê de você querer isso… pode colocá-lo um pouco?
— Claro — respondeu Muoru, amarrando a alça sob seu queixo. A pele de suas bochechas foi automaticamente puxada para cima e começaram a coçar.
“Maravilha, isso é perfeito”. Fato era que não poderia fazer muito com só aquilo.
Mas, pelo menos, fazia parecer estar cheio de energia.
Sentia que poderia participar de uma marcha de vinte quilômetros para gastar seu excesso de energia. No entanto, além de seu capacete, não tinha equipamentos para a atividade, ou um percurso para correr. Por isso, só poderia continuar cavando.
Maravilhado com o quão animado Muoru ficou por causa de suas ações, Corvo suspirou com descrença.
— Sério que gosta disso? Essa coisinha vai servir para quê?
— Não se preocupe com isso. Alguém que só gosta de coisas brilhantes não entenderia.
— O quê? Como sabe que gosto de dinheiro? — perguntou Corvo, inclinando a cabeça para o lado. Então, riu: — Dinheiro é bom! Coletá-lo é divertido! Se tiver dinheiro, pode fazer o que quiser! E, claro, é brilhante, mas também amo o fato de ser agradável usá-lo. Até entrar na próxima vida, dinheiro é uma boa coisa para se ter.
Desta vez, foi a vez de Muoru ficar surpreso.
Sentia que era desagradável ver uma criança dizer coisas assim enquanto mostrava um sorriso inocente como o de um anjo.
Até ali, Corvo esteve agindo como se fizesse uma grande proclamação. Mas, de repente, mostrou um sorriso feio e perguntou:
— A propósito, Toupeira-kun, como vão as coisas com a garota?
Muoru tentou mostrar-lhe um rosto de hesitação, conforme se afastava da cova que estava cavando até agora. Então, acenou para ele, como se o chamasse para uma conversa secreta.
Quando se aproximou, Muoru disse em voz baixa:
— Ah, acho que dá para dizer que está indo bem.
— Sério… o que aconteceu?
— Tentei ser honesto com ela. Só isso.
— Ah, só isso? E eu pensei que o hostil Muoru era muito mais divertido. Hm, bem, se isso a deixa feliz, então acho que está tudo bem.
Muoru levantou seu braço para empurrar Corvo.
— Ei. — Ele se esquivou sem esforço, como se não tivesse peso algum. Porém, de repente, sem precisar de muita força, afundou no solo.
— Oi, espera aí, Toupeira-kun. O que está fazendo? Minha bunda dói!
Com um suspiro, Muoru pegou sua pá. O buraco em que Corvo caíra foi feito especialmente por uma toupeira, era estreito e profundo. Um corpo de criança podia ser enterrado até a cabeça, mas os dedos de Corvo mal conseguiam chegar à beirada do buraco.
— Não era minha intenção te enganar desta forma, mas não havia outro jeito. Não tenho muitas opções, sabe? Por isso, já que estou sendo honesto contigo, espero o mesmo vindo de você.
— O que quer dizer? — perguntou Corvo com um rosto que parecia prestes a chorar. — Não fui um corvo bonzinho? Isso é cruel.
Sem dar atenção às reclamações vindas debaixo de seus pés, Muoru perguntou:
— Ainda há coisas que você não me contou, não é mesmo?
A expressão do Corvo escureceu.
— Vamos começar contigo. Você aparece muito. As pessoas que frequentemente vêm e vão do mundo exterior são empregados de distribuidores de alimento. Claro, se não incluirmos eles, precisamos falar de seus amigos mascarados. Eles vêm com mais frequência que os distribuidores. Mesmo assim, não são tão frequentes quanto você. Além disso, todos parecem ir e vir em um grande trailer. Por este motivo, acho que é natural ter dúvidas. Agora, diga-me, por que você é o único que pode se mover livremente neste lugar?
Do fundo da cova, Corvo sorriu:
— Ora, ora. Descobriu rápido. É uma pena que só te fizeram abrir covas. Já te disseram isso? — Seu sorriso parecia desumano, como se seu rosto tivesse sido cortado do canto dos lábios até as bochechas.
— Tudo bem, por que não conversamos?
Até Muoru sorriu. As palavras de Corvo foram engraçadas.
“Um corvo bonzinho? Que piada.”
Era um conhecimento muito antigo que corvos tinham a reputação de serem pássaros nefastos.
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Então, anoiteceu.
O garoto estava ocupado nivelando a cova que usara para intimidar o Corvo. Preencher covas era particularmente mais agradável do que cavá-las. Tudo o que precisava fazer era colocar uma pá cheia sobre o buraco, virar e deixar a gravidade fazer o resto.
Encheu a cova até a terra estar no nível do solo, depois, usou seus sapatos para pisar no local e apagar os traços da escavação.
Foi neste exato momento em que viu o baixinho, Daribedor, se aproximar.
— Do que se trata isto, Senhor Prisioneiro? — perguntou o velho, encarando com curiosidade a cabeça de Muoru.
— Achei. Não será um problema, não é? Acho que posso considerar um consolo pela vez em que enterrei aquele monstro.
— Acho que não teríamos problema.
— Tudo bem, a propósito, precisa de mim? Quem sabe alguma ajuda com outro enterro e tal? — perguntou Muoru, conforme colocava a pá no ombro.
Daribedor balançou a cabeça.
— É sobre o trabalho de amanhã.
Então, liderando-o, chegaram até um enorme lote de terra entre um amontoado de lápides no cemitério.
Muoru já estava tendo um mau pressentimento sobre o trabalho.
Daribedor curvou-se, tirou algumas estacas do bolso e colocou a primeira no chão aos seus pés.
— A cova começa aqui…
Caminhou com passadas ainda menores que a de Corvo, mas seus pés não paravam. Nunca paravam. Os dois continuaram caminhando sem parar. Depois de muito tempo, não fez tentativa alguma de colocar a segunda marca.
O tempo parecia passar assustadoramente devagar.
“Já está bom, pare. Pare logo”. Muoru desejava em sua mente enquanto olhava para o velho. Teve vontade de pegá-lo de guarda baixa, correndo até ele e dando um puxão em seu terno para pará-lo.
— E termina aqui. — Parou, colocando a última das quatro marcas.
Muoru mal conseguiu registrar o que ouviu. Era uma distância colossal. Fazia a cova cavada para aquele monstro carnudo parecer uma piada.
— Bom, sei que é uma tarefa difícil, mas se puder, comece amanhã. — Depois deste breve pedido, curvou-se educadamente, virou-se em direção à mansão e passou por Muoru. O garoto não queria ter esse tipo de conversa com o velho, mas, quando o mesmo passou ao seu lado…
— Vou enterrar um dirigível? — Não pôde deixar de perguntar.
Como uma cigarra, Daribedor riu, depois, partiu.
“Parece que precisarei fazer isso mais cedo do que esperava.”
Daribedor lhe disse que estaria tudo bem em começar no dia seguinte, mas seu corpo já estava se movendo. Mesmo estando começando um pouco antes do combinado, sabia que não conseguiria fazer muito progresso, mesmo assim, continuou. Logo foi obrigado a voltar ao estábulo e buscar o carrinho que usava para puxar terra.
O tamanho era realmente absurdo e não foi uma piada quando Muoru perguntou se era para um dirigível. Claro, não estava falando apenas da cabine, estava incluindo tudo, inclusive o balão cheio de gás hélio.
Quanto maiores, mais fortes.
O primeiro que viu, o monstro com apenas o rosto, foi enterrado em uma cova que poderia caber um estábulo.
O que machucou Mélia era duas vezes maior. Possuía um poder aterrorizante e era, essencialmente, imortal, a ponto de ser incerto se um batalhão de soldados em tanques poderia pará-lo.
E agora, a cova que abriria era para algo ainda maior que os dois.
“Se é esse o caso, qual a força do monstro que está para ser enterrado aqui?”
Não pôde deixar de tremer. Uma criatura dessas realmente existia neste mundo? Sentia que apenas um deles poderia destruir todo um país.
Por isso, neste caso, apenas um guarda sepulcral precisava impedir a destruição de todo um país, ou mais que isso, devia supostamente prevenir a morte dos humanos com seu próprio corpo?
Muoru colocou toda a energia que tinha para abrir a cova, e uma montanha de terra logo se formou diante de seus olhos. De fato, no momento em que o sol se pôs, a pilha estava mais alta que ele.
Estava grato por não haver nuvens no céu e aquela lua brilhar com esplendor. E, talvez, aquele céu noturno também fosse a razão pela qual Mélia não estava carregando seu lampião.
— Muoru…? — perguntou com uma voz repleta de dúvidas à medida que chegava ao lado de Muoru. Fazia sentido, já que metade de seu corpo, até as costelas para ser mais exato, estava dentro do buraco.
Porém, quando ele olhou para cima, percebeu que ela parecia estar olhando de forma estranha para algo em sua cabeça.
“Ah, é mesmo”. Lembrou do que recebera hoje, havia esquecido completamente que o usava. Era algo com que sua cabeça já estava acostumada. O item que Corvo trouxera não possuía um emblema nacional, mas tinha o mesmo design e forma do equipamento oficial que a infantaria usava. Até mesmo o tamanho era igual, como se tivesse sido feito sob medida para Muoru.
— Ah, isso?
Quando ele estava prestes a lhe dizer o nome, com dificuldade, ela disse:
— Um capacete?
Depois, os dois se sentaram à beira da cova. Logo ao seu lado, Mélia parecia muito envergonhada, porém, ao mesmo tempo, também parecia um tanto quanto feliz.
Com aquele bom humor, Muoru explicou o quão incrível um capacete era. Desde os tempos antigos, foram usados para proteger a parte mais importante do corpo. Quando a era atual chegou, a combinação de aço e plástico o tornaram mais leve e resistente. E com cascos de blindados e granadas voadoras por todo o campo de batalha, e estilhaços espalhados por explosões, proteção para a cabeça era importante. Mas claro, o campo de batalha não era o único lugar onde eram considerados necessários. Também eram usados em vários jogos com bola, esportes, para andar a cavalo, de motocicleta, em locais de construção de uma nova mina…
— Mas por que está usando isso agora? — perguntou Mélia, parecendo gostar de ouvi-lo. Essa foi sua primeira pergunta sobre o assunto.
Ele não sabia como responder.
No meio da noite, proteção não tinha sentido, e claro, balas não estavam voando em sua direção.
“O motivo de eu estar usando isso…”
— É uma sensação boa — respondeu o garoto.
— Sério?
Aparentando ter aceitado sua resposta facilmente, a qual ele só disse por estar sob pressão, Mélia inclinou a cabeça para o lado, inveja estava presente em seu rosto. Era como se acreditasse que o capacete produzisse algum tipo de efeito.
O garoto começou a corrigir a si mesmo, mas rapidamente parou. Então, desamarrou a corda sob seu queixo e, com ambas as mãos, entregou-o a Mélia.
— Gostaria de experimentar? — perguntou ele.
Os olhos dela se iluminaram.
— Posso?
Muoru assentiu e, então, Mélia removeu seu capuz.
Sendo sincero, o momento pelo qual tanto esperou estava próximo, poderia vê-la sem o capuz. Na verdade, entregar o capacete foi seu plano desde o princípio.
O cabelo que ela escondia dentro do tecido escuro espalhou-se sobre seus ombros até as costas. Por estar bem próximo, também conseguiu sentir o fraco aroma de sabonete, mas esta não era a característica mais surpreendente. Iluminado pelo luar, seu cabelo brilhava belamente, como se tivesse açúcar jogado nele.
Então, parecendo tímida, encarou Muoru e estendeu as mãos para pegar o capacete. Seus braços estavam levemente abertos, como se estivesse esperando para ser abraçada.
Odiou admitir isso, mas ele não poderia fazer isso.
Mélia era bonita.
Ele gostava dela.
O modo com que inclinava a cabeça para o lado, o modo com que tremulava os cílios — cada um de seus movimentos —, ele não podia deixar de amar.
Mas não poderia fazer isso.
Quanto ao porquê, não tinha muita certeza, e era difícil colocar os sentimentos em palavras. Porém, quando entregou o capacete, olhou para as mãos pálidas e delicadas da garota, depois, olhou de volta para suas mãos cobertas de terra, a razão ficou clara.
“Somos de mundos diferentes.”
Ele realmente gostava de tudo nela.
Não apenas sua aparência ou corpo, mas não vou negar isso. Gostava de tudo, até mesmo de seu coração, o qual Corvo disse que era como o de um esqueleto. E apenas ao ver a si mesmo refletido em seus olhos azuis e tranquilos, sentiu como se o interior de seus braços estivessem lentamente se dobrando.
Se alguém perguntasse por que se sentia assim, a única resposta que provavelmente daria era a de que o coração dela ficava à mostra naqueles olhos. Ele nunca se sentiu assim antes e, em sua mente, estava considerando o quão bom seria abraçá-la.
Entretanto, ela era uma guarda sepulcral.
Possuía o poder da Escuridão, não podia morrer, não podia ficar sob os raios de sol e não podia sair do cemitério.
E ele era o Prisioneiro 5722. Mas era uma falsa acusação e não pretendia passar o resto da vida abrindo covas… “Não farei isso, não importa o quê”.
Já que o capacete havia ficado grande na cabeça dela, cobriu seus olhos quase que por completo.
— É pesado… — murmurou a garota.
Muoru riu:
— Mélia, seu cabelo ficou preso na alça.
— Hein?
Ele fez seu movimento e tentou alcançar a alça pendurada ao lado do pescoço de Mélia, então, com gentileza, puxou-a para frente.
O que dissera foi mentira.
Colocou suavemente sua mão no capacete enquanto escorregava-o sobre a cabeça dela.
A beirada da parte dianteira ficou na frente dos lábios dela, cobrindo toda a sua visão.
Ao ver que ela não conseguia enxergar nada, aproximou seu corpo sem fazer barulho. Então, beijou o capacete logo acima da testa dela.
— Muoru?
— Parece que não serve em você mesmo — disse Muoru conforme se afastava e removia-o da cabeça dela.
“Será que sentiu isso?”
Seu coração parecia bater com força suficiente para quebrar suas costelas.
Se já estava tão nervoso apenas por tocar o aço, começou a se perguntar sobre o que aconteceria se beijasse-a diretamente.
Mexendo com a alça, deu uma espiada ao lado e viu Mélia encarando o capacete em suas mãos, uma expressão levemente decepcionada era vista em seu rosto.
Ela não havia percebido o que ele fizera.
— Mélia… — disse Muoru, movendo o corpo para esconder suas bochechas avermelhadas. — Assim como eu disse no outro dia, vim para cá como resultado de uma falsa acusação. E o fato de eu ter me tornado um prisioneiro não faz sentido. — A garota assentiu silenciosamente, e Muoru continuou: — Por isso, vou fugir deste lugar. Vou embora. E, quando terminar essa cova… será um adeus.
A expressão que Mélia mostrou quando entendeu foi a segunda pior reação que esperava.
— Sim… isso é o melhor… para você.
Havia surpresa em seu rosto…, além de tristeza.
Muoru sentiu uma certa alegria sádica ao ver que Mélia estava triste com sua partida. Mas a segunda pior reação também fez com que se sentisse mais tranquilo.
Embora não houvesse desculpa para o fato de ter uma imaginação fértil, não conseguia imaginar o que aconteceria caso sua confissão não ocorresse bem e ela recuasse chorando ou algo do tipo.
Porém, independentemente de sua reação, o que precisava fazer não mudou.
Não havia tempo.
Gostasse ou não, precisava fazer isso.
Seria a última vez que cavaria um túmulo como um prisioneiro.
Os únicos desejos que tinha era que o plano desse certo e que pudesse lidar com o que viria depois.
Tradução: Taiyo
Revisão: Bravo, Guilherme e Taipan
QC: Milady
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